Este
texto foi escrito por Milton Barbosa, um dos fundadores do MNU - Movimento Negro
Unificado, cuja ação norteou o pensamento dos negros na luta contra o racismo e
por seus direitos e que hoje colhem os frutos de todo este trabalho com algumas
conquistas obtidas pelo Movimento Negro. É interessante notar que, mesmo
escrito em 2005, este é um documento muito atual, que conta parte da nossa
História!
Em
18 de junho de 1978, representantes de vários grupos se reuniram, em resposta à
discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do
Clube de Regatas Tietê e a prisão, tortura e morte de Robinson Silveira da Luz,
trabalhador, pai de família, acusado de roubar frutas numa feira , sendo
torturado no 44º Distrito Policial de Guaianases, vindo a falecer em
conseqüência das torturas. Representantes de atletas e artistas negros,
entidades do movimento negro: Centro de Cultura e Arte Negra – CECAN, Grupo
Afro-Latino América, Associação Cultural Brasil Jovem, Instituto Brasileiro de
Estudos Africanistas – IBEA e Câmara de Comércio Afro-Brasileiro, representada
pelo filho do Deputado Adalberto Camargo, decidiram pela criação de um Movimento
Unificado Contra a Discriminação Racial.
O
lançamento público aconteceu numa manifestação no dia 7 de julho, do mesmo ano,
nas escadarias do Teatro Municipal da Cidade de São Paulo, reunindo duas mil
pessoas, segundo o jornal "Folha de São Paulo", em plena Ditadura
Militar.
Lançamento Oficial do MNU
Com
a criação do Movimento e seu lançamento público, mudamos a forma de enfrentar o
racismo e a discriminação racial no país.
Já
no dia 7 de julho, participaram entidades do estado do Rio de Janeiro:
Instituto de Pesquisa das Culturas Negras – IPCN, Centro de Estudos Brasil
África – CEBA, Escola de Samba Quilombos, Renascença Clube, Núcleo Negro
Socialista, Olorum Baba Min, Sociedade de Intercâmbio Brasil-África – SINBA.
Cinco
entidades da Bahia nos enviaram moções de apoio à manifestação.
Prisioneiros
da Casa de Detenção do Carandiru enviaram um documento se integrando ao
movimento, denunciando as condições desumanas em que viviam os presos e o
racismo do sistema judiciário e do sistema prisional – Centro de Luta Netos de
Zumbi.
Participaram
do Ato, também, Lélia Gonzales e o professor Abdias do Nascimento.
Para
enfrentar o racismo, a discriminação racial, este movimento que se transformou
no Movimento Negro Unificado, mudou a forma da população negra lutar, saindo
das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações
de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaborando panfletos e
jornais, realizando atos públicos e criando núcleos organizados em associações
recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades
públicas e privadas.
O
movimento tirou proveito das divergências conjunturais, mesmo dos setores da
burguesia a exemplo dos jornais burgueses como "A Folha de São Paulo"
e "O Estado de São Paulo". Articulamos, também, com mídias internacionais
favoráveis ao fim da Ditadura Militar e outros setores.
Definimos
como princípio a aliança com os setores de esquerda no país que lutavam pelo
socialismo e comunismo, pois foi o capitalismo que nos colocou nesta condição,
nos seqüestrando em África, nos vendendo para acumular mais valia, nos
escravizando para construir riqueza para os colonizadores, nos explorando, após
a escravidão, como trabalhadores menos qualificados e de menor remuneração.
Mulheres negras na luta
O
negro é um pioneiro em civilização, sendo nos países onde viveu ou vive um
criador de cidades, núcleos comerciais, artísticos, sendo que no Brasil
realizava desde os trabalhos da lavoura, até os mais sofisticados, como cuidar
da mecânica do engenho de açúcar e da saúde do senhor de escravo pelo seu
conhecimento milenar de ervas medicinais.
Foram
os negros escolhidos para serem escravizados, pela diferença física ao europeu
e por seus profundos conhecimentos de agricultura e metalurgia (ferro – cobre –
prata – ouro – diamantes).
Em
termos culturais, os negros foram pioneiros. No período anterior à abolição da
escravatura no Brasil, os negros eram as principais figuras na arte nobre
(pintura – escultura – literatura – música – teatro).
Na
luta política o negro tem sido pioneiro na figura do Movimento Negro Unificado.
No
início da década de oitenta transformamos a ação do Movimento Feminista,
introduzindo com Lélia Gonzales, Vera Mara e outras, a questão da mulher negra,
que sempre foi trabalhadora neste país.
