Kabengele Munanga receberá título de professor emérito da USP

 

Kabengele Munanga. (FOTO | Marcos Santos).

O antropólogo congolês-brasileiro Kabengele Munanga receberá, na próxima sexta (2), o título de professor emérito pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Ele nasceu em Bakwa Kalonji, no antigo Zaire, atualmente República Democrática do Congo, em 1940. Está no Brasil desde 1975.

Ao longo desses anos, ele se debruçou nos estudos sobre antropologia da África e da população afro-brasileira e nas questões raciais. O intelectual contribuiu de forma significativa na discussão sobre raça e para derrubar o mito da democracia racial.

Foi no país do continente africano que ele iniciou seus estudos na antropologia, ao cursar a graduação na Universidade Oficial do Congo (1964-1969). Depois, ganhou uma bolsa de estudos para fazer o doutorado na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

Em 1971, o antropólogo retornou ao país de origem para fazer um trabalho de campo, mas foi impedido pela ditadura de Mobutu Sese Seko (1930-1997).

A convite do então diretor do Centro de Estudos Africanos da USP, ele veio ao Brasil, em 1975, e conseguiu, assim, concluir sua pesquisa.

O antropólogo ingressou como docente na USP em 1980, tornando-se o primeiro professor negro da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Na universidade, lecionou até 2012, quando se aposentou, após 32 anos na instituição.

A cacique Shirley Krenak e o desembargador Elton Leme foram homenageados em evento da Fundação SOS Mata Atlântica, em São Paulo, na semana passada. O ator Klebber Toledo foi o mestre de cerimônias da noite.

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Com informações do Geledés.

Justiça Eleitoral cassa deputados do PL por fraude à cota feminina no Ceará

 

Bancada do PL na Assembleia Estadual do Ceará - Dra Silvana, Alcides Fernandes, Marta Gonçalves e Carmelo Neto. - Divulgação.

A Justiça Eleitoral do Ceará decidiu pela cassação hoje (30) de todos os deputados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) do estado, a legenda fraudou a cota feminina nas eleições de 2022. O partido teria utilizado de candidaturas laranjas, sem aporte ou expressão, apenas para atingir o percentual exigido pela lei. O placar final da votação ficou em quatro votos a três.

A legislação prevê que, ao menos, 30% das candidaturas devem ser femininas em cada partido. O mecanismo busca assegurar a garantia de igualdade material entre gêneros, prevista na Constituição Federal. Ainda cabe recurso contra a decisão do TRE-CE. Contudo, estão com as candidaturas em risco iminente, Alcides Fernandes, Carmelo Neto, Dra. Silvana e Marta Gonçalves.

O PL foi o partido que elegeu a terceira maior bancada para a Assembleia Legislativa do Ceará, atrás do PT e do PDT. Confirmada a cassação, a Justiça Eleitoral realizará a recontagem dos votos. Então, os assentos disponíveis na Casa deverão contar com os vencedores de fato.

Uma das candidatas usadas pelo partido assumiu à Justiça Eleitoral a fraude. Ela disse que a candidatura foi sem seu consentimento. “Declaro, para os devidos fins, que não participei da convenção partidária do Partido Liberal, bem como não autorizei a agremiação, ao qual sou filiada e não exerço cargo diretivo, a solicitar o registro da minha candidatura ao cargo de deputado estadual perante esta justiça eleitoral para as eleições 2022”, disse em documento circunstanciado.

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Com informações da RBA.

Por que alguns negros se definem como morenos? Livro ensina a combater a alienação racial

 

(FOTO |Reprodução).

A empreendedora Andreia Barbosa, de 49 anos, percebia que a palavra “negra” tinha conotação negativa durante sua adolescência. Era quase uma desvantagem. Por isso, ela se dizia “moreninha”. Com a advogada Karina Barbosa, de 25 anos, eram os amigos que diziam que ela era morena. Para não realçar seus traços negros, a analista de diversidade e inclusão Karina Reis, de 32 anos, fugia do sol para não escurecer a pele – até as maquiagens eram mais “clarinhas” – até assumir sua identidade racial aos 25 anos.

Essas trajetórias de pessoas negras ajudam a entender a alienação racial, processo social e psicológico de desconexão das pessoas com a própria raça. Pretos e pretas não se reconhecem como tal, consciente ou inconscientemente, para evitar preconceitos e discriminação racial. É uma maneira de tentar se adequar a um padrão social para não sofrer, o que gera outros danos emocionais que nem sempre são identificados e tratados.

