22 de julho de 2023

Governo federal propõe que ataques a escolas se tornem crimes hediondos

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa de cerimônia de lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), no Palácio do Planalto. (FOTO |Marcelo Camargo |Agência Brasil).


Como parte do Programa de Ação na Segurança (PAS), o governo federal vai encaminhar um projeto de lei (PL) ao Congresso Nacional. O anúncio da proposta foi feita em cerimônia no Palácio do Planalto nesta sexta-feira (21).

Segundo o governo, a proposta acata um pedido das famílias das quatro vítimas do ataque a uma creche em Blumenau (SC), ocorrido em abril deste ano. Em 2023, ao menos sete pessoas foram mortas em ações deste tipo.

No texto - cujo encaminhamento ao Congresso ainda deve ser formalizado - homicídios e lesões com resultado morte ocorridos em unidades escolares entram no rol de crimes hediondos, estabelecido na Lei 8.072 de 1990. A principal diferença entre crimes hediondos outros crimes é a inexistência de possibilidade de fiança e a vedação de concessão de graça, indulto ou anistia. Além disso, os prazo para progressão de regime são maiores.

Além de ingresso no rol de crimes hediondos, o texto prevê também que esse tipo de ação seja tipificada como crime qualificado - o que implica em pena maior. Com isso, a pena deverá aumentar em um terço para mortes em escolas. Caso a vítima seja pessoa com deficiência ou com doença que implique maior vulnerabilidade, a sanção pode aumentar em até 50%. No caso do autor ser ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima, a pena pode crescer em dois terços.

No caso de agressões, a ideia é que um novo tipo penal seja criado, chamado Violência em Instituições de Ensino. A proposta é que nas modalidades grave, gravíssima, lesão corporal seguida de morte ou cometido contra pessoa com deficiência, a pena deste novo crime seja aumentada em um terço.

De acordo com o Lula, o pacote da segurança pública é mais um dos esforços do governo federal para "trazer o país de volta à normalidade", uma das tônicas da campanha eleitoral em 2022.

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Com informações do Brasil de Fato.

Potengi - CE: população reclama de más condições de transportes

 

(FOTO | Reprodução | encaminhado à redação do blog).

Circula nas redes sociais um vídeo que mostra o prefeito de Potengi, Edson Veriato (PT) denunciando o descaso do transporte escolar, em um movimento na cidade, em 2020.

No vídeo, Edson começa dizendo que não podia “ficar calado” diante do descaso com o transporte escolar no Potengi.

É extremamente importante essa manifestação, pra tentar garantir pelo menos respeito, já que muito tempo essa situação vem se arrastando. Além de estar na rua, é preciso também garantir documentos que venha efetivar esse direito que é ter transporte escolar de qualidade”, afirma.

Em um segundo trecho, Edson comenta sobre o estado dos ônibus escolares. “Deparamos hoje com uma situação terrível por conta da má condição dos transportes escolares, na sua maioria com pneus carecas, portas são trancadas com cadeados por fora, tetos são segurados com cabos de vassouras.”

Segundo alguns moradores do município, o desrespeito com Potengi vem de muito tempo. “Esse prefeito aí [Edson Veriato] denunciou a falta de transporte escolar de qualidade pela gestão passada. Só que ele tá fazendo do mesmo jeito. Não somos bestas!”, afirmou uma moradora.

As crianças sendo prejudicadas por falta de transporte p levar elas para escola. Quando chega algum ônibus, é sucateados, sem o mínimo de segurança. Eu fico com o coração na mão quando minha neta entra em um ônibus escolar de Potengi pra escola. O povo não aguenta mais tanta mentira prefeito. O senhor tá fazendo do mesmo jeito da gestão passada. O senhor tá mentindo para o povo”, disse uma moradora que preferiu não se identificar.

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Texto encaminhado a redação do blog por Gabrielly, do blog do Boa.

Em tempo: a redação do blog informa que o espaço está aberto caso a administração de Potengi queira se manifestar.

21 de julho de 2023

Nzinga Mbandi, a saga e o trono da rainha resistente

 

Figura 01. Retrato de Nzinga Mbandi em um pergaminho conservado no mosteiro de Coimbra, ilustração presente na obra: BRÁSIO, Antônio. Monumenta Missionária Africana. Lisboa: A.G.U. 1952, 11vol. 

Por César Pereira, Colunista

Em 1571 o rei de Portugal Dom Sebastião determinou a organização de uma política colonizadora para as terras portuguesas nos territórios africanos conhecidos hoje como Angola. O objetivo do monarca europeu era criar uma estrutura colonial semelhante àquela que já estava em desenvolvimento no Brasil desde 1530.

As atividades coloniais dos portugueses na África Austral (região do continente africano onde se localiza hoje Angola, Namíbia, África do Sul, Zimbábue, Moçambique, Zâmbia), já vinham sendo desenvolvidas desde os fins do século XV. Durante a primeira metade do século XVI tinham se restringido a contatos comerciais de ordem diversa: trocas de produtos africanos (noz-de-cola, metais, metais preciosos, peles, marfim), mas também escravos.

Após a consolidação do projeto de colonização efetiva das terras da América Portuguesa (Brasil) e a organização da produção da lavoura de cana-de-açúcar e açúcar nos engenhos a necessidade de mão-de-obra escravizada aumentou a demanda pelo tráfico de seres humanos escravizados na América. Assim, a partir da década de 1550 à medida que o tráfico de escravizados se intensifica e vai gerando maiores lucros, cresce a necessidade do governo português organizar este comércio de seres humanos e isto só poderia ser feito controlando as feiras no continente africano que era onde se comercializava os trabalhadores escravizados.

Após a morte de Dom Sebastião na batalha de Alcácer Quibir em 1578, o Reino de Portugal passou a enfrentar uma séria crise política, pois o rei morto não deixou sucessores diretos ao trono, seu parente mais próximo era o tio Dom Henrique, um cardeal da Igreja Católica que assumiu o trono com sessenta e oito anos e morreria no começo de 1580 deixando os portugueses sob o comando da dinastia dos Habsburgos que governavam a Espanha onde reinava Filipe II.

A ascensão de Filipe II ao trono português sob o título de Filipe I não alteraria significativamente a administração das colônias portuguesas nem na América nem tampouco na África. A burguesia lusitana firmara acordo com o rei espanhol e seus representantes para que mantivesse os territórios ultramarinos como possessões de Portugal se comprometendo a não os reverter em províncias espanholas.

