22 de dezembro de 2018

Quem foi Maria Madalena?


Quem foi Maria Madalena? (Foto: Divulgação).

Não só as novelas bíblicas da TV Record estão preocupadas em exumar, com requintes de duvidoso realismo, as figuras nebulosas do Velho e do Novo Testamento.

A missão de entender a natureza, em carne e osso, de criaturas edulcoradas pela narrativa religiosa incorre, na visão dos crentes, no pecado do sacrilégio, mas nem todos os estudos recentes e as últimas encenações têm como objetivo impor uma visão iconoclasta e desmistificadora em relação às Escrituras e à tradição dos cultos.

Esta Maria Madalena que a Netflix está botando no ar, por exemplo, filme de produção própria, trafega por um fio que desmente mentiras e mal-entendidos sem ofender a fé. Pode, portanto, agradar aos crentes dando uma piscadela para os céticos. De todo modo, arrisca-se a sugerir uma intimidade entre o Cristo e sua companheira que o pudor episcopal teima em esconder.

!Maria Madalena é, ela mesma, um enigma tão intrincado, tão polêmico e tão atraente quanto aquele que envolve o Cristo histórico.

Os Evangelhos a citam 14 vezes, ao passo que a própria mãe do Cristo só merece sete menções. É um incontestável atestado de sua presença ao pé do Nazareno numa época em que o papel das mulheres era meramente figurativo – e reprodutivo.

Maria, a que veio de Magdala, não era como as outras. Estava com Jesus na Galileia, onde ele anunciava o reino de Deus e curava os enfermos e os aleijados. Acompanhou Jesus quando ele partiu para Jerusalém, de acordo com a profecia. Quando foi pregado na cruz pelos romanos, abandonado pelos discípulos, a Madalena estava presente.

Ela assistiu ao corpo ser levado para a tumba, fechada com uma pedra. No terceiro dia, Maria Madalena descobriu que o túmulo estava vazio. Ouviu uma voz, ela se virou e viu Jesus. Estendeu a mão para tocá-lo. Devia ter essa prerrogativa. Mas ele disse: “Não me toques”. E pediu a ela para espalhar ao mundo a boa-nova.

“A mulher é em todas as coisas inferior ao homem”, escreveu o historiador judaico-romano Flavius Josephus acerca da lei da Torá. “Deixem-na, portanto, ser submissa, não para sua humilhação, mas para que ela possa ser dirigida; porque a autoridade foi dada por Deus para o homem.”

Não por acaso, a Maria de Magdala ingressara com ressalva maliciosa na narrativa bíblica, via Evangelho de Lucas (8:1-3), já fazendo parte da comitiva devota que acompanha as pregações do Cristo no ministério da Galiléia. Ela “fora de quem saíram sete demônios”.

No melhor dos casos, pode significar que ela tivera sete homens, o que reforça a confusão que se estabelecera, no mesmo Evangelho de Lucas, com aquela “mulher da cidade”, “um pecadora”, a qual, ao saber da presença do pregador por ali “trouxe um vaso de alabastro com bálsamo e colocou-se a seus pés, chorando, e começou a lavar seus pés com lágrimas, e os enxugava com os cabelos, e beijou os seus pés e os ungiu com unguento… E ele disse a ela: ‘Os teus pecados estão perdoados’” (Lucas, 7: 37-50).

Só em 1969 é que o Vaticano se incumbiu de desfazer a confusão, conta o historiador americano Michael Haag, em seu Maria Madalena, que acaba de ser publicado no Brasil. Confusão que foi por séculos e séculos conveniente, diga-se, para o cânone eclesiástico, no qual as mulheres ou tinham de se submeter ao papel mundano, suspeito, secundário da discípula de Magdala ou eram espiritualizadas, divinizadas, destituídas de toda e qualquer condição humana, como a Virgem Maria.

Como atesta o jornalista e pesquisador brasileiro Luiz Cesar Pimentel, em seu Jesus, uma Reportagem, os sucessivos concílios e sínodos desde a Idade Média só trataram de emoldurar a trajetória do Cristo e seus seguidores – e seguidoras – de acordo com a doutrina da Igreja. Em cruas palavras: mulher, tal como Madalena, ou era santa ou era puta.

Revisar historicamente os fatos relatados pelas Escrituras pode pôr em xeque, sim, velhos dogmas e antigos mitos. Os quatro Evangelhos, base para a narrativa cristã, foram escritos décadas depois da morte do Cristo, a partir de relatos orais nem sempre precisos.

Dos evangelistas, só João foi contemporâneo dos fatos. Mas a exegese crítica visa, como anuncia Pimentel, muito mais uma busca, ao estilo jornalístico, da verdade dos fatos do que um desafio à versão proposta pela fé.