Os sofrimentos da população preta motivaram as pesquisadoras Bárbara Borges e Francinai Gomes, que estudam a saúde mental de pessoas negras na Universidade Federal da Bahia, a escrever o livro Saber de Mim. “A população negra é tão atravessada pelas questões do cotidiano, como o racismo, a pobreza e a violência, que sobra pouco espaço para olhar para nós mesmos”, diz Francinai.

O autoconhecimento possui uma clara dimensão estética, ligada à maneira como a pessoa se vê no espelho. Quando começou a ascender em um grande banco privado, Andreia ouvia que aquele não era “cabelo de gerente”, nos dias em que usava a textura natural e crespa. Karina Reis alisava os cabelos. Isso não afeta só as mulheres. Homens raspam o cabelo, total ou parcialmente.

O cabeleireiro e ativista negro Juninho Loes, criador do movimento “Nunca Foi Só Cabelo”, afirma que o resgate do crespo significa empoderamento, descontrução dos padrões estéticos e autoaceitação. “A transição capilar é dura, mas libertadora. Ela reconstitui o lugar de pertencimento. A pessoa não precisa mais ser outra para ser alguém”, afirma. Francinai concorda. “Para muitas pessoas, assumir o cabelo natural é o início do processo de se tornar negra”.

Embora as pessoas nasçam negras, essa condição é efetivada ao longo da vida. É um sentimento que vai ser determinante para desenvolver a identidade racial ou se afastar das questões raciais para minimizar a dor que o racismo causa. Já foi bastante comum que negros se afastassem de situações étnico-raciais. Hoje é diferente. “Assumir a identidade permite entender melhor nossos problemas e reivindicar nossos direitos”, diz Karina.

Mito da democracia racial

Bárbara explica que a alienação racial tem relação direta com o mito da democracia racial no País, a crença de que a miscigenação trouxe a união, a mistura e a igualdade para as três raças, sem os conflitos e questões latentes que permanecem ainda hoje.

O processo afeta, portanto, negros, brancos e indígenas, mas de maneiras distintas. Enquanto os negros se desconectam; os brancos reafirmam sua identidade. Por isso, na visão da autora, “eles se escolhem” no mercado corporativo, nas relações profissionais e até nos relacionamentos amorosos.

As escritoras baianas, criadoras dos projetos Pra Preto Ler e Pra Preto Psi, plataformas nas redes sociais que estimulam o autoconhecimento da população negra, também discutem outros sofrimentos psicoemocionais. Um deles é o de pretos e pretas que ocupam espaços majoritariamente brancos. É o “negro único”, aquele que ascende, mas perde as referências com os seus pares. A situação gera mal-estar social, desamparo e frustração.

“Essas vivências de exclusão e violência são raciais, mas não são nomeadas. Isso vai impedir a compreensão, o que aprofunda o sofrimento”, afirma Bárbara.

Uma das respostas para esses problemas é o autoconhecimento. Aqui, elas defendem uma clínica psicológica multirracializada, ou seja, o preparo dos profissionais de psicoterapia para compreender a importância da raça dentro do consultório.

A clínica racializada é necessária para atender qualquer sujeito, de qualquer raça, não é só sobre negros procurando psicoterapeutas iguais. “A academia não pode mais transmitir aos futuros profissionais que ‘sofrimento não escolhe raça’ ou que “inconsciente não tem cor”, diz trecho do livro.

Outra estratégia importante para os pretos é o fortalecimento do senso de comunidade. Aqui, as autoras defendem que os negros devem sim continuar ocupando os espaços reservados aos brancos, rompendo o legado colonial brasileiro e contribuindo com uma representatividade crescente. Por outro lado, é fundamental se manter conectado às suas comunidades.

Como como combater a alienação racial

Negro é diferente de moreno

A filósofa Djamila Ribeiro escreve em seu “Pequeno Manual Antirracista”: “Não tenha medo das palavras ‘branco’, ‘negro’ e ‘racista’”. Se um homem é negro, você pode se referir a ele desta forma. Claro, de maneira respeitosa. Dizer que um negro é moreno é um erro, pois descaracteriza sua identidade racial. “Quando uma pessoa branca se refere a um negro como moreno, pode ser por interesse para que se mantenham as relações do mundo colonial ou por falta de informação”, diz Franciani.

Cuidado com a forma de se comunicar

As pessoas usam a palavra “negão” com naturalidade, mas pode ter conotação pejorativa – da mesma forma que “alemão” para loiros. Muitas vezes, nós reproduzimos termos racistas ou que reforçam estereótipos. Evite expressões como “a coisa está preta”, “cabelo ruim”, “lista negra”.

