Bolsonaro não é uma piada. É uma tragédia que a mídia ressuscitou



A entrevista de Jair Bolsonaro à Folha, hoje, mostra mais que um sujeito medíocre, violento, intolerante e autoritário.

Tijolaço - Mostra que a grande máquina de construir comportamentos sociais, a mídia, construiu uma base social para que um energúmeno como ele seja uma das únicas representações  do  reacionarismo ganhe força eleitoral.

A outra, João Dória, tem muito de fogo de palha, embora se esforce para manter um discurso de ódio e confrontações e completa inaptidão para sustentar qualquer projeto que passe do ridículo de administrar com doações empresariais.

Bolsonaro, ao contrário, tem um projeto com raízes na memória que chama a ordem como indutor do bem-estar.

Das trevas do ódio, sabe-se, acabam surgindo monstros. Mais ainda quando a “democracia” ganha ares de regime da crise, do empobrecimento e da abolição de um projeto nacional de desenvolvimento.

É assim desde antes da famosa cervejaria da Baviera.

Foi aqui, quando da redemocratização nasceu a desastrosa era Sarney e sua consequência, o fenômeno Collor.

Bolsonaro ainda não tem – possivelmente não terá – a mesma expressão eleitoral, mas fica claro a cada dia que ela cresce e vai se impondo sobre a direita política convencional, que não percebeu que sua adesão ao golpismo entregou-a à mesma sanha raivosa e moralista com que, na falta de argumentos econômicos, virou sua arma contra a direita.

Ele vai se tornando, crescentemente, um problema para o sistema, não porque “divida” seu eleitorado, que afinal migraria para seu candidato num segundo turno.

Mas porque ameaça tirar dela o direito de fazer este segundo turno, a não ser que se atire definitivamente ao segundo golpe que seria o impedimento da candidatura Lula.

Sobre o show de horrores da entrevista, na íntegra aqui, basta um pequeno trecho. E não ache que isso seja uma impossibilidade: afinal, boa parte disso já foi ensaiado (e aplaudido) em Curitiba:

O senhor diz que não defende tortura, mas acusa de vitimização quem a condena.

Quando disse “isso que dá torturar e não matar”, foi uma resposta para os vagabundos aqui que estavam se vitimizando que foram torturados pelos militares. Ninguém é favorável à tortura.

E a métodos de violência para obter informação?

Tem de ter métodos enérgicos. Eu proponho, o Congresso aprova. Ninguém é candidato para ser ditador.

O que é método enérgico?

Tratar o elemento com a devida energia.

Bater?

Qual o limite entre bater e tratar com energia? Não tem limite, pô. O cara senta ali, faz a pergunta, ele responde. Se não responde, bota na solitária. Fica uma semana, duas semanas, três meses, quatro meses… Problema dele.

Com comida?

Dá comidinha para ele, dá. Dá um negocinho para ele tomar lá, um pãozinho, uma água gelada, um brochante na Coca-Cola, tá tranquilo.

O que é brochante?

Calmante, um “boa-noite, Cinderela”.


Alunas da Escola Welington Belém de Figueiredo tornam-se destaque nacional



A análise, reflexão e o debate maduro organizado pelas alunas e alunos da Escola Estadual de Educação Profissional Escola Welington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda-Ce, acerca do dia internacional da mulher – na última quarta-feira, 08, foi destaque a nível nacional em matéria do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

O CEERT é um dos principais sites do país e reproduziu as ações organizadas pelo Grêmio Estudantil da referida escola que, dentre outras, em roda de conversas refletiram acerca de temas importantes como desigualdade de gênero, racismo, a misoginia, violência física e psicológica, representatividade feminina nos espaços de poder, empoderamento feminino, feminismo, machismo, legalização do aborto, os impactos que a reforma da previdência irá causar nas mulheres e lutas dos movimentos feministas no Cariri.

A matéria foi publicada em primeira mão no blog da escola e reproduzida no CEERT na tarde desta segunda-feira, 13.



Reunidas, todas as deputadas federais da história do país ocupariam apenas meio plenário da Câmara


Sempre apontado em situação vexaminosa no ranking da participação feminina na política, o Brasil tem mais um motivo para se envergonhar: se fossem reunidas todas as deputadas federais eleitas na história do país, apenas metade do plenário da Câmara seria ocupado. A outra metade ficaria vazia, ou ocupada maciçamente por homens, como sempre esteve. Somente 220 mulheres exerceram mandatos na Casa desde 1933, quando a médica paulista Carlota Pereira Queirós se tornou a primeira deputada eleita na América Latina. Atualmente, a Câmara é composta por 513 integrantes. Desses, apenas 55 são mulheres. No Senado, há 13 senadoras entre os seus 81 membros.