Pimentel cita profusamente as investigações de um fórum multidisciplinar e pluriconfessional denominado Jesus Seminar, que, a partir de 1985, reuniu mais de 200 experts para um mergulho isento, mas minucioso em toda a literatura cristã.

Do revisionismo, a nova Madalena vai emergindo, com direito até a certas liberdades, digamos, poéticas. No filme da Netflix, por exemplo, ela aparece ao lado direito do Cristo naquela que seria a Última Ceia. Na antológica versão iconográfica de Leonardo da Vinci (1452-1519), a figura andrógina seria São João, o mais jovem dos discípulos.

Dan Brown, no bombástico O Código da Vinci, insiste que é Madalena, credenciada pela circunstância de ser a consorte do Cristo. Ele a amava como um homem ama uma mulher, defende Brown. Costumava beijá-la na boca, o que era um escândalo. Os outros discípulos tinham ciúme dela e se queixavam abertamente. Casaram-se em Canaã (as tais bodas em que faltou vinho, para desespero de sua mãe Maria, eram do próprio Cristo). Tiveram uma filha, Sara, cuja descendência prossegue no tempo, até hoje.

Após a morte de Jesus, Madalena e Sara, ajudadas por José de Arimateia, refugiaram-se no sul da França – onde a verdade sobre o Cristo foi preservada ao longo dos tempos.

Os hereges cátaros conheciam o segredo. Na igrejinha de Saint-Maximin-la-Sainte-Baume, na Provença, estariam os ossos da mulher do Cristo. Ou em Vézelay, na Borgonha. A tradição gnóstica, que redimiu Madalena do ostracismo, aceitava Jesus como profeta, mas não como Deus. Descria da ressurreição. Mas esta já é outra história. (Com informações de CartaCapital).

21 de dezembro de 2018

O que 2018 trouxe de bom para os negros?


Foto: UNEAFRO.

O ano de 2018 foi muito intenso. Seja nos aspectos culturais, sociais ou, principalmente, políticos, foi possível observar acontecimentos de grandes impactos para o Brasil e o mundo. A Intervenção Federal no Rio de Janeiro, os documentos da CIA sobre a ditadura brasileira, o assassinato de Marielle Franco, o incêndio no Museu Nacional, o atentado no Irã, a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência e tantos outros episódios marcantes tornaram-se lembranças dolorosas.

Contudo, as lutas pedem espaço. É preciso encarar tais acontecimentos, construir resiliências e novas narrativas. É necessário relembrar também os incontáveis momentos bons que 2018 trouxe e observá-los sob uma perspectiva esperançosa. Por isso, relembre agora algumas dessas conquistas.

Jean-Michel Basquiat no Centro Cultural Banco do Brasil

Aberta no dia 25 de janeiro, a exposição “Jean-Michel Basquiat — Obras da Coleção Mugrabi”, no Centro Cultural Banco do Brasil, fez uma retrospectiva das obras e trajetória de vida de Basquiat, reunindo mais de 80 quadros e gravuras. O público teve contato com a emblemática personalidade artística do nova-iorquino que viveu durante as décadas de 70 e 80.
A mostra ficará disponível até o dia 07 no Rio de Janeiro.

Pantera Negra lota as salas de cinema

Com seu elenco completamente negro, o filme Pantera Negra, lançado em 15 de fevereiro, conquistou uma série de prêmios e indicações em diversas celebrações importantes no mundo do Cinema, chegando a tornar-se o primeiro filme de super-herói a concorrer na categoria “Melhor Filme” no Globo de Ouro. Além de explorar elementos da Fantasia, Aventura e Ação, o longa-metragem retrata consequências da colonização europeia na África e diversos aspectos históricos, mitológicos, políticos e culturais do continente.
Jamaica, Jamaica

Contrariando o forte esteriótipo em que a cultura jamaicana está submetida, a exposição “Jamaica, Jamaica”, inaugurada em 15 de março no Sesc 21 de Maio, quebrou preconceitos retratando a pluralidade e diversidade do país, sobretudo no âmbito musical. Fotos, áudios, documentos, instrumentos musicais e outros importantes materiais da história da música jamaicana foram expostos, acompanhados de uma vasta programação que incluía cursos, palestras, encontros e oficinas.

1º Prêmio Marielle Franco

Um mês após o assassinato da quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016 do Rio de Janeiro, a rede de núcleos estudantis UNEAFRO realizou o 1º Prêmio Marielle Franco, prestigiando pessoas, instituições e organizações que lutam pelos Direitos Humanos. O evento foi realizado em 14 de abril, no auditório de Geografia da Universidade de São Paulo e premiou nomes como Regina Militão, Milton Barbosa, Maria José Menezes, Jupiara Castros, Núcleo de Consciência Negra, e Sueli Carneiro.