Pergunte para você mesmo: o que tenho feito na luta antirracista?

O que você faz ao ouvir uma piada racista? Entender a importância do que você faz, questionar e duvidar do que parece natural são atitudes importantes para evitar a reprodução do racismo. “O antirracismo não é estático. É ação e movimento”, diz a escritora Barbara Borges.

Você tem amigos pretos?

Você tem amigos e amigas pretas na faculdade, no trabalho ou no condomínio? Das blogueiras que você segue, quantas são parecidas com você? Dos casais que você admira, em quantos as trocas amorosas têm pessoas negras? Se for possível, converse com eles sobre as diferenças na forma em que brancos e pretos são tratados. Isso vale também para seus filhos e os amigos dele. A tentativa é de se colocar no lugar do outro e procurar ouvi-lo.

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Com informações do Instituto Búzios.

O juiz Joaquim do Couto Cartaxo e a emancipação dos escravizados em Milagres-CE

 

Joaquim do Couto Cartaxo (FOTO | Câmara dos Deputados).



Por César Pereira, colunista

No dia 18 de dezembro de 1886 o juiz municipal de Milagres, Joaquim do Couto Cartaxo respondeu ao presidente da Província do Ceará, Miguel Calmon Du Pin e Almeida um ofício solicitado por este último no mês de novembro do mesmo ano de 1886. No ofício Miguel Calmon Du Pin solicitava ao juiz deste município esclarecimentos sobre a existência de escravos, isto é, trabalhadores escravizados em Milagres, mesmo após o dia 25 de março de 1884.

Já fazia mais de dois anos que o juiz Joaquim do Couto Cartaxo protelava o envio de informações aos insistentes pedidos de notícias sobre a permanência da escravização em Milagres. Tanto o presidente do Ceará quanto a Assembleia Provincial tinham recebido denúncias a existência de 331 escravos em Milagres. Somente em dezembro de 1886 após um ultimato do governo provincial foi que o juiz sentiu-se politicamente acuado e decidiu responder o ofício de Miguel Calmon Du Pin.

A resposta foi dada nestes termos:


Juízo Municipal de Órfãos de Milagres em 18 de dezembro de 1886, Ilmº e Exmº Sr. – Respondendo o ofício de V. Excª de 22 do mês próximo findo [...]. Tenho a honra de informar a V. Excª que desde o dia 29 do dito mês os senhores de escravos, que existiam neste termo, estão libertando-os sem cláusula alguma, ou com a de serviços por espaço de três anos, sendo que dous (sic), que haviam com sessenta e anos de idade, foram alforriados sem condição, logo que abriu-se a matrícula nos termos da lei n° 3270 de 28 de setembro do ano passado. E creio poder assegurar a de V. Excª que antes de findar-se este ano terei a satisfação de comunicar-lhe, que não existe um só escravo neste município, que deixará de ser uma nota dissonante aos demais da província, sem que para esse resultado fosse o emprego de meios menos lícitos. (Relatório aos Presidentes da Província do Ceará, disponível em: http://ddsnext.crl.edu, acesso em 20 de novembro de 2021)

Os discursos da intelectualidade e da branquitude cearense reunida no Instituto Cultural do Ceará convenceu-se e impôs aos cearenses o mito de que no dia 25 de março de 1884 teria havido a abolição do trabalho escravo na província, sendo nosso estado o primeiro a pôr fim ao trabalho escravo no Brasil, isso não é somente um mito, mas principalmente uma inverdade criada por jornais e panfletos abolicionistas, bem como por pessoas brancas da classe média de Fortaleza na década de 1880.

Procurando desmobilizar a forte atuação dos negros cearense e das lideranças negras da capital da província que haviam assumido em 31 de agosto de 1881 durante a Revolta dos Jangadeiros a direção das lutas antiescravistas no Ceará, a elite escravocrata e a classe média ciosa de seus valores da branquitude se infiltraram nos clubes e associações antiescravistas lideradas por negros e negras, cooptaram algumas dessas lideranças e com suas táticas de barganha política acabaram se impondo através da imprensa como os verdadeiros nomes por trás da campanha abolicionista cearense.

Foi assim que os nomes de Tia Preta Simoa, José Luís Napoleão e Chico da Matilde acabaram passando para segundo plano, e chegaram até mesmo a serem apagados da história cearense como as