|
As manifestações contra a condenação de Lula começam dia 23, a partir da esquina democrática. (Foto: Ricardo Stuckert). |
Dizia
o general Golbery do Couto e Silva, singular personagem na qualidade de
ideólogo do golpe de 1964 e do fim da ditadura por este precipitada: “Ou
seremos capazes de mudar o País ou todos acabaremos pendurados em um poste,
menos eu, que estarei morto”.
Golbery
era um filho da Guerra Fria com uma visão maniqueísta do mundo dividido entre o
império do Leste, a URSS, e o do Oeste, ou seja, o estadunidense, ao lado do
qual sempre haveríamos de ficar.
No
desequilíbrio social enxergava, porém, o maior problema do Brasil, a ser
resolvido somente pela ação de um governo empenhado em enfrentá-lo em tempo
útil antes da eclosão da revolta popular.
Nunca
padecemos um estado de exceção igual a este que nos oprime, a favorecer a
exígua minoria de ricos e super-ricos, a liquidar os bens da Nação e aprofundar
o abismo entre casa-grande e senzala, entre sobrados e mocambos.
Estivesse
aqui, Golbery diria “esta cousa vai acabar mal”, embora esteja claro que o mal
de uns é o bem de outros. Com o julgamento de Lula pela segunda instância do
Santo Ofício, 2018 começa muito quente e não se surpreendam caso se torne
decisivo da nossa história.
|
Aqui se reúnem dia 24 os inquisidores do Santo Ofício. (Omar de Oliveira Feitosa/ Fotoarena). |
Cito
passagens do magistral artigo do ex-ministro Eugênio Aragão, publicado na semana
passada por CartaCapital. As repetições ajudam.
•
“Em 2018, a massa assalariada vai conhecer a prática dos estragos sobre seus
direitos, com as demissões dos celetistas para serem trocados por contratados
temporários, sem férias e 13º, sem licença de gravidez, sem FGTS, sem aviso
prévio, sem seguro-desemprego e com a precarização previdenciária (...)
Trata-se da formalização do subemprego, a se espalhar rapidamente sem amparo
sindical.”
•
“Ao se aumentar a massa dos que pretendem votar em Lula, o roteiro dos
golpistas tende a nos aproximar da convulsão social.”
•
“Por isso, a saída negociada é ainda a que oferece menos risco e pode
desembocar num cenário de transição mais suave. Lula é esta saída. Fechá-la é
abrir espaço para o descontrole do processo político que vitimizará em primeiro
lugar os repressores e seus instigadores.”
Aragão
prevê que qualquer manifestação de resistência popular ao desmando crescente
provocará uma repressão cada vez mais violenta para engrossar o caldo de
cultura da agitação social. Desde já algumas medidas de precaução foram tomadas
na expectativa da chegada da caravana lulista em Porto Alegre na véspera do
julgamento.
O
PT convocou uma concentração na tarde do dia 23 na histórica Esquina
Democrática, no centro da capital gaúcha. Dali os manifestantes iniciarão uma
marcha até o lugar mais próximo possível do TRF4, ou seja, até os pontos
protegidos pelos cordões da polícia, cuja exata localização ainda não foi
anunciada.
|
Eugênio Aragão traça o roteiro do futuro. (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil). |
Na
moldura, surge um juiz federal insolitamente ponderado, Osório Avila Neto,
disposto a negar a solicitação da Procuradoria de relegar a montagem de um
acampamento do MST no Parque Farroupilha, a dois quilômetros e meio do
tribunal. Avila Neto reduziu a um décimo a distância, e indicou o Parque da
Harmonia, não se sabe se com toque irônico, a 250 metros de distância.
O
prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., figura muito chegada ao MBL, o
famigerado Movimento Brasil Livre, trincheira do prefeito paulistano João
Doria, atirou-se à patética iniciativa de recomendar a presença do Exército e
da Força Nacional no dia 24. Proposta recusada, felizmente. Comenta Alexandre
Padilha, vice-presidente do PT e organizador da caravana lulista: “Posou de
líder do MBL”.
A
defesa do ex-presidente pede que ele seja ouvido pelos desembargadores gaúchos.
Aceito o pedido, Lula certamente iria a Porto Alegre. A aceitação, contudo, é
bastante improvável. Mesmo assim, Lula ainda não tomou a decisão final.
Certo
é que dia 24 comparecerá a um ato programado na Avenida Paulista, em frente ao
Masp, cenário impecável criado por Pietro Maria Bardi e Lina Bo, e diante do
Parque Siqueira Campos, a oferecer sua paisagem frondosa. Com inesperada
esperteza, o MBL desistiu de instalar na mesma avenida um telão para transmitir
o julgamento. Informou o Movimento: “Não queremos atrapalhar o trânsito”.
|
Roberto Requião, companheiro ideal. (Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado). |
A
partir de 24 de janeiro, Lula joga a sua carta da manga, a candidatura a algo
mais que a Presidência da República, que de resto será confirmada dia 25, a
despeito da inevitável condenação, em reunião do PT Nacional, presentes
governadores, deputados federais e senadores. Mas Lula vai além, candidata-se a
líder do povo cada vez mais humilhado e ofendido.