Seydou Keïta

A exposição “Seydou Keïta” foi inaugurada em 17 de abril, no Instituto Moreira Salles (IMS), para apresentar 130 obras do fotógrafo que é considerado um dos precursores dos retratos de estúdio na África. A mostra ainda estará disponível no Rio de Janeiro até o dia 27 do próximo mês.

Memorial sobre escravidão é inaugurado nos Estados Unidos

O Memorial Nacional pela Paz e Justiça, inaugurado dia 26 de abril, no Alabama, foi projetado para homenagear os negros estadunidenses que foram linchados pela supremacia racial branca nos Estados Unidos durante e após a chamada “Era Jim Crow”, período em que a segregação étnica no sul do país foi institucionalizada. Entre 1877 e 1950 mais de 4 mil negros foram enforcados, queimados vivos, abatidos, afogados e espancados até a morte por multidões brancas, sob uma campanha de terror apoiada pelo Estado.


Escola Professora Fausta Venâncio, em Altaneira, promove formatura do ABC


EMEI Professora Fausta Venâncio promove formatura do ABC. (Foto: Divulgação).

O Ginásio Poliesportivo Antônio Robério Carneiro, em Altaneira, foi sede na noite desta quinta-feira, 20, da solenidade de formatura do ABC da Escola de Educação Infantil Professora Fausta Venâncio.

Informações colhidas junto ao portal oficial do município dão conta de que a professora Socorro Lino, diretora da instituição, fez um discurso cheio de emoção, vindo a ressaltar a importância das professoras nesse processo e a dedicação da gestão à educação. “Esse é o início de uma nova etapa na vida dessas crianças, isso mexe com o nosso emocional. E essa gestão tem aplicado muito carinho e dedicação, então, para nós, é muita emoção. É muito bom saber que você está participando de um sonho e incentivando o aluno para que ele continue sua vida escolar”, teria declarado.

Ainda de acordo com as informações, o prefeito Dariomar Rodrigues (PT) também falou no evento. Ele disse se sentir feliz e orgulhoso, ao tempo que externou os parabéns a toda a equipe da educação pelo trabalho desenvolvido. “Fico orgulhoso em ver uma festa assim acontecer. Parabenizo toda a equipe da educação pelo trabalho que vem fazendo. Se hoje temos uma educação de boa qualidade é porque temos o melhor quadro de funcionários e toda a dedicação voltada para nossa população”, destacou ele.

Cerca de 90(noventa) crianças receberam na solenidade de ontem o diploma de “doutores” do ABC.




20 de dezembro de 2018

Centro de Educação Básica de Nova Olinda conquista cinco medalhas na Olimpíada de Astronomia


Centro de Educação Básica de Nova Olinda conquista cinco medalhas na Olimpíada de Astronomia.
(Foto: Reprodução/Frame Produções).

A participação na Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) rendeu a estudantes do Centro de Educação Básica (CEB), do município de Nova Olinda, na região do cariri cearense, cinco medalhas.

A provas que são compostas por sete questões de Astronomia e outras três de Astronáutica, rendeu ao CEB três medalhas de ouro e duas de pratas. Ana Larissa, Rávilla Soares e Davi Nogueira, todos do sexto ano, ganharam o ouro. A prata ficou com Monique Evelin e Gustavo Ruan, do sexto e do nono ano, respectivamente.

A professora Wiliane Lopes, coordenadora pedagógica, afirmou que recebeu a informação com entusiasmo e que os resultados são frutos de um trabalho desenvolvido ao longo do ano, uma vez que uma das estratégias da instituição é incentivar o interesse dos alunos pela área.

O mesmo sentimento foi compartilhado pela professora de Geografia Jaqueline Diniz, a quem atribuiu o mérito ao esforço e dedicação dos estudantes.

Afrânio Jardim, um dos maiores juristas do Brasil, anuncia abandono do Direito após decisão de Tofolli



O jurista Afrânio Silva Jardim, considerado um dos maiores processualistas do Brasil, anunciou nesta quinta-feira (20), em sua conta no Facebook que está se retirando “deste ‘mundo’ falso e hipócrita” do Direito. O jurista diz ainda que a sua decepção e muito grande e pergunta: “Como lecionar direito com um Supremo Tribunal Federal como este???”.

