Um
grupo Gamela acabou brutalmente atacado na tarde desse domingo (30) no Povoado
de Bahias, município de Viana no Maranhão. Os indígenas decidiram se retirar de
uma área tradicional retomada e, enquanto saíam, sofreram uma investida de
dezenas de homens armados de facões, paus e armas de fogo. Pouco puderam fazer em defesa própria a não
ser correr para a mata. Um carro de polícia estava junto ao grupo de
fazendeiros e capangas antes da ação violenta.
Congresso em Foco -
Pelo menos cinco indígenas feridos em estado grave foram internados no hospital
Socorrão 2, Cidade Operária, na capital São Luís. Um deles levou dois tiros.
Além disso, um teve as mãos retiradas a golpes de facão, na altura do punho, e
outro, além das mãos, teve os joelhos cortados nas articulações. Os dois ainda
permanecem internados em estado grave. Outros 13 foram feridos com golpes de
facão e pauladas. Os dados ainda são parciais. Vários outros indígenas estão
feridos.
Em
alguns casos, há índios com ferimentos mais severos. Não há confirmação de
óbitos. As vítimas estão recebendo os cuidados médicos nos hospitais de Viana,
Matinha, Olinda Nova do Maranhão e Penalva – para onde foram levados.
“Estavam
bêbados. Já tínhamos nos retirado da casa, estávamos tomando o caminho de
volta. Chegaram atirando e dando com pau e facão. Foi muito rápido, muito
rápido”, diz um indígena ouvido pela equipe de comunicação do Cimi (os nomes
foram omitidos por se tratam de testemunhas da agressão). Com dedos fraturados
e a cabeça atingida possivelmente por um facão, o Gamela estava ao lado de um
outro indígena também com ferimentos no rosto e no braço.
No
momento do ataque, de acordo com os Gamela, a Polícia Militar estava no local e
não interveio. Por volta das 20h30, o delegado Mário, de plantão da Delegacia
Regional da Polícia Civil de Viana, afirmou por telefone à equipe do Cimi que
não sabia ao certo o número de feridos Gamela por entender que na região eles
não são vistos como indígenas.
“Tem
uma questão aqui, que eles (Gamela) não são aceitos pela população local como
sendo indígenas. Tem uma grande questão aqui sobre isso, eu mesmo não sei se
eles são indígenas ou não são, até agora a gente não sabe, entendeu?”, disse o
delegado. O Governo do Estado foi informado do ataque contra os Gamelas por
intermédio da Secretaria Estadual de Direitos Humanos.
Esse,
no entanto, não é um caso isolado na região. Em 2015, um ataque a tiros foi
realizado contra uma área retomada. Em 26 de agosto de 2016, três homens
armados e trajando coletes à prova de bala invadiram outra área e foram
expulsos pelos Gamela, que mesmo sob a mira de armas de fogo os afastaram da
comunidade.
Ação premeditada
De
acordo com farto material público divulgado em redes sociais e mídia,
apoiadores do povo Gamela e as lideranças indígenas afirmam que o ataque foi
premeditado. “Fazendeiros e gente até de fora aqui da região passaram o dia
reunidos, fazendo churrasco e bebendo. O encontro foi convocado dias antes,
logo após a nossa última retomada”, diz uma liderança Gamela.
Na
última sexta-feira, 28, os Gamela retomaram uma área (na foto ao lado) contígua
à aldeia Cajueiro Piraí localizada no interior do território tradicional
reivindicado pelo povo. Na ocasião, os Gamela trancaram a rodovia MA-014 em
apoio à greve geral e em sincronia com o 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que
ocorria em Brasília. Em seguida, retomaram a área incidente na terra indígena,
localizada ao fundo da aldeia Nova Vila, usada para a criação de búfalos e
gado.
Parlamentar envolvido
Por
meio de entrevista a uma rádio local, o deputado federal Aluísio Guimarães
Mendes Filho (PTN/MA), que foi assessor presidencial de José Sarney e
secretário de Segurança Pública na última gestão do governo de Roseana Sarney
no Maranhão, após a retomada de sexta-feira (28), chamou os Gamelas de
arruaceiros e, em diversos momentos, emitiu opiniões com teor de incitação à
violência. Num trecho o parlamentar percebe os excessos e tentar baixar o tom.
“Botou gasolina na fogueira que acenderam pra queimar o nosso povo. Não teve responsabilidade com as nossas vidas. As notícias que chegavam eram de uma concentração cada vez maior de fazendeiros pra nos atacar. Mobilizaram por celular e pelas rádios. Pegaram gente de outras regiões. Pensávamos que seria na (aldeia) Cajueiro, mas quando percebemos que seria no Povoado das Bahias, não tinha como ficar lá com tão pouca gente. Olha, foi um massacre”, destaca um outro Gamela presente na hora do ataque e que sofreu apenas escoriações.
A
equipe de comunicação do Cimi teve acesso a áudios de ligações telefônicas, que
serão encaminhadas às autoridades públicas. Em uma gravação, os policiais
afirmam que os indígenas estavam invadindo fazendas e diz que a polícia estava
“largando o pau” nos Gamelas. “Estavam invadindo fazendas e a polícia estava
largando o pau mesmo e parece que balearam dois, viu. (…) os índios tá botando
bem curtinho. Vai dar morte ali. Já foi hoje já”. Em outro, o policial afirma:
“não sabe se dá pra mandar gente lá (local do conflito) porque é a população
contra os índios mesmo”.
Na
região, os fazendeiros têm se revoltado com o movimento de “corta de arame”
empreendido pelos Gamela por todo o território tradicional. A cada cerca
levantada, os indígenas vão e cortam seus arames.
Ações contra o massacre
O
Governo do Estado do Maranhão, por intermédio das secretarias de Segurança
Pública e Direitos Humanos, já foi informado dos fatos. A Fundação Nacional do
Índio (Funai) também foi notificada. O grupo pretende pedir apoio ao governo
federal para garantir direitos humanos básicos e proteção. Os índios Gamela
acreditam que as polícias Militar e Civil são próximas dos principais
opositores da pauta indígena.
O
Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a 6a Câmara de Coordenação e
Revisão, que cuida dos assuntos ligados aos povos indígenas e quilombolas na
Procuradoria-Geral da República (PGR) já estão analisando formas de intervenção
na situação. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a
relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz,
será comunicada nas próximas horas sobre o ataque contra os Gamela.
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Os indígenas já haviam decidido se retirar de uma área tradicional retomada no Maranhão. Foto: Divulgação/CIMI. |