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(FOTO | Reprodução). |
Por Pedro Borges
O início da conversa sobre o assunto deve ser categórico: Marcelle Decothé, chefe da Assessoria Especial do Ministério da Igualdade Racial (MIR), se posicionou de maneira inadequada durante a final da Copa do Brasil entre São Paulo x Flamengo. Independente de estar certa ou errada, a assessora ali estava para acompanhar a ministra Anielle Franco em uma agenda oficial do governo. Ela, como estudiosa do tema, conhece o debate racial no Brasil e sabe das delicadezas do mito da democracia racial e da fragilidade branca do país. A pressão sobre o MIR e o governo federal tornaram insustentável a sua permanência no cargo. Uma pena.
É
necessário frisar, contudo, que Marcelle Decothé não cometeu “racismo”, afinal,
não existe possibilidade de ser racista contra pessoas brancas em uma sociedade
como a brasileira. De acordo com os conceitos de preconceito, discriminação e
racismo, Marcelle pode ter agido de maneira discriminatória, mas em hipótese
alguma racista. As palavras usadas pela assessora não têm a possibilidade e o
poder de causar a morte de uma pessoa branca ou ferir a honra como o racismo
antinegro tem no Brasil. Não há, também, chance de ser xenófobo contra
paulistas, por razões históricas óbvias.
O
caso de Marcelle ocorre de maneira paralela a uma série de outros, com a
participação destacada de homens brancos. O resultado, contudo, foi bastante
diferente, com manutenção de cargos, estudo, respaldo jurídico, sem ataques de
caráter gordofóbico e sem exposição do rosto.
Quinze
estudantes da faculdade de medicina da Unisa organizaram uma masturbação
coletiva durante uma partida de vôlei feminino e outros estudantes da
Universidade São Camilo mostraram a bunda durante outra partida, isso tudo no
mesmo encontro. No primeiro caso, os homens foram afastados da universidade e
depois, por decisão judicial, reintegrados ao curso. No segundo, a universidade
proibiu os estudantes de participarem de jogos e pediu “cautela” para apurar a
situação e não se precipitar com uma injusta expulsão. O mundo pede cuidado ao
julgar homens brancos.
O
rosto desses rapazes não foi exposto a esmo como o da assessora. Eles não
ficaram famosos, não tiveram seus perfis atacados, pelo menos não na mesma
intensidade que Marcelle Decothé. Esses homens, e assim devem ser tratados,
como adultos, tiveram, ao máximo, suas nádegas ou genitálias com repercussão
nacional.
Os estudos seguirão e eles provavelmente estarão, em alguns anos, atendendo normalmente a população brasileira, sem qualquer “mancha” no seu passado ou trajetória. Isso será motivo de riso, não de trauma, em um futuro breve.
Para Marcelle Decothé, apesar da rede de apoio, esse caso deve ser tornar traumático, com possíveis implicações para a sua vida profissional e política. O mundo não perdoa o erro de mulheres negras.
A
situação da assessora exonerada ocorre no mesmo período em que o movimento
negro luta pela indicação de uma mulher negra para a vaga do Supremo Tribunal
Federal (STF). Apesar dos muitos acertos históricos, da população negra ter
votado em peso no atual presidente Lula, ao que tudo indica, mais um homem
branco deve ser indicado ao cargo. O Brasil, em pouco tempo, mostra com
eficiência como é fácil derrubar uma mulher negra, acabar com a sua reputação,
na mesma medida em como é possível poupar a trajetória de homens brancos, e
como é quase impossível promover uma mulher negra aos principais postos de
poder do país.
Que
Marcelle seja acolhida neste momento e que o Brasil avance na agenda de raça e
gênero. É preciso construir um cotidiano mais saudável para elas, o que
representaria um ambiente mais justo para todos nós.
_____
* Pedro Borges é editor-chefe da Alma Preta. Formado em jornalismo pela UNESP, compõe a Rede de Jornalistas das Periferias e a Coalizão Negra por Direitos. A cobertura do racismo é sua contribuição para a construção de um país mais plural e democrático.
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