Afrânio Jardim. (Foto: Reprodução/Revista Fórum).
A decisão do jurista foi tomada após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tofolli, vetar, na noite desta quarta-feira (19), a liminar expedida por seu colega, Marco Aurélio Mello, que libertaria presos condenados em segunda instância, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Afrânio aponta em dez tópicos as razões para a sua drástica medida, após quase 39 anos lecionando direito processual penal e 31 anos atuando no Ministério Público. Apesar do tom cáustico e pessimista, o jurista avisa que vai “procurar outra ‘trincheira’ para uma luta mais eficaz em prol de um outro modelo de sociedade. A luta por vida digna para todos é perene, pelo menos para mim”, disse.

A minha decepção e desgosto é muito grande. Como lecionar direito com um Supremo Tribunal Federal como este??? Estou me retirando deste “mundo” falso e hipócrita.

Após quase 39 anos lecionando direito processual penal e 31 anos atuando no Ministério Público do E.R.J., diante da notória perseguição do nosso sistema de justiça contra o ex-presidente lula, confesso e decido:

1). Não mais acredito no Direito como forma de regulação justa das relações sociais.

2). Não mais acredito em nosso Poder Judiciário e em nosso Ministério Público, instituições corporativas e dominadas por membros conservadores e reacionários.

3). Não vejo mais sentido em continuar ensinando Direito, quando os nossos tribunais fazem o que querem, decidem como gostariam que a regra jurídica dissesse e não como ela efetivamente diz.

4). Não consigo conviver em um ambiente tão falso e hipócrita. Odeio o ambiente que reina no Fórum e nos tribunais. Muitos são homens excessivamente vaidosos e que não se interessam pelo sofrimento alheio. O “carreirismo” talvez seja a regra. Não é difícil encontrar, neste meio judicial, muito individualismo e mediocridades.

5). Desta forma, devo me retirar do “mundo jurídico”, motivo pelo qual tomei a decisão de requerer a minha aposentadoria como professor associado da Uerj. Tal aposentadoria deve se consumar em meados do ano que se avizinha, pois temos de ultrapassar a necessária burocracia.

6). Vou procurar outra “trincheira” para uma luta mais eficaz em prol de um outro modelo de sociedade. A luta por vida digna para todos é perene, pelo menos para mim.

7). Confesso que esta minha decisão decorre muito do que se tornou o Supremo Tribunal Federal e o “meu” Ministério Público, todos contaminados pelo equivocado e ingênuo punitivismo, incentivado por uma mídia empresarial, despreparada e vingativa.
Com tristeza, tenho de reconhecer que nada mais me encanta nesta área.

8). Acho que está faltando honradez, altivez, cultura, coragem e honestidade intelectual em nosso sistema de justiça criminal.

9). Casa vez menos acredito no ser humano e não desejo conviver com certas “molecagens” que estão ocorrendo em nosso cenário político e jurídico.

10). Pretendo passar o resto de meus dias, curtir a minha velhice em um local mais sadio… (Com informações da Revista Fórum).

19 de dezembro de 2018

Casarões históricos e fachadas dos municípios do cariri oeste serão reconhecidos pela ALB/Araripe



Casarões e fachadas do centro histórico presentes nos dez municípios que compõem o cariri oeste do Estado do Ceará serão reconhecidos e valorizados pela Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe.

Casa histórica localizada na Rua Dep. Furtado Leite,
no centro de Altaneira-Ce. (Foto: Nicolau Neto).
Esta ação está contemplada em um decreto presidencial da seccional da ALB, Adriano Sousa, datada do último dia 16 de dezembro, dispondo sobre “o reconhecimento histórico de Casarões Centenários e Fachadas do Centro Histórico dos municípios”. A ideia é condecorar por meio de diplomas e placa de mérito de conservação históricos para estes patrimônios culturais e históricos.

Pelo decreto, podem ser condecorados “os casarões construídos, em qualquer parte do território municipal, em data anterior ou igual a cem anos”, como as residências do Centro Histórico destes municípios que mantiverem a fachada original.

Ainda de acordo com o decreto, ficam criados os símbolos das homenagens, assim disposto:

Diploma Mérito de Conservação Histórica a ser entregue a família residente no prédio condecorado e Placa de Conservação, sendo esta fixada na fachada do prédio condecorado. 



Conheça Dona Baiá, a mulher que abasteceu por anos a cidade de Altaneira


Ainda hoje sem torneira em casa (Foto: Alana Maria).

Natural do sítio Caboclo, em Crato, a senhora Maria Joana da Conceição, 98, mora desde a década de 1960 em Altaneira. Talvez você a conheça melhor como Dona Baiá, a dona do poço de água sem fim.

Sabendo da origem de água no chão, Baiá pediu para a filha cavar no quintal de casa um poço d'água. Na época, água era difícil de se encontrar e ter a facilidade da água encanada era um sonho.

