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Museu Nacional abrigava parte importante da história antropológica e científica da humanidade. (Foto:Tânia Rego/Agência Brasil).
"Todos que por aqui passem, protejam esta
laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um
marco na história de um povo que soube construir seu próprio futuro."
Após o incêndio que destruiu o Museu Nacional neste domingo, a frase inscrita
em lápide na entrada do local soa como um grito de socorro.
Com
20 milhões de peças e documentos, tratava-se do quinto maior museu do mundo em
acervo. Suas obras contavam uma parte importante da história antropológica e
científica da humanidade. Talvez o exemplo mais emblemático seja o fóssil com
mais de 11 mil anos de Luzia, a mulher mais antiga das Américas, cuja
descoberta nos anos 1970 reorientou todas as pesquisas sobre a ocupação da
região.
Ali
também estava a reconstrução do esqueleto do Angaturama Limai, o maior
dinossauro carnívoro brasileiro, com quase todas as peças originais, algumas
com 110 milhões de anos. O sarcófago da sacerdotisa Sha-amun-en-su, mumificada
há 2.700 anos e presenteada a Dom Pedro 2º em 1876, nunca tinha sido aberto. A
coleção de múmias egípcias e a de vasos gregos e etruscos evidenciam o perfil
transfronteiriço do acervo, que também abrigava o maior conjunto de meteoritos
da América Latina.
Menos
de 1% dessas obras estava exposta ao público. Centro de pesquisa e
pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Museu
Nacional é uma referência para pesquisadores das mais diversas áreas, como
etnobiologia, paleontologia, mineralogia, antropologia, entre outras.
"Tudo isso traz consigo, ainda, a destruição
das carreiras de cerca de 90 pesquisadores que dedicavam a sua vida
profissional dentro daquele espaço. Todo o arquivo histórico, que estava
armazenado num ponto intermediário do prédio, foi destruído. São 200 anos de
história que se foram", disse à emissora GloboNews Luiz Fernando Dias
Duarte, diretor-adjunto da instituição.
Em
junho, a direção do museu tinha garantido um investimento de 21 milhões de
reais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a
revitalização do prédio histórico, incluindo o acervo e espaços de exposição.
Uma
parcela do dinheiro seria liberada antes, para viabilizar a retirada de
produtos inflamáveis do prédio, como animais mantidos em frascos com álcool e
formol. De acordo com o diretor-adjunto, parte desse acervo inflamável já tinha
sido retirado, mas outra parte ainda estava no interior do museu. Procurava-se
um local adequado para armazenar esse material até que o prédio fosse
reformado.
O
incêndio começou por volta de 19h30, quando o prédio já estava fechado para
visitantes. Segundo o Corpo de Bombeiros, não houve vítimas. O museu fica no
Palácio de São Cristóvão, que abrigou a família real portuguesa quando esta
veio para o Brasil, em 1808, e, desde a proclamação da independência, em 1822,
a família real brasileira.
Foi
justamente no dia 2 de setembro – tal como neste domingo – que a princesa
regente Leopoldina assinou, no palácio, o decreto que viria a separar o Brasil
de Portugal. Dom Pedro 1º estava em São Paulo e só faria a proclamação oficial
cinco dias depois.
O
palácio integra a Quinta da Boa Vista, na Zona Norte do Rio, que atualmente
funciona como um parque municipal. De acordo com apuração da Folha de S. Paulo,
os bombeiros tiveram que utilizar a água do lago que há no local para combater
o fogo, além de um caminhão-pipa, porque os hidrantes próximos ao edifício
estavam sem água.
Há
apenas dois meses, o museu tinha celebrado 200 anos de sua criação. Em
homenagem ao aniversário de dois séculos, foi tema do enredo da escola de samba
Imperatriz Leopoldinense no Carnaval deste ano. Apesar do prestígio, a primeira
instituição científica do Brasil vinha sofrendo cortes em seu orçamento nos
últimos anos e, desde 2014, não recebia a verba de 520 mil reais anuais
necessária para sua manutenção.
Naquele
ano, em que as atenções estavam voltadas para as arenas milionárias da Copa do
Mundo, foram repassados apenas 427 mil. Nos anos seguintes, 257 mil em 2015,
415 mil em 2016, 246 mil no ano passado e apenas 54 mil até abril deste ano.
Sua estrutura apresentava sinais visíveis de má conservação, como fios
elétricos expostos e paredes descascadas.
À
medida em que novas informações sobre o incêndio eram veiculadas no noticiário,
aumentava a comoção nas redes sociais. O assunto virou trending topic mundial
do Twitter, com 553 mil menções até o início da madrugada desta segunda-feira.
As críticas se dirigiam ao descaso com o patrimônio. Internautas lembravam que
o valor necessário para manter o espaço anualmente era inferior ao custo de um
juiz do Supremo Tribunal Federal aos cofres públicos, ou dez vezes o teto do
auxílio-moradia.
A
emenda constitucional que congelou por 20 anos os investimentos públicos também
foi muito criticada. O baixo valor repassado ao museu neste ano era associado
por muitos à limitação orçamentária imposta pela lei, e muitos apontavam a
tragédia como o início de um período de abandono do patrimônio público e de
serviços essenciais.
As
estruturas da UFRJ foram alvo de sucessivos incêndios nos últimos anos. Em
2011, na capela do campus da Praia Vermelha; em 2012, na Faculdade de Letras;
em 2014, no Centro de Ciências da Saúde; em 2016, no prédio da reitoria e, em
2017, no alojamento estudantil.
Um
levantamento do portal G1 mostrou que, desde 2013, 90% das 63 universidades
federais operam com perdas reais de orçamento. Nesse período, o repasse total
garantido pelo Ministério da Educação encolheu 28,5%. A reitoria da
universidade já reclamava, em agosto do ano passado, que os sucessivos cortes
de verbas desde 2014 afetam gravemente o funcionamento da universidade.
O
presidente Michel Temer afirmou que a perda do acervo é um prejuízo
incalculável para o Brasil. "Hoje é
um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos 200 anos de
trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode
mensurar pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É
um dia triste para todos brasileiros", postou o presidente em sua
conta no Twitter.
O
Ministério da Educação afirmou que "lamenta
o trágico incêndio ocorrido neste domingo no Museu Nacional do Rio de Janeiro,
criado por dom João 6º e que completa 200 anos neste ano. O MEC não medirá
esforços para auxiliar a UFRJ no que for necessário para a recuperação desse
nosso patrimônio histórico".
Em
suas páginas nas redes, pesquisadores do Museu criticaram a declaração do
ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, apontando a impossibilidade de recuperar
o acervo destruído pelo fogo. "Já
falei com o presidente Michel Temer e com o ministro da Educação. Amanhã
(segunda-feira) vamos começar a fazer o projeto de reconstrução do Museu
Nacional. Para ver quanto é e como viabilizar", declarou. (Com
informações de CartaCapital).
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3 de setembro de 2018
Dois séculos de História; 20 milhões de acervos destruídos; Um patrimônio que se foi.
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