30 de janeiro de 2016

Tribo indígena cria game para contar sua própria história e preservar cultura


Sabemos que a tecnologia tem um papel crucial em nossas vidas, que a faz intervir em boa parte das coisas que fazemos e pensamos no nosso dia a dia. Mas como usar todo esse aparato tecnológico a favor de temas como a preservação da cultura de um povo?

Imagem capturada do youtube.
A resposta parece mais simples do que você imagina: em forma de jogo! Foi assim que a tribo Huni Kuin resolveu preservar e levar adiante sua história.

Isso mesmo, a comunidade indígena localizada no Acre montou uma equipe de programadores, artistas e antropólogos para criar seu próprio videogame. O projeto se chama “Huni Kuin: os caminhos da jiboia” e trata-se de um jogo de plataforma de 5 fases, onde cada fase conta uma antiga história desse povo.

O objetivo do game, que poderá ser baixado gratuitamente pela internet, é levar um pouco dessa cultura para a sociedade brasileira através de uma mídia moderna.



29 de janeiro de 2016

Segundo pesquisador, açúcar tem o mesmo efeito de dependência causado por drogas



Ouvimos muitas coisas a respeito de vício em drogas, álcool, cafeína e muito mais. No entanto, e de acordo com um número crescente de especialistas, um novo item deve ser adicionado à essa lista: o açúcar. Uma das dependências modernas que mais cresce e é tão perigosa quando o álcool e o tabaco.


De acordo com estudos realizados em ratos, os cientistas puderam comprovar que o açúcar é de fato viciante. De acordo com o Daily Mail, em um experimento foi observado que alguns dos ratos preferiam açúcar ao invés de cocaína, mesmo quando eles eram viciados em cocaína. Os testes realizados por pesquisadores franceses, consistia em entregar uma dieta com mais açúcar para comprovar o comportamento semelhante ao da dependência de drogas.

Para a médica especialista em perda de peso, Dr.ª Sally Norton, a crescente dependência de açúcar é tão perigosa quando o vício em álcool ou tabaco, além de aumentar o risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardíacas e câncer.

Fazer teste em humanos é um pouco mais complicado: foi necessário utilizar varreduras no cérebro. Com isso, os cientistas descobriram que uma pessoa que bebeu um copo de milk-shake desencadeou a mesma “sensação de recompensa” vista anteriormente com os ratos. O culpado: o açúcar.

Sendo assim, como explica a Dr.ª Norton, “ele acaba sendo como qualquer outra substância potencialmente viciante, e quanto mais ingerimos, mais nossos receptores de recompensa se ‘anestesiam’ a ele.” Ou seja, quanto mais açúcar você ingere, mais insatisfeito você fica, sempre desejando por mais para atingir aquela tal de “sensação de recompensa”.

É um ciclo vicioso, e é exatamente o que acontece com toxicodependentes e alcoólatras. Segundo a Dra. Norton, que é fundadora do VavistaLife, um site que auxilia as pessoas a conquistarem uma alimentação mais saudável, e o Wellbeing and Weight Loss Programme, que como o nome já diz, é um programa que auxilia as pessoas a perderem peso, há evidências suficientes que compravam que o açúcar cause esse comportamento semelhante. 

Sendo assim, se você está constantemente almejando um “docinho” durante o dia, a verdade é que você pode ter uma das dependências modernas mais comuns: o açúcar.

Avança no Ceará regularização de territórios quilombolas



O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) apresentou, nesta semana, os mais recentes avanços no processo de regularização de territórios quilombolas no Ceará. A entrega dos primeiros títulos de propriedade coletiva no Estado está fixada para este ano.

A previsão de entrega neste ano dos primeiros títulos de propriedade coletiva para territórios quilombolas  no estado foi destacada pelo superintendente do Incra/CE, Roberto Gomes.
Em 15 de dezembro de 2015, a autarquia recebeu a posse de dois imóveis rurais que serão destinados à criação do território quilombola de Sítio Arruda, no município de Araripe, na região do Cariri. De acordo com o superintendente do Incra/CE, Roberto Gomes, há possibilidade de titulação da comunidade de Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras, no município de Tamboril, com 11 imóveis rurais já vistoriados pela autarquia para desapropriação.

