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“Não tem golpe? Está brincando comigo, companheiro?”, questiona filósofa Marilena Chauí


A filósofa Marilena Chauí se delegou uma “tarefa inglória”, diz ela: demonstrar com argumentos que o impeachment de Dilma Rousseff é um golpe de Estado. Em evento na Universidade de São Paulo, Chauí começou fazendo uma comparação com o golpe civil-militar de 1964: “O que preparou o golpe na época foram o Ipes e o Ibad, que produziram todo o ideário do anticomunismo e da geopolítica na qual o Brasil se insere na área de influência dos Estados Unidos. A isso se incluem os papeis da Fiesp e da Igreja Católica. Esses elementos estão aqui agora: O Instituto Millenium, que produz a ideologia da direita, a Fiesp que continua hoje, e, no lugar da Igreja Católica, os evangélicos”.

Publicado originalmente no Brasileiros

Para contestar aqueles que dizem que um golpe requer o uso da força, Chauí diz que a ruptura democrática pode acontecer por meio de uma conspiração palaciana: “Basta ler Karl Marx, 18 de Brumário”. 

A filósofa também apontou que não há crime de responsabilidade de Dilma que justifique o impeachment, e que será posto em prática um projeto de governo que foi derrotado em quatro eleições.

Para Chauí, os direitos democráticos, liberdade, igualdade e participação, estão sendo “pisoteados” pelo governo Temer. “O coração da democracia é a criação de direitos. Como está a igualdade? Os programas de inclusão e de transferência de renda, com a PEC 241, não receberão recursos acima da inflação por 20 anos. Também não terá ajuste de salário acima da inflação. E a liberdade, como está? A primeira medida do governo Temer foi fechar o Ministério de Direitos Humanos, fechar todas as secretarias de ações afirmativas. E qualquer resistência ao golpe pode ser enquadrada na Lei Antiterrorismo. E a participação? Ela existe na resistência nas ruas mas não tem nenhuma expressão política institucional, ela é barrada pela estrutura políico-partidária e pelo monopólio da informação da mídia”.


Chauí diz também que a República está ameaçada: “A autonomia dos 3 poderes está sendo pisoteada. O Judiciário interfere no Legislativo, o Legislativo no Executivo e o Executivo no Legislativo. Com a perda dos direitos democráticos, a reposição do Brasil à área de influência dos Estados Unidos, que irá nos lançar ao horror do Oriente Médio, não tem golpe? Está brincando comigo, companheiro? Tem golpe, sim!”

Foto: reprodução/youtube.

Marilena Chaui classifica preconceitos de médicos e de FHC a nordestinos como “fascismo”


A filósofa Marilena Chauí, professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, considera abominável o que o grupo de médicos e estudantes de medicina anti-PT pregam na internet. De castração química a holocausto aos nordestinos que votaram na candidata Dilma Rousseff no primeiro turno das eleições presidenciais. Uma violência fascista, segundo a filósofa.

Marilena: "Preconceito dos sulistas contra nordestinos é histórico, faz parte da violência institucional da sociedade brasileira". 
O que caracteriza a violência fascista é não suportar a diferença, a alteridade, e partir para a eliminação. Você elimina o diferente, você elimina o outro. O primeiro aspecto abominável disso é o fato de que o que se propõe é, pura e simplesmente, genocídio dos nordestinos. O que é uma coisa inominável, inacreditável, inaceitável", desabafa, em entrevista à Rádio Brasil Atual, acrescentando: "A segunda coisa que é terrível é que isso exprime uma certa direção tomada por uma certa classe média reacionária e conservadora, que vive no sul do país, e que é capaz dessas afirmações e propostas de um grau extremo de violência".

Incapacidade em lidar com ideias, concepções e visões da política diferentes, ao ponto de fazer com que essa diferença seja destruída com a morte do outro é uma coisa que a professora nunca tinha visto no Brasil. É a primeira vez que ela vê um grupo propor o extermínio de uma parte da população brasileira.

Essa posição – mesmo que não seja a do candidato oposicionista, tenho certeza que ele próprio jamais diria uma coisa dessas – exprime uma parte do eleitorado dele, portanto, a violência social que isso pode acarretar. Estou muito preocupada porque eu nunca tinha visto coisa igual no Brasil. Nem na ditadura, nem em 69, quando foi editado o AI-5, que se proclamou a existência de um inimigo interno que precisaria ser excluído, nem lá houve esse grau de violência, porque a ideia era estar num combate, numa guerra civil, a ideia de que haveria mortes e uma guerra. Agora não, não chega nem aos pés do que a ditadura propunha.”