De tanto querer, o chão deu a Baiá água tão cristalina que toda a cidade buscava ali, em baldes e garrafas, o que beber.

Ela lembra que a escavação não foi de agrado de todos, mas todos gostaram depois.

Um dia, enquanto a filha cavava, o prefeito mandou parar a obra por temer que alguém "fizesse uma arte" no poço. "Se alguém cair e fizer uma arte tá feito. Todo mundo tá vendo que ela tá cavando", teria dito Baiá. E ainda mais: "O único homem que tenho é a mulher, minha filha, e a mulher é esperta".

O poço em seu quintal (Fotos: Alana Soares)

Até a data de hoje, 2019, Dona Baiá desfruta da água sem fim do poço. Tão confiante é em seu poço encantado que a senhora e família não se preocuparam em instalar rede de água em casa. Muito menos torneira na pia. Já baldes e baldes de água do poço não faltam próximo à cozinha.

Ela conta que nunca faltou água no poço porque ele deveria servir para todos que precisassem. Baiá não tem casarão ou fortuna. Rica de vida e espírito, talvez seja a água e o espírito de cidadania que mantenham a senhora de 98 anos com tamanha vitalidade.

Texto de Alana Maria e publicado originalmente no site Miséria com o título "Por anos ela forneceu água de beber para toda uma cidade". O Blog de Altaneira também reproduziu o texto.

Seu Ivan é entrevistado na passagem dos 60 anos de emancipação política de Altaneira


João Ivan mantem um gabinete em sua casa onde atende o povo. (Foto: Alana Maria).

Em João Ivan Alcântara foi uma das figuras políticas mais notáveis da História de Altaneira. Prefeito por quatro mandatos nas décadas de 70, 80 90 e no início do século XXI.

Natural de Assaré, iniciou sua carreira política com o Coronel Manoel Pinheiro de Almeida, o Né de Almeida e foram, junto com outras personalidades, responsáveis por elevar o distrito de Altaneira a condição de município. Seu Ivan também foi por um curto período de tempo vice-prefeito. Nas eleições de 1973 concorreu na chapa de Oliveira, vindo a exercer o mandato de vice-prefeito por seis meses.

A entrevista foi cedida a Jornalista Alana Maria para o Blog de Altaneira. Alana também escreve para o site Miséria. Na conversa seu Ivan fala de sua longa trajetória política, sua participação na luta pela emancipação do município, mas também discorre sobre a recente “desavença” com seu sobrinho Dorival, a qual demonstrou está decepcionada. Quanto a líderes políticos na atualidade, ele foi descrente. “Tu olha assim nossa juventude e parece que não tem ninguém preparado para o tamanho da coisa. Essa é a verdade. Geralmente o perfil é aquele jovem social, abrasivo, que está no meio de tudo, prestativo, ativo, trabalhador”. Para ele, “essa pessoa jovem está faltando em Altaneira”, pois, é “necessário habilidade para ser líder”.

A entrevista rendeu comentários elogiosos, mas também controvérsias quanto aos fatos narrados.

Na rede social facebook, José Rufino Filho endereçou mensagem no perfil de Raimundo Soares Filho, administrador do Blog de Altaneira:

A entrevista de sua filha com o ex prefeito faltou relatos de um passado nada digno e não tão distante para não ser lembrado por ocasião do inicio político do entrevistado, foi vice prefeito de quem? Traiu alguém? Agora seus feitos são contados com certo heroísmo o que não condiz com a história. Nas ultimas eleições não elegeu ninguém para a câmara, ou a sua sobrinha não consta? Suas administrações foram marcadas por inúmeros escândalos, descasos no âmbito que perpassa a sua gestão. Este rapaz não pode falar de traição, pois é algo inerente de sua casta”.

Em resposta, Soares escreveu “nosso blog é um espaço de construção coletiva, escreva sobre seu pai, conte-nos a sua versão dos fatos, com certeza muitos de nossos leitores irão gostar”.

Confira abaixo a entrevista completa.

BA - Quando surgiu o interesse pela vida política ativa?
Em 1955, me tornei vocacionado para a política. Nessa época, Altaneira era distrito pertencente a Farias Brito, tendo o Coronel Manoel Pinheiro de Almeida como prefeito. Ele, que tinha o governo, a câmara e sendo quase filho de Altaneira, teve a atitude de tentar aproveitar a política em sua mão e inserir Altaneira no meio dos distritos que tentavam se provar município.