"Nós estamos comemorando o fato de que, depois de 12 anos do decreto que regulamentou a titulação de territórios quilombolas, nós conseguimos entregar as primeiras terras quilombolas no Estado, lá em Araripe", afirmou Gomes.

Os avanços foram divulgados durante palestra sobre Educação em Saúde Ambiental para cinco comunidades quilombolas do município de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. O evento, realizado no auditório da Secretaria de Educação local, nesta terça-feira (19), reuniu representantes das comunidades quilombolas de Serra do Juá, Porteiras, Caetanos em Capuan, Cercadão dos Dicetas e Boqueirão da Arara (única comunidade do município com processo aberto na Superintendência do Incra no Estado para titulação de território quilombola).

Os participantes do encontro também receberam informações sobre a Política de Regularização de Territórios Quilombolas e a participação da autarquia na ação, durante apresentação da antropóloga do Incra/CE, Gina Dantas.

As lideranças das comunidades receberam documento explicativo sobre o trâmite processual para criação dos territórios, que é iniciada na autarquia apenas a partir de solicitação das famílias remanescentes de quilombos. Atualmente, o Incra/CE possui 32 processos abertos para a criação de territórios quilombolas no Estado.

O processo da comunidade quilombola de Boqueirão da Arara está na Sede do Incra, em Brasília, para julgamento de contestações ao Relatório Técnico de Identificação Delimitação (RTID), a ser feito pelo Conselho Diretor (CD) do Instituto.

28 de janeiro de 2016

Volta a ser discutida proposta que transforma religiosos em seres “intocáveis’


Do Uol

Um projeto de lei na Câmara dos Deputados quer dar imunidade aos crimes de injúria e difamação para as opiniões de líderes religiosos no exercício de suas atividades.

Proposta encabeçada pela Bancada Evangélica no Congresso Nacional pretende tornar impunes alguns crimes cometidos
por religiosos. (Pragmatismo Político).
O texto é criticado por dar imunidade criminal a um grupo específico e chega num momento em que líderes religiosos são questionados na Justiça sob acusações de ofensas e incitação à violência contra homossexuais e religiões afro-brasileiras.

A proposta deve voltar a tramitar a partir de fevereiro, com o fim do recesso parlamentar, na comissão especial criada em novembro para dar parecer sobre o projeto.

O autor do texto, deputado Takayama (PSC-PR), justifica a proposta com o argumento de que o objetivo é “garantir a liberdade de expressão dos religiosos“.

O texto em tramitação hoje abre uma brecha para que qualquer pessoa que emitir uma manifestação de teor religioso fique imune aos crimes de injúria e difamação.

Diz o texto mais atual da proposta que “não será configurada como crime de injúria ou difamação a manifestação de crença religiosa, em qualquer modalidade, por qualquer pessoa, acerca de qualquer assunto e a opinião de professor no exercício do magistério”.

Bancada Evangélica

Juristas religiosos criticam o projeto. Para o presidente da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), Uziel Santana, o direito à opinião não deve ser defendido com base em alterações nas leis penais.

Santana afirma ver contradição na crítica feita por setores religiosos ao projeto de tornar crime opiniões que ofendam os homossexuais (homofobia) e a defesa do texto de Takayama.

Então, quando os próprios evangélicos criticam o PL 122/06 da homofobia justamente por que é uma norma penal, como eu, evangélico, vou defender um projeto de natureza penal para dar uma excludente a essas duas questões [injúria e difamação] a professores e religiosos?”, questiona Santana. “Acho que legislação penal não serve para direitos humanos. Essa é uma opinião fechada da Anajure”, diz.

Religiosos, professores, homossexuais, de direita e de esquerda devem ser cidadãos. E como cidadãos eles têm seus direitos e seus deveres”, afirma.

O presidente da Anajure, que tem acompanhado a tramitação do projeto, diz que a comissão especial foi criada originalmente para analisar o projeto do Estatuto da Liberdade Religiosa, mas por pressão da Frente Parlamentar Evangélica, foi incluído o projeto que trata dos crimes de injúria e difamação.

Dos 23 membros titulares da comissão que vai analisar o projeto, 17 fazem parte da frente evangélica, e dois da frente católica.