Marilena Chaui vê fascismo em ataques a nordestinos.
Foto: Divulgação.
"É preciso averiguar esse grupo de supostos médicos", diz a filósofa, porque com base na Constituição brasileira, estamos diante de um crime horrendo. Fere a constituição, os direitos humanos, a dignidade humana, portanto, é uma ação criminosa, uma ilegalidade que a justiça brasileira precisa investigar.

Marilena explica que o preconceito dos sulistas contra os nordestinos é histórico, faz parte da violência institucional da sociedade brasileira, que é autoritária, violenta, hierárquica, minada por preconceitos de todo tipo e, para ela, há um agravamento dessa posição pela grande mídia, que reforça esse ódio.

A CartaCapital (revista) fez um quadro comparando o que acontece de agressão na mídia à Dilma, à Marina e ao Aécio. Para a Marina, quase nada. Para o Aécio, muito pouco. E para Dilma, uma página inteira de agressões cotidianas, que ela recebe pelo rádio, pela televisão, e pelos jornais e pelas redes. Então, há um ódio que foi afinado pela grande mídia. E agora, nós estamos colhendo um dos frutos desse ódio, que é a retomada do preconceito com os nordestinos na forma de violência de tipo fascista.”

A professora titular do Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Cynthia Sarti considera surpreendente a declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, logo após o primeiro turno das eleições. Ela não esperava que um cientista social pudesse afirmar que os votos que Dilma ganhou nos estados do Norte e Nordeste do país foi dos mais pobres, pessoas desinformadas. "Isso é preconceito", afirma a antropóloga.

Por que quem vota no PT é desinformado? Porque não lhe ocorre que essas pessoas votaram no PT porque a vida delas está melhor com o governo do PT. Essa hipótese, ninguém fez uma pesquisa ainda sobre o voto nessas eleições, mas é evidente, há um indício que as pessoas votaram porque elas fizeram uma escolha. Então dizer que elas votaram porque têm menos informação, são desinformadas, é uma maneira de desqualificar o voto", protesta a antropóloga.

Para ela, é uma afirmação muito grave partindo de um cientista social. "Tem uma arrogância nessa maneira de tratar populações pobres, associar à desinformação e desqualificar o voto. Elas fizeram uma escolha. Votaram no PT porque fizeram uma escolha, não porque são desinformadas. Ao contrário, fizeram uma escolha e, talvez, ele não gostou dessa escolha. É uma maneira muito arrogante de tratar o voto contrário ao que ele esperava.”

A atitude de FHC fez lembrar à antropóloga o que ocorreu com a deputada federal Luiza Erundina, do PSB, quando foi eleita, em 1988, prefeita de São Paulo pelo PT. "É o mesmo tipo de preconceito", afirma Cynthia. "Existia um setor da cidade que protestava contra Erundina e uma das coisas que se dizia na época é que ela era nordestina."

Quando você tem uma oposição política, você desqualifica pela condição social, criando um estigma, assim como é a região Nordeste, com os negros, gays. São várias formas de desqualificar a pessoa porque ela tem uma posição política que é diferente da sua. Eu acho isso muito grave, e as pessoas criam um clima de eleição muito perigoso, porque vai havendo animosidade e um tipo de ‘regra do jogo’ muito complicada", denuncia a antropóloga.

Segundo Cynthia, esse posicionamento pode ter repercussões muito ruins na campanha porque é uma maneira de desqualificar o voto contrário. "É muito desqualificador, por isso que eu chamo de arrogante, porque a arrogância é exatamente isso, a desqualificação do outro. A arrogância é muito violenta. É lamentável, uma pena, essa maneira de lidar com o voto contrário àquilo que o PSDB espera. O suposto Sudeste avançado está se revelando muito retrógrado.”

Via Rede Brasil Atual

Chauí defende reforma política para acabar 'com o que sobrou da ditadura'




Ao lado do presidente da FPA, Marcio Pochmann,
professora diz que antigos devem aprender com novos
A filósofa Marilena Chauí afirmou hoje (29) durante o Fórum Ideias para o Brasil, da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, que o Brasil precisa de uma reforma política capaz de reduzir a corrupção, politizar as manifestações de rua e fazer a democracia avançar no país.

É preciso uma reforma política que acabe com o que sobrou da ditadura”, disse Chauí na mesa inaugural dos debates, que também teve participação do presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, e da cantora Karina Buhr.

