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| Altaneira tem 171 quilombolas, revela mapeamento inédito do IBGE. Na imagem, integrante da Comunidade Quilombola da Bananeira, em Altaneira, recebendo vacina contra a Covid-19 em 2021. (FOTO | Arquivo do blog). |
Por
Nicolau Neto, editor
1,3
milhão de habitantes no Brasil são considerados quilombolas é o
que revelou um mapeamento inédito do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), realizado por meio do Censo
Demográfico de 2022 e divulgado nesta quinta-feira, 27 de julho.
Essa
é a primeira vez que o IBGE registra oficialmente a população
quilombola no país e os dados demostram ainda que o Estado do Ceará
está entre os 10 (23,9
mil quilombolas) que apresentam o maior número dessa população,
estando ela presente em 67 dos 184 municípios. E Altaneira, no
cariri, figura nessa lista com 171 quilombolas, o que representa em termos proporcionais a 2,5% do total de habitantes do município (6.782). Nos outros
levantamentos, o município não aparecia.
É
importante lembrar que o critério adotado pelo IBGE para a
identificação da população quilombola, conforme estabelecido pela
legislação vigente no país, foi a autodeclaração no momento da
coleta de dados pelo recenseador ou recenseadora. Dessa forma, logo
após pergunta sobre a “cor ou raça”, independentemente da
resposta, a próxima pergunta foi “você se considera quilombola?”.
Se a resposta fosse positiva, havia outra pergunta, a saber: “qual
o nome da sua comunidade?”. Era possível inserir nomes que não
estavam gravados.
No
entanto, o aparecimento de Altaneira entre os municípios com
presença quilombola não é uma surpresa, mesmo não aparecendo em
nenhum levantamento organizado por outros órgãos e entidades. Devo
lembrar que em 2021 escrevi artigo sobre o fato após o município
ter ficado impedido de receber novas doses da vacina anticovid-19 por
não ter cumprido a meta, que era vacinar a população Quilombola
localizada na Bananeira, zona rural.
Destaquei
que o município havia encaminhado nota ao blog, onde desconhecia a
existência de comunidade no município como quilombola, mas que
havia entrado em contato via e-mail com o estado visando adquirir
mapeamento e a lista dos membros já que foi estipulado uma meta de
1250 pessoas a serem vacinadas.
Naquela
oportunidade, afirmei ainda que dados do próprio Governo do Ceará
ao citar as 70 comunidades quilombolas - incluindo as que não
dispõem de certificação junto a Fundação Palmares -, não
constava a referida comunidade de Altaneira. Mapeamento das
Comunidades Quilombolas do Ceará iniciado em 2018 e finalizado em
março de 2019, conforme publicação no Blog do Quilombo do Cumbe
(Cumbe é uma comunidade quilombola de Aracati) também não havia
menção desta em Altaneira.
Por
último, citei que o Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC)
e a Cáritas Diocesana de Crato – CE realizaram um importante
trabalho com comunidades rurais de algumas cidades da Região do
Cariri, Estado do Ceará. O material refere-se ao Mapeamento das
Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri. O trabalho que
foi publicado neste Blog ocorreu em 2010 e visitou 25 comunidades em
15 municípios e também não constava Altaneira.
No
entanto, trouxe a lume dados que apontavam a existência dela no
Sitio Bananeira. O mapeamento foi realizado pela Comissão Estadual
dos Quilombolas Rurais do Ceará (CEQUIRCE), conforme informações
repassadas pela equipe do governo municipal ao blog em 2021.
O
que os dados revelam?
Após
a Constituição de 1988 (CF/88) é que o termo “remanescentes de
quilombolas” aparece pela primeira vez em um contexto marcado pela
memória de mais de três séculos de escravidão, mas também por
mais 21 anos de recessão, de ausência de liberdade e de torturas
trazidas pela Ditadura Civil-Militar. O corpo e a mente do povo negro
sofre mais uma vez.
O
“remanescente de quilombolas” surge dentro desse contexto, mas
também marcado pela redemocratização e o Art. 68 da CF/88, no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias traz:
Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos.
Quilombos
e comunidades remanescentes destes são símbolos de resistência ao
poder estabelecido que segregou e segrega, que escravizou e de luta
por direitos básicos como liberdade, terra e moradia e inserção
social. O próprio artigo trazido a lume é um exemplo de que as
poucas conquistas da população negra são frutos do poder da
organização e da mobilização tendo como referência os movimentos
negros. Muitas das conquistas estão apenas nos papeis, infelizmente.
Outras, estão incompletas.
Agora,
com os dados inéditos do IBGE que apontam oficialmente que em
Altaneira há presença de quilombolas, é preciso reiterar o que
disse outrora. É fundamental um diálogo profundo e urgente entre o
poder público municipal e esta comunidade no sentido de criar
estratégias visando garantir direitos básicos, e o principal deles
é a regulação do território, passando, pois, pela regularização
de toda a documentação e efetivação da titulação junto aos
órgãos competentes.
Antes
da divulgação dos dados pelo IBGE, no último domingo (23) o blog
Negro Nicolau entrou em contato com um dos integrantes da comunidade
visando saber dos passos trilhados para o reconhecimento enquanto
comunidade remanescente de quilombo. Uma das indagações do blog foi
sobre a ata de reunião. Segundo Clécio Sousa, a comunidade está em
fase de conclusão de toda a documentação para entrar com processo
de reconhecimento. O blog também indagou sobre se foi promovida
alguma formação referente a história dos quilombos. A resposta foi
negativa.