Também
no início da década de oitenta, o MNU – SP em aliança com o Jornal Lampião e o
Grupo Somos, realizamos ato público e passeata conjunta contra as ações do
Delegado Wilson Richetti, que prendia negros, homossexuais e prostitutas de
forma humilhante e desrespeitosa na região chamada Boca do Lixo de São Paulo –
Zona de Meretrício e denunciamos o racismo, o machismo, desenvolvendo ações
que, sem dúvida, são a base da política de diversidade hoje debatida em todo o
país.
MNU é base das conquistas atuais
Através
dos congressos da SBPC – Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, o
MNU denunciou o racismo na Educação, nos meios de comunicação e, no Congresso
da Anistia introduzimos a discussão de que os presos comuns também são presos
políticos, pois são empurrados para o crime pelas circunstâncias sociais,
políticas e econômicas e, denunciamos a tortura nas prisões sobre os chamados
presos comuns, base para a criação de uma política de direitos humanos contra a
tortura no Brasil.
No
início de dos anos 80, MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala
oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina – OLP, através de
seu representante Farid Sawan, que atualmente representa os Palestinos no
Conselho da SEPPIR – Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade
Racial.
Na
década de 80, foi o MNU a organização que realizou as maiores e mais
importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não
recebêssemos apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas –
ONU. Criamos comitês nas principais estados do país e realizamos manifestações
com milhares de pessoas, contribuindo significativamente para a luta dos nossos
irmãos da África do Sul e do Zimbabwe.
Em
1986 realizamos a Conferência Nacional do Negro em Brasília – DF, de onde saiu
a proposta de criminalização do racismo e a resolução 68 das Disposições
Transitórias Constitucionais, sobre a titulação das terras dos remanescentes de
quilombos.
Criação da Lei 10.639
No
ano de 1988, no VIII Encontro de Negros do Norte - Nordeste, organizado pelo
MNU da região, foram definidas questões que balizaram a atual lei l0.639, que
dispõe sobre o ensino da História da África e do negro no Brasil, a orientação
educacional que permeou a criação, com certeza do Centro de Educação Unificada
– CEU, escola integral, com cultura, arte, lazer (cinema – teatro – sala de
música - quadras esportivas), bibliotecas, material escolar gratuito,
alimentação e assistência médica,no governo Marta Suplicy na Cidade de São
Paulo.
O
estado, os partidos políticos, movimentos sindical e popular, tentam separar as
conquistas da população negra do movimento negro, carro chefe da nossa luta.O
estado e os partidos políticos buscam dominar e manipular nossa população. Os
movimentos por equívocos e por terem o racismo introjetado em suas mentes,
ações e concepções.
Na
revista "O Negro", em 1992, Margarida Barbosa – enfermeira do
Hospital das Clínicas da Unicamp – Universidade de Campinas, militante do MNU,
atualmente diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp- escrevia sobre a
Anemia Falciforme, doença que proporcionalmente atinge mais aos negros,
orientando a sociedade e cobrando, a quem de direito, a exigência de políticas
públicas referentes a este tipo de doença , pois além desta anemia, há
diabetes, hipertensão e outras doenças que proporcionalmente vitimam mais aos
negros.
Marcha e homenagem ao Herói Zumbi
O
MNU, fortalecendo a proposta do início da década de 70, do Grupo Palmares de
Porto Alegre, decidiu na Assembleia Nacional do MNU, em Salvador – BA, no dia 4
de novembro de l978, transformar o 20 de Novembro , no DIA NACIONAL DA
CONSCIÊNCIA NEGRA, data da morte de Zumbi , um dos principais comandantes do
Quilombo dos Palmares, um exemplo de luta e dignidade para os negros e todos os
brasileiros.
No
ano de l988, realizamos importantes manifestações no mês de maio contra a Farsa
da Abolição, na cidade do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras. Em
20 de novembro de l995, realizamos a Marcha do Tricentenário da Imortalidade de
Zumbi , a Marcha Zumbi dos Palmares, Contra o Racismo, Pela Igualdade e a Vida,
em Brasília – DF, com a participação de mais de 30.000 pessoas.
Em
São Paulo, no início de novembro de 95, realizamos uma grande manifestação com
mais de 800 pessoas, no Consulado Americano contra a Pena de Morte e Pela
Libertação de Múmia Abu Jamal, antigo dirigente do Partido dos Panteras Negras,
preso e condenado à morte injustamente numa farsa reconhecida
internacionalmente. Múmia Abu Jamal, como Nelson Mandela, é um exemplo para a
humanidade, na luta contra o racismo, pela liberdade e a vida, um campeão de
direitos humanos. O MNU, tem colaborado com campanhas internacionais pela
defesa de sua vida e pela sua libertação.