Congresso em Foco - Com esses números, o Brasil ocupa a 154ª posição, em um ranking composto por 190 países, em presença feminina no Parlamento. Nas primeiras colocações, despontam Ruanda, Bolívia, Cuba e Islândia. O Congresso brasileiro aparece atrás de nações conhecidas pela forte opressão à mulher, como Jordânia, Síria, Líbia, Iraque, Emirados Árabes, Afeganistão e Arábia Saudita. Os índices brasileiros de engajamento feminino na política (11% na Câmara) estão abaixo da média mundial, em torno de 22%, e também do percentual do Oriente Médio, 16%, segundo a União Interparlamentar (UIP).

As últimas eleições municipais, marcadas pelo tempo reduzido no horário eleitoral e pelo barateamento das campanhas, com a proibição das doações empresariais, não aumentaram em nada a presença da mulher nos cargos eletivos municipais. As vereadoras são apenas 14% dos integrantes das câmaras e as prefeitas só comandam 12% dos municípios brasileiros. Entre as 93 maiores cidades do país, com mais de 200 mil eleitores ou capitais, apenas três elegeram mulheres: Boa Vista (RR), Caruaru (PE) e Pelotas (RS).

Máquina partidária e financiamento

Especialistas no assunto identificam dois grandes obstáculos para melhor a representação política das mulheres (hoje, 52% do eleitorado). A primeira barreira se dá no acesso ao comando partidário. É a direção do partido que define as candidaturas prioritárias e favorece a distribuição de recursos e espaço no rádio e na TV a candidatos com mais chances de vitória. As máquinas partidárias são quase todas controlados, nos municípios, nos estados e nacionalmente, por homens.

O segundo entrave é exatamente o dinheiro. Pesquisas acadêmicas confirmam que os empresários priorizam candidaturas masculinas na hora de financiar campanhas por entender que os homens têm mais chances de vitória e, por isso, estão mais sujeitos a oferecer as contrapartidas ao investimento.

As mudanças adotadas até agora têm se mostrado insuficientes para equilibrar o jogo eleitoral. A exigência de reserva de 30% das vagas para um dos gêneros foi facilmente burlada por partidos com o registro de candidaturas fantasmas, apenas para preencher o percentual previsto em lei e escapar da punição.

Cotas no Parlamento

Não há consenso para a solução do problema. Algumas das principais lideranças da bancada feminina no Congresso defendem a eleição paritária de homens e mulheres – a partir de votação em listas preordenadas. Diante da impossibilidade de uma proposta dessa natureza ser aprovada por um Parlamento majoritariamente masculino, deputadas e senadoras apoiam a instituição de cotas para a Câmara, com a previsão inicial de 20% das vagas para mulheres.

Segundo a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a experiência já se mostrou exitosa em países europeus e na Argentina, onde a presença feminina no Parlamento aumentou de 10% para 37% desde a alteração. Caso a cota fosse adotada no Brasil, todos os estados teriam ao menos uma deputada eleita.

A proposta de emenda à Constituição que trata do assunto passou pelo Senado em 2015. A Casa, porém, não seria afetada pelas mudanças, já que a eleição ali é majoritária. A mudança valeria para as eleições proporcionais, como a de deputados e vereadores. O texto, no entanto, está engavetado na Câmara.


A PEC 98, de 2015, assegura a cada gênero percentual mínimo de representação nas três próximas legislaturas: 10% das cadeiras na primeira legislatura, 12% na segunda legislatura e 16% na terceira. Caso o percentual mínimo não seja atingido por um determinado gênero, as vagas necessárias serão preenchidas pelos candidatos desse gênero com a maior votação nominal individual entre os partidos que atingiram o quociente eleitoral.

Carlota, única mulher entre 253 eleitos em 1933, inaugurou a participação feminina no parlamento
brasileiro. Foto: Arquivo/Câmara.

Em 2016 o congresso gastou com cotão o equivalente a 7 anos de salário do conjunto dos senadores


Em tempos de crise, Parlamento vive realidade paralela. Foto: Pedro França/Agência Senado.