Injúria e difamação

O crime de difamação é a atribuição a alguém de um fato ofensivo à sua reputação. Por exemplo, dizer que alguém é desonesto ou que trai a mulher. Já a injúria está relacionada ao ato da ofensa em si, e pode ser configurada por meio de xingamentos, por exemplo. A dupla costuma estar associada ao crime de calúnia, que é quando é atribuído a alguém a prática de um crime. Por exemplo, ao dizer que um homem é ladrão. A calúnia, no entanto, não é alvo do projeto de lei em tramitação na Câmara.

O promotor de Justiça e professor de direito penal da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) Christiano Jorge Santos afirma que a liberdade de expressão de religiosos e professores já é garantida por lei. Ele explica que só é configurado o crime quando está clara a intenção de ofender, e que a lei não pune a discussão de ideias, mesmo que contrárias a outras crenças ou comportamentos sociais.

Qual a justificativa para se pretender excluir do rol dos crimes do artigo 140 [do Código Penal] uma ofensa no contexto religioso ou praticada por quem está no exercício de função religiosa?”, questiona Souza.

Religiosos processados

Líderes religiosos que se destacam por sua atuação já tiveram opiniões questionadas na Justiça sob a suspeita de discriminação. Em maio do ano passado, a TV Record, de propriedade do bispo Edir Macedo, foi condenada a exibir quatro programas de televisão como direito de resposta às religiões de origem africana por ofensas contra elas, veiculadas no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de Descarrego”.

Outro caso ocorreu em outubro de 2015, quando o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3º Região) determinou que seja retomado o processo contra o pastor Silas Malafaia por supostas declarações homofóbicas durante o programa de TV “Vitória em Cristo”.

Visita virtual ao acervo e a mostras passadas do Museu Afro Brasil estão disponíveis na internet



Mais de 10 mil metros quadrados de área expositiva do Museu Afro Brasil podem ser percorridos em apenas alguns cliques. A instituição anunciou que mais de 100 obras de sua coleção podem agora ser vistas gratuitamente por meio do aplicativo do Google Cultural Institute em qualquer computador conectado à internet.

"Espírito da África"; de Alfred Widinger, mostra remanescentes das monarquias de reinados africanos.
As imagens das obras e do museu foram captadas em 360 graus com o equipamento trolley, desenvolvido para o Street View do sistema de mapas do Google. Os três andares do museu localizado dentro do Parque Ibirapuera foram mapeados e algumas obras pré-selecionadas podem ser analisadas separadamente e com detalhes.

Além do acervo da instituição, algumas das mostras que já ficaram em cartaz nas galerias do museu passaram por uma nova curadoria para continuar disponíveis virtualmente. É o caso de Espírito da África – Os Reis Africanos, exposição de fotografias em que o austríaco Alfred Weidinger apresenta alguns remanescentes das monarquias dos maiores reinados africanos. As imagens capturadas entre 2012 e 2013 são imponentes retratos de reis e chefes contemporâneos de várias partes do continente.

As fotografias se conectam com outras obras do museu, como as do Núcleo de Trabalho e Escravidão. Ao apresentar Oba Egba Kotan II, o rei de Dassa junto de sua família, Alfred Weidinger explica: “O tráfico negreiro foi um profundo golpe às muitas e muitas etnias, um grande negócio para os reis e, desse ponto de vista, eram profundas as ligações das grandes famílias aliadas com o soberano reinante.”

A exposição Arte, Adorno, Design e Tecnologia no Tempo da Escravidão, que ficou em cartaz por mais de dois anos e ganhou nova montagem no último dia da Consciência Negra, também pode ser visitada no ambiente virtual. Objetos de ofícios urbanos e rurais dos séculos 18 e 19 realçam as contribuições dos negros para a ciência e a tecnologia no Brasil.

O Banzo, o Amor e a Cozinha de Casa é uma mostra individual do artista Sidney Amaral, vencedor do Prêmio Funarte de Arte Negra 2012. Boa parte de suas obras são autorretratos em que Amaral busca representar as noções de identidade e de memória.

Para fazer uma visita virtual ao Museu Afro Brasil, acesse aqui. Obras de mais de mil instituições do mundo todo também estão disponíveis para visualização no site do Google Cultural Institute.