Portugal ficaria sob domínio espanhol de 1580 até 1640, foi neste período que se intensificaram os esforços dos colonizadores portugueses para conquistar e avassalar todo o território do Reino de Ndongo, área da África Austral ocupada por vários povos desde os séculos V e VI da era cristã e que hoje abriga principalmente o território da República de Angola.

O processo de formação do Reino de Ndongo ocorre ao longo de boa pare do século XVI, a centralização política do reino se dar em torno de lideranças religiosas e ancestrais conhecidas como ngola. Inicialmente ngola são pedaços de ferro esculpidos, insígnias de poder que permite quem as recebe estabelecer a comunicação entre o mundo dos vivos e dos mortos.

Aos poucos uma das linhagens portadoras do ngola vai estabelecer alianças com outras linhagens e assim formarão uma vasta família com poderes religiosos e políticos. Estas linhagens escolherão um líder para comandá-las e assumir o governo sobre elas e sobre as terras nas quais viviam com seus servos, escravos e parentes cultivando o solo e criando animais.

O Ngola, título que recebia o rei sacerdote logo passou a atuar militarmente sobre outros povos do território banto. Formando um poderoso exército esse Ngola vai expandir suas conquistas para os lados dos rios Bengo, Kwango e Kuvo, áreas de solos férteis e ricas em minerais, assim o poder do Ngola cresce à medida que ele vai submetendo outros chefes de tribos, e outros reinos ao seu comando.

Com o estabelecimento de uma intrincada rede de linhagens que lhe garante a sustentação no trono o Ngola passa a se constituir como a mais importante autoridade na região e logo se tornará um problema para o projeto de colonização portuguesa. Mas à medida que este Ngola se impunha como autoridade política e militar aos diversos reinos e povos do território banto, também atraía sobre si uma série de inimigos, será com a ajuda desses inimigos que as autoridades coloniais irá mover a guerra contra o Ngola-Kiluanje a fim de impor a este uma vassalagem ao império colonial português.

O Ngola era considerado sagrada pelos seus súditos que acreditavam nos poderes deste para controlar a chuva, a cheia dos rios, a fertilidade do solo e as boas colheitas. Concentrando assim poder religioso, político e militar o Ngola se torna uma força para se impor tanto ao poderio colonial quanto ao domínio do Reino Congo.

O Reino Congo tinha sido um poderoso império Centro-africano entre os séculos XIV e XV, mas no século XVI entrou em colapso à medida que os povos que estavam sob controle do manicongo (o imperador) se rebelaram e foram se proclamando soberanos. Ainda na primeira metade do século XVI os ambundos, povo da região que hoje compreende o território da Angola e da República Centro-africana estavam politicamente submetidos ao Reino Congo, mas em 1556 sob a liderança do Ngola-Kiluanje (Rei dos Ambundos), venceram o manicongo na batalha de Ndande e alcançaram a soberania.

Ao longo da segunda metade do século XVI os ambundos governados pelo Ngola-Kiluanje vão expandir seus domínios sobre outras regiões da África central e Austral, várias províncias do Reino Congo serão submetidas e os chefes locais reduzidos a condição de vassalos do Ngola-Kiluanje irão aliar-se aos portugueses na esperança de se ver livres dessa vassalagem.

Foi desse modo que se formou o poderoso Reino de Ndongo no território que hoje conhecemos como sendo a República de Angola. Será este reino que procurará se impor contra o avanço português ao longo do século XVII, seus reis resistirão através de uma longa luta armada contra o assédio do dominador europeu que procurava controlar todo a região e assim explorar livremente o comércio de escravizados, como também dos produtos da terra: ouro, prata, ferro, marfim, madeira, peles, alimentos.

A economia do Reino de Ndongo era agrária, mas o comércio era igualmente muito importante para os povos que o compunham. Através de rotas de comércio terrestres e fluviais os ambundos mantinham uma intensa relação de trocas comerciais e culturais com outros povos do centro e do sul da África. A organização política e a segurança que as forças militares do Ngola proporcionavam garantiram um rápido crescimento populacional do Ndongo como também seu enriquecimento.

Além dos lucros auferidos pelo comércio e agricultura havia também os basculamentos (tributos) pagos ao Ngola pelos sobas (chefes locais) avassalados ao Reino de Ndongo. Assim quando os portugueses passaram a investir fortemente no projeto colonizador de Angola, as forças políticas e militares do Ndongo foram uma barreira de resistência a qual precisaram vencer para impor seu domínio sobre a região.

O primeiro donatário do território do Reino de Ndongo e Angola foi Paulo Dias de Novais que recebeu carta de doação da terra das mãos do rei Dom Sebastião. Deveria tomar posse das terras, vencer os resistentes, converter os sobas em vassalos e manter o Ngola-Kiluanje sob seu controle. A ação dos colonizadores para controlar a região deveria partir do litoral para o interior seguindo o curso do Rio Kwanza.

Seguindo o plano traçado pelo governo lusitano os colonizadores construíram uma fortaleza-prisão na área da baía de Loanda a qual deram o nome de Presídio de São Paulo de Loanda, esta construção serviria durante séculos como ponto estratégico de onde eram planejadas as ações de colonização do território angolano.

Nas décadas de 1580 a 1610 a ação colonizadora foi se impondo lentamente, pois a resistência do Ngola-Kiluanje impedia grandes avanços do projeto de colonização. Para facilitar a penetração do poderio lusitano os sucessivos governadores de Angola concentravam suas ações de dominação sobre os sobas vassalos de Ndongo.

Aproveitando-se do descontentamento destes sobas com relação ao seu soberano, as autoridades portuguesas acabavam submetendo estes sobas prometendo-lhes proteção militar contra o exército do senhor de Ndongo, em troca dessa proteção os sobas remetiam aos portugueses cerca de cem escravizados por ano.

Na prática o que acontecia aos sobas sublevados contra o Ngola-Kiluanje era passa da condição de vassalos de Ndongo para a situação de vassalos do Reino de Portugal. Ao perder sua autoridade para o colonizador os sobas se submetiam também a obrigação de remeter escravizados para os acampamentos portugueses, logo as feiras que se instalavam por boa parte do território angolano se tornariam frementes mercados de escravizados e o comércio de seres humanos cresceria a tal ponto que já na década de 1630 a moeda mais valiosa nestas feiras eram homens e mulheres jovens escravizados.