Ele procurava uma pessoa alfabetizada para um trabalho e, na cidade, somente eu e Socorro Carneiro éramos. Como era um serviço de andar a pé, a cavalo, no sol o dia todo, ele me fez o convite. O ano era 1957. Quando cheguei em Farias Brito ele tava com a portaria feita, com minha nomeação pronta e eu ainda sem saber o que seria. Ele me nomeou como fiscal de arrecadação do distrito, mas praticamente não era isso que ele queria comigo. Depois de assinar, ele me levou até o IBGE para aprender como seria o preenchimento de formulários, requisitos e boletins para criar a cidade de Altaneira.

BA - Como foi este trabalho?
Foi uma espécie de censo. Ele me disse “você vai me elevar o número de eleitores, de casas e toda a parte econômica para mandar para Fortaleza”. Eram 90 dias para ver se Altaneira entrava com os demais distritos, como Antonina, Catarina, Potengi. Ele ficou com medo de lançar a ideia e não dar certo, afinal política é política e precisou dos dados antes. Então fiz esse trabalho de “crescer” o eleitor. Existe até uma piada. Eu disse “Seu Né, tem muita gente que fisicamente aparentam 18 anos e se ele não tiver os 18 completos, o que faço?” E ele me respondia “Se ele não tem registro, eu empresto os meus até formular os 18”. E assim o fiz. Como os rapazes eram corpulentos, não dava para o juiz desconfiar que ele era “de menor”. Se fazia o pedido do registro alterando os 2 anos para o rapaz tirar o título de eleitor.

BA - Aumentou muito?
Uns 30%, mais ou menos (Risos). Teve que aumentar. A lei só aceitava ser município com 6 mil habitantes. Somente agora passamos disso. O grande negócio era o deputado segurar na oratória o candidato dele. Nosso deputado estadual Cicinato Furtado Leite era muito temido na época, então foi uma negociada: “assine aqui, que eu assino ali”. Essa foi a sorte de Altaneira.

BA - E como se portaram os políticos de Altaneira nesta época?
Tivemos uma política ruim como distrito. Se você olhar a história de Altaneira, nós fomos de Santana do Cariri, de Assaré, de Farias Brito, voltamos para Assaré e depois para Farias Brito. Ninguém nos quis. Ficamos de mão em mão, até que essa lei nos salvou. Sendo cidade ou distrito, a política é algo que existe em toda sociedade. Já existiam candidatos aqui. O primeiro a conseguir se eleger como vereador foi Chico Fenelon. Lançaram Joaquim Bitu pelo PSD e Chico pela UDN, sendo este o candidato do Manoel de Almeida, e o eleito. O período de Manoel de Almeida foi muito bom para nós, porque tínhamos tudo. Ele tinha (parceria com) o Governo do Estado, a Câmara de deputados, a Câmara Municipal.

BA - O que queriam estes políticos? Houve quem fosse contra a criação do município?
Muitos queriam a emancipação e outros não queriam. Foi uma briga política. Você sabe como é. Um lado e o outro pula fora. Alguém não quer porque não é do seu interesse, do seu entendimento. Nesta época, em agosto 1958, eu viajei para Goiás. Todo o trabalho que fiz com os dados, o pleito sobre Altaneira foi contemplado em dezembro, justamente no 18 de dezembro de 1958.

BA - Foram poucos dias para um longo trabalho. E ali já se resolveu a questão do município?
Ainda não. Só a lei não faculta o município. O que assegura o poder ao município é a administração, a instalação com independência. E só se é independente com Câmara e Prefeitura, os dois poderes.

BA - E este trabalho de pesquisa lhe inseriu na vida política de vez?
Sim, nesse período. Dava-se o nome grosseiro de “cabo eleitoral”, que era aquele que visitava, que conversava com o eleitor, que convencia ele que as coisas poderiam melhorar. Era a pessoa que preparava o eleitor. “Não, mas não tenho registro”. Eu faço o registro. “Não, mas quero casar civil”. Eu faço o casamento. Quer dizer, pronto para fazer o eleitor.
Já fazíamos as coisas por eles (os eleitores) de muito tempo. Era para ele ir no cartório, fazer seu registro, tirar a segunda via, fazer o requerimento para título e votar em quem quiser, mas essa subordinação (do político com o povo) já vem de muito tempo.

BA - Então o trabalho também seria para registrar oficialmente cidadãos e eleitores altaneirense, não apenas um levantamento quantitativo.
Veja, o registro público era muito difícil naquela época. Era preciso ir em Santana do Cariri… A pessoa podia até achar que não teria sentido ter um registro, um título. Eram tão desinteressados que até você dando o documento, a fotografia, levar no lugar, pagar almoço, eles ainda botavam banca. Eles achavam que tudo aquilo era para a gente (políticos), que não beneficiaria em nada para eles. Quer dizer, naquela época você chegava na casa das pessoas e eles não tinham nem documento de certidão de nascimento, imagine saber que votar era um dever cívico, um direito, uma obrigação.   

