17 de outubro de 2025

‘O racismo estrutural continua presente’: professora processa USP após passar em concurso e ter nomeação anulada

 

A professora Érica Bispo. (FOTO | Renner Boldrino | Divulgação).

A professora e doutora Érica Bispo abriu uma ação judicial contra a Universidade de São Paulo (USP) após ter sua nomeação anulada para o cargo de docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Ela havia sido aprovada em primeiro lugar no concurso público promovido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), unidade responsável pela seleção.

A decisão de anulação foi tomada no dia 18 de março deste ano pelo Conselho Universitário da USP, órgão máximo da instituição, após seis candidatos brancos entrarem com um recurso em junho de 2024 alegando suposta “amizade íntima” entre Érica e integrantes da banca avaliadora.

A ação foi embasada em fotos de eventos acadêmicos, postadas em redes sociais, em que Érica e membros da banca aparecem juntos. Anteriormente, a Congregação da FFLCH havia rejeitado os recursos internos e mantido o processo de contratação da professora.

Nas redes sociais, Érica denunciou o ocorrido e apontou racismo no processo. “Eu fui a única candidata preta a me candidatar a fazer esse concurso, e seis candidatos brancos entraram com recurso, alegando, dentre outras coisas, que eu não tinha capacidade para me tornar professora da USP. Eles alegaram que eu tinha um certo favorecimento. Tem um caráter discriminatório. Eu passei por mérito, em primeiro lugar”, afirmou Érica em publicação nas redes sociais.

Em entrevista à Alma Preta, Érica reforçou a importância de denunciar o caso como forma de combater o apagamento histórico das injustiças contra a população negra.

“A denúncia colabora para a visibilização das injustiças. Quando denunciamos, mostramos que essa narrativa construída durante séculos, pelo processo de colonização e escravização e pela ausência de políticas públicas no pós-abolição, precisa ser desconstruída. Precisamos mostrar que o racismo estrutural continua presente”, conta.

Defesa aponta violação de direitos e injustiça

Os advogados de Érica, Carlos Barbosa Ribeiro e Raphael de Andrade Neves, afirmam que houve cerceamento de defesa, pois manifestações técnicas protocoladas por eles não teriam sido incluídas no processo. Segundo a defesa, o conselho deliberou a anulação sem considerar documentos e argumentos apresentados dentro do prazo legal, já que o recurso feito pelos concorrentes foi feito após a divulgação do resultado. 

Os advogados destacam ainda que as acusações se baseiam apenas em fotografias de eventos acadêmicos, o que não configura “amizade íntima”, critério legal necessário para anular um ato administrativo por suspeição. Além disso, Érica teria recebido notas compatíveis de todos os cinco membros da banca, o que, segundo a defesa, anula a tese de favorecimento.

O caso também foi levado ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), que decidiu arquivar o procedimento por entender que não houve atos de improbidade administrativa ou irregularidade por parte dos agentes públicos envolvidos.

Mesmo assim, em 30 de setembro, a USP publicou o edital FFLCH/FLC nº 037/2025, abrindo um novo concurso para a mesma vaga anteriormente conquistada por Érica.

Segundo o advogado Raphael de Andrade Neves, houve violações de direitos.

“A decisão da USP não se sustenta, pois ignorou a ausência de provas, violou garantias constitucionais básicas da nossa cliente e acolheu uma denúncia manifestamente preclusa. O fato de o Ministério Público já ter arquivado uma investigação sobre os mesmos fatos reforça a necessidade de anulação do ato administrativo que invalidou o concurso”, afirma.

O também advogado Carlos Barbosa Ribeiro complementa que o novo concurso aberto agrava a situação.

“O que está em jogo vai além de um concurso público. Trata-se da defesa da meritocracia e da segurança jurídica. A recente publicação de um novo edital pela USP para a mesma vaga é um ato que agrava a injustiça e torna urgente uma apreciação judicial”, aponta.

USP afirma que decisão é definitiva
Procurada pela reportagem a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da US informou que não pode reverter a decisão, por ser tomada pelo Conselho Universitário. “Sendo uma decisão do Conselho Universitário, a FFLCH não tem como reverter a decisão”, afirma na nota.

A instituição de ensino também confirmou as alegações que motivaram a anulação. 

“Após análise, a Procuradoria Acadêmica da USP recomendou a anulação do concurso, que foi aprovada pelo Conselho Universitário, que considerou que havia indícios de relações de proximidade da candidata aprovada e indicada com pessoas integrantes da banca. Essa conclusão teve embasamento em postagens em redes sociais em que, além de fotos, havia expressões de amizade”.
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Por Thayná Santana, na Alma Preta.

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