Durante a década de 1610 intensificou-se a “Guerra Preta”, conflito entre os vários grupos em disputa pela hegemonia política sobre as terras dos vales do Rio Kwanza e Kuvo. Os sobas submetidos ao controle dos portugueses se viram obrigados a ofertar ao colonizador soldados para lutares contra o Ngola-Kiluanje, também se tornou obrigação desses sobas dar proteção aos presídios e fortalezas erguidos pelos portugueses.

O engajamento de soldados negros no exército colonizador era tão grande que aos lusitanos cabia tão somente o trabalho de comandar os exércitos de negros combatentes. Essas “Guerras Pretas” foram fundamentais para os portugueses efetivarem seu projeto de dominação territorial, pois a a medida que iam submetendo os sobas conseguiam arregimentar mais soldados negros que conheciam muito bem o território onde se deslocavam para combater o Ngola-Kiluanje.

Na década de 1620 os embates dos colonizadores contra o Reino de Ndongo se intensificará com a incorporação dos jagas (povo guerreiro e de mercenários da África central) primeiro aos exércitos coloniais e posteriormente ao exército de Ndongo.

Os jagas eram uma força militar importante na região, pois formava uma sociedade guerreira, homens e mulheres adestrados nas armas. Sua organização política era matrilinear, isto é baseada na autoridade de uma rainha-mãe e guerreira que encarnava as potências ancestrais e sobrenaturais. Inicialmente os jagas foram aliciados pelos sobas avassalados dos portugueses e passaram a combater ao lado do colonizador, mas algum tempo depois viram na liderança de Nzinga Mbandi a representação de sua grande rainha guerreira e se aliaram aos Ambundos contra o colonizador.

A ação política de Nzinga Mbandi começa de fato em 1622, quando seu irmão Ngola Mbandi a envia com uma embaixada para negociar a paz com os portugueses em Luanda. Neste momento Nzinga Mbandi era uma princesa do Reino de Ndongo governado pelo seu irmão Ngola Mbandi que assumira o trono em 1617.

Mesmo antes do reinado de Ngola Mbandi o Reino de Ndongo já se via fortemente ameaçado pelo poderio militar dos lusitanos fortalecidos com a aliança dos jagas. Em 1619 o exército jaga liderado pelo chefe Jaga Cassange entrou na capital do Reino de Ndongo obrigou Ngola Mbandi a fugir para a Ilha de Kindonga e assim assumiu na prática o controle sobre o reino.

No entanto Jaga Cassange recusou-se a entregar o controle do Reino de Ndongo a Luiz Mendes de Vasconcelos governador português de Angola e declarou-se inimigo dos lusitanos. Aproveitando-se desta cisão na aliança de seus inimigos Ngola Mbandi decidiu aceitar a proposta de paz com os portugueses que o haviam procurado para formar uma coalizão contra Jaga Cassange.

Para conseguir firmar aliança com o Reino de Portugal a embaixada presidida por Nzinga Mbandi deveria convencer o novo governador de Angola de que Ngola Mbandi garantiria a restituição aos portugueses das fortalezas tomadas pelos jagas, além disso o Ngola teria que garantir a segurança das feiras e o livre trânsito dos colonizadores pelo território de Ndongo.

O que os portugueses desejavam era um completo avassalamento de Ngola Mbandi a autoridade portuguesa. Mas a princesa Nzinga Mbandi não se disporá a aceitar as condições de paz humilhantes oferecidas pelo governador e é neste momento que a sua personalidade guerreira e sua inteligência política começa a se sobressair.

Nzinga Mbandi nasceu em 1582, era fila do Ngola-Kiluanje e uma de suas muitas concubinas. Foi criada na corte como uma princesa apta a fazer aumentar a linhagem do Ngola, isto é, de acordo com as leis dos ambundos, Nzinga deveria assumir posição de fundamental importância junto a seu pai na manutenção e expansão das linhagens reais.

Como princesa escolhida para expandir a linhagem do Ngola ela foi adestrada nas artes da guerra, recebeu também excelente instrução política e teve o privilégio de receber os conhecimentos do seu pai. Quando este veio a falecer em 1616 assistiu a sangrenta ascensão de seu irmão Ngola Mbandi ao trono do Ndongo.

Na sua luta pelo poder Ngola Mbandi matou o próprio sobrinho herdeiro natural do trono, exilou as irmãs e mandou executar todos aqueles que se opunham ao seu poder. Nzinga Mbandi e suas irmãs só puderam retornar do exílio quando o rei Ngola Mbandi percebeu que não ofereciam nenhum perigo a sua autoridade e principalmente quando compreendeu que precisava delas para negociar a paz com os portugueses e assim ser restituído ao trono de Ndongo.

Nzinga Mbandi chegou em Luanda para encontrar-se com o governador português acompanhada de grande séquito e foi recebida com cordialidade pelos lusitanos. Para mostrar disposição em negociar aceitou o batismo e recebeu na pia batismal o nome de Ana de Sousa. Mas logo ela percebeu que o governador João Correia de Souza que assumira o governo em 1621 não tinha intensão alguma de tratá-la como uma princesa e como sua igual.

Logo também compreendeu que os portugueses estavam ali para exercer completo controle sobre o povo e o território, assumir também o controle sobre as feiras e rotas de comércio. Desse modo, estabeleceu apenas acordos frouxos e sem nenhum compromisso militar ou político consistente com o governador e voltou a Kindonga. Sem nenhuma perspectiva de recuperar seu trono ou derrotar os jagas e sem apoio formal dos portugueses Ngola Mbandi suicidou-se em 1624, deixando o trono para seu filho ainda criança.

É neste momento que Nzinga Mbandi se faz a rainha de Ndongo. Imediatamente a morte do irmão ordena a execução dos seus aliados e principalmente do herdeiro do trono. Tendo eliminado a linhagem do antigo Ngola ela propõe então sua própria linhagem como autoridade política sobre os ambundos.

Nzinga Mbandi toma para si todas as insígnias de poder e é reconhecida como a legítima sucessora de Ngola-Kiluanje seu pai. Vai se tronar assim a rainha de Ndongo, um reino dominado pelos jagas e um território em colapso devido a dissolução do poder do Ngola sobre os sobas que estão em grande maioria sublevados. Além dos problemas de ordem interna Nzinga Mbandi precisará vencer a ameaça dos portugueses que a veem não como uma aliada, mas uma poderosa inimiga.

