Depois de quase um mês, volta a chover em Altaneira



A última pancada de chuva antes da registrada nesta sexta-feira, 23, tinha ocorrida no dia 28 de fevereiro. De lá para cá, foram 21 dias ensolarados.

A angústia era visível em agricultores e agricultoras. “Sem não chover, vamos perder nossas plantações”, dizia um. Mas a esperança ainda era a tônica na grande maioria que aguardava ansiosos para o dia 19 de março que, segundo eles, é sinônimo de chuva. “No dia de São José sempre tem chuva. Vamos aguardar”, pregava esperançoso outro.

Mas a segunda-feira foi embora e chuvarada passou longe de Altaneira. Março parece que veio mesmo para confrontar com fevereiro. Enquanto este rendeu 355.50 mm distribuídos em 13 dias, os altaneirense tiveram que se contentar com apenas 10 mm. Os primeiros pingos começaram por volta das 1h30mim da manhã desta sexta-feira. Os dados foram colhidos junto a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme).

O professor José Evantuil, um dos que apostava em pancadas de chuva no dia do padroeiro do Estado do Ceará, registrou garoas (foto que ilustra a matéria) ainda pela manhã. “Embora o dia de São José tenha passado em seco. Hoje amanheceu nessa garoa”, escreveu ele em sua conta no facebook.

Rua José Rufino de Oliveira, em Altaneira. (Foto: José Evantuil).




Secretaria da Educação do Ceará realiza eleição de diretores da rede pública estadual de ensino



A Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc) realiza, até a próxima quarta-feira, 28, o processo de votação para escolha de diretores e diretotas das escolas da rede pública estadual de ensino. A eleição direta e secreta junto à comunidade escolar consiste na segunda etapa do processo de escolha e indicação de gestores, iniciado em dezembro de 2017.  A posse está prevista para o dia 05 de abril.

Paulo Robson é candidato único ao cargo de diretor da
Escola Santa Tereza, em Altaneira.
(Foto: Reprodução/Facebook).
Estão aptos/as a participarem da eleição candidatos e candidatas integrantes do Banco Unificado de Gestores Escolares, composto a partir dos resultados da Seleção Pública e da Certificação de Gestores Escolares. Participam do processo eleitoral alunos, professores, servidores e pais, mães ou responsáveis pelos estudantes matriculados na instituição de ensino.

Segundo a Seduc, a votação é secreta, com o uso de urnas manuais em cada unidade de ensino. A eleição será realizada durante um dia letivo, conforme calendário definido, no horário de 9 h às 21 h.

Será considerado eleito como diretora o/a candidato/a escolhido/a pela comunidade escolar que obtiver no mínimo a metade mais um dos votos válidos. A divulgação do resultado do pleito deverá ser feita pela comissão escolar no mesmo dia de conclusão da votação. Os eleitos assumirão o cargo de diretor para um período de quatro anos.

O processo de eleição na Escola de Ensino Médio Santa Tereza, em Altaneira, está marcado para a próxima segunda-feira, 26. O professor Paulo Robson é o único candidato ao cargo de diretor.

Paulo possui graduação em Tecnologia da Construção Civil pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e mestrado pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), sendo professor efetivo da rede estadual e rede municipal de ensino e atualmente é coordenador de estágio na Escola Estadual de Educação Profissional Welington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda.


Marielle: as mentiras levam a um site-fantasma ligado ao MBL



Ao percorrer a onda de mentiras contra Marielle Franco o jornal O Globo, apoiado em  dados colhidos pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) ,  encontrou uma peça fundamental que já tinha sido denunciada no ano passado pelo Catraca Livre : o site ceticismo político,  sem expediente nem fonte de contato, usado frequentemente como referência pelo MBL. Portanto, um site-fantasma.

Seu suposto editor Luciano Ayan é um mistério: não há nenhuma foto dele nem dados sobre sua vida em fontes confiáveis. O site é registrado na Dinamarca - portanto, é impossível rastrear seus verdadeiros donos.