A reforma política defendida pelo PT e por outros partidos de esquerda – além de entidades altamente representativas como CNBB, OAB, CUT, UNE e MST – tem como foco principal o fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais, considerado a porta de entrada para os desvios que depois se instalam nas instituições da República.

Dá para entender por que muitos jovens dizem não gostar de política. Cabe a nós mudar isso”, afirmou a filósofa, para quem o atual modelo fez a corrupção se tornar “institucional”.

Ela também disse que a CUT e outros movimentos precisam “prestar atenção” nas reivindicações que virão da nova classe trabalhadora (Chauí é contrária ao termo “nova classe média”). “Os antigos movimentos sociais precisam refletir sobre isso e aprender a conviver com essas novas formas, dialogando com elas", disse.

Segundo ela, o neoliberalismo continua sendo o modelo econômico global, precarizando e fragmentando os trabalhadores tanto quanto antes.

Chauí também alertou para o esperado recrudescimento dos protestos de rua durante da Copa do Mundo do Brasil no ano que vem. “A única forma de politizar as manifestações que se radicalizarão durante a Copa é pautar a reforma política no país”, voltou a frisar.

O Fórum Ideias para o Brasil vai de hoje a domingo (1º), com 18 mesas de debates sobre temas variados (Cultura, Direitos Humanos, Comunicação, Relações Internacionais, Economia etc.) no Mercure Nortel - Avenida Luiz Dumont Villares, 392, Santana, zona norte da capital.


Via Rede Brasil Atual

Marilena Chaui afirma que a classe trabalhadora precisa se descobrir




Mais de 600 pessoas acompanharam na manhã desta quinta-feira, 8, pela tevêFPA, o debate sobre Classes Sociais com a filósofa e professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Marilena Chaui. Coordenado pelo diretor da Fundação Perseu Abramo (FPA), Joaquim Soriano, o debate contou também com a participação de internautas, que interagiram enviando perguntas.

Este debate, que reabriu o segundo ciclo da série Classes Sociais, em parceria com a Fundação Friedrich Ebert (FES), foi realizado no auditório da FPA, em São Paulo. Marilena abriu sua fala analisando o perfil da nova classe trabalhadora, tema do estudo de sua autoria - “Nova classe trabalhadora: enigmas?”. Somado à reflexão de representantes da juventude, movimento feminista, sociólogos e estudiosos da política internacional, que estiveram presentes no evento de mais de duas horas, Chaui provocou questionamentos acerca das redes sociais, o papel do Partido dos Trabalhadores nas manifestações de junho, e sobre a classe que surge no esteio dos dez anos de governos petistas no Planalto.

              

Ao falar sobre organização de movimentos pela internet, Chaui não demonstrou simpatia pela ideia de que as redes sociais substituem a organização partidária: “tenho ojeriza da afirmação de que as redes sociais são libertárias”. Segundo a professora da USP, “é uma irresponsabilidade política transformar a internet em solução para tudo”. Chaui defendeu ainda que se retome a história do partido como organizador, pois o que se viu nas ruas foi uma classe média que não tinha palavras de ordem.  “Adotou as da esquerda e depois as da mídia”, concluiu.

A postura da classe média conservador brasileira, que não aceita as políticas de inclusão promovidas pelo PT nos últimos dez anos, também foi criticada pela professora: “não acho que chegamos ao fim de um ciclo, acho sim que há um furor da classe média contra as políticas de inclusão”. Nesse sentido, ela refuta a ideia de que as manifestações são uma demonstração de que o chão da fábrica foi substituído pela cidade. “A cidade não substituiu o chão de fábrica, mas retomou a ideia de Polis, espaço pra política”. E acrescentou: “construção de uma sociedade democrática só pode ser a práxis da classe trabalhadora”.

“O que se vê é o crescimento da classe trabalhadora e não o surgimento de uma suposta classe média”, acrescentou Chaui. Ela também alertou que é preciso que a “classe trabalhadora entenda a manipulação dos símbolos do capitalismo”, referindo-se ao foco das manifestações que não têm direção. “Vale a pena pesquisar o uso da prensa em processos revolucionários e o que houve no Brasil ou Egito”, sugeriu.

Segundo ela, é comovente a ingenuidade da juventude com relação aos poderes que precisam enfrentar. Embora se reivindique pouco otimista com a pseudo ascensão de mobilizações a partir da internet, Marilena aposta: “nossos valores são mais fortes que as desigualdades”.

