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Vensam e a camiseta de sua campanha: "África não é um país". (FOTO| Reprodução | Facebook). |
O ativista pan-africanista
Vensam Iala, nascido na Guiné-Bissau e radicalizado no Brasil há 12
anos, não gostou quando viu o candidato a presidente pelo PDT, Ciro
Gomes, utilizar mais uma vez a expressão “fundão da África”
no primeiro debate entre os presidenciáveis. Esta semana, ele
viralizou ao postar um vídeo onde critica Ciro pelo uso do termo,
atualmente com quase 1 milhão de visualizações no tiktok e outras
250 mil no instagram.
“Eu
sei que você tem muito apreço pela França, mas da próxima vez que
for falar da África, não vá para Paris, vá para a Guiné-Bissau,
para o Senegal”, provocou Vensam. “O Monumento da
Renascença Africana (em Dakar, no Senegal) tem muito mais a te
ensinar.”
Ciro
falou em “fundão da África” pelo menos três vezes na
campanha até agora. Em entrevista ao G1 em 13 de junho do ano
passado, o candidato do PDT falou: “Isso aqui é um país do
fundão da África subsaariana, que não tem comida? Não. Nós somos
o maior produtor de alimentos do planeta Terra”.
Em
16 de agosto, no Roda Viva, voltou a usar o termo: “Nós não
somos um país do fundão da África, que não tem acesso a vacina”.
“É preciso ter um programa de renda mínima que erradique a
miséria porque o Brasil tem comida, diferente do fundão da África…
, disse, no debate da Band/UOL.
Em
novembro do ano passado, Ciro já havia feito comentários no mínimo
estranhos sobre o continente ao apresentador José Luiz Datena. “Nós
somos um país da África? Desorganizado, com bases tribais, com
geografia de deserto? Não! Nós somos o país que mais produz comida
no planeta Terra”, afirmou.
Antes
do guineense Vensam, outros influenciadores brasileiros negros já
haviam questionado o candidato no twitter pelo uso da expressão sem
significado, como o advogado Thiago Amparo e a poeta Elisa Lucinda.
Em
entrevista à jornalista Cynara Menezes, editora do Socialista
Morena, Vensam Iala, que se formou em Letras na Unesp e mora em São
Paulo, lamenta que haja um “desconhecimento gigantesco”
sobre a África no Brasil, inclusive na Universidade. E foi para
tentar diminuir esse desconhecimento que criou o projeto Visto
África, pensado a partir da principal forma de ignorância sobre o
continente africano condensada no slogan: “África não é um
país”.
“Se
isso acontece dentro da academia, imagina fora? Por isso criei esse
projeto, para criar outra imagem sobre o continente africano. Muito
pouco se fala sobre a África e quando se fala vem carregado de
imagens estereotipadas. É muito importante que, nesse momento que
estamos vivendo, numa narrativa decolonial, a gente traga pensamentos
outros, pensamentos novos.”
Para
Vensam, Ciro tem se referido à África com menosprezo. “No
debate da Band, acho importante fazer essa ressalva, não tinha
nenhuma pessoa negra, e a questão que estava a se falar não era
nada voltada à questão racial, ao racismo. Não tem nenhum pretexto
que encaminhasse para uma fala em que a África fosse mencionada
dessa forma pejorativa. Existe essa carga de menosprezo, de não
consideração aos africanos, à África de maneira geral. Ele fala
em ‘fundão’. O que é esse ‘fundão’? O tom que carrega…
Nós não somos ignorantes ou inocentes, nós sabemos em que contexto
foi usado”, disse.
“Não
é uma fala de hoje, é uma fala muito recorrente desde a invasão
colonial, essa visão da África como um lugar restringido à
miséria, à pobreza. Nunca a África serve de modelo econômico, por
exemplo. Nós sabemos que há vários países da África com economia
melhor que o Brasil”, continua. “Se o Ciro gosta de
economia, de trabalhar com números, poderia por exemplo trazer o
Carlos Lopes, um dos maiores economistas do continente africano, que
tem livros publicados sobre o modelo de desenvolvimento da África e
que pode servir para o Brasil inclusive. Mas não, interessa para ele
trazer essa imagem que já está muito viciada, parece que é um
discurso decorado ele falar desse ‘fundão’.”
Em
uma das entrevistas onde fala em “fundão da África”, ao
G1, Ciro é mais específico ao citar a “África subsaariana”
como sendo a região à qual se refere. O problema é que a “África
subsaariana”, antigamente chamada de “África negra”,
ocupa mais de dois terços do continente abaixo do Egito, da Argélia,
da Líbia, da Tunísia e de Marrocos (países da África do Norte).
Todos os demais países são o que Ciro chama de ‘”fundão da
África”, inclusive a África do Sul…
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Com
informações do Socialista Morena. Clique aqui e leia na integra.