![]() |
Foto: Dário Gabriel em 2/2/1997O poeta Patativa do Assaré nasceu e morreu na cidade de nascença que levou no nome |
O
canto da patativa, ave presente em território brasileiro, é considerado um dos
mais melodiosos entre os pássaros. O nome do animal foi dado como apelido ao
jovem Antônio Gonçalves da Silva porque, falava-se, a poesia expressiva, fluida
e terna que ele performava pelo interior cearense se assemelhava ao cantar da
ave. À alcunha, o rapaz adicionou o nome da cidade natal: Patativa do Assaré.
Um dos principais nomes da cultura brasileira, o poeta faleceu em 8 de julho de
2002, aos 93 anos, deixando de herança legados imensuráveis. O Vida&Arte
esquadrinha a relevância da poética de Patativa a partir especialistas e
artistas que compartilham referências e reverências ao "poeta pássaro".
No
livro "Patativa do Assaré: Uma
Biografia", o professor e pesquisador Gilmar de Carvalho (1949-2021)
conta que o poeta, ao falar do canto da patativa, dizia: "Você escuta, você pensa que ali dentro
daquela moita tem vários passarinhos cantando". Quando o artista
assume o nome da ave, Gilmar vê na metáfora "camaleônica" uma "explicação
para os múltiplos cantares" que ele trazia consigo. "Da dicção nos moldes da norma culta à poesia
matuta, do telúrico ao social, do gracejo à sua desconhecida e renegada
produção erótica", elenca.
As
referências e influências da trajetória artística de Patativa são tão diversas
quanto a própria obra do artista. "Por
meio de diferentes temas de sua poética, vê-se a influência dele na música, na
cantoria, na poesia e na literatura", aponta Socorro Pinheiro,
professora de Letras e do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras da
Universidade Estadual do Ceará.
"Observa-se ecos da sua poesia, por exemplo,
na obra de Moreira de Acopiara, Dalinha Catunda, Josenir Lacerda, Bráulio
Bessa, entre outros. O poeta continua vivo nos desafios da viola, na poesia
feita de repente, no cordel, na performance poética, no imaginário de tanta
gente que se sente representada numa poesia que canta a vida e seus contrastes,
sem, contudo, perder a paixão e a força", avalia a pesquisadora,
co-autora, com Antonio Iraildo, do livro "Um Sertão Encantado: Homenagem
aos 110 anos de Patativa do Assaré.
O
cantador, violeiro, escritor e Mestre da Cultura do Ceará Geraldo Amâncio
ressalta a importância do artista para a própria trajetória. "Há um lado na história do poeta Patativa do
Assaré que a mídia não fala: ele foi cantador, fez cantoria por mais de
quarenta anos", ressalta. "Nas
cantorias do meu tempo, não havia declamações de poesia. Tudo começou depois do
lançamento do livro 'Inspiração Nordestina' (primeiro livro que reúne a obra
poética de Patativa, lançado em 1956). O primeiro poema que declamei foi
'Chiquita e mãe veia', que está no livro referido", segue Geraldo.
A
referência direta a Patativa tornou-se depois uma relação de proximidade e
parceria, já que os dois chegaram a circular em viagens por mais de 20 anos —
memória que Geraldo cita como uma "honra
e felicidade". "Particularmente,
devo a ele muito do reconhecimento a mim atribuído. Por várias vezes, quando
perguntavam a ele quem era o melhor cantador do Brasil, ele citava o meu nome",
relembra.
Conterrâneo
de Patativa, o cantor e sanfoneiro Caninana destaca a contemporaneidade da obra
do poeta. "Ele já falava tudo aquilo
que nós vivemos hoje, é o marco de um século por suas obras escritas justamente
na defesa da natureza, no combate à fome, à miséria, no grito de liberdade do
seu povo", desvela.
Para
o artista, Patativa foi uma referência intransponível. "Ele, na sua grandeza e na genialidade
poética dos versos, me inspirou a fazer versos de cordéis. A maioria das minhas
composições é sempre em formato de soneto ou sextilhas", exemplifica o
cantor.
Em "Pássaro Liberto", livro de
2011 também escrito por Gilmar de Carvalho, o professor escreve: "Por que em meio a tantos poetas violeiros e
poetas populares Patativa do Assaré se destacou e se tornou referência? Por que
tantos passaram e ele ficou?". A resposta do próprio pesquisador,
precisa, ajuda a decifrar: "Por que
Patativa vai ficar? Por ter trabalhado com afinco e determinação, não para
construir uma carreira, mas pela necessidade de dizer o mundo".
________________
Por João Gabriel Tréz, originalmente no O Povo.