Acesse aqui a contribuição da filósofa: "Nova classe trabalhadora: enigmas?"

Debates anteriores

A primeira etapa de debates sobre as Classes Sociais recebeu as contribuições do cientista político, professor da Universidade de São Paulo (USP) e jornalista Andre Singer, comentando o fenômeno Lulismo e seus aspectos para o desenvolvimento das classes sociais no Brasil; e Jessé de Souza, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, abordando Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?, publicação de sua autoria que debate as transformações na sociedade brasileira dos últimos dez anos.

Gustavo Venturi e Vilma Bokany, do Núcleo de Estudos e Opinião Pública da FPA, também participaram do ciclo apresentando a pesquisa sobre as novas classes trabalhadoras. Giuseppe Cocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, encerrou o primeiro ciclo de debates do primeiro semestre com o tema de “A nova composição do trabalho metropolitano”.

Via Portal da Fundação Perseu Abramo/Luiz Muller


Marilena Chaui diz que “A ditadura militar destruiu a escola pública”



Você saia de casa para dar aula e não sabia se ia voltar, se
ia ser preso, se ia ser morto. Não sabia, lembrou M. Chaui
Foto: Gerardo Lazzari
Violência repressiva, privatização e a reforma universitária que fez uma educação voltada à fabricação de mão-de-obra, são, na opinião da filósofa Marilena Chauí, professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, as cicatrizes da ditadura no ensino universitário do país.

"Você saía de casa para dar aula e não sabia se ia voltar, se ia ser preso, se ia ser morto. Não sabia." 

Chauí relembrou as duras passagens do período e afirma não mais acreditar na escola como espaço de formação de pensamento crítico dos cidadãos, mas sim em outras formas de agrupamento, como nos movimentos sociais, movimentos populares, ONGs e em grupos que se formam com a rede de internet e nos partidos políticos.

Chauí, que "fechou as portas para a mídia" e diz não conceder entrevistas desde 2003, falou à Rede Brasil Atual após palestra feita no lançamento da escola 28 de de Agosto, iniciativa do Sindicato dos Bancários de São Paulo que elogiou por projetar cursos de administração que resgatem conteúdos críticos e humanistas dos quais o meio universitário contemporâneo hoje se ressente.

Rede Brasil Atual: Quais foram os efeitos do regime autoritário e seus interesses ideológicos e econômicos sobre o processo educacional do Brasil?

Marilena Chauí: Vou dividir minha resposta sobre o peso da ditadura na educação em três aspectos. Primeiro: a violência repressiva que se abateu sobre os educadores nos três níveis, fundamental, médio e superior. As perseguições, cassações, as expulsões, as prisões, as torturas, mortes, desaparecimentos e exílios. Enfim, a devastação feita no campo dos educadores. Todos os que tinham ideias de esquerda ou progressistas foram sacrificados de uma maneira extremamente violenta.

Em segundo lugar, a privatização do ensino, que culmina agora no ensino superior, começou no ensino fundamental e médio. As verbas não vinham mais para a escola pública, ela foi definhando e no seu lugar surgiram ou se desenvolveram as escolas privadas. Eu pertenço a uma geração que olhava com superioridade e desprezo para a escola particular, porque ela era para quem ia pagar e não aguentava o tranco da verdadeira escola. Durante a ditadura, houve um processo de privatização, que inverte isso e faz com que se considere que a escola particular é que tem um ensino melhor. A escola pública foi devastada, física e pedagogicamente, desconsiderada e desvalorizada.

Rede Brasil Atual: E o terceiro aspecto?

Marilena Chauí: A reforma universitária. A ditadura introduziu um programa conhecido como MEC-Usaid, pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, para a América Latina toda. Ele foi bloqueado durante o início dos anos 1960 por todos os movimentos de esquerda no continente, e depois a ditadura o implantou. Essa implantação consistiu em destruir a figura do curso com multiplicidade de disciplinas, que o estudante decidia fazer no ritmo dele, do modo que ele pudesse, segundo o critério estabelecido pela sua faculdade. Os cursos se tornaram sequenciais. Foi estabelecido o prazo mínimo para completar o curso. 

Houve a departamentalização, mas com a criação da figura do conselho de departamento, o que significava que um pequeno grupo de professores tinha o controle sobre a totalidade do departamento e sobre as decisões. Então você tem centralização. Foi dado ao curso superior uma característica de curso secundário, que hoje chamamos de ensino médio, que é a sequência das disciplinas e essa ideia violenta dos créditos. Além disso, eles inventaram a divisão entre matérias obrigatórias e matérias optativas. E, como não havia verba para contratação de novos professores, os professores tiveram de se multiplicar e dar vários cursos.