Logo após a ascensão de Nzinga Mbandi ao trono do Reino de Ndongo as autoridades portuguesas e os traficantes de seres humanos escravizados começam a preocupar-se com o rápido aumento das deserções dos soldados que formavam o grosso do exército colonial lusitano em Angola, com as fugas de escravizados, todos buscando proteção no território controlado por Nzinga ou se incorporando ao seu exército antilusitano.

Além das fugas dos escravizados que se refugiavam sob a proteção da rainha Nzinga Mbandi e dos soldados que se convertiam em guerreiras da rainha de Ndongo, os sobas antes avassalados ao governo português se rebelavam e se bandeavam para os lados de Nzinga. Rapidamente as autoridades coloniais perceberam a deterioração do seu domínio sobre Angola e o fortalecimento do poder da rainha que se impunha como a maior força política e militar dos ambundos.

Procurando enfraquecer a autoridade de Nzinga Mbandi o governador Fernão de Souza determinou a destituição da rainha do trono de Ndongo. Impossibilitado de vencer Nzinga pelas armas, pois estava com suas forças militares reduzidas o governador optou por desfechar um golpe político contra a rainha. Em 1626 anunciou publicamente que o governo português já não considerava Nzinga sua aliada e decretou-a destituída do trono de Ndongo e substituída pelo rei Are-Kiluanje.

O aparecimento de um novo pretendente ao trono de Ndongo representava para Nzinga Mbandi a necessidade de continuação das “Guerras Pretas”, pois para ela ficava evidente que o governo português pretendia continuar lançando as lideranças políticas de Dongo umas contra as outras para enfraquecê-las e desse modo alcançar o avassalamento completo do povo ambundo.

Ainda procurando evitar a continuidade das “Guerras Pretas” Nzinga enviou emissários aos representantes do governo português em Luanda para selar um acordo de paz e evitar a chegada de Are-Kiluanje ao trono, pois de acordo com as leis do parentesco que regiam a política sucessória de Ndongo este não passava de um soba vassalo seu. A via diplomática para a solução do impasse proposta por Nzinga fracassou, pois o governador-geral já havia declarado a rainha de Ndongo como inimiga de Portugal.

Temendo ver sua autoridade se esvaziar Nzinga Mbandi decide partir para o confronto direto com os inimigos. Determina então a prisão de Are-Kiluanje e seu avassalamento forçado, desse modo a comitiva de Are-Kiluanje que viajava desde a fortaleza de Ambaca foi atacada e apesar do rei-vassalo dos lusitanos ter escapado os aliados de Nzinga conseguiram matar três portugueses e conduzir outros seis a prisão.

Imediatamente o governador-geral Fernão de Souza deu ordens ao Bento Banha Cardoso para recrudescer a guerra contra Nzinga Mbandi e impor a autoridade portuguesa em todo território angolano. Tem início uma sangrenta guerra de perseguição lusitana contra a rainha Nzinga, esta é atacada em seu território nas ilhas do Rio Kwanza, mas consegue escapar e se refugia em Libolo, território dos Jagas.

A chegada de Nzinga Mbandi o kilombo dos jagas foi importante tanto para a rainha quanto para este povo, pois ela com sua grande capacidade de mobilização militar e sua inteligência política conseguiu rapidamente reunir os guerreiros jagas sob sua liderança e foi escolhida pelo Jaga Caza como Tembanza, rainha jaga, isto é, uma autoridade política, religiosa e guerreira dos jagas.

A partir desse momento, Nzinga Mbandi conseguirá unificar os jagas em torno de um inimigo comum, os portugueses, e este povo que até então havia agido como mercenários de guerra aliando-se a quem lhe oferecesse maiores ganhos passará a lutar ao lado de Nzinga contra a colonização de Angola.

O poder bélico de Nzinga Mbandi tornou-se o mais temido pelos portugueses na África, pois os guerreiros jagas agora sob sua liderança eram os melhores combatentes do território banto e foi com esta nova força militar que a rainha e seu general Jaga Caza avançaram por todo o território de Ndongo conquistando novos aliados e submetendo os resistentes.

Com o fortalecimento da liderança de Nzinga Mbandi e o esvaziamento da autoridade do rei-fantoche Ari-Kiluanje as rotas de comércio portuguesas em terra e nos rios foram interrompidas, as feiras foram dissolvidas, o tráfico de escravizados do interior de Angola e de outras áreas da África central para o porto de Luanda foi drasticamente interrompido. A fuga de escravizados buscando a proteção de Nzinga tornou-se um transtorno para os portugueses que viram seu lucrativo comércio de seres humanos prejudicados pela ação guerreira de Nzinga Mbandi e seus aliados.

Em 1629 o governo de Portugal determinou a destruição imediata do kilombo de Nzinga Mbandi e a consolidação do poder Ngola Kiluanje o sucessor de Are-Kiluanje como o novo rei de Ndongo. O ataque ao kilombo onde Nzinga se encontrava não surtiu o efeito que os portugueses esperavam, pois, a rainha conseguiu escapar e abrigar-se junto ao Jaga Cassanje na região do Songo.

Jaga Cassanje era um velho inimigo dos portugueses, vinha dificultando seu domínio sobre a férteis áreas dos vales dos rios Kwanza e Kuvo desde os fins da década de 1610, agora sua aliança com Nzinga Mbandi poria definitivamente em cheque as pretensões colonialistas lusitanas sobre Angola.

Nzinga Mbandi soube manipular com destreza política a inimizade do Jaga Cassanje contra os portugueses e trouxe-o para seu lado, impondo assim duro golpe as ambições políticas e econômicas lusitanas no território de Ndongo. A década de 1630 representou então a consolidação do poder político de Nzinga sobre todo o Ndongo. Fortalecida com a aliança com jagas e sob a liderança de muitos sobas seu poder aumentou e assim se impôs como uma força política e militar contra os colonizadores.

Foi assim que em 1630, Nzinga Mbandi conseguiu conquistar o Reino de Matamba e assumiu os títulos da linhagem desta sociedade, fazendo-se imediatamente a rainha que concentrava em suas mãos poderes sobre todos os sobas e sobre todas as terras da África central.

Para consolidar sua autoridade ainda mais, Nzinga Mbandi ordenou a formação de uma grande confederação sob seu comando político. Esta confederação tinha como principal objetivo minar toda e qualquer presença lusa em Angola.