27 de janeiro de 2016

O direito ao aborto e o Zika, por Jacqueline Pitanguy


Publicado originalmente no O Globo

Interrupção da gravidez como opção de mulheres atingidas pelo vírus não tem sido colocada, com a devida relevância, na discussão sobre essa calamidade nacional.

É imprescindível reconhecer que mulheres e homens têm o direito de tomar decisões e fazer opções existenciais e que uma das escolhas mais importantes na vida de uma mulher é ter filhos ou não. Em que circunstâncias gestar e parir, ou evitar uma gravidez, e quando interromper uma gestação — não como método de regulação da fecundidade, mas como último recurso frente a impossibilidade de assumir a enorme responsabilidade de ter um filho naquela situação — integram a agenda dos direitos individuais e da saúde pública.

A partir das décadas de 1960 e 70, assiste-se, em todo o mundo, à liberalização da legislação sobre o aborto. Na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, em alguns países africanos e, mais recentemente, da América Latina, legislações relativas ao abortamento vêm sendo modificadas, ampliando as circunstâncias em que é permitida a interrupção voluntária da gestação — com condicionantes que crescem em função do tempo gestacional, especialmente a partir das 12 primeiras semanas, posto que não se trata de um direito incondicionado.

Além do risco de vida da gestante, da interrupção em caso de gravidez resultante de estupro e de anomalia fetal incompatível com a vida — únicas circunstâncias previstas na legislação brasileira, uma das mais restritivas do mundo—, o risco à saúde física ou psíquica da gestante, anomalias fetais graves que comprometem a qualidade de vida e condicionantes sociais, dentre outros, são considerados fatores que permitem o abortamento voluntário, legal e seguro. O denominador comum dessas legislações é o reconhecimento de que a mulher tem direito à proteção e ao respeito à sua dignidade e integridade física e emocional — e que os direitos do nascituro não são absolutos e não se sobrepõem aos direitos fundamentais da mulher. Apesar de que a Constituição de 1988 reconhece os direitos reprodutivos e de que estes foram referendados pelo Brasil na Conferência da ONU sobre População e Desenvolvimento de 1994 e no Consenso de Montevidéu de 2013, o debate sobre o abortamento ocorre no marco da crescente politização do dogmatismo religioso, em que as dimensões de saúde e direitos se veem encobertas por uma estridente condenação moral ou criminal.

Entretanto, o contexto epidemiológico atual demanda, com urgência, um debate público republicano, plural e respeitoso sobre o direito à interrupção da gravidez, ancorado nos parâmetros da opção versus imposição autoritária. O vírus da zika — transmitido pelo mosquito Aedes aegypt, que há décadas sobrevoa as áreas urbanas de nosso país, tornando a dengue uma enfermidade endêmica e com letalidade preocupante — trouxe um novo componente para o debate sobre saúde publica e direitos humanos: a incidência da microcefalia em fetos de mulheres grávidas que tiveram zika.

Entretanto, a discussão sobre a possibilidade de interrupção da gravidez como uma opção dessas mulheres não tem sido colocada, com a devida relevância, no rol dos temas que acompanham o debate público sobre a calamidade nacional. Recomendações veiculadas pela imprensa a partir de autoridades da área da Saúde sugerem que as mulheres evitem engravidar ou mesmo que sejam picadas pelo mosquito e adquiram imunidade antes de engravidar.

Gestantes com medo de sair de casa, corrida a repelentes e o pânico de, após ter zika estar grávida de um feto microcefálico assombram milhares de mulheres pelo Brasil afora. Se a legislação brasileira acompanhasse a de países considerados exemplos de nações civilizadas, as mulheres que hoje enfrentam o pavor de estarem gestando um feto com microcefalia poderiam, em nome de seu direito à autonomia reprodutiva e à integridade emocional sua e de sua família, optar por levar adiante ou interromper essa gestação. Fora dos parâmetros da condenação moral e da criminalização e no marco do respeito à sua dignidade humana.

26 de janeiro de 2016

MEC divulga lista dos aprovados na primeira chamada do Prouni



O resultado da primeira chamada dos estudantes selecionados pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) está disponível na internet. Os candidatos a bolsas selecionados nessa primeira chamada têm prazo, a partir desta segunda-feira, 25, até 1º de fevereiro próximo, para comprovar os dados apresentados no momento da inscrição e providenciar a matrícula.