Rede Brasil Atual: Houve um comprometimento da inteligência?

Marilena Chauí: Exatamente. E os professores, como eram forçados a dar essas disciplinas, e os alunos, a cursá-las, para terem o número de créditos, elas eram chamadas de “optatórias e obrigativas”, porque não havia diferença entre elas. Depois houve a falta de verbas para laboratórios e bibliotecas, a devastação do patrimônio público, por uma política que visava exclusivamente a formação rápida de mão de obra dócil para o mercado. Aí, criaram a chamada licenciatura curta, ou seja, você fazia um curso de graduação de dois anos e meio e tinha uma licenciatura para lecionar. Além disso, criaram a disciplina de educação moral e cívica, para todos os graus do ensino. Na universidade, havia professores que eram escalados para dar essa matéria, em todos os cursos, nas ciências duras, biológicas e humanas. A universidade que nós conhecemos hoje ainda é a universidade que a ditadura produziu.

Rede Brasil Atual: Essa transformação conceitual e curricular das universidade acabou sendo, nos anos 1960, em vários países, um dos combustíveis dos acontecimentos de 1968 em todo mundo.

Marilena Chauí: Foi, no mundo inteiro. Esse é o momento também em que há uma ampliação muito grande da rede privada de universidades, porque o apoio ideológico para a ditadura era dado pela classe média. Ela, do ponto de vista econômico, não produz capital, e do ponto de vista política, não tem poder. Seu poder é ideológico. Então, a sustentação que ela deu fez com que o governo considerasse que precisava recompensá-la e mantê-la como apoiadora, e a recompensa foi garantir o diploma universitário para a classe média. Há esse barateamento do curso superior, para garantir o aumento do número de alunos da classe média para a obtenção do diploma. É a hora em que são introduzidas as empresas do vestibular, o vestibular unificado, que é um escândalo, e no qual surge a diferenciação entre a licenciatura e o bacharelato.

Foi uma coisa dramática, lutamos o que pudemos, fizemos a resistência máxima que era possível fazer, sob a censura e sob o terror do Estado, com o risco que se corria, porque nós éramos vigiados o tempo inteiro. Os jovens hoje não têm ideia do que era o terror que se abatia sobre nós. Você saía de casa para dar aula e não sabia se ia voltar, não sabia se ia ser preso, se ia ser morto, não sabia o que ia acontecer, nem você, nem os alunos, nem os outros colegas. Havia policiais dentro das salas de aula.

Rede Brasil Atual: Houve uma corrente muito forte na década de 60, composta por professores como Aziz Ab'Saber, Florestan Fernandes, Antonio Candido, Maria Vitória Benevides, a senhora, entre outros, que queria uma universidade mais integrada às demandas da comunidade. A senhor tem esperança de que isso volte a acontecer um dia?

Marilena Chauí: Foi simbólica a mudança da faculdade para o “pastus”, não é campus universitário, porque, naquela época, era longe de tudo: você ficava em um isolamento completo. A ideia era colocar a universidade fora da cidade e sem contato com ela. Fizeram isso em muitos lugares. Mas essa sua pergunta é muito complicada, porque tem de levar em consideração o que o neoliberalismo fez: a ideia de que a escola é uma formação rápida para a competição no mercado de trabalho. Então fazer uma universidade comprometida com o que se passa na realidade social e política se tornou uma tarefa muito árdua e difícil.

Rede Brasil Atual: Não há tempo para um conceito humanista de formação?

Marilena Chauí: É uma luta isolada de alguns, de estudantes e professores, mas não a tendência da universidade.

Rede Brasil Atual: Hoje, a esperança da formação do cidadão crítico está mais para as possibilidades de ajustes curriculares no ensino fundamental e médio? Ou até nesses níveis a educação forma estará comprometida com a produção de cabeças e mãos para o mercado?

Marilena Chauí: Na escola, isso, a formação do cidadão crítico, não vai acontecer. Você pode ter essa expectativa em outras formas de agrupamento, nos movimentos sociais, nos movimentos populares, nas ONGs, nos grupos que se formam com a rede de internet e nos partidos políticos. Na escola, em cima e em baixo, não. Você tem bolsões, mas não como uma tendência da escola.

Com informações da Rede Brasil Atual