Parlamentares gastaram juntos R$ 235 milhões da verba indenizatória em 2016, o equivalente a mais de 250 mil salários mínimos ou a sete anos de salário dos 81 senadores. O montante também corresponde ao pagamento dos salários dos 513 deputados por quase 14 meses. Trata-se de um recurso público a que cada congressista tem direito para ressarcimento de despesas feitas em razão de atividade inerente ao exercício do mandato. Tal verba é liberada mensalmente de forma muito simples, bastando apenas a apresentação da comprovação dos gastos.

Congresso em Foco- PMDB e PT, os maiores partidos nas duas Casas legislativas, são os que mais gastaram no período. Juntas, as legendas foram responsáveis por quase 23% do total dos gastos com a verba indenizatória. Enquanto deputados concentraram seus gastos para divulgarem seus mandatos, senadores priorizaram viagens de avião. Confira nos infográficos abaixo detalhes sobre as despesas na Câmara e no Senado.

A compra de passagens aéreas para deslocamento do parlamentar de seu estado para Brasília, e da viagem de volta, é maior para os eleitos nos estados da Região Norte do país, devido ao alto custo dos bilhetes. Exemplo disso é o senador João Capiberibe (PSB-AP), que lidera o ranking dos gastadores do cotão no Senado. Segundo assessoria, o parlamentar gasta cerca de R$ 12 mil por mês apenas com passagens aéreas. Também chamou a atenção a despesa feita pelo senador Omar Aziz (PSD-AM): campeão de gastos com despesas de comunicação no ano passado e o quarto colocado em faltas em 2016, Omar pagou R$ 270 mil  – R$ 30 mil mensais – à microempresa Jefferson L.R. Coronel-ME, de um conhecido jornalista e marqueteiro político do Amazonas.

Os valores disponíveis aos parlamentares das duas Casas variam de acordo com o estado de origem de cada um, em que o menor valor praticado no Senado é de R$ 21 mil, e o maior, R$ 44 mil. Na Câmara, tais valores são, respectivamente, R$ 30,7 mil e R$ 45,6 mil.

Veja como foram utilizados os R$ 235 milhões do cotão em 2016




Por que é injusto igualar mulheres e homens na Previdência



O repúdio à reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer foi uma das bandeiras erguidas pelas mulheres brasileiras neste 8 de março. Em discussão na Câmara dos Deputados, o projeto iguala as regras da aposentadoria para homens e mulheres ao exigir um mínimo de 65 anos de idade e 25 anos de contribuição para ambos os sexos.

CartaCapital - Se passar, a PEC 287/2016 tende a aprofundar a desigualdade de gênero no País. O regime previdenciário brasileiro é de repartição, solidário. Seu objetivo é provocar um efeito redistributivo, com os jovens contribuintes pagando a aposentadoria dos idosos, por exemplo. O sistema está intrinsecamente ligado ao mercado de trabalho, e uma de suas funções é corrigir desigualdades.

Para pesquisadoras ouvidas por CartaCapital, a reforma da Previdência proposta ignora a histórica desigualdade de gênero presente no mercado de trabalho brasileiro. A taxa de ocupação das mulheres é menor, e elas também recebem salários inferiores. A diferença salarial vem caindo com o tempo, mas essa redução tem sido lenta. De acordo com dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015 o rendimento das mulheres equivalia a 76% o dos homens, em média.

O desemprego também as atinge de forma desigual. Como principais responsáveis pelas tarefas domésticas e de cuidados, as mulheres ainda se veem sobrecarregadas com a dupla jornada de trabalho. De acordo com os dados mais recentes do IBGE, referentes ao último trimestre de 2016, o índice de desemprego chegou a 10,7% para os homens e a 13,8% para as mulheres.

Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Joana Mostafa afirma que, de todos os pontos críticos da proposta, o mais grave é a mudança no tempo mínimo de contribuição para ter direito à aposentadoria. Hoje, para se aposentar por idade é exigido um mínimo de 15 anos de contribuição, para homens e mulheres. Com a reforma, ambos terão que contribuir por 25 anos.

Às mulheres é atribuído socialmente um papel, que é o papel de cuidados: cuidar da casa, das crianças, dos idosos, das pessoas com deficiência. Não importa se ela efetivamente vai executar esses cuidados, se ela é mulher, é atribuído a ela esse papel”, afirma.