As autoridades portuguesas viram ao longo da década de 1630 e 1640 seus domínios coloniais passarem rapidamente para as mãos de Nzinga Mbandi. As rotas do comércio de seres humanos e das drogas do sertão foram interrompidas, as feiras onde o comércio dos escravizados e outros produtos foram dissolvidas e seu controle sobre o território angolano se restringiu aos arredores de Luanda.

Imediatamente os colonizadores iniciaram toda uma campanha difamatória contra Nzinga Mbandi. O catecismo ensinado nas igrejas passou a veicular a imagem da rainha como praticante do canibalismo, cria-se a imagem de Nzinga como uma prostituta que em mantém em sua corte um harém masculino com centenas de homens para satisfazê-la sexualmente.

As imagens de Nzinga Mbandi passam então a representar uma mulher que assume o papel masculino, atributos guerreiros interditos às mulheres e agindo como tal, ela se equipara não aos homens, mas subverte a ordem de Deus, as leis divinas, de tal modo que os portugueses passam a associá-la as imagens demoníacas.

Rapidamente o nome Nzinga Mbandi passa a representar os atributos de alguém que se associa as potências malignas da natureza. A rainha vai ser classificada como bruxa associada ao demônio, comedora de gente, distribuidora da guerra e da peste, causadora de fome e sofrimento. Os portugueses procurarão por meio desta propaganda negativa da rainha Nzinga combater a visão de guerreira e líder política que age em defesa do Reino de Ndongo e da ancestralidade de seu povo.

Nas páginas dos relatos dos padres e escritores que viveram em Angola no período do reinado da rainha Nzinga sua representação aparece sempre como uma propaganda destacando aspectos negativos de sua personalidade e comportamento.

O objetivo destas gravuras é difundir para a época e para toda a posteridade uma visão amplamente negativa da rainha Nzinga Mbandi. OS pretos deveriam ver nela não uma liderança contra a dominação lusitana e contra o tráfico de seres humanos escravizados, mas uma mulher aliada ao demônio, sem a aura de heroísmo a rainha Nzinga não poderia ser elevada a símbolo de resistência e lutas pretas.


A imagem acima criada no século XVII e publicada em 1965 pela ditadura salazarista em Portugal procurava ainda no século XX, divulgar uma representação de Nzinga Mbandi como uma mulher que ao assumir a posição de liderança política em Angola age de forma autoritária, discricionária e de modo desumano.

Na imagem observamos o governador branco e o capitão-mor, ambos portugueses agindo como homens civilizados em posições mais elevadas, observe que Nzinga é representada na parte baixa da imagem sentada sobre o dorso de uma escrava, enquanto o governador ocupa uma cadeira alta que o equipava as montanhas que aparecem ao fundo.

Nesta outra imagem abaixo, Nzinga é representada fumando tabaco cercada de suas escravas e servida pelos homens do seu harém. Ao associar a imagem de Nzinga a um comportamento na época essencialmente masculino, o gravurista procura difundir entre o público a ideia de uma mulher que se nega a assumir atitudes condizentes com os papéis civilizados criados para as mulheres.

Fica bem evidente a tentativa de associar Nzinga Mbandi ao mundo demoníaco, aos valores negativos. Objetiva-se aqui subtrair dela seu estatuto de heroína nacional angolana, imagem esta que os grupos nacionalistas que lutavam contra dominação colonial portuguesa estavam criando para nela se inspirarem.

Figura 03. Nzinga fumando tabaco: In: CAVAZZI, João Giovanni Antônio. Descrição Histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar, 1965.

Nas décadas de 1950 e 1970 tanto o MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola) quanto o FLNA (Frente de Libertação Nacional de Angola) irão invocar a luta e o exemplo de Nzinga Mbandi contra a dominação lusitana no século XVII para justificar suas lutas anticolonialistas. Após a independência de Angola em 1975, a história, a memórias, as lutas e a imagem de Nzinga Mbandi serão reabilitadas pelo governo da República de Angola e ela será alçada a posição de heroína nacional do povo angolano livre.

Figura 04. Estátua da rainha Nzinga, erguida em 2002. (FOTO | Reprodução | Internet).

 

REFERÊNCIAS

CARDONEGA, Antônio de Oliveira. História geral das guerras angolanas. (1681). 3 v. Lisboa, 1972;

CAVAZZI, Giovanni. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Tradução, notas e índices pelo Pe. Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965;

FONSECA, Mariana Bracks: Nzinga Mbandi contra a colonização portuguesa de Angola, Temporalidades, Revista de História, disponível em: www.fafich.ufmg.br/temporalidades/revista.

20 de julho de 2023

Professora Cícera Nunes e Valéria Carvalho, do Grunec, receberão comenda Maria do Espírito Santo

 

Professora Cícera Nunes e Valéria Carvalho. (FOTO | Montagem | blog Negro Nicolau).

Por Nicolau Neto, editor

A prefeitura do Crato, na região metropolitana do cariri, promoverá no próximo dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a solenidade de entrega da Comenda Maria do Espírito Santo.

O evento visa homenagear mulheres que sejam referência no desenvolvimento de ações de combate as desigualdades de estruturais de raça e de gênero. Este ano as homenageadas com a medalha serão a professora Drª Cícera Nunes, do Departamento de Educação da Universidade Regional do Cariri (URCA) e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER) e a professora aposentada e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras com atuação pelo Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Valéria Carvalho. Além delas, receberá a comenda a líder religiosa Raimundo dos Santos, a Mãe Kum.

O evento ocorrerá no auditório da prefeitura a partir das 18h30 e foi divulgada nas redes sociais tanto do NEGRER quanto do GRUNEC.

Sobre Maria do Espírito Santo

A comenda leva o nome de Maria do Espírito Santo, conhecida popularmente por “Madrinha Espírito Santo”, que era mulher negra que pautou sua vida em prol da defesa e propagação das religiões de matriz africana, sobretudo da Umbanda – da qual foi líder (mãe de santo) em Crato. Ela foi benzedeira e atuou também como servidora pública deste município onde viveu por cerca de seis décadas.

Mulher negra no STF, nove nomes

Thiago Amparo é advogado. (FOTO | Reprodução | Twitter).

Escolha não é identitarismo, é ocupar o poder para reparação histórica.

Pessoas negras têm nome e sobrenome e trajetórias construídas coletivamente, por vezes longe dos tapinhas nas costas em Brasília ou das rodas de vinho em Portugal. É hora de pararmos de demandar em abstrato que Lula nomeie uma jurista —e, sobretudo, negra— ao STF; devemos dizer seus nomes. Escolher uma mulher negra progressista não é identitarismo. É política em sentido puro; é ocupar o poder para reparação histórica.