Esse site foi, no ano passado, um dos núcleos de ataque contra o Catraca Livre, no geral, e seu fundador, Gilberto Dimenstein, em particular, quando investigamos as ações do MBL nas redes sociais, usando sites e perfis falsos. Para ver as ligações do site com o MBL basta fazer uma procura do Google. É uma infinidade de posts elogiando ou defendendo o MBL produzidos pelo Ceticismo Político.

Mas o MBL afirma não conhecer Luciano Ayan. Ou seja, elas replicam há anos um site, a quem conferem crediblidade, sem nunca se perguntar quem é o editor. Ou mesmo se existe,
Mostramos o funcionamento do JornaLivre, que não tinha nome de editor nem expediente. Diante da pressão, "Roger Scar" assumiu a autoria. É uma rede que se alimenta, compartilhando  posts e perfis. Neste ano, o Ceticismo Político atacou duramente João Dória porque Dimenstein foi condecorado como a medalha Cidade de São Paulo - a mesma opinião foi compartilhada por sites que giram em torno do MBL.
O Ceticismo Político validou as opiniões da desembargadora Marília Neves contra Marielle Franco, acusando-a de vinculações com o crime organizado. O link foi compartilhado 360 mil vezes no Facebook, graças a essa dobradinha com o MBL.
Leia um trecho da matéria do O Globo:

Luciano Ayan tem o domínio ceticismopolitico.org desde novembro de 2017. O site está registrado por uma empresa com sede na Dinamarca, usada para manter oculto o nome verdadeiro do proprietário do domínio. Ayan já usou o artifício em outras ocasiões. Antes, ele manteve o Ceticismo Político com outro endereço — o ceticismopolitico.com. Na ocasião, o domínio estava registrado por uma empresa do Canadá, também usada para esconder o proprietário real do site.

A atuação de Ayan é motivo de controvérsia na internet antes mesmo da criação do Ceticismo Político. Em 2004, quando a rede social mais popular era o Orkut, Ayan era apontado como dono de comunidades que estimulavam polêmicas. Sem revelar a real identidade, Ayan também não exibe fotos em suas contas nas redes sociais. Além da página do Ceticismo Político no Facebook, que tem 105 mil seguidores, ele mantém o perfil Luciano Henrique Ayan, com cerca de 2,4 mil seguidores.

O GLOBO perguntou ao MBL por que o grupo publica conteúdos de Luciano Ayan mesmo alegando não conhecê-lo:

— Porque a gente prefere compartilhar o que bem entende e prefere acreditar na mídia independente do que no GLOBO — respondeu Renato Battista, um dos coordenadores do grupo. (Com informações do Catraca Livre).


Crédito/ Esse infográfico produzido  pelo jornal O Globo mostra a rota das mentiras contra Marielle.

Racismo e desigualdade não são discutidos em todas as escolas


Racismo e desigualdades não são discutidos em todas as escolas. (Foto: Arquivo/ Agência Brasil)

Temas são abordados em projetos pedagógicos quando se fala de bullying e sexualidade.

A desigualdade social não está na pauta de 40% das escolas do ensino público no Brasil. A diversidade racial fica fora de 52%. O racismo é mais discutido em sala de aula, mas ainda assim 24% das escolas não o abordam em projetos temáticos – ou seja, um universo de 12 mil escolas espalhadas pelo país.

Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), a partir de dados do Censo Escolar de 2015, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). De acordo com o estudo, as questões sobre desigualdade social, racismo e diversidade religiosa são tratadas como temas de projetos correlatos a bullying, uso de drogas e sexualidade na adolescência. As questões foram respondidas por 52 mil diretores de escolas públicas.

A Lei 10639, promulgada em 2003, determina a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira no ciclo básico. Ainda que neste mês um acordo entre os ministérios da Educação e dos Direitos Humanos tenha criado uma iniciativa para garantir o cumprimento da lei, incluindo boas práticas no ensino desses temas e capacitação de professores, o edital só deve sair no final do mês.

O Ceert vem cumprindo esse papel de capacitar professores desde 1998, garantindo formações para mais de 24 mil docentes em 1146 municípios. Desde 2002, a ONG mapeia e premia boas práticas de ensino da cultura afrobrasileira nas escolas, que estão listadas em seu site. (Com informações do Nova Escola).



