Kabengele Munanga. (FOTO | Marcos Santos | USP Imagens). |
A dimensão étnico-racial vem ocupando lugar essencial para a análise social, política, econômica e cultural do Brasil e se tornou um dos temas mais populares e complexos dos tempos atuais. Conceitos desenvolvidos ao longo de décadas de lutas, estudos e estatísticas se unem (ou se confrontam) no debate coletivo com percepções individuais matizadas por visões de mundo não raro antagônicas.
Por
isso é de importância ímpar o lançamento do “Dicionário das Relações Étnico-Raciais Contemporâneas”, um material
de fôlego organizado por Flávia Rios, Márcio André dos Santos e Alex Ratts, que
chega às livrarias este mês pela editora Perspectiva.
Em suas
328 páginas, especialistas brasileiros e de várias partes das Américas
discorrem didaticamente sobre 53 verbetes, que vão de “afrocentricidade” a “holocausto”,
de “islamofobia” a “perigo amarelo”, de “povos indígenas” a “teoria crítica racial”.
Os
organizadores apontam como um dos propósitos principais do compêndio ser uma
ferramenta para “ampliar e balizar
posicionamentos”, e o antropólogo Kabengele Munanga, que assina a orelha do
dicionário, indica algo fundamental: uma oportunidade de que nos entendamos a
partir do compartilhamento de noções essenciais para essa conversa. A
democratização de um léxico basilar que, neste momento da história, traduz o
que se fala ao utilizar termos hoje tão conhecidos quanto comumente mal
compreendidos, como “branquitude“, “raça” ou “genocídio”.
“O objetivo central é trazer um panorama
amplo de temas e termos relevantes no Brasil, na América Latina e em outras
partes do mundo que dizem respeito às dinâmicas, tensões e anseios de
diferentes grupos sociais que são racializados nas Américas. O dicionário tem
uma perspectiva histórica, recuperando conceitos mais antigos, mas também
registra termos novos que circulam em pleno século 21”, resume à coluna
Flávia Rios, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo, professora
da Universidade Federal Fluminense e uma das organizadoras da obra —a primeira
do gênero produzida integralmente no país.
“Com o dicionário pretendemos alcançar pessoas diversas e também instituições, como escolas e universidades, além de fortalecer o próprio debate público, porque nem sempre a gente pode parar para ler 50 livros para entender um conceito. Então, recorremos a especialistas de diferentes áreas do conhecimento, que estão há décadas trabalhando em alguns temas e por isso puderam escrever em cinco ou seis páginas sobre termos-chaves das relações étnicas e raciais”, diz Rios. “O objetivo é o de difusão de conhecimento, como um bom dicionário deve ser.”
Alguns
dos autores que compõem o volume são Ynae dos Santos, Lilia Moritz Schwarcz,
Aderivaldo Ramos de Santana, Paulo Neves, Angela Figueiredo, Michel Gherman,
Francirosy Campos Barbosa, Gersem Baniwa, Aza Njeri e Laís Miwa Higa, entre
outros.
“Neste início de século, muitos conceitos
apareceram e animam o debate público e acadêmico no Brasil. Foi importante para
nós, organizadores, que diferentes grupos pudessem apresentar as suas
contribuições nesse dicionário. Com isso, foi possível mostrar diversas camadas
da multirracialidade brasileira, a exemplo da questão negra, indígena, judaica e
do leste asiático, dos imigrantes latino-americanos e africanos, dentre outros”,
pondera Rios.
Também
pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro/Cebrap), ela aponta ainda
para o caráter pedagógico do volume, que não ignora o potencial das redes
sociais para a disseminação rápida dos temas abordados pelo material.
O dicionário se situa entre um debate mais rápido, como vemos na internet, e um artigo científico um pouco mais longo. Com isso, pode matar a curiosidade que temos sobre certos assuntos, garantindo um pouco de profundidade.
Por
fim, a ideia é ainda estimular o aprendizado contínuo sobre uma temática que é
dinâmica, a partir das linhas de reflexão que os autores apresentam, conta a
organizadora. Deixar “um gostinho para
quem quer buscar mais conhecimento, porque temos boas referências
bibliográficas”.
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Texto de Denise Mota, da Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.
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