Listo aqui nove juristas, sem prejuízo de outras. Começo com três nomes de juízas negras, que já destoam da regra: estima-se que mulheres negras ocupem apenas 7% do Judiciário e tão somente 2% na segunda instância.

Minha favorita, Adriana Cruz é juíza titular no Rio de Janeiro, doutora em direito penal pela Uerj e professora na PUC-Rio —deverá ser secretária-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Outras duas juízas negras despontam como excelentes nomes: Karen Luise Souza, do TJ-RS, que ocupa o Comitê Executivo do Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário no CNJ e auxilia Rosa Weber; e Flávia Martins de Carvalho, do TJ-SP, diretora de Promoção da Igualdade Racial da Associação de Magistrados do Brasil.

Tirar o foco do eixo sudestino também é fundamental. Outra favorita, Lívia Sant’Anna Vaz é promotora de Justiça no Ministério Público da Bahia, doutora em ciências jurídico-políticas em Lisboa e foi nomeada uma das 100 pessoas de descendência africana mais influentes do mundo. Já Vera Lúcia Araújo é advogada baiana com longa e respeitada trajetória, chegando a ter integrado a lista tríplice do TSE em 2022. Dentro da academia e advocacia pretas, não posso deixar de citar Thula Pires, Silvia Souza e Alessandra Benedito.

Já Joenia Wapichana se destaca como a primeira advogada indígena a fazer sustentação oral no Supremo, e sua nomeação seria uma reparação aos anos de morticínio.

O STF somente será equânime quando tivermos 11 mulheres na corte e ninguém achar isso estranho: não achavam quando eram apenas homens por 110 anos até os anos 2000.

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Texto de Thiago Amparo, originalmente na Folha de São Paulo e replicado no Geledés.

19 de julho de 2023

A história do Brasil nas Copas do Mundo de Futebol Feminino

 

Primeira Seleção Brasileira Feminina de futebol, em 1988. (FOTO  | Reprodução | CBF).


Faltam poucos dias para a 9ª edição da Copa do Mundo e a expectativa pela Seleção Brasileira aumenta diariamente. Relembre a história do Brasil no torneio.

As Copas do Mundo de Futebol Feminino começaram em 1991, no entanto, é essencial contextualizar que o futebol feminino foi proibido no Brasil de 1941 a 1979. Os primeiros torneios nacionais começaram em 1983 e o futebol feminino brasileiro ainda iniciava a sua profissionalização em meio a poucos recursos, muita resistência e estigmas ainda mais fortes.

O início da seleção (1991)

Em 1991, a Seleção Brasileira tinha como base a equipe do Radar, que durou até 1990 e que dominou grande parte dos campeonatos nacionais nos anos 80. Em torneios internacionais, a principal experiência do Brasil foi a Invitations Cup em 1988, torneio teste para a Copa do Mundo de 91. A Seleção foi bem e terminou em 3º lugar.

A Copa de 91 foi realizada na China com 12 equipes. O Brasil caiu em um difícil grupo B, junto com Estados Unidos, Suécia e Japão. No 1º jogo brasileiro na história do torneio, vitória contra o Japão por 2 x 0. Nos dois jogos seguintes o Brasil foi superado pelos futuros campeões Estados Unidos, por 5 x 0, e pela Suécia, por 2 x 0 (com gol de Pia Sundhage, atual técnica do Brasil).

Sissi e a mudança de patamar (1995-99)

Quatro anos mais tarde, o Brasil chegou à Copa com 3 nomes históricos: Sissi, Formiga e Michael Jackson. A Seleção novamente estava em um difícil grupo, com Alemanha, Japão e as suecas, que eram as anfitriãs. Na estreia, venceram a Suécia por 1 x 0, porém nos jogos seguintes a equipe foi derrotada pelo Japão por 3 x 1 e pela Alemanha, por 6 x 1. O futebol feminino brasileiro estava no início do seu desenvolvimento, mas começava a montar uma base importante para as Copas seguintes.

Em 1999, a Copa do Mundo foi sediada nos Estados Unidos. O Brasil tinha Formiga, Pretinha, Kátia Cilene e a artilheira do torneio: Sissi, que fez 7 gols e foi eleita Bola de Ouro do torneio. A Seleção estava no Grupo B, com a Alemanha, Itália e México. Na estreia, o Brasil goleou as mexicanas por 7 x 1 e, na sequência, venceu as italianas por 2 x 0. Elas passaram em 1º no grupo ao empatar com o forte time alemão em 3 x 3.

Nas quartas, as brasileiras venceram a Nigéria por 4 x 3. Chegando pela primeira vez à semifinal, a Seleção parou nos Estados Unidos, que seriam campeão, por 2 x 0. O Brasil conquistou o 3º lugar, após empatar com a Noruega em 0 x 0 e triunfar nos pênaltis. O futebol feminino brasileiro estava oficialmente em um degrau acima das Copas anteriores, algo que perdurou nos anos 2000.


Sissi após levar o Brasil ao 3º lugar em 1999. (FOTO | FIFA).

Marta e o auge da seleção (2003-11)

Após o protagonismo de Sissi, uma jovem alagoana de 17 anos assumiu a camisa 10 da Seleção em 2003: Marta. Além dela, a jovem Cristiane também estreava e tinha ao seu lado nomes como Formiga, Daniela Alves, Rosana e Katia Cilene, que foi a artilheira brasileira com 4 gols. Em mais uma Copa sediada nos Estados Unidos, o Brasil fez uma grande primeira fase: venceu a Coreia do Sul por 3 x 0, a Noruega por 4 x 1 e empatou com a França em 1 x 1. Nas quartas o Brasil foi superado pela Suécia, que seria vice-campeã, por 2 x 1. A base de uma equipe cada vez mais forte estava formada e o auge daquele time viria em breve.

O Brasil chegou à Copa de 2007 embalado pelo título Pan-Americano, onde goleou os Estados Unidos na final. Além disso, a Seleção vinha de um vice-campeonato olímpico em 2004 e tinha Marta eleita a melhor jogadora do mundo pela primeira vez. Além disso, Cristiane estava entre as melhores do mundo, completando uma forte Seleção com Formiga, Pretinha, Rosana , Daniela Alves e muitas outras.