BA - Aprendeu assim a política na prática?
Na época que comecei política era assim. O cabo eleitoral é esta pessoa, sendo político ou não. Era o professor do eleitor, votando na gente ou não. Eu não devo nenhuma eleição a cabo eleitoral. Quer dizer, eu sabia fazer, então eu mesmo fiz minhas campanhas. Qualifiquei o povo. Conheci. Fui na casa de um por um para fazer o eleitor. Eu fui um prefeito que sabia onde estavam as pessoas. Não pedi nada a ninguém para fazer aquilo que eu sabia fazer. Ou melhor: que eu já havia feito para os outros. Parece que teve só eu de político que fez esse trabalho por si mesmo. É tanto que nas minhas apurações eu sabia com quanto eu ganhava. Era capaz de fazer minha eleição sem o juiz apurar. Isso porque eram pessoas que estavam no meu dia a dia e os números estavam no meu fichário.

BA - Depois disso disputou eleição?
O primeiro interesse era a criação do município de Altaneira. Todos os dados para esta criação passaram por minhas mãos. Com isso, teve a eleição. Eu sabia que íamos perder a eleição porque em 1958 teve uma seca muito grande e a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) jogou tudo nos candidatos do PSD. Eles faziam negociata do voto com dinheiro da SUDENE. Não havia quem escapasse. Quem deu eleição não foi o povo, foram as cadernetas de auxílio. Em 25 de março fui exonerado. Era assim. Quando a UDN ganhava, tirava os pessedistas, quando o PSD ganhava, tirava os udenistas. Então viajei. Precisava de trabalho. Nessa o Coronel Manoel de Almeida ainda fez um vereador em Altaneira, que foi o Fenelon. Em 1959 matam o Né de Almeida quando ele era candidato a prefeito de Altaneira e eu não estava aqui. Quando voltei em 1960, Fenelon era prefeito.

BA - O senhor ainda seria eleito prefeito outras cinco vezes. Como isso se deu?
Em 1965, teve o concurso e vou trabalhar na Secretaria de Fazenda. Em 1972, todos me apoiavam a candidato - a Câmara, os deputados, o prefeito. Nessa época existia isso de eleição única, candidato único. Não existia democracia. Se eu quisesse poderia ter sido prefeito ali, mas eu sentia que o povo não queria mais aquilo, que o povo estava rompendo esta amarra para ir a uma eleição dividida, com dois candidatos. Depois que recusei, lançamos dois candidatos, sendo Fenelon e Oliveira. Eu fui o vice de Oliveira e nos elegemos em 1973.

BA - Em 1977 começa seu primeiro mandato como líder da chapa, como prefeito. Como foi essa primeira gestão?
Não foi melhor por falta de recurso. Fui vítima de mandatos com pouco dinheiro, mas havia despesa. Houve tanta boa vontade e garra para trabalhar. Era como se Altaneira fosse meu patrimônio, algo da minha família. Mesmo sem recurso ainda fiz um bocado de obras. Comigo foi criado colégio de primeiro e segundo grau, saneamento, rede de água. Eu tinha visão e não gastava à toa. De fato, só a partir de 1986 começaram a chegar recursos federais em Altaneira. Foi difícil começar o ano e só ter algum recurso no final daquele ano. Havia algo errado nessa estrutura. Eu sofri porque não tinha como fazer nada. Nessa época não tinha tanta briga por prefeitura como se tem hoje, porque não havia dinheiro. Nem o salário era bom. Não se entrava em uma prefeitura pensando em dinheiro, como hoje. Era diferente. Antes você tinha que ser praticamente um benfeitor, trabalhar de graça. Meu último orçamento em Altaneira, em 2004, foi em torno de 3 milhões e 900 mil reais, coisa que não consegui arrecadar totalmente. Hoje temos em torno de 20 e tantos milhões de reais. Então às vezes não se vê o trabalho, mas vê muito bem o dinheiro.

BA - Como Altaneira era na visão do senhor?
Altaneira era pobre. Era pouco dinheiro para muita coisa a ser feita. A urbanização precisava ser feita porque nossas ruas muito arenosas ficavam acidentadas. Cada rua era um rio que ia dar na lagoa. Educação foi o foco. Se não investisse em educação não havia começo de nada. Hoje os prefeitos não sofrem com nada. Sofreram fomos nós. Eu tive que buscar professor em fábrica de tijolo do Crato. Por que? Era diplomada, mas não tinha condições de trabalhar porque os contratos eram pra filhos de fulano. Eu dei essa oportunidade. Naquele tempo tínhamos que ir atrás. Ainda bem que hoje temos muito para exportar.