Nesta primeira edição de 2016, o número de inscritos e de inscrições é recorde: foram registrados 1.599.808 candidatos e 3.108.422 inscrições — cada estudante pôde fazer, em ordem de preferência, até duas opções de instituição, curso e turno dentre as bolsas disponíveis.

Os candidatos devem buscar informações, nas instituições de ensino em que foram aprovados, sobre local e data para conferência de dados e matrícula. A perda do prazo ou não comprovação resultará em reprovação.

Os estudantes não selecionados nessa primeira chamada devem aguardar a segunda, que tem resultado previsto para 12 de fevereiro. Uma terceira oportunidade fica por conta da lista de espera. O período para integrar lista vai de 26 a 29 do mesmo mês.

Esta edição do programa oferece 203.602 bolsas de estudos em 30.931 cursos de instituições particulares de educação superior. Concorrem a bolsas integrais os estudantes com renda familiar bruta mensal, por pessoa, de até um salário mínimo e meio. Para as bolsas parciais (50%), a renda familiar bruta mensal deve ser de até três salários mínimos por pessoa.

O programa já concedeu mais de 1,7 milhão de bolsas a estudantes de baixa renda desde que foi criado, em 2004.

Os resultados da primeira chamada podem ser conferidos na página do ProUni na internet, na central de atendimento, pelo telefone 0800-616161, e nas instituições de ensino que integram o programa.

25 de janeiro de 2016

Alunos negros, professores negros e a Lei Federal nº 12.990


Do Geledes

Por Janaína Penalva Professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília/UnB, membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação/UnB. Ex- Diretora -Executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e do Centro de Estudos Judiciários do CJF

Por Evandro Piza Duarte Professor de Direito Processual Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação/UnB

Por Gianmarco Loures Ferreira Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Pesquisador do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação/UnB

Por Marcos Vinicius Lustosa Queiroz Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Pesquisador do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação/UnB


Em vigor desde 9 de junho de 2014, a Lei Federal nº 12.990, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do Poder Executivo Federal, tem tido um desempenho muito aquém do esperado.

Dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR comprovam que, muito distante dos 20% previstos na lei, na maioria dos concursos públicos que exigem formação superior este percentual chega, ao máximo a 14%, sendo que, no caso de universidades e institutos federais de ensino este percentual tem girado em torno de 7% .

Assim, não é de se surpreender que o fato da Universidade de Brasília (UnB), uma das mais tradicionais instituições de ensino do país, já pioneira pela adoção de cotas raciais no vestibular, nos idos de 2004, e, mais recentemente, nos processos seletivos de pós-graduação em Sociologia, Antropologia, Direito e Direitos Humanos, tenha ganhado as páginas dos principais veículos de imprensa para noticiar a abertura de edital com cotas raciais para contratação de professores de direito. Cumprir a lei, no Brasil, parece, realmente, ser motivo de destaque.

O dilema gira em torno da regra que prevê a aplicação do percentual de reserva (20%) sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a três. Em concursos em que há grande oferta, como os de nível médio, por exemplo, cumprir a exigência é mais fácil, tanto é que, ainda que abaixo do mínimo legal, as reservas têm ficado próximas à 16% (dezesseis por cento). No entanto, em concursos em que o número de vagas não passa de uma ou duas, como é o caso do magistério superior, o risco de a lei não surtir efeito é grande.

Segundo a Decana de Gestão de Pessoas da UnB, Maria Ângela Guimarães Feitosa, o sucesso do Edital para docente de Direito Público e Privado para a Cidadania, da Faculdade de Direito, que cumpre a reserva de vagas para negros e negras, deve-se a uma “adaptação à lei”, em que foram atualizadas as “condições gerais do edital”. De fato, tradicionalmente, os concursos para professores são limitados por disciplinas, dada a especialização exigida para o exercício dos cargos. No entanto, mesmo respeitando os níveis de especialização, é possível que se faça o que tem sido denominado “ampliação do espectro de atuação do cargo”, o que possibilita que as vagas, mesmo em especialidades diferentes, sejam aglutinadas. Dessa forma, o que a UnB fez no concurso para a Faculdade de Direito foi interpretar a lei  para garantir o cumprimento das cotas raciais.