Sem Lula, democracia ficará com mácula grave, diz Fernando Haddad



O ex-prefeito de são Paulo Fernando Haddad defendeu em entrevista ao cineasta Fernando Grostein Andrade que a necessidade de diálogo entre as forças políticas e voltou a criticar a política entreguista do governo de Michel Temer.

"Quando a gente diz que a democracia está em risco, fazendo essas distinções históricas de um golpe militar que depõe o presidente da República, é para mostrar que o que está acontecendo agora não é menos grave. É diferente, mas não é menos grave. E se não houver uma tomada de consciência nós não sabemos onde isso vai parar. Mesmo em relação às eleições, nós temos que tomar cuidado, porque muita gente que não é democrático se apresenta como democrático para vencer uma eleição", disse Haddad.

Questionado sobre a situação do ex-presidente Lula, que pode ser preso mas próximas semanas, Haddad defendeu a inocência de Lula. "Eu tenho a convicção de quem leu o processo. Eu sempre repito que eu defendo a honra de uma pessoa independentemente de posição partidária", disse ele.

"Então eu li o processo e eu acho insustentável aquela sentença. Insustentável. Não tem por onde. Se você pegar três juristas do exterior que não conhecem o Brasil, tirar os nomes do processo, substituir os nomes e dar para três juristas julgarem sem saber sobre quem é o processo, eu duvido que saia uma condenação. Ou seja, despersonalizando o processo, ali não sai ninguém condenado. Pelo o que está nos autos, estou me atendo aos autos. Que é o que um juiz tem que fazer", afirmou.

Para Haddad, se Lula for de fato inabilitado da disputa eleitoral, a democracia será novamente ferida no País. "Eu acho ruim sob todos os aspectos. Porque vai ficar mais uma mácula na nossa história democrática, e grave. Não é uma coisa qualquer o que vai acontecer, de maneira que eu preferia que isso tivesse um outro desenlace. E eu acho que não é um sentimento só meu não, e nem da centro-esquerda. Eu acho que é um sentimento de muita gente que não votaria no Lula, mas que entende que não é esse o caminho de estabilizar o país", afirmou.

Haddad também criticou o senador Aécio Neves, que articulou o golpe contra a presidente Dilma Rousseff após perder as eleições de 2014. "Você não faz oposição para botar o país a pique. Como por exemplo, questionar resultado eleitoral no dia seguinte da eleição, entrar com ação pedindo recontagem de votos, entrar com ação falando de abuso do poder econômico. Logo quem? O Aécio Neves, que depois acabou se revelando a pessoa que hoje detém uma parcela grande da rejeição à classe política. Então tudo isso precisa ser ponderado. Agora é a hora de reconstituir os campos, sabendo que tem uma agenda que é nacional, que é o país que vem na frente. E tem as divergências partidárias do campo da centro-esquerda, do campo da centro-direita, que vai ser debatida durante a eleição, mas sem colocar o país em risco", disse ele.

"A direita que não passou por governo acha que pode tudo. Eu vejo esse neoliberalismo regressivo ao qual eu me referi, ele não tem um só representante. O neoliberalismo regressivo, que é essa agenda de desmonte de direitos, inclusive políticos e civis, porque ela não se restringe aos direitos sociais, ela quer avançar. Veja aí a censura à classe artística, a censura aos cientistas, vêm todos desse pessoal. Você tem um Flávio Rocha, um Bolsonaro, um João Doria, você tem vários representantes dessa turma aí que é mais fundamentalista", disse o ex-prefeito. (Com informações do Brasil247).


Fernando Haddad. (Foto: Reprodução/ Brasil 247).


'A criança é capaz de reproduzir o racismo que vê', diz autora Kiusam de Oliveira



De que forma uma criança negra pode encontrar significado positivo na vida se não consegue se ver como personagem central no universo literário? Essa é uma pergunta-chave trazida pela contadora de histórias, pesquisadora e arte-educadora Kiusam de Oliveira ao pensar seus livros como ferramentas para o empoderamento de jovens e crianças negras no Brasil.