Com o aumento da exigência do tempo de contribuição, quase metade das trabalhadoras pode não conseguir se aposentar no futuro. Essa é a estimativa calculada por um grupo de trabalho do Ipea, do qual Mostafa faz parte, que em breve divulgará uma série de notas técnicas sobre a proposta de reforma da Previdência.

A divisão sexual do trabalho faz com que as mulheres tenham mais dificuldade de acessar o mercado formal e, portanto, mais dificuldade de acumular os anos de contribuição. Hoje, 15 anos de contribuição já exclui muita gente. Para as domésticas, por exemplo, é muito difícil. Aumentar para 25 anos vai excluir ainda mais, só os mais estruturados no mercado de trabalho vão conseguir”, afirma a economista.

Ao definir regras iguais para os sexos, o governo argumenta que as mulheres vivem mais que os homens e, ainda, que o “padrão internacional atual” é de igualar ou aproximar o tratamento de gênero na Previdência. “A diferença de cinco anos de idade ou contribuição, critério adotado pelo Brasil, coloca o País entre aqueles que possuem maior diferença de idade de aposentadoria por gênero”, pontuou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na proposta enviada ao Congresso.

A fala de Meirelles se baseia em um relatório sobre aposentadorias pelo mundo, produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em artigo publicado no jornal O Globo, a economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lena Lavinas afirma que, em diversos países que integram a OCDE, os sistemas previdenciários foram reformados de modo a enfrentar os determinantes estruturais da desigualdade de gênero.

Suécia, Noruega, Suíça, e em tantos outros países, as mulheres que podem justificar dedicação a filhos e idosos, familiares doentes ou até desemprego de longo prazo receberam créditos (menos tempo de contribuição ou idade mínima menor para aposentar) ou terão suas contribuições ao sistema pagas pelo Estado”, diz Lavinas no artigo, intitulado Armadilhas da igualdade.

O debate sobre a Previdência tem gerado discursos dissonantes entre as mulheres. Algumas feministas defendem idades iguais por avaliarem que a igualdade de gênero deve ser um princípio acima de tudo, em todas as esferas. Esse mesmo grupo, no entanto, concorda com a necessidade de um período de transição para mudanças na Previdência, durante o qual o governo fortaleceria suas políticas públicas de combate às desigualdades.

No Brasil de Temer, porém, nenhuma contrapartida foi feita às mulheres. Tampouco foi proposta a ampliação e a melhoria do sistema de creches, por exemplo. Dados de 2015 do Ministério da Educação apontam que creches públicas e privadas atendem apenas 30,4% das crianças com idade entre 0 e 3 anos.

A economista Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), se diz cética quanto à capacidade dos governos em enfrentar a desigualdade de gênero. “A regra de transição seria muito boa se a nossa experiência histórica não nos mostrasse como é difícil que isso aconteça na vida real. Especialmente neste momento, em que toda a nossa política social está sendo desmontada”, afirma Melo, que edita a revista Gênero, da UFF.

É por isso que eu sou cética. E digo: vamos manter a desigualdade. Neste caso, a desigualdade é a possibilidade que as mulheres têm de não ter uma vida ainda mais sofrida. Esta é uma bandeira que deixa algumas de nós mudas. Elas pensam: ‘sempre fiz um discurso pela igualdade, e de repente saio pela desigualdade'. Sim, porque não tem jeito! Vivemos em uma sociedade patriarcal e o mercado de trabalho é extremamente desigual. Então vamos para a briga”, convoca Melo.

Professora do departamento de Demografia e Ciência Atuariais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Luana Myrrha concorda. “Igualdade de gênero na Previdência sem que haja igualdade de gênero na sociedade, principalmente no mercado de trabalho e nos afazeres domésticos, tende a penalizar ainda mais as mulheres", afirma. "Creio que um período de transição seria uma boa proposta, mas a pergunta que fica é: qual seria esse período? As distorções nos salários e nos trabalhos domésticos estão longe de serem corrigidas.”

Homens e mulheres estão, de fato, dividindo mais as tarefas, mas a diferença ainda existe. Somando o serviço doméstico e o trabalho remunerado, as mulheres trabalham, em média, 7,5 horas a mais que os homens por semana. É o que aponta estudo divulgado nesta semana pelo Ipea, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

Coautora do artigo A questão previdenciária: simulações quanto à igualdade de gênero - vantagem para a Previdência Social e desvantagem para a mulher, publicado em 2016, a professora da UFRN afirma que a antecipação de cinco anos na aposentadoria das mulheres está absolutamente de acordo com a realidade brasileira.


