Em
contundente relato, a historiadora Luana Tolentino, que já foi babá e empregada
doméstica e que recebeu a Medalha da Inconfidência de 2016, contou essa e
outras experiências que passou ao longo de sua vida por conta do racismo
institucional enraizado em nosso país.
Da
Revista Fórum - “No imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros
devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca
escolaridade”.
Leia a íntegra e se emocione:
Leia a íntegra e se emocione:
Hoje
uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina.
Altiva
e segura, respondi:
–
Não. Faço mestrado. Sou professora.
Da
boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o
constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa.
Não
me senti ofendida com a pergunta. Durante uma passagem da minha vida arrumei
casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi com o dinheiro que recebia que
por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar comida e consegui pagar o
primeiro período da faculdade.
O
que me deixa indignada e entristecida é perceber o quanto as pessoas são
entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só perguntou se eu faço
faxina porque carrego no corpo a pele escura.
No
imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar
somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se
trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada
doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel.
É
esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no meu primeiro dia de
trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais. É essa mentalidade
que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de uma amiga que fui
visitar. É essa construção racista que induziu uma recepcionista da cerimônia de
entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do
Estado de Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na
verdade, eu era uma das homenageadas.
Não
importa os caminhos que a vida me leve, os espaços que eu transite, os títulos
que eu venha a ter, os prêmios que eu receba. Perguntas como a feita pela
senhora que nem sequer sei o nome em algum momento ecoarão nos meus ouvidos. É
o que nos lembra o grande Mestre Milton Santos:
“Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o pobre. (…) Não será humilhado, porque a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico.”
É
o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além. Segundo a intelectual negra
norte-americana, sempre haverá alguém para nos chamar de “macaca/o”. Desde a
tenra idade os brancos sabem que nenhum outro xingamento fere de maneira tão
profunda a nossa alma e a nossa dignidade.
O
racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente as manifestações racistas serão
extirpadas por completo. Em função disso, Ângela Davis nos encoraja a
concentrar todos os nossos esforços no combate ao racismo institucional.
É
o racismo institucional que cria mecanismos para a construção de imagens que
nos depreciam e inferiorizam.
É
ele que empurra a população negra para a pobreza e para a miséria. No Brasil,
“a pobreza tem cor. A pobreza é negra.”
É
o racismo institucional que impede que os crimes de racismo sejam punidos.
É
ele também que impõe à população negra os maiores índices de analfabetismo e
evasão escolar.
É
o racismo institucional que “autoriza” a polícia a executar jovens negros com
tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas.
É
o racismo institucional que faz com que as mulheres negras sejam as maiores
vítimas da mortalidade materna.
É
o racismo institucional que alija os negros dos espaços de poder.
O
racismo institucional é o nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar.
A
recente aprovação da política de cotas na UNICAMP e na USP evidencia que
estamos no caminho certo.