Essa missão é desenvolvida pela escritora a partir de uma concepção de infância que traz raízes e referências africanas, alçando o corpo à categoria de “território sagrado”. É por meio do resgate da ancestralidade em suas histórias que Kiusam de Oliveira constrói a ponte de reconexão para a autoestima de jovens e crianças negras, fonte de respeito e responsabilidade como futuras guardiãs das tradições na cultura afrobrasileira.

Ela [ancestralidde] é capaz de provocar as costuras psíquicas necessárias para que suas identidades, fragmentadas pelas vivências racistas, sejam reconstruídas de forma saudável”, defende. A partir dessa ideia Kiusam dá nome à magia presente naquilo que faz: “Literatura Negra do Encantamento”. 

Kiusam de Oliveira é doutora em Educação e mestre em Psicologia pela USP, especialista nas temáticas das relações étnico-raciais, contadora de histórias e professora de danças afro-brasileiras. É autora dos livros "O Mundo no Black-Power de Tayó", Omo-Oba: Histórias de Princesas, Omo-Oba: Histórias de Príncipes e O mar que banha a ilha de Goré, obras que fazem sucesso entre as crianças e que contribuem para o enfrentamento do racismo no Brasil.

Até que os leões tenham suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre o caçador.” Este provérbio africano, de acordo com Kiusam, define a necessidade de dar voz a uma narrativa negra historicamente apagada. Nesse sentido, ela é categórica e tem consciência de seu papel: “É tempo de nós, ‘mulheres-leoas-negras’, contarmos nossas histórias.”

Catraquinha: Como a educação para a diversidade na infância ajuda a combater o preconceito e o racismo estrutural no Brasil?

Kiusam de Oliveira: "Educar para a diversidade tem ligação com a concepção de infância que temos. Tudo o que conhecemos sobre a infância é fruto de livros e teorias de pesquisadores estrangeiros como Piaget, Vygostky, Wallon, etc.

Porém, a infância para os povos indígenas, africanos e afro-brasileiros não tem ligação com as ‘etapas do desenvolvimento’ propostas por Piaget, por exemplo. Ao se pensar ‘afrorreferenciadamente’, perceberemos que, na infância das crianças negras que vivem suas culturas intensamente, elas estão próximas aos adultos, reproduzindo suas ações de forma muito prazerosa.

Isso fica muito explícito ao observarmos as crianças negras em movimento no candomblé, no jongo, no congo, no tambor de crioula. Uma criança ligada ao lazer e às tarefas coletivas está dando continuidade à ancestralidade de seu povo, à cosmogonia de seu grupo étnico-cultural preservada através das danças, das cantigas, das rezas e orikis [orações, em Iorubá], das histórias e itans [mitos, em Iorubá] que sustentam o seu povo. Portanto, não estão condicionadas às ações predeterminadas pela faixa etária à qual pertence, um número ‘x’ delas preestabelecidas para crianças fazerem entre 0 e 1 ano, ou entre quatro e cinco anos de idade."

Catraquinha: Você poderia explicar melhor essa concepção de infância? 

Kiusam de Oliveira: "Penso numa infância em que as crianças são consideradas partes fundamentais de um todo bem maior que elas, já preestabelecido e onde devem participar de uma gama variada de experiências que as coloquem frente à frente com novos desafios e situações para que sejam capazes de desenvolver suas capacidades de protagonizar, de escolher, de opinar, de se emocionar, de enfrentar problemas e de se solidarizar.

É nessa perspectiva conceitual que haverá quem pense que tratar de preconceito, estigma, discriminação e racismo estrutural no Brasil não são assuntos para a infância, inclusive acrescentando que nenhuma criança é racista.

Haverá um outro grupo de pessoas que estimularão as crianças a enfrentarem tais assuntos de frente, porque mesmo acreditando que a criança não seja racista, se aceita que ela é capaz de reproduzir o racismo que vê, ouve e aprende em casa.