Nunca
o Brasil republicano viveu uma situação de tamanho desgoverno e desvario, em
que autênticos quadrilheiros assaltam o poder. “Estamos condenados a
radicalizar”, declara um eminente petista.
No
fundo, melhor seria outro verbo: condenar parece significar uma pressão
indesejada. A radicalização, entretanto, começa com Lula, ao identificar em
dois símbolos peremptórios seus inimigos, a Globo e o mercado.
Com
esta premissa, ele anuncia uma nova Carta aos Brasileiros, a seguir uma linha
oposta àquela que precedeu a eleição de 2002, obra de Antonio Palocci, um
trotskista convertido ao neoliberalismo, crente da conciliação das elites.
E
já adianta este Lula de ideias límpidas: distribuição de renda não basta, é
preciso distribuir a riqueza. E lá vem a promessa apavorante para ricos e
super-ricos, os beneficiados do golpe de 2016: serão eles taxados, na medida
mais justa.
A
radicalização é transparente, inclusive na provável escolha de Roberto Requião
para seu vice, ou mesmo um candidato de esquerda se preciso for, e nas
conversas mantidas com Guilherme Boulos, líder dos sem-teto, movimento
declaradamente de esquerda, como o MST de João Pedro Stedile.
|
Lula e Boulos: esta conversa revela objetivos comuns. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress). |
A
postura do seu fundador devolve o PT à plataforma inicial, ao assumir aqueles
que hão de ser seus autênticos compromissos e responsabilidades. CartaCapital
conhece os seus, e não hesita em louvar este retorno, assim como não hesitou em
apoiar as duas candidaturas de Lula e as duas de Dilma Rousseff. Sabemos, com
isso, que não traímos o jornalismo, muito pelo contrário.
Temos
todo o direito à escolha, sem a desfaçatez dos verdadeiros traidores, que se
dizem isentos, equidistantes, pluralistas. CartaCapital mais os enxerga como
humoristas de escrita precária.
Nestas
páginas já criticamos, às vezes asperamente, o PT e seus governos, nem por isso
deixamos de apoiar o único líder popular de dimensão nacional e de considerar
uma fraude a eleição sem ele. Às vezes chegamos a duvidar que existisse uma
agremiação política de esquerda, embora haja no Brasil movimentos e
personalidades de esquerda.
|
Palocci é um Trotskista convertido ao neoliberalismo. (Foto: Heuler Andre/ AFP). |
Certa
é a inexistência de uma direita e de uma mídia conservadora, e deste ponto de
vista permito-me discordar de Marcos Coimbra, por quem tenho infinita amizade e
admiração. A casa-grande não é a direita, é apenas e tão somente medieval,
anterior à Revolução Francesa, e sua sombra cobre o País. Conservadores foram
Churchill e De Gaulle. Um jornal de direita é, por exemplo, Le Figaro. Nossa
mídia é porta-voz da casa-grande.
O
Brasil precisa de um grande e forte partido de esquerda para esclarecer o povo
e conduzi-lo, juntamente com PCdoB, PSOL, PSB e PDT, à plena consciência da
cidadania e dos seus interesses, muito além do futebol e do carnaval.
Cabe
ao PT ocupar este espaço, e aos demais partidos de esquerda, para enfrentar a
casa-grande, capaz de um golpe desferido pela aliança dos próprios Poderes da
República, sustentados pela propaganda midiática e por setores da Polícia
Federal.
Limito-me
a perguntar aos meus inquietos botões se Lula teria esperado por este exato
instante para se candidatar a líder do povo brasileiro, quem sabe na
perspectiva da inelutabilidade da condenação. Tudo é possível, respondem os
botões.
Até
onde podem espraiar-se os inventores do estado de exceção, e até onde pode
chegar o povo a ficar ciente dos vexames a que foi e é submetido? Será 2018 o
ano do confronto? Sem Lula não há saída, para negociar esta ou liderar aquele.
Permito-me
uma observação: o candidato do povo merece uma campanha mais atilada,
mercadologicamente eficaz, do que aquela concentrada na pergunta: cadê as
provas? O desafio de Lula está, em primeiro lugar, na defesa do País e de sua
Nação.
Os
assaltantes do poder multiplicam as exceções a seu bel-prazer e o Brasil é sua
primeira vítima, e Lula é condenado sem provas porque surge como o entrave
determinante aos propósitos dos quadrilheiros.
Acentuar
a fraude do julgamento não é suficiente, mesmo porque é uma forma de aceitar o
jogo deste Santo Ofício de ocasião. Se chegarmos à convulsão social que Eugênio
Aragão desenha no horizonte, será porque neste momento Lula e o Brasil a ser
salvo se confundem. (Com informações da CartaCapital).