 |
(Foto: Twitter/Reprodução). |
Tenho
revisto as cenas da sequência do filme Cabaret (1972), dirigido por Bob Fosse,
com Liza Minelli e grande elenco, conhecida como "Tomorrow belongs to
me" (O amanhã pertence a mim).
Nela
dois dos personagens, o inglês Brian Roberts (Michael York) e o aristocrata
alemão Maximilian von Huene (Helmut Greim) vão a um "Bier Garten"
(bar/café ao ar livre) próximo da casa de campo deste último, na Alemanha.
Ali
se desenrola uma cena que começa idílica e se transforma em sinistra. A câmera
foco o rosto bonito de um jovem louro, que entoa, com sua voz de tenor, quase
de tenorino, uma canção que reúne alguns lugares comuns (expressão que não é
necessariamente pejorativa) do romantismo germânico (embora composta por dois
norte-americanos, John Kander e Fred Ebb). Ela fala de um veado que corre livre
na floresta, do sol que aquece o prado, do bebê que adormece no berço, da
tempestade de verão que se aproxima… reunindo tudo sob o refrão-título: "o
amanhã pertence a mim", isto é, ao vigor da juventude.
A
câmera, descendo lentamente, revela que o jovem veste a camisa parda dos SA
nazistas, com a braçadeira expondo a suástica. A canção idílica vai se
transformando num hino belicoso, na medida em que quase toda a plateia, de
todas as idades, canta com o jovem. Ao fim, os dois amigos se retiram,
assustados, e Brian pergunta a Max: "você ainda acha que pode
controla-los?", numa referência a crença deste de que os nazistas
serviriam para neutralizar a esquerda e depois poderiam ser contidos pelas
forças políticas dos conservadores tradicionais.
A
cena serve muito bem para encararmos o que se passa no Brasil de hoje. Escrevo
estas apressadas linhas às sete da manhã (hora de Brasília), meio dia em
Berlim. Não sei qual será a decisão do STF sobre a prisão ou não do
ex-presidente Lula. Mas sei que, seja ela qual for (prisão, liberdade,
postergação) ela levará os golpistas remanescentes à histeria, seja ela festiva
ou enfuriada.
Em
primeiro lugar, porque eles já ficaram histéricos, com a decisão anterior do
STF, dando uma espécie de "salvo-conduto" a Lula até hoje, 4 de
abril. Esta decisão não estava no seu script. Em segundo lugar, porque ela veio
se somar a uma série de problemas que eles enfrentam, embora de momento
detenham a faca, o queijo e o tabuleiro político nas mãos. E os problemas vão
se transformando em impasses.
O
governo Temer está nas cordas e na lona. Desmoralizado e desmoralizando o
Brasil no mundo inteiro, só tem a oferecer o espetáculo vexaminoso de sua luta
pela própria sobrevivência em meio a um mar de denúncias e de fracassos até
mesmo em relação ao vergonhoso programa de retrocesso político, social,
econômico, cultural e educacional, além de na previdência e na saúde, que vem
se esforçando por impor ao país.
Os
golpistas estão esfrangalhados, embora ainda os una o empenho em retirar Lula
da eleição e as esquerdas da cena política. Seu poder de mobilização das
parcelas reacionárias das classes médias arrefeceu, embora continuem as
campanhas virulentas na mídia e nos espaços virtuais.
Atesta
este impasse o fracasso das manifestações pela prisão de Lula convocadas para
ontem (3), em todo o país - até com o auxílio de empresas - que se limitaram a
reunir uns poucos gatos pingados de norte a sul, de leste a oeste. Gatos
pingados, porém perigosos. O seu jogo está se tornando cada vez mais violento,
açulados pela aura de impunidade que os protege.
O
que se viu nos últimos dias mostra bem a agitação deflagrada nas suas hostes
tanto pelo sucesso das caravanas de Lula e a formação de uma frente (ainda
limitada às esquerdas) anti-fascista quanto pela decisão (para eles inesperada)
do STF.
O
que foram pedradas e chicotadas contra a caravana se transformaram em tiros contra
os ônibus, com as autoridades do Paraná fazendo vista-grossa e políticos que
querem aparecer como moderados condenando as vítimas pelo incidente.
Pipocaram
editoriais na mídia golpista pedindo a prisão do ex-presidente. Pedindo?
Ordenando. Multiplicaram-se as vozes dos economistas de vitrine pregando que o
esfrangalhamento da economia do país, seu retalho entre multinacionais, o
dramático desemprego, a precarização do trabalho que corrói o poder aquisitivo
da população, o neo-crescimento da desigualdade, da miséria, do número de
pedintes, incluindo crianças, o retorno do Brasil ao mapa da fome, tudo isso
junto chama-se "recuperação" e "retorno à normalidade".
Sem
falar na redução a pó de traque do prestígio brasileiro na cena internacional,
que se mantinha de pé até o golpe de 2016. Para completar o conturbado quadro,
vieram à tona declarações inoportunas (para os golpistas oportunas, válidas e
inseridas no contexto) de próceres militares sobre combate à impunidade e
falando em "missão institucional".
O
maior problema enfrentado pelos golpistas é o de que o Brasil não cabe mais (e
faz tempo) no tabuleiro de usas ideias anacrônicas, feitas de importações das
piores quinquilharias do pensamento neo-liberal e norte-americano.
Portanto,
para manter o tabuleiro e a tábua das suas ideias, tudo o que terão a oferecer
será a sinistra combinação que se prefigura naquela canção do filme: um conluio
de repressão violenta para manter "a ordem" e o suposto progresso,
com a impunidade da baderna dos grupos para-militares, da sanha da nova
"tigrada" corporativa, agora muitas vezes togada, aliada à propagação
mais deslavada de "fake news" na mídia e no campo virtual. Como já
mencionei, independentemente do resultado de hoje no STF. Até quando?