A sobrecarga da dupla jornada é uma realidade na vida das brasileiras, então o ‘bônus’ de cinco anos a menos para as mulheres requererem as suas aposentadorias me parece justificável”, diz Myrrha. “A missão da Previdência é garantir proteção ao trabalhador e sua família, por meio de uma política previdenciária solidária, cujo objetivo é promover o bem-estar social. Diante da sua definição, acho que a previdência precisa considerar as diversas desigualdades presentes na sociedade brasileira. Desconsiderar as desigualdades é descaracterizar o objetivo dessa política.”

No cariri cearense, mulheres foram às ruas para, dentre outras pautas, dizer não a reforma da previdência. Foto: Divulgação.

Câmara promulga lei que proíbe ‘ideologia de gênero’ em escolas municipais


A Câmara Municipal de Manaus (CMM) sancionou lei que proíbe a discussão sobre ideologia de gênero nas escolas municipais da cidade. A lei passou a vigorar na última terça-feira, 7, quando foi publicada no Diário Oficial da Casa. O projeto foi apresentado, em 2015, pelo vereador Marcel Alexandre (PMDB), sob a justificativa de que o Congresso Nacional retirou o termo ideologia de gênero do Plano Nacional de Educação (PNE).

CEERT - “A política de gênero foi excluída no Plano Federal, que delegou autonomia aos Estados e municípios para decidir. O Estado do Amazonas decidiu não incluir a ideologia de gênero e a cidade de Manaus também. Além disto, havia interessados fazendo não educação, mas militância nas escolas. Nós recebemos queixa de pais de que estava havendo a abordagem deste tema nas escolas”, disse Marcel.

Ainda segundo o parlamentar, o tema “não tem elementos científicos para serem tratados em sala de aula”. “Você imagina que alguém manda um filho para escolas para que ele aprenda ideologia de gênero, tipo ‘olha filho, embora você tenha um corpo masculino, você pode ser mulher’”, argumentou.

Para o vereador Professor Samuel (PHS), a ideologia de gênero não deve ser tratada com crianças. “Eu, como professor, sou contra influência externa na sexualidade em crianças, acho que, na infância, essas coisas devem acontecer de forma natural. Não se pode dizer para uma criança que ela pode escolher ser homem, mulher ou outra tendência sexual”, disse.

A conselheira para a Região Norte do Conselho Nacional de Psicologia, Iolete Ribeiro da Silva, acredita que a lei  é “um retrocesso”. “Na sociedade, há muita violência contra a mulher e a escola não discutir gênero é reforçar esta produção de violência. Geralmente, quem é contra a ideologia de gênero se fixa só na homossexualidade, mas, na realidade, é importante que as pessoas entendam, desde cedo, que as relações entre os gêneros devem ser igualitárias e respeitosas, para que tenhamos uma sociedade mais fraterna”, afirmou.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), Marcus Libório, afirmou que a medida é equivocada. “Temos um machismo impregnado na nossa sociedade e, discutir gênero, é para  com os alunos a valorização das mulheres. Quem é contra está levando em conta apenas as suas crenças”, afirmou.

A polêmica sobre a ideologia de gênero nas escolas vem desde 2014, quando, durante a tramitação no Congresso Nacional do PNE, que dita as diretrizes e metas da educação para os próximos dez anos, a questão  foi retirada do texto. Na ocasião, as bancadas religiosas afirmaram que essas expressões valorizavam uma “ideologia de gênero”, corrente que deturparia os conceitos de homem e mulher, destruindo o modelo tradicional de família.

Projeto de 2015, do vereador Marcel  Alexandre, foi aprovado no plenário da Câmara Municipal de Manaus.
Foto: Thiago Correa/CMM.

Mais de um milhão de professores preparam greve contra a reforma da Previdência


A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) espera a adesão de mais de um milhão de professores e profissionais da rede pública de ensino na greve nacional que será deflagrada na quarta-feira (15). A paralisação, que vai atingir todos os estados do país, inaugura um calendário intenso de mobilizações envolvendo centrais sindicais e movimentos populares contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287/2016, que muda as regras da aposentadoria no país.



Brasil de Fato - Apresentada ao Congresso Nacional pelo governo Temer, a medida estabelece idade mínima de 65 anos para homens e mulheres poderem se aposentar e ainda exige contribuição de 49 anos para que o trabalhador possa receber o valor integral do salário. Alguns benefícios também poderão ser desvinculados do salário mínimo, diminuindo o valor da aposentadoria ao longo do tempo.

