27 de outubro de 2025

O caso de Érica Bispo desmonta a meritocracia

 

A professora doutora Erica Bispo. (FOTO | Reprodução | Redes Sociais).

 Sou mulher e sou preta. Então, tudo que faço tem que ter erros. Se não tiver, arranjam.” – Paulina Chiziane.

Érica Bispo foi aprovada em primeiro lugar no concurso para docente de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Uma conquista valiosa quando pensamos no lugar que a USP ocupa no cenário da educação no Brasil e no mundo. No entanto, Érica teve que interromper o contentamento por causa de pessoas brancas concorrentes no certame, que assinaram denúncias contra a sua aprovação. O concurso foi cancelado.

Se não fosse trágica e real, a história cairia muito bem como uma sátira cruel. Só num país profundamente marcado pelo racismo, as pessoas brancas se unem para tomar o lugar conquistado de maneira legítima por uma mulher negra.

Lembro de uma passagem do texto “As Cidadanias Mutiladas”, escrito pelo geógrafo Milton Santos: “Quem por acaso passeou na maior universidade deste estado e deste país, a USP não tem nenhuma dúvida de que ela não é uma universidade para negros.”

Milton escreveu a reflexão há mais de 20 anos, mas continua atual. Sabemos que, desde o primeiro governo do presidente Lula (2003-2006), as universidades passaram a ter um aumento de estudantes negros e pobres. Mesmo assim, as universidades públicas continuam excludentes, com diversos cursos como Direito, Engenharias, Medicina sendo majoritariamente brancos.

O número de docentes negros é vergonhoso. Existem menos de 4% de professores negros nos quadros da USP, segundo o relatório da Rede Liberdade e Ação Educativa (2025). Mas podemos ir um pouco adiante, o último Censo da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), revelou que apenas 21% dos docentes no ensino superior brasileiro são negros.

Não há como ignorarmos que o racismo institucional é o pilar principal desta baixa densidade na docência universitária, desconstruindo todos os discursos defensores da meritocracia. Érica Bispo provou ser a melhor preparada, mas ela não é uma mulher branca. Por isso, os brancos arranjaram um erro.

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Por Ricardo Corrêa, na Alma Preta.

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