6 de setembro de 2025

Professor, quanto vale o seu trabalho?

 

(FOTO |Reprodução |ICL Notícias).

Em primeiro lugar, para tentar responder a essa pergunta, é preciso lembrar que, na Economia Política, a tradição do “valor-trabalho” – de Adam Smith, David Ricardo e Karl Marx – distingue valor de preço. O valor de uma mercadoria não pode ser confundido com o seu preço nominal.

Alguns dirão que o valor de um produto está em seu uso; outros, como os que seguem a teoria do valor-trabalho, afirmarão que ele vem da quantidade de trabalho humano nele incorporado. Num livro, por exemplo, há o trabalho de quem extraiu o metal da máquina que o imprimiu, de quem derrubou as árvores para fabricar o papel, além do trabalho intelectual que lhe deu conteúdo etc.

Dito isso, a pergunta atravessa a sala e retorna: quanto vale o trabalho de quem ensina? A resposta não vem de imediato. Fica suspensa, como se encoberta pelo feitiço do capital, que insiste em invisibilizar o essencial.

No marxismo, o fetiche da mercadoria esconde que o valor nasce do trabalho humano. Parece que a mercadoria tem poder próprio, quando na verdade cristaliza um esforço invisível – esta é uma das “mágicas” ideológicas do capitalismo, e muito útil a quem detém os meios de produção (aquilo quer faz as coisas surgirem).

Hoje, por exemplo, algo semelhante ocorre com as inteligências artificiais. Muitos acreditam que funcionam sozinhas, esquecendo que máquinas, dados e linguagens foram produzidos por pessoas, com suor, tempo e energia acumulados. São valiosas justamente porque concentram uma quase infinidade de trabalho humano, físico e intelectual.

Contudo, como já lembrava Gramsci, todo trabalho é também intelectual. Quem limpa uma escola, por exemplo, não age como um robô: pensa, organiza, decide como realizar sua tarefa. Nenhuma atividade humana é destituída de pensamento.

Assim também acontece com a escola. Costuma-se acreditar que o conhecimento floresce naturalmente, mas sem professores a aprendizagem não se realiza plenamente – ou torna-se precária, “capenga”. Apesar disso, há quem defenda o “homeschooling”, como se a educação pudesse ser reduzida à transmissão de conteúdos em casa, geralmente sem mediação pedagógica qualificada e com forte viés ideológico.

No extremo, alguns chegam a propor a desescolarização (“deschooling”), ideia de que seria possível uma sociedade sem escolas e professores. Essa concepção, em vez de libertar, atende aos interesses neoliberais: desvaloriza o trabalho docente, transforma o conhecimento em mercadoria individual e enfraquece a função social da escola como espaço coletivo de formação, convivência, socialização, emancipação e o surgimento de sentimentos como o da empatia entre o público discente.

No caso da Internet, a ilusão se repete. Plataformas de busca, como o Google, alimentam a crença de que é possível aprender tudo sozinho, dispensando o professor e a escola. Mas, por trás dessa aparência de autonomia, o que ocorre é a captura sistemática de nossa atenção pelas big techs. Cada clique, cada dado, é transformado em mercadoria, empacotado e vendido a empresas interessadas em nossos interesses.

Pensamos estar consumindo conhecimento livremente, quando na verdade somos nós os produtos negociados.

Da mesma forma, professores e alunos são tratados como números, indicadores, estatísticas. O valor do trabalho docente se reduz a métricas vazias, como se fosse uma engrenagem descartável em planilhas.

O capital financeiro, internacionalmente hegemônico no acúmulo de riqueza e poder político, controla os fluxos globais de quase tudo, mas precisa das big techs para extrair mais-valor da atenção e da cultura. É um poder amalgamado, sustentado pela captura digital e ideológica. Transformando os proprietários destas empresas em “gurus popstar” da sabedoria mundial contemporânea.

Enquanto isso, professores seguem trabalhando sem apoio e reconhecimento em seu “chão de fábrica” – a escola e suas salas de aula. Gasta-se voz, energia e paciência diante da indisciplina, do desinteresse e da precariedade. O esforço invisível não aparece nos relatórios, nem nos discursos oficiais – isto é, há extração de “mais valor” docente que, quando bem-sucedido, é capital simbólico acumulado pelos dirigentes governamentais.

É preciso romper com esse fetiche — o feitiço de que o trabalho docente não tem valor. Cada aula noturna, cada explicação paciente, cada texto corrigido é trabalho vivo, insubstituível. Não se trata de algo que possa ser feito de qualquer maneira, “nas areias da praia”, como já chegou a afirmar um prefeito, mas de uma atividade complexa, que exige dedicação, preparo e responsabilidade. É um trabalho que nenhuma máquina, algoritmo ou métrica consegue replicar.

Professor, quanto vale o seu trabalho? Vale mais que qualquer algoritmo, mais que qualquer índice financeiro. Vale porque é humano, resultado de anos de estudos que nunca terminam, dedicação cotidiana e consciência de classe construída na prática.

Hoje, porém, esse valor tem sido pago com suor, tempo e saúde não reconhecidos. O trabalho docente sustenta o futuro, mas continua invisibilizado por métricas que jamais conseguirão traduzi-lo.

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Por Valter Mattos da Costa, no ICL Notícias.

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