Todas as 48 entidades filiadas à CNTE, que incluem sindicatos municipais e estaduais de professores, aprovaram a convocação da greve geral da categoria. A paralisação vai durar inicialmente 10 dias e, no dia 25 de março, o movimento vai avaliar a continuidade das mobilizações.

Segundo Heleno Araújo, presidente da confederação, o movimento sindical e social como um todo, incluindo as maiores centrais e as frentes Brasil Popular (FBP) e Povo Sem Medo (FPSM), também promoverão atos contra a reforma da Previdência no dia 15.

A meta é barrar essa reforma. Existe escola pública em cada bairro de cada município desse país. Vamos dialogar diretamente com a comunidade explicando a gravidade das mudanças que estão sendo propostas. Não tem final de semana nem feriado, estamos em uma verdadeira campanha, mas, dessa vez, para evitar um grave retrocesso”, explica.

Uma das principais ações locais durante a greve é pressionar as bases eleitorais de deputados que são a favor da reforma. A tática já tem surtido efeito, explica Heleno Araújo. Na semana passada, uma liminar obtida pelo deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS) chegou a proibir a CUT do Rio Grande do Sul de distribuir um jornal especial sobre a reforma da Previdência. Uma das matérias estampava fotos de parlamentares do estado que apoiavam a medida. A censura acabou sendo derrubada posteriormente na Justiça.

Esse caso mostra que os deputados, quando têm sua posição política contra o povo exposta na mídia, entram em pânico. Nós vamos expor todos eles”, promete Heleno Araújo, que acredita que o governo não terá os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados para aprovar a PEC. A proposta, se passar na Câmara, ainda depende do voto de 49 senadores, em dois turnos. O governo Temer sonha em ver a medida aprovada até julho.

Aposentadoria improvável

Para a CNTE, a PEC 287 torna as regras para a aposentadoria tão difíceis de serem alcançadas que os trabalhadores se sentirão obrigados a contratar planos privados de Previdência, caso tenham condições financeiras para isso. Ao mesmo tempo, com a expectativa média de vida no país girando em torno de 75 anos, as pessoas vão trabalhar quase até a morte. Em alguns estados, como Maranhão e Alagoas, por exemplo, a expectativa de vida chega a ser menor do que a idade mínima que o governo está propondo para a aposentadoria.

No caso dos trabalhadores em educação, explica Heleno Araújo, o impacto da reforma da Previdência será “brutal”.

Uma professora que atualmente se aposenta após 25 anos de contribuição vai ter que trabalhar um total de 49 anos para receber o salário integral, ou seja, querem elevar em mais de 400% o tempo que essa docente teria que trabalhar para se aposentar”, exemplifica.

Além disso, o presidente da CNTE lembra que mais de um terço da categoria já sofre com doenças do trabalho. Se a reforma passar, Heleno Araújo prevê um cenário “terrível” para a educação pública no Brasil.

Vai aumentar e muito o número de doenças e afastamentos de professores, onerando as prefeituras ainda mais. Essa PEC só serve para desmontar ainda mais os serviços públicos no país, e vai afetar desde a creche até o ensino médio”, argumenta.

Previdência não tem déficit

O principal argumento do governo federal para propor uma reforma tão profunda na previdência seria o déficit do setor. No entanto, dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal desmentem essa tese. As receitas da Previdência fazem parte do orçamento da Seguridade Social que, além dos benefícios previdenciários, inclui saúde e outros programas sociais, como o Bolsa Família. Em 2015, as receitas da Seguridade Social foram de R$ 694 bilhões, enquanto as despesas foram de R$ 683 bilhões, um saldo positivo de R$ 11 bilhões.

Além disso, os débitos previdenciários e a sonegação de impostos por empresas somaram, em 2015, mais de R$ 350 bilhões, o que representou 77% do total de despesas com aposentadoria no mesmo ano (R$ 436 bilhões), indicando que o combate às fraudes poderia sanar qualquer possibilidade de déficit na previdência. Para o governo, no entanto, a solução é restringir o acesso à aposentadoria.

'Perdemos o medo de por o dedo na ferida', diz Conceição Evaristo



Catraca Livre - Aos 70 anos, a escritora mineira denuncia a falta de representação da população negra na literatura brasileira.

