Há
de se fazer algumas ressalvas. Longe de defender o comportamento de Patrícia
Moreira - a torcedora do Grêmio que ganhou fama nacional negativamente - temos
que considerar alguns elementos que permeiam a nossa sociedade que nos
influenciam e influenciamos reciprocamente. Uma dessas influências vem da
mídia, que longe de controlar mecanicamente nossos pensamentos, de fato influi
diariamente ao estreitar as pautas no noticiário. Outra é o aspecto irracional
que aflora em espaços como o estádio de futebol.
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Não é apenas a Patrícia, nem apenas o Grêmio. Favor não generalizar a situação. |
Não
me lembro exatamente quem disse isso, mas lembro de uma socióloga ou psicóloga
(não lembro onde vi) dizer que o estádio de futebol é o “teatro dos pobres”. Lá vivenciamos emoções variadíssimas,
expectativa, tensão, angústia, euforia, paixão, raiva, etc. O nosso lado
irracional, responsável pelas nossas emoções, é quem dá o tom de nosso
comportamento. Neste ambiente de pura efervescência, nossas ações estão
condicionadas a uma psicologia social que está ligada a signos de construção,
que nos afirmam e de desconstrução, que tem como objetivo desconstruir o outro.
Identificando o outro como um inimigo em potencial (no caso o time adversário)
cabe à massa elencar características negativas ao outro, levando-nos a atitudes
que costumeiramente são condenáveis em locais de convívio mais ameno e
amistoso.
As atitudes que vimos na Arena do Grêmio e indignou boa parte dos
brasileiros, podem ser classificada na mesma categoria do surto de “justiçamentos”
ocorridos no início do ano no Brasil, onde o que deu o tom a violência
exacerbada foi o instinto coletivo canalizados em desinformações que potencializaram
o ódio.
Muito
distante de defender Patrícia e os demais racistas do estádio e tampouco querendo
fazer chacotas e distribuir palavras agressivas com sua pessoa (para isso a
psicologia social já agiu muito bem nas redes sociais) temos que focar o
problema em e analisar todos os fenômenos que o interligam, entretanto, há de
se fazer com que ela e os demais prestem contas ao que fizeram. De maneira
correta e serena. E isso foge de nosso alcance, agora esse papel é da justiça e
cabe a ela decidir a respeito do caso. A nós, só resta assistir para onde essa
situação vai evoluir. Afinal injúria racial é crime previsto no Artigo 140 parágrafo
3º de nosso Código Penal.
Sabemos
que a justiça é mais rápida para condenar quem não detém poder econômico e
minorias sociais. Dentre várias pessoas que poderiam ser flagradas, porque
apenas uma foi noticiada? É importante lembrar que foi a atitude de Aranha ao
indignar-se com a situação foi que fez com que a notícia acontecesse e este
solicitava que se gravassem os torcedores que estavam ofendendo-o. Apesar de
sucessivos casos de racismo, a forma como se noticia cada um deles, busca
isolá-los. Isolou-se o caso de Tinga no Peru, o de Márcio Chagas de Freitas
(esse pelo menos o clube prestou contas na justiça desportiva) e o de Daniel
Alves, este último inclusive com uma campanha publicitária pseudo-social
absurda. Isola-se agora Patrícia como um extraterrestre do restante da torcida
e, principalmente, das instituições que lucram com o futebol e não macular o
espetáculo com questões sociais. Ao reduzir a notícia ao evento isolado,
turva-se a situação para preservar os clubes de futebol, a CBF, e as próprias
emissoras de Rádio e TV. A partir daí a notícia não é mais o racismo, mas sua
demissão do trabalho, as repercussões negativas em sua vida e, principalmente,
a sensação de que a justiça foi feita antecipadamente culpando o sujeito e não
procurando promover ações que erradiquem a causa. Afinal o espetáculo (e o
lucro) não pode parar.
Agora
muito mais que cometer um crime, Patrícia e os demais ainda não identificados
ou expostos ao grande público, reproduziram um elemento que é naturalizado em
nossa sociedade: a animalização do negro, do afrodescendente e suas variações.
Não é incrível que certos comportamentos continuem e provavelmente continuarão
atemporais em nossa sociedade? Os signos do negro como uma sub-raça, inapta e
deformada moralmente, animalesca em contraponto como virtuoso europeu branco
dotado de inteligência infinita e capaz de conduzir o mundo, ainda é muito
presente em nosso meio. Ainda mais aqui no Rio Grande do Sul, orgulhoso por ser
a “Europa do Brasil” onde milhares de pessoas levantam documentos de seus
tataravós para provar que são italianos e assim ter dupla cidadania. É
impressionante como tantos anos de história e cultura fundem-se em meros cinco
segundos. A herança cultural e histórica produzida desde tempos longínquos
mostram-se atuantes e materializados em encontros aparentemente inocentes, como
um jogo de futebol.
Outro
fato também importante de se procurar debater após esse triste episódio é
identificar ou tentar definir o que é racismo no Brasil. Isso é dificultado
pela confusão entre os conceitos de termos “preconceito”, “discriminação
racial” e “racismo”. O professor Kabenguele Munanga os diferencia:
Há pessoas que
confundem preconceito, discriminação racial e racismo. Os preconceitos, que são
pré-julgamentos sobre o outro, sobre outros povos, sobre outras culturas, que
são opiniões às vezes formalizadas, às vezes não formalizadas, acompanhadas de
afetividade, são diferentes da discriminação. A discriminação é expressa pelos
comportamentos observáveis, que podem ser censurados e até punidos pela lei,
são atitudes que não são invisíveis. Outra coisa é um "derivado" que
é chamado de racismo, que praticamente é todo um sistema de dominação que está
por trás disso, todo um sistema de dominação sustentado por um discurso que, às
vezes, tem conteúdo de uma ciência, por ser uma pseudociência, uma doutrina que
existe justamente para justificar a dominação, a exploração do outro.
Alguns
podem interpretar: mas e os outros não brancos no estádio? São racistas também? Por se tratar de uma
atitude ligada a emoções, ou seja, algo irracional e devido a nossa carga
histórico-cultural o racismo que se solidificou em nossas mentes é difícil de
ser identificado. Nós todos possuímos nossos preconceitos, todos nós o
praticamos interna ou externamente, e isso perpassa qualquer etnia que compõe a
nossa sociedade. Mas no racismo o fenômeno é praticado por pessoas que
pertencem ao grupo étnico dominante da sociedade. Identificados com o fenótipo
dominante, construído histórico e culturalmente em nosso país, esse fenômeno
não é aplicável ao cidadão negro, por exemplo, que foi flagrado no estádio
insultando o goleiro Aranha. Ele é apenas um reprodutor da ideologia
solidificada ao longo do tempo. É um processo muito semelhante ao de reproduzir
os valores que vemos na TV e na propaganda. E isso momentaneamente, não tem
como ser diferente, pois viemos de uma sociedade escravagista que foi a última
a dissolver-se. Mas até então não vemos outro caminho para erradicá-lo a não
ser que seja através da denúncia, das políticas afirmativas e da educação
continuada. Talvez agindo assim desta maneira, podemos ter a esperança de ver
um dia esse problema superado pelas gerações futuras.
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