A Seleção foi irretocável na primeira fase: fez 5 x 0 na Nova Zelândia, 4 x 0 na China e 1 x 0 na Dinamarca. Nas quartas, o Brasil venceu a Austrália por 3 x 2. Na semifinal, um dos jogos mais icônicos dessa geração: pouco após golear os Estados Unidos no Pan, o Brasil voltou a vencer as estadunidenses, na casa delas, por 4 x 0.

Na final, o Brasil infelizmente parou na Alemanha por 2 x 0. Entretanto, a mobilização nacional rumo à maior popularização e investimentos no futebol nacional ganhavam força. Marta, que se consolidou ainda mais como o maior nome do futebol, foi artilheira com 7 gols e ganhou todos os prêmios de melhor do mundo até 2010.

A geração vice-campeã do mundo manteve boa parte de sua base em 2011 e foi renovada com nomes como Thaisinha e Maurine. Na Copa da Alemanha, o Brasil fez mais uma grande primeira fase, vencendo a Austrália por 1 x 0, a Noruega por 3 x 0 e Guiné Equatorial também por 3 x 0. O Brasil era um dos favoritos e tinha boas chances de ser campeão. Porém nas quartas enfrentou o forte time dos Estados Unidos, empatando por 0 x 0 e caindo nos pênaltis.

Jogadoras brasileiras pedem mais apoio após a final em 2007. (FOTO | Reprodução).

Renovações e novos ciclos (2015-23)

Em 2015, o Brasil foi renovado com jogadoras como Gabi Zanotti, Andressinha, Tamires e Maurine, além da manutenção da geração Marta, Cristiane e Formiga. Na Copa sediada no Canadá, o Brasil venceu: a Coreia do Sul por 2 x 0, a Espanha por 1 x 0 e Costa Rica, também por 1 x 0. Nas oitavas, a Seleção parou na Austrália, com 1 x 0.

Em 2019 o futebol feminino brasileiro vivia um outro momento: cada vez mais profissionalizado e com mais espaço para os clubes midiaticamente. Este crescimento, que deve se tornar cada vez maior, tem grande influência da geração comandada por Marta, Cristiane e Formiga.

A Copa de 2019 foi a última dessa geração e, em 2023, Marta se despedirá das Copas. Em 2019, o Brasil também teve novidades como Debinha, Geyse, Bia Zaneratto e Ludmila. Na última Copa, realizada na França, o Brasil estreou com vitória de 3 x 0 sobre a Jamaica, com 3 gols de Cristiane. Na 2ª rodada, a Seleção perdeu por 3 x 2 para a Austrália e, na sequência, venceu a Itália por 1 x 0. Nas oitavas, diante das anfitriãs, o Brasil caiu apenas na prorrogação, por 2 x 1.

Em 2023 a Seleção chega renovada e terá a última Copa de Marta, a maior de todos. Debinha e Geise chegam à segunda Copa do Mundo em grande momento e uma nova geração se constrói após os avanços das últimas 3 décadas.

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Texto de Patrick Simão, do @alemdaarena e reproduzido na Mídia Ninja.

18 de julho de 2023

Constituição Federal é traduzida para língua indígena pela primeira vez na história

 

(FOTO | Ana Pessoa | Mídia Ninja).

A primeira tradução oficial da Constituição Federal para línguas indígenas será lançada na próxima quarta-feira (19). A lançamento será feito pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Rosa Weber.

O evento será realizado em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A tradução, que visa tornar mais acessível o entendimento dos direitos dos povos originários e promover a democracia, foi realizada por indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, para o idioma Nheengatu, conhecido como o "tupi moderno".

Além disso, a iniciativa acontece no marco da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas.

[...] Ao traduzir a nossa Lei Maior ao idioma nheengatu, preservado por inúmeras comunidades distribuídas por toda a Região Amazônica, buscamos efetivar a igualdade em sentido substantivo, assegurando o acesso à informação e à justiça e permitindo que os povos indígenas conheçam os direitos, os deveres e os fundamentos éticos e políticos que dão sustentação ao nosso Estado Democrático de Direito”, afirma a ministra Rosa Weber.

O processo de tradução da Constituição Federal para o idioma Nheengatu aconteceu devido à parceria do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) e da Escola Superior da Magistratura do Estado do Amazonas, além do apoio da Fundação Biblioteca Nacional e da Academia da Língua Nheengatu.

Rosa Weber já havia se comprometido em realizar essa iniciativa em março deste ano, em sua primeira viagem à Amazônia oficialmente como presidente do STF. Estabelecer o documento de modo acessível aos povos originários é uma forma de contribuir para a equidade social da justiça brasileira.

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Com informações Revista Fórum.

17 de julho de 2023

O STF e a classe trabalhadora: uma contradição federal

 

(FOTO | Valter Campanato | Agência Brasil).

Depois do esmagamento da frente popular, traduzido na derrubada de Dilma e na prisão do Lula, uma reação poderosa se arrastou na esteira desses acontecimentos, expressa sobretudo em uma ofensiva brutal contra os direitos da classe trabalhadora.

A “reforma” trabalhista, realizada no governo do golpista Temer, e a da previdência, levada a cabo pelo inelegível, retiraram do arcabouço legal uma série de conquistas dos(as) trabalhadores(as).

Desde a época em que essas investidas contra a nossa classe foram ganhando vulto, a crítica aos governos e ao parlamento não deixou de ser um aspecto prioritário e necessário na pauta cotidiana dos sindicatos e de entidades afins. Muitas vezes, e de modo acertado, se disse cobras e lagartos do executivo e do legislativo, uma vez que eles eram sujeitos políticos identificáveis dos ataques.

Estranha-me, no entanto, o silêncio quanto à atitude do Supremo Tribunal Federal como parte das operações que, nessa quadra política em exame, são responsáveis por uma investida excepcionalmente cruel contra as conquistas e as proteções das pessoas que constituem o chamado mundo do trabalho.

É desse estranhamento que se nutre este artigo.

O STF e o esvaziamento dos direitos da classe trabalhadora

Se é com a análise concreta que se começa a política, como escreveu Trotsky, não custa analisar como o STF tem respondido aos reclames das representações sindicais quanto à proteção dos direitos violados por governos e patrões.

Não é difícil demonstrar como, em geral, a principal instituição do judiciário brasileiro atua no sentido de consolidar a política neoliberal de retirada ostensiva dos direitos adquiridos ao longo de décadas de lutas da classe que vive da venda de sua força de trabalho.