O que me leva a escrever? Desde criança, é uma série de indagações que eu faço diante da vida. Essas indagações foram se aprofundando ao longo do tempo.”

Nascida em 1946 em uma favela da zona sul de Belo Horizonte (MG), a poetisa e romancista Conceição Evaristo, 70 anos, foi criada em meio a uma família de mulheres negras que trabalhava como cozinheiras, faxineiras e empregadas domésticas.

Em entrevistas, Evaristo costuma dizer que não cresceu rodeada de livros, mas sim de palavras. “Cresci ouvindo histórias sobre a escravidão. A memória oral foi muito cultivada.” Essas experiências, que depois foram transferidas à sua escrita, é o que batizou de "escrevivência".

Para ela, uma das indagações que mais marcaram sua trajetória foi a posição de subalternidade que sua família tinha diante de outras, geralmente ricas e brancas. “Essas indagações e outras me levaram para a escrita. Eu achava que os livros me trariam respostas”, diz.

Créditos: Marcello Casal Jr. /Agência Brasil.

A escritora Conceição Evaristo

Sua trajetória na condição de mulher negra e de origem pobre se faz presente em todos seus livros, incluindo “Olhos d’água”, vencedor do prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas em 2015. “Fico feliz pelo prêmio, que eu chamo de ‘prêmio da solidão’. Porque a única cara preta que tinha lá era a minha.”

A mulher negra na literatura brasileira

Na última edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), em junho do ano passado, Evaristo foi aplaudida de pé em um encontro paralelo à programação oficial da festa, uma atitude simbólica e potente diante da ausência de autores negros nas mesas centrais deste que é o principal evento do ramo no país. Mais uma vez, foi reacesa a necessária discussão sobre racismo e a falta de representação da população negra na literatura brasileira.

Na ocasião, a escritora protestou: “O que se percebe é que sempre nos é dada uma cidadania lúdica. Dar visibilidade a cantores e atletas negros é estar no lugar comum. Queremos ver pessoas negras colocadas como intelectuais, professores, escritores. Essa cidadania lúdica não nos interessa.

Antes de se firmar como escritora, Evaristo seguiu o caminho das mulheres de sua família que tinham vindo antes dela. Segunda de nove irmãos, ela trabalhou como babá, vendedora de revistas e faxineira até concluir o curso Normal (equivalente ao atual magistério), em 1971, aos 25 anos.

Mudou-se para o Rio de Janeiro, tornando-se mais tarde poetisa, romancista e ensaísta. No final da década de 70, Evaristo cursou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro, depois ganhou o título de mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.

Em 1990, publicou seu primeiro poema no décimo terceiro volume dos Cadernos Negros, periódico do Grupo Quilombhoje, de São Paulo, referência em literatura afro-brasileira. Seu primeiro romance, o Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003, traduzido para o inglês e o francês. A obra atualmente está com tiragem esgotada.

Conceição Evaristo mediando mesa sobre literatura no Festival Latinidades

Foi no Rio, onde mora há mais de 40 anos, que ela considera ter consolidado sua trajetória profissional. "O meu ambiente de escrita é a minha casa. No meio do cotidiano. Por indisciplina, eu não sou aquela pessoa que reserva determinados momentos pra escrever. Alguns escritores vão para a cozinha porque é um hobby. A gente não. A gente cozinha, a gente escreve, a gente cuida da casa, a gente lava o terreiro", conta.

Embora seja reconhecida mundialmente pela excelência de seu trabalho, especialistas denunciam o racismo que impede mais pessoas de conhecerem o trabalho de Evaristo.

"Apesar de ser uma referência para nós, ela ainda é desconhecida dentro da literatura brasileira. O que nos barra é o racismo. Quando pensamos em literatura escrita de mulher negra, a gente tem que combater o machismo e o racismo. É bastante trabalho porque tem que romper com a estrutura”, disse Elizandra Souza, integrante do Sarau das Pretas e editora da publicação Agenda Cultural da Periferia, à Ponte.

Se depender de Conceição Evaristo, esse é um debate que não irá mais cessar. “A questão racial do Brasil não é para o negro resolver: é para o brasileiro. Talvez estejamos perdendo um pouco do nosso cinismo. Perdemos o medo de colocar o dedo na ferida.” E arremata: "A nossa 'escrevivência' não pode ser lida como histórias para 'ninar os da casa grande' e sim para incomodá-los em seus sonos injustos".