Como comumente se observa em questões que envolvem concursos públicos, a reserva de cotas raciais já chegou ao Judiciário. Além dos debates sobre falsidade na autodeclaração, como havido nos concursos da Polícia Federal e no Instituto Rio Branco, a burla ao cálculo da reserva de vagas surge como violação mais sofisticada da lei. De forma aparentemente legítima, a distribuição das vagas por especialidades esvazia completamente o objetivo da lei, na medida em que não materializa as cotas.

Nesse sentido, a atuação do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União resultou em ações contra o Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) e de São Paulo (IFSP). No caso do IFMA, a Defensoria Pública da União propôs uma ação civil pública, questionando o fracionamento das 210 vagas para a carreira de magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da instituição, que resultou, ao invés de 42 vagas para pretos e pardos, em apenas 6 vagas.

Em sede liminar, o TRF da 1ª Região já se pronunciou contrário ao fracionamento das vagas reservadas, suspendendo os certames e determinando a incidência do percentual de vagas por cota sobre o total de vagas ofertadas.

Já no IFSP, o Ministério Público Federal em São Paulo ingressou também com ação civil pública, pelos mesmos motivos, em razão do fracionamento das 166 vagas para a mesma carreira de magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, que deixou de oferecer qualquer vaga a negros e pardos, embora o total de vagas oferecida fosse de 166.

A efetivação da Lei Federal nº 12.990/2014 exige dos aplicadores o rompimento com as formas tradicionais de realização de concurso público nas universidades. A necessidade de que as disciplinas sejam lecionadas por professores especializados não implica que os concursos públicos sejam também segmentados. Até porque, no cotidiano das universidades, não é incomum, malgrado a especialização crescente, o docente lecionar em disciplinas de áreas afins.  Logo, é possível, como fez a UnB, a construção criativa de formas de seleção que assegurem o perfil acadêmico do professor, atentando, na mesma medida, para o mandamento constitucional que impõe processos seletivos antidiscriminatórios e comprometidos com a igualdade racial.

O concurso da UnB, portanto, inova em dois sentidos. De um lado, atenta ao risco que a divisão por disciplinas (direito público e direito privado) pudesse esvaziar o conteúdo da lei, lançou o certame com vagas na área de conhecimento, o que exige dos candidatos e candidatas um conhecimento de todo o conteúdo, mas também amplia a oferta, sem sair da especialização – formação em Direito – exigida. Por outro, demonstra uma competência administrativa de planejamento, possibilitando que ao invés de três concursos, em momentos diferentes, um só se fizesse, cumprindo, a uma só vez, dois deveres constitucionais: o de atender ao princípio da igualdade, viabilizando as cotas raciais na formação de seu corpo docente, e o de cumprir o princípio da eficiência, fazendo mais, com menos.

Não obstante, ainda há muito o que se feito. Apesar de a UnB ter aprovado, no final de 2015, um Edital de Condições Gerais para os próximos concursos de docentes, no qual se prevê a reserva de vagas, ainda não se consolidou na instituição, assim como em outras, uma discussão pública intensa sobre a importância da admissão de professores negros. Assim, é urgente que a própria Universidade debata e elabore estratégias institucionais, a serem seguidas por cada departamento, visando dar efetividade à Lei Federal nº 12.290.

De igual forma, as ações afirmativas não devem ser entendidas como mera reserva de vagas, mas sim no seu verdadeiro sentido de reestruturação profunda de ambientes historicamente excludentes. Há, assim, um longo caminho de democratização da gestão universitária, que passa, entre outras medidas, pela revisão de como o conhecimento é produzido na academia (bibliografias, ementas, disciplinas, grupos de estudos, linhas de pesquisa, etc.) e por compromissos institucionais muito mais delicados que a simples adoção das cotas. É justamente nesse aspecto que é possível visualizar a maior relutância da Universidade em assumir, de fato, posturas que impliquem na mudança efetiva do seu saber-fazer profundamente desigual.

O que se espera é que, da mesma forma como nos idos de 2004, as cotas raciais adotadas pela UnB criaram escola, a atual forma de condução dos concursos públicos para professores e professoras também sirva de bom exemplo para as demais instituições de ensino fazerem o que exige a Constituição, deixarem de lado a cultura institucional e se adaptarem para o cumprimento do princípio da igualdade.