BA - Como o senhor conseguia manter o apoio político?
Era diplomacia. Sempre fui passivo com minhas coisas na política. Sempre respeitei a liderança. Nunca perdi uma sucessão. Meu trabalho foi de porta aberta. Nunca briguei com a Câmara de Vereadores. Era questão de relações públicas. Precisei aprender a diplomacia quando trabalhei na SEFAZ. Se você consegue dominar um cara embriagado, rebitado, num posto fiscal que chega para a briga sem querer pagar o imposto e você faz com que ele pague, é porque você é bom naquilo.

BA - Mas como lidar com os interesses opostos?
A primeira coisa que você tem que ter como administrador é a confiança nos seus colegas. É preciso lealdade. Não me consta, não me lembro, se fiz deslealdade que provocasse um sentimento a pessoa. Acho que minha permanência na política de Altaneira foi por este objetivo de ser leal. Por que hoje vemos a degradação da política? Porque não há fidelidade: você coloca alguém em um cargo de confiança e quando dá fé ele está te traindo, está te roubando.

BA - Houve traição com o senhor?
Eu lidei com esse tipo de gente. Mas era algo a parte, um cargo isolado. Não penetrou no coração da administração. Tentei fazer minhas administrações isolando a parte principal. “Você pode mexer em outras veias, mas no coração, não”.

BA - Vamos dar nome aos bois. O senhor ficou decepcionado com Dorival Arraes?
Demais, demais. Foi inesperadamente aquilo ali. Em política, realmente, existem várias coisas que podem te levar a esta situação, mas existe o peso que você suporta. Só vai até ali. Mas no caso de Dorival, mesmo se você colocasse o maior filósofo, intelectual, para estudar ele, essa pessoa erraria também. Ali foi um caso inédito.

BA - O senhor apostava muito nele, seu sobrinho e pupilo.
Eu já tinha alguma análise sobre a pessoa dele, mas não tinha suspeita. Aquilo que você nunca imaginou que poderia acontecer é o que acontece. Foi violento. Aquele menino eu criei dentro da prefeitura. Fiz quatro eleições do pai dele, fiz a eleição da mulher, fiz a dele para vereador, fiz de Dorivan, fiz de Zé Arraes. É muita coisa. É o peso de um trem. De santo ele virou o satanás. Eu não conhecia o íntimo dele.

BA - O senhor também esteve presente na campanha de Dariomar e hoje está afastado.
Ajudei, fiz campanha. Não era meu candidato, mas era da coligação. Vejo gestores de hoje, que a gente trabalhou, ajudamos a eleger e quando chega lá, a gente já é falecido há muito tempo. Às vezes ficamos com vontade de ajudar aquilo que vemos se desmantelando, mas sente também, por outro lado, que aquela pessoa não precisa de você, porque não te procurou.
Mas a facada de Dorival foi dez vezes mais forte, até porque eu não tinha capital político suficiente para aguentar aquilo. Houve traições, mas nada semelhante a briga que teve com a família Arraes. Lembro que no dia de tirar o nome dele como candidato. Chorou a mãe, o irmão, chorou tanta gente que não tinha como aquilo dar certo mesmo. Ia terminar dando em lágrimas. Parece o verso da Salve Rainha: “chorando e gemendo neste vale de lágrimas”. Foi o que aconteceu.

BA - Mesmo depois disso o senhor continuou ativo politicamente.
Política não é para ser assim. Se você for ver, política é algo bonito. Só deixo a política quando morrer. Hoje faço política de observações, silenciosa. A política é um desenho da sociedade. Não é feito para traição. Eu não desejava mais ser mandatário. Existia um desejo da juventude em passar pelo poder e era meu dever guiar isto. Mas infelizmente não tivemos sucesso. Três jovens que foram e falharam.

BA - E agora, qual futuro terá a política de Altaneira? Há um novo pupilo?
Infelizmente não vejo nada. Estou aguardando. Tu olha assim nossa juventude e parece que não tem ninguém preparado para o tamanho da coisa. Essa é a verdade. Geralmente o perfil é aquele jovem social, abrasivo, que está no meio de tudo, prestativo, ativo, trabalhador. Essa pessoa jovem está faltando em Altaneira. É necessário habilidade para ser líder. Altaneira me transformou em líder, mas comecei em 1957 e para me tornar líder em 2004. Na mesma profissão, realizando o mesmo trabalho. Sem traições. Claro que a política tem sua didática, mas é necessário lá na frente fazer um consórcio.