A
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entrou com uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF)
questionando a relação de empregadores flagrados com trabalho escravo mantido
pela Portaria Interministerial N.º 2/2011, do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) e da Secretaria de Direitos Humanos, a chamada “lista suja” da
escravidão. O cadastro oficial serve de base para as empresas signatárias do
Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que se comprometem a não
travar relações comerciais com empregadores flagrados com escravos, e também
para bancos públicos, que usam a tabela como referência para concessão de
créditos.
Resgate em 2010 envolvendo empresa de irmão de senadora Kátia Abreu. O fato ocorreu em fazenda que produzia carvão. Foto: SRTE/TO |
A
Adin 5115 foi apresentada no dia 24 de abril e pode ser acompanhada neste link.
Na semana passada, no dia 8, a ministra Carmen Lúcia, relatora da ação,
solicitou informações com urgência às autoridades responsáveis. A tentativa de
anular a “lista suja” está sendo criticada por autoridades envolvidas no
combate à escravidão e representantes de organizações, empresas e movimentos
sociais. A CNA é presidida pela senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), que é
integrante da Frente Parlamentar de Agropecuária, a Bancada Ruralista, e tem
interesse direto na questão. Seus dois irmãos, André Luiz Abreu e Luiz Alfredo
de Feresin Abreu, tiveram o nome envolvido em flagrantes de escravidão em 2012
e 2013, respectivamente. A reportagem solicitou posicionamento da CNA sobre as
críticas à ação e o conflito de interesses, mas não obteve retorno.
Senadora Kátia Abreu em plenário. Foto: Divulgação. |
A
iniciativa da CNA de recorrer ao STF tem sido criticada até mesmo por
produtores rurais. A Repórter Brasil procurou ouvir empresários do setor. Em
nota, a Cargill, uma das empresas agrícolas signatárias do Pacto Nacional, se
posicionou destacando que o grupo “atua
em todas as suas cadeias de suprimentos para buscar a erradicação do trabalho
análogo ao escravo no país”, e que considera “o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a
condições análogas a de escravo um importante instrumento para contribuir com
esta causa”.
A empresa defende ainda que “o trabalho escravo é uma prática inaceitável e deve ser combatida em todas as suas formas e de todas as maneiras possíveis pela sociedade civil, empresas e governo”. Além da Cargill, entre os signatários do Pacto Nacional estão algumas das principais corporações agropecuárias do Brasil, tais como o Grupo André Maggi e a Marfrig, além de organizações de produtores, como Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec) e Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
Direito à informação
“A quem interessaria o Ministério do Trabalho e Emprego sonegar tais informações? Para o agricultor que trabalha com honestidade, respeitando os princípios de responsabilidade social e preocupado em estabelecer uma concorrência leal, saber quem emprega ou não trabalho escravo é algo extremamente útil”, defende o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do MTE, Alexandre Lyra. “A divulgação do nome dos empregadores flagrados é um serviço para o mercado. É melhor do que fazer como o governo americano, que faz barreiras comerciais de todo um setor por conta de flagrantes. Nós estamos indicando quais são os empregadores e deixando claro quem são os responsáveis”, completa.
A
quem interessaria o Ministério do Trabalho e Emprego sonegar tais informações?
Para o agricultor que trabalha com honestidade, preocupado em estabelecer uma
concorrência leal, saber quem emprega ou não trabalho escravo é algo
extremamente útil
A
entidade pede medida cautelar para suspender imediatamente a “lista suja”.
Entre os argumentos apresentados pelo advogado Carlos Bastide Horbach, que
representa a CNA na ação, estão o de que a inclusão de nomes no cadastro
contraria os direitos de ampla defesa e presunção de inocência, e o de que a
imposição de “sanções administrativas
antes mesmo de a condenação penal existir ou transitar em julgado caracteriza
violação patente ao princípio da presunção de inocência”. Lyra destaca que
as sanções comerciais por parte das empresas não são de responsabilidade do
MTE, tampouco as restrições de crédito por parte de bancos, e lembra que, antes
de serem incluídos, todos os empregadores têm chance de se defender no processo
administrativo aberto com base na lavratura dos autos de infração. Ele defende
que a publicização dos nomes é um dever do MTE e está em sintonia com medidas
de boa governança e democracia com abertura de dados que devem ser públicos.
“É uma obrigação a gente informar à sociedade
o nome dos empregadores que mantiveram escravos. Como agentes públicos, temos
obrigação de fornecer esses dados à sociedade. Observamos o princípio de
publicidade e transparência na gestão”, define.
Referência internacional
Por
fortalecer o mapeamento de cadeias produtivas e subsidiar sanções diretas por
empresas com preocupação socioambiental, a “lista suja” é considerada uma
referência internacional na construção de mecanismo de combate ao trabalho
escravo. Em 2010, o cadastro foi elogiado pela então relatora especial da
Organização das Nações Unidas (ONU) para as Formas Contemporâneas de
Escravidão, a advogada armênia Gulnara Shahinian, que ao apresentar o relatório
de sua visita ao Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas citou
a medida como um exemplo. No ano passado, a iniciativa também foi elogiada no
relatório “The Global Slavery Index”, divulgado organização não governamental
Walk Free.
A
“lista suja” também é citada como referência pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT). “A gente defende a
manutenção da lista porque ela possibilita, como um instrumento oficial do
governo brasileiro, o monitoramento das condições de trabalho e
responsabilidade social em cadeias produtivas. É um instrumento essencial para
quem busca informações sobre sustentabilidade social em questões que envolvem
trabalho escravo e forçado”, diz o coordenador de Programa de Combate ao
Trabalho Forçado da Organização Internacional do Trabalho, Luiz Machado.
Ele
lembra que, apesar de nesta terça-feira, 13 de maio, ser comemorada a assinatura
da Lei Áurea no Brasil, a escravidão ainda é uma realidade no país. “Infelizmente constatamos que o trabalho
forçado vem aumentando. A data simboliza um momento histórico aqui no Brasil,
mas o país ainda precisa avançar muito para acabar com a escravidão
contemporânea, que pode ser ainda mais brutal em suas formas modernas se
comparadas com escravidão colonial, assim como apontado em nosso último
relatório global“, destaca.
Via
Repórter Brasil