E uma vez que o racismo é estrutural, isto é, faz parte da construção educativa desde a infância brasileira, precisa ser desconstruído por pessoas com visões mais dinâmicas sobre a constituição do país, sem que emitam juízo de valor ou afirmem que as contribuições dos brancos no Brasil são mais significativas que as contribuições de negros e indígenas."

Catraquinha: E o que é preciso para desconstruir essa ideia? 

Kiusam de Oliveira: "A diversidade precisa ser vivenciada e experimentada onde ela se processa, por meio dos grupos culturais como, por exemplo, as escolas de samba, os blocos afro-brasileiros e os festivais culturais. ‘Afrorreferenciadamente’ pensando, o processo de aprendizagem se dá de corpo inteiro e não com o cérebro, tendo a primazia do pensamento em detrimento das outras partes do corpo.

Falo de um corpo vivido no presente, a partir de princípios ancestrais africanos, onde ele é considerado um território sagrado, ocupado pelo espírito e onde ambos rompem tempo e espaço, devendo ser tratados com muito respeito ritualizado, sempre os exaltando através dos ritos de passagens e das brincadeiras.

Sendo assim, acaba sendo por natureza um ‘corpo-resistência’ que se expressa de várias formas. O corpo precisa estar mergulhado na experiência para ganhar sentido e significado, pois aqui há uma mudança de paradigma fundamental: não se trata mais de falar do corpo, mas fazê-lo falar de várias formas, através de diversas linguagens.

Esse ‘corpo-resistência’, portanto, acaba por estar conectado com a realidade vivida na coletividade, em seu entorno e, desta forma, é um corpo que está mergulhado na linguagem e nas informações. Sendo assim, precisa estar preparado para lidar com qualquer assunto que o atinja diretamente, e as questões raciais fazem parte da infância.

No Brasil, as crianças em geral já são capazes de racializar, inclusive, as brincadeiras das crianças negras, estabelecendo para elas colocações de subalternidade predeterminadas como bandidos, empregadas domésticas, monstros, etc."

Catraquinha: Dentro do contexto que você apresentou, como a literatura infantil e a arte podem servir como ferramentas para falar sobre representatividade?

"A literatura infantil e a arte devem caminhar juntas e podem ser vistas como ferramentas importantes para pensar e construir esse ‘corpo-resistência’. Escrevo focada no empoderamento das crianças e jovens negros, mas indiretamente meus textos proporcionam oportunidades para que não negros se vejam no processo relacional com a diversidade entre as pessoas a partir das diferenças. Proponho textos capazes de revelar a beleza do povo negro, fortalecendo as características da criança negra que possui cabelos crespos, nariz largo, lábios grossos, etc. Isso também revela a possibilidade de brancos refletirem sobre seus privilégios em sociedades racistas como a nossa, entendendo que há outros padrões de beleza e que podem ser solidários numa luta que é de todos.

Tenho chamado o tipo de literatura que produzo de “Literatura Negra do Encantamento”. Ela está focada na ancestralidade e no fortalecimento das identidades negras. Ela é capaz de atingir as estruturas psíquicas mais profundas de jovens e crianças negras, provocando as costuras psíquicas necessárias para que suas identidades, fragmentadas pelas vivências racistas, sejam reconstruídas de forma saudável. Tal literatura depende da arte presente nas ilustrações que devem encantar crianças e jovens negros para que se sintam orgulhosos do que veem e se reconheçam naquelas imagens.

Esse tipo de literatura considera as situações de conflitos existentes nos corpos negros bem como no corpo social, as tensões presentes nas relações interpessoais, sem perder de vista a necessidade de reencantamento pelo próprio corpo. Também apresento adultos negros que representam o belo, o positivo, um padrão de beleza afrocentrado, desvalorizado na sociedade em geral, mas que no campo da fantasia dos meus livros é extremamente valorizado."

Catraquinha: Um dos empecilhos para a abordagem das relações étnico-raciais no ensino fundamental é a falta de materiais didáticos adequados. Nesse sentido, como seus livros ajudam a implementar as leis que tratam do ensino da história e da cultura afro-brasileira? 