Irei me ater a quatro exemplos que dão materialidade às inclinações do STF no sentido de, em harmonia com os demais poderes do Estado, convalidar agressões contra os direitos da classe trabalhadora.

Dito isso, um exemplo palpável pode ser observado nos questionamentos à contrarreforma trabalhista. Uma das contestações apreciadas pelo STF referia-se ao regime de trabalho de 12/36, que, a partir da mencionada contrarreforma, poderia ser objeto de acordos individuais entre as partes e não mais o resultado de negociações coletivas. Pois bem, a mais alta corte do país tirou o sindicato do meio do caminho e deixou a estrada livre para que o empregador “negocie livremente” com o empregado.

Há quem diga que o STF está dividido entre os juízes “garantistas” e os “punitivistas”. Nesse caso, ficou nítido que as únicas garantias que são asseguradas pelo Supremo, quando refere-se às relações capital e trabalho, são as que dizem respeito aos interesses dos grandes capitalistas e de seus sócios menores. Sob os protestos de vozes virtualmente abafadas, o retrocesso promovido pela “reforma” trabalhista foi sacramentada pelos juízes da principal corte de justiça do Brasil. O punitivismo uniu todos eles.

Há um segundo caso, igualmente doloso. Trata-se do tema do valor da pensão por morte, que antes da Contrarreforma da Previdência, correspondia a 100% do benefício. O que fizeram o inelegível e o Congresso Nacional? Rebaixaram esse valor a 50% sobre o valor da aposentadoria, acrescida de cotas de 10% por dependente, que, evidentemente, não poderá ultrapassar 100%. Apesar desse acréscimo, o que de fato conta é que o valor da pensão por morte, em termos objetivos, foi reduzido pela metade, e um direito adquirido se viu gravemente lesado. A quem apelar? A questão alcançou o STF, que tomou o direito adquirido e lhe aplicou o golpe final, reconhecendo a legalidade da infâmia.

Mas essa postura do Supremo Tribunal Federal não se restringe às contrarreformas. Mesmo quando trabalhadores(as) arrancam uma conquista, a principal instância do judiciário nacional não se furta a um alinhamento inequívoco com os patrões e as políticas neoliberais, conforme se estabeleceu diante das controvérsias em torno do piso da enfermagem.

Aprovado pelo parlamento, depois de uma longa jornada de luta da categoria, “O piso estava suspenso desde setembro de 2022, por decisão liminar do ministro Roberto Barroso, depois confirmada pelo restante do STF, após uma provocação do setor patronal privado”. (Jornal Extra, 14/07/2023). Agora, finalmente, o Supremo se posicionou, piorando a lei, e não simplesmente a interpretando.

Os patrões da saúde terão 60 dias para negociar, ou seja, chorar pitangas, ameaçar, coagir, e, por fim, quem sabe, puxar o piso para baixo. De fato, só a União está obrigada a cumprir, sem reservas, a lei do piso, uma vez que Municípios, Estados e unidades de saúde que atendam 60% pelo SUS devem pagar o valor aprovado no Congresso Nacional à medida que recebam repasses federais para atender a esse fim.

Contou para realização dessa operação sinistra a firme unidade do “punitivista” Roberto Barroso e do “garantista” Gilmar Mendes com o bolsonarista Nunes Marques e o antibolsonarista Alexandre de Moraes. Em suma, na hora de demolir o edifício das proteções sociais e trabalhistas, as distintas alas do STF se unificam. Foi isso que, no caso do piso da enfermagem, assegurou uma goleada de 8×2 contra os profissionais da saúde, visto que se piorou o conteúdo da lei aprovada no parlamento.

Por fim, e não menos importante. Não custa recordar que a “reforma” trabalhista constituiu também uma “reforma” sindical, em que os sindicatos foram deixados aos tubarões, praticamente sem fontes de financiamento. Há conversações do movimento sindical com o governo Lula no sentido de dotar as entidades representativas dos(as) trabalhadores(as) de fontes de financiamento minimamente estáveis, mas ainda sem um arremate.

Muito bem. Enquanto as conversações prosseguem, o tema da “taxa” assistencial está nas mãos da alta corte de justiça. Nesse momento, a votação no plenário do Supremo está 5×0 para o reconhecimento da contribuição assistencial, mas não custa lembrar que tudo estava andando relativamente bem até o ministro Alexandre de Moraes fazer um pedido de vista, interrompendo assim o julgamento, que só agora retornou. Enquanto isso, os sindicatos esperam debaixo do sol.

O que fica nítido é que as críticas a Moraes por comandar o processo que acabou na inelegibilidade do ex-presidente da extrema-direita, deveriam voltar suas baterias em outra direção. Os juízes do TSE, cuja composição engloba integrantes do STF, tornaram o antivacina inelegível porque se convenceram da incompatibilidade entre o neofascismo e o funcionamento ordinário do judiciário, incluindo aí a integridade física de seus membros. Foi uma decisão de sobrevivência (o fato de Alexandre de Moraes – junto com a família – ser hostilizado no aeroporto de Roma é apenas um indício dessa circunstância).

Esse é um lado da questão. Mas há outro, que diz respeito à atitude de solidariedade do judiciário brasileiro, encabeçado pelo Supremo, em relação às forças de mercado e ao receituário neoliberal, que, em última hipótese, reforça a retórica de que melhores condições laborais representam uma perigosa ameaça às empresas. Calar a esse respeito, certamente, é tão inaceitável quanto criminoso.

Que conclusões extrair desta leitura?

A classe trabalhadora e suas organizações não devem assistir inertes aos conflitos que se desenrolam entre as instituições do Estado. Será sempre necessária uma análise concreta de cada situação, mas essa análise reclama posições políticas. Do contrário, os movimentos sociais e a esquerda se transformarão em meros expectadores. Nessa perspectiva, era correto se posicionar contra o inominável no tema da inelegibilidade. Era preciso fazer recair a responsabilidade sobre os seus ombros, sem perdão, sem anistia.

Isso significa renunciar em fazer as denúncias contra o poder que, momentaneamente, enfrenta o ex-presidente fascista, à medida que esse poder afronta os direitos da classe trabalhadora? Seguramente, não! É necessário descobrir com exatidão o ponto principal de seus ataques contra a nossa classe. Partindo daí, é essencial e urgente enfrentar esses ataques. O primeiro lance nessa direção passa por elucidar o papel de classe desempenhado por esse poder do Estado.

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Por Fábio José de Queiroz, originalmente no Esquerda Online