MNU e remanescentes de quilombos
Os
remanescentes de quilombos com a participação do MNU, realizaram o I Encontro
Nacional dos Remanescentes de Quilombos, em novembro de 95, fortalecendo a
relação do movimento negro urbano com a área rural, dando uma nova qualidade ao
movimento negro do Brasil. Esta intervenção do MNU junto aos remanescentes de
quilombos, teve início em 1980 através do MNU-SP no Cafundó, região de
Sorocaba, tendo também, o MNU atuado a partir de meados de 80 junto aos
Calungas, em Goiás e, o MNU-BA no início da década de 90, na região do Rio das
Râs.O MNU atua junto a quilombos em Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Rio Grande do Sul, Paraná e Maranhão.
A
partir do final dos anos 70, elaboramos o conceito Raça e Classe, desenvolvendo
uma teoria política para garantir as ações práticas. Há um leque de propostas
que estamos propondo aprofundar num Congresso do Negro Brasileiro em novembro
de 2006.
´
Hoje
a direita busca golpear com violência a esquerda no Brasil, se aproveitando de
erros de concepção desenvolvido por setores oportunistas e aparelhistas do
campo majoritário do Partido dos Trabalhadores, que se aliaram com forças
retrógradas da sociedade brasileira para buscar garantir seus projetos
imediatistas, tentando aparelhar o estado brasileiro, como já haviam feito com
setores importantes do movimento sindical.
MNU e Política Partidária
Este
mesmo campo político, supostamente de esquerda, tem como prática cooptar
quadros dos movimentos, tenta esvaziar os movimentos sociais, isolar setores
que lhes são críticos, implantando uma política de subserviência e compadrio.
Estão
sendo atacados pelos grandes capitalistas, que são os verdadeiros donos da
privatização do estado, como se o PT, estivesse inventando a corrupção na
máquina do estado e no parlamento burguês, majoritariamente composto por
verdadeiros bandidos, ladrões inveterados, que usam todos os métodos para
garantir a exploração da grande maioria da população.
Não
podemos cair no canto da sereia. Temos que novamente cumprir nosso papel de
vanguarda da luta da população negra e pobre e, desmascarar es ta farsa.
Ao
mesmo tempo devemos estabelecer uma nova relação com os setores de esquerda, que
em sua maioria tentam nos usar, querendo nos impor de forma colonialista seus
programas nascidos e desenvolvidos no coração da Europa.
O
conhecimento é universal e, os brancos, que tem sua matriz na Europa, mentem na
história. Não existe cultura ou raça superior.
Esta
é a nossa principal luta. Construir não apenas um programa partidário, ou de
nação, mas construir um novo processo civilizatório..
O tigre não precisa dizer que é Tigre
Setores
de direita do movimento negro, composta em sua maioria por ONGS, algumas
inclusive, que se beneficiavam da proximidade com o Governo Lula e, hoje,
diante do forte ataque ao governo em questão, já se sentem seguras para
anunciar desde já a p ossível aliança com um suposto novo governo a ser eleito,
um governo tucano e, tentam usar a população negra escorados em financiamentos
vindos particularmente da Fundação Ford, e se arvoram de movimento negro
autônomo e independente e, convocam uma marcha para dia diferente da data
convocada pelos movimentos nacionais e outras entidades, com história
comprovada na luta do negro.
Em
São Paulo, fazem reuniões convocadas pelo Conselho de Participação e
Desenvolvimento da Comunidade Negra e tem como principal articulador o
Secretário da Justiça, Hédio Silva Júnior indicado pelo Partido da Frente
Liberal e incluído na equipe de secretário de Geraldo Alckmin num verdadeiro
golpe de mestre.
O
que temos a dizer a estes grupos e pessoas do movimento negro. a direita do
movimento, é que o TIGRE NÃO PRECISA DIZER QUE É TIGRE. Somos independente pela
nossa trajetória, pelas conquistas ao longo da história e por não abrirmos mão
de forma alguma dos nossos princípios e, dia 22 de novembro estaremos
mostrando mais uma vez como se combate o racismo e, como se caminha para a
construção de uma sociedade sem racismo, enfrentando os racistas e juntando
todos aqueles que se propõem a construir uma nova sociedade, sem explorador e
explorados, sem racismo, machismo e outras formas de dominação.
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Painel com algumas personalidades do Movimento Negro no Cariri. Da esquerda para a direita - Verônica Neves, Francisco Roserlândio, Karla Alves, Nicolau Neto, Valéria Carvalho, Dayze Vidal e Maria Eliana. |