"Essa literatura que menciono parte da consciência da necessidade do empoderamento pessoal e do resgate da autoestima das crianças e jovens negros ao apresentar personagens protagonistas negros e negras, fortalecidas diante de situações tensas que vivem em seus cotidianos, independentemente de suas idades. Também é uma literatura que pode revisitar o continente africano como o “Berço da Humanidade”, o apresentando de forma positiva e em suas tradições ancestrais para que as crianças e jovens negros possam sentir orgulho de suas origens, compreendendo que a nossa história não começa no tráfico negreiro.

É assim que a minha produção tem contribuído com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, que regulamenta a educação brasileira e que, em seu artigo 26-A, trata especificamente do ensino da História e Cultura Afro-Brasileiras em todas as escolas e segmentos do país. Hoje, não se pode dizer que existem poucos materiais à disposição dos profissionais da educação. O que se torna necessário é compreender como fazer a análise crítica de todos estes materiais lúdicos e literários que estão à disposição no mercado e, a partir daqueles escolhidos por nós, como utilizá-los tirando o melhor proveito de cada um deles.

Catraquinha: Seus livros, embora apresentem diferentes temáticas, trazem à tona uma questão mencionada anteriormente por você e fundamental na construção da identidade de qualquer povo: a ancestralidade. Nesse sentido, por que resgatar as histórias africanas ajuda a empoderar crianças negras?"

Kiusam de Oliveira: Penso ser muito injusto num país de maioria negra continuarmos a ter de pedir licença para falar o que pensamos. Num país ‘machocêntrico’ como o nosso, os homens desqualificam as mulheres de várias formas. Esse ‘machocentrismo’ produzido pelo homem branco, católico, de classe média, racista, homofóbico, misógino, etc., precisou reforçar o tipo feminino carente, dócil, perturbado, inocente, inábil, incapaz, incompetente, dependente, tipos presentes nos contos de fadas. Os mitos que constituem a chamada “literatura infantil” são, segundo o psicólogo Bruno Bettlheim, utilizados como forma de ajudar a criança ‘a encontrar significado na vida’.

E aí eu pergunto: dentro desse ponto de vista, de que forma uma criança negra pode encontrar significado positivo na vida se não consegue se ver como personagem central no universo literário brasileiro? Que tipo de identidade está a ser formada na criança negra ao apresentarmos insistentemente contos como Branca de Neve, Gata Borralheira, Cinderela, João e Maria, Cachinhos Dourados, Rapunzel, etc.? Eu posso lhes responder: estará sendo formada uma identidade deteriorada, onde rapidamente a criança negra passará a desejar ser o que jamais será: uma criança branca.

Catraquinha: Voce tem alguma experiência pessoal que retrate isso?

Kiusam de Oliveira: Há dois anos, após uma contação de história em uma faculdade, um menino pediu a palavra. Ele tinha 10 anos, era negro e vivia num orfanato. Ele disse ‘meu sonho é ser um príncipe branco com olhos azuis e uma franja loira caindo nos meus olhos. Se eu rezar bastante vou virar branco?’ Não hesitei em dizer que jamais se tornaria branco, por mais que rezasse, o que deixou todos os presentes praticamente imóveis. Ele nos disse publicamente que uma das educadoras dizia que se ele rezasse muito seus desejos se realizariam.

A que ponto se chega em nome da moral, dos bons costumes, da religião? E esse é o tipo de pessoa que costuma dizer, ‘mas eu não fiz por mal’. A minha religião – o candomblé de ketu – me ensina a dizer a verdade por mais dor que traga a alguém. Então, para mim, restou de forma didática, tratar a ancestralidade respeitosamente, porque ela me reconstituiu enquanto pessoa e jovem negra que já estava destruída pelo racismo vivido no cotidiano pelo meu corpo, aos 11 anos de idade. É a ancestralidade africana que tem reconectado as crianças e jovens que entram em contato com as histórias que escrevo.
Numa contação, perguntei às crianças presentes o que era ancestralidade e uma menina linda de 9 anos me respondeu ‘ancestrais são familiares que viveram um dia, há muito tempo atrás, séculos mesmo, que morreram e deixaram coisas importantes para nós continuarmos com suas histórias.’ Quando ela foi aplaudida pelo público, eu perguntei como ela sabia disso. Ela respondeu que aprendeu comigo, lendo os meus livros. Foi assim que ela parou de ter medo de fantasmas: aprendeu que ancestrais são mais poderosos, integrantes da família e que eles a protegem.

Catraquinha: É bem mais do que o resgate de histórias, portanto, mas o despertar de uma responsabilidade em relação à continuidade das tradições de matriz africana...

Kiusam de Oliveira: É fundamental resgatar as histórias africanas, porque se trata de tesouros preservados pela oralidade e que são reificadas no cotidiano de diversas formas, ainda que de formas inconscientes, por nossos corpos. “Até que os leões tenham suas histórias, os contos de caça glorificarão sempre o caçador”. Para mim, esse provérbio africano diz tudo, com pouquíssimas palavras.

Enquanto brancos falavam e pesquisavam sobre nós, negros e negras, havia uma história, uma grande metanarrativa hegemônica que está ao longo dos últimos vinte anos sendo quebrada e se mostrando inconsistente. É o perigo da história única da qual nos fala a escritora Chimamanda Ngozi Adiche. Não nos atende.

Pessoas referem-se às diversas histórias dos heróis do Brasil, por exemplo, sempre mencionando homens brancos, deixando de lado as mulheres negras heroínas, os diversos negros e indígenas. Pois bem, nosso tempo é esse: tempo de nós, ‘mulheres-leoas-negras’, contarmos nossas histórias, sob nossas perspectivas seja no cinema, no teatro, na literatura. Nossas histórias objetivam sempre desterritorializar o outro branco, para que entendam que estão em ‘solo-pátria-mãe-gentil’ roubado e que isto custou as vidas de milhares de africanos, afro-brasileiros e indígenas. Justiça para mim, portanto, diz respeito à redistribuição desse solo, ainda que nesse momento isto seja possível somente no campo teórico. (Com informações do Catraquinha).


Kiusam de Oliveira é autora dos livros "O Mundo no Black-Power de Tayó", 'Omo-Oba:  Histórias de Princesas", "Omo-Oba: Histórias de Príncipes" e "O mar que banha a ilha de Goré", obras que fazem sucessos entre as crianças e que contribuem para o enfrentamento do racismo no Brasil. (Foto: Divulgação/ Assessoria).

Papa Francisco presta solidariedade à família de Marielle



O Papa Francisco telefonou para a mãe de Marielle Franco para prestar solidariedade a ela e à família no início da tarde desta quarta-feira (21), pouco antes do início da missa de sétimo dia da jovem brutalmente assassinada na semana passada. A ligação do pontífice foi anunciada na própria cerimônia e confirmada, pouco tempo depois, pela ONG La Alameda.

Papa Francisco falou ao telefone com a mãe de Marielle. Foi a filha de Marielle que escreveu uma afetuosa carta ao papa”, postou, em suas redes sociais, Gustavo Vera, diretor da ONG amigo pessoal do Papa. Foi o próprio Gustavo, inclusive, que entregou ao pontífice uma carta redigida pela filha de Marielle, Luyara, pedindo para que Francisco rezasse pela família, pelas mulheres e pelo povo negro do Rio de Janeiro.

Ao jornal O Globo, a irmã de Marielle, Anielle Silva, disse que sua mãe, a advogada Marinete Franco, ficou “muito emocionada”.

Ela ficou tão emocionada que não entendeu muito o que ele falou. Ela contou que o Papa disse o nome de Marielle, prestou solidariedade e disse que estava rezando pela família”, afirmou.

Nos últimos dias, o Brasil foi tomado por manifestações em memória da vereadora do PSOL e ativista dos direitos humanos executada no Rio de Janeiro. Atos inter-religiosos foram realizadas ainda em capitais do exterior e o caso de Marielle chegou a ser capa do jornal norte-americano The Washington Post. (Com informações da Revista Fórum).


(Foto: Twitter/ Pontifex).