Salvaguardadas
as exceções, ainda é tímido, na tradicional narrativa histórica, o espaço
conferido às mulheres na construção social, política, cultural e econômica do
Brasil.
Nexo - O
protagonismo masculino perdura nesse terreno, bem como no da memória social. Assim,
o passado segue se organizando em torno do vulto de grandes homens, refletidos
em monumentos, nomes de ruas e episódios consagrados no imaginário popular.
Um
livro gratuito publicado pela Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, tenta
corrigir um pouco dessa distorção, apresentando 18 mulheres brasileiras que se
destacaram ao longo dos últimos séculos.
Em
comum entre si, as homenageadas na obra “Memória Feminina: mulheres na
história, história de mulheres” têm contribuições que se encontram, “em sua
maioria, representadas em museus e espaços de memórias”, como arquivos e
centros culturais.
Apesar
desse foco, segundo escrevem na apresentação os pesquisadores Maria Elisabete
Arruda de Assis e Maurício Antunes, além de patrimônios materiais
(representados por objetos pessoais, obras de arte, manuscritos, livros),
buscou-se acessar os imateriais. Quer dizer, os que “não estavam apenas nos
museus brasileiros, mas também nas comunidades locais”: tradições legadas de
uma geração para a outra.
É
por isso que o leitor encontra artigos sobre as cirandas de Lia de Itamaracá, a
preservação da tradição religiosa de matriz africana Xambá por Mãe Biu em
Pernambuco, bem como a contribuição de Dona Santa, na preservação dos
maracatus.
Também
há um texto sobre a líder sindicalista Margarida Alves, defensora dos direitos
dos trabalhadores sem terra assassinada em 1983 e inspiradora da Marcha das
Margaridas.
A importância feminina na literatura
No
campo das letras, aparecem Carolina Maria de Jesus, Pagu e Clarice Lispector. A
primeira, moradora de uma favela paulistana, ganhou notoriedade mundial ao
publicar o livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada”, em 1960. Nessa
obra, vêm à tona as condições precárias de vida de parcela significativa da
população, em especial das mulheres pobres.
“Essas mulheres, como Carolina, responsáveis
por seu próprio sustento, apesar de desqualificadas pela imprensa e por fontes
oficiais, compunham um grupo que teve presença constante e intensa pelas ruas
da cidade de São Paulo desde o período colonial. Suas falas, entretanto, sempre
apareciam de forma indireta, transcritas nos documentos pela pena dos
escrivães, o que as impedia de assumir um protagonismo narrativo”
(Elena
Pajaro Peres historiadora, responsável pelo artigo sobre Carolina Maria de
Jesus)
Figuras de destaque nas lutas
feministas e nas artes
O
livro ainda traz o perfil de pessoas de “inestimável contribuição para a
mudança do papel da mulher na sociedade quanto aos seus direitos”, como a
zoóloga Bertha Lutz, sufragista nos anos 1920, e a escritora Francisca
Senhorinha da Motta Diniz, que fundou, no século 19, o primeiro periódico do
país pela emancipação feminina.
As
artistas plásticas Tarsila do Amaral, Maria de Lourdes Martins Pereira de
Souza, Lygia Pape, Djanira da Motta e Silva, Georgina de Albuquerque e Nair de
Teffé aparecem retratadas em seus contextos históricos e por meio de suas
trajetórias de vida e profissional.
Há
ainda relatos sobre a atriz Leila Diniz, identificada como um símbolo da
liberdade sexual dos anos 1960, e Nise da Silveira, proeminente figura da
psiquiatria brasileira no século passado. Um capítulo do livro é dedicado à
figura da “Miss Sambaqui”, um crânio de mulher pré-histórico encontrado no
litoral paulista na década de 1950.
Anonimato e invisibilidade
Segundo
Maria Elisabete Arruda de Assis, diretora do Museu da Abolição, e Maurício
Antunes, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, as histórias são
cristalizações de muitas outras, anônimas e invisibilizadas.
A
intenção é que se tornem espelhos para brasileiras, jovens e adultas, se
olharem, se reconhecerem e se projetarem no futuro, “como cidadãs a serem respeitadas nas diferenças e na luta pela
conquista da igualdade de gênero em nossa sociedade”.
Ainda de acordo com eles, o objetivo do livro
é desmontar preconceitos que esconderam ou apagaram a presença das mulheres na
história do Brasil.
“Nossa história coletiva ganha com acercar-se
desse conjunto de mulheres que foram sujeito da história de nosso país: sim,
temos pintoras, escultoras, escritoras, atrizes, cientistas que foram rebeldes
e afirmaram-se como protagonistas”
(Tatau
Godinho doutora em ciências sociais, no prefácio do livro)
Carolina Maria de Jesus, um dos principais nomes da literatura no Brasil. Foto: Adálio Dantas/ Agência Brasil. |