Lurian
(pronuncia-se Lurián) parece ter aquela notável capacidade das pessoas simples
de resistir às piores tragédias. Assim como o pai, Luiz Inácio Lula da Silva,
não se deixa consumir pela indignação, o ressentimento ou a desesperança. Segue
o jogo, confiante na virada improvável. De pessoa despachada, está agora mais
reclusa, “com vontade de ver filmes e
ficar com a neta”. Aos 44 anos, é mãe de Beatriz, de 23, e João, de 14. Avó
de Analua, de 1 ano e 8 meses, esforça-se como pode para que ela não se esqueça
do bisavô, preso há mais de sete meses. Para tanto, recorre a um peso de porta,
um Lula de feltro recheado de pedras. Analua segura o boneco nas mãos. No
esperanto dos bebês, despacha com o ex-presidente.
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LURIAN E O PAI. SE ELA ESTAVA SEM DINHEIRO, OUVIA: “MAS VOCÊ NÃO É FILHA DO LULA?” |
Lurian
Cordeiro Lula da Silva ficou famosa aos 15 anos. Em 1989, sua mãe, Miriam,
apareceu na campanha presidencial de Fernando Collor de Mello a afirmar que
Lula “me ofereceu dinheiro para abortar”.
Depois do parto, disse, entregou a filha “no colo” dele: “Agora você mata”.
Lula perdeu a eleição. O episódio entrou para a história política do País como
uma de suas passagens mais deploráveis. “Fui citada como filha bastarda”, diz
Lurian. “Que filha bastarda, se o
declarante da minha certidão de nascimento era ele?” O episódio é superado
entre mãe e filha. Lula nunca mais falou com Miriam Cordeiro.
Jornalista,
não chegou a trabalhar em uma grande redação. “Que jornal daria emprego a uma filha do Lula?” Assim como já se
disse que o irmão era dono da Friboi, Lurian foi acusada de ser proprietária de
uma ONG que teria recebido repasse de 9 milhões de reais do governo Lula. Seria
dona, ainda, de uma pioneira fábrica de tomadas de três pinos, motivo pelo qual
papai teria mudado o padrão brasileiro. Lurian nunca teve uma ONG. Jamais
fabricou tomadas. É assessora da deputada estadual Rosângela Zeidan (PT-RJ) e,
desde o ano passado, presidente do PT de Maricá, no Rio de Janeiro.
“Maricá é uma merda de lugar”, disse o
ex-prefeito do Rio Eduardo Paes (DEM), durante conversa com Lula interceptada
pela polícia. A cidade da Região dos Lagos parece de fato não gozar de grande
cartaz. “Outro dia, uma pessoa disse:
‘Você é filha do Lula, o que está fazendo aqui em Maricá?’ Respondi: ‘Eu moro aqui, uai.’ Ela: ‘Mas então você tem
uma irmã que está rica, não?’ ‘Não.
Nem rica nem pobre, tampouco irmã, já que só tenho irmãos.’” Lurian recebe
salário líquido de cerca de 5 mil reais, mora em um apartamento financiado, e
tudo que possui é um Ford Fiesta, cujo ano não faz ideia.
Na
segunda-feira 26, Lula foi novamente denunciado, dessa vez por lavagem de
dinheiro em negócio na Guiné Equatorial. “O
que se pretende é que Lula morra”, comentou a presidente do PT, Gleisi
Hoffmann. No mesmo dia, Lurian sugeriu “uma
delicatessen muito boa” em Niterói para a conversa com Carta Capital.
Tratava-se, a bem da verdade, de uma conveniência de posto de gasolina, o que
talvez tenha deixado este repórter sugestionado com relação à simplicidade de
sua interlocutora. Lurian comeu tapioca e misturou o suco com a faca. Fez
questão de pagar a conta, para o que recorreu a um conjunto de notas de 2 reais
completamente amassadas em sua carteira. Antes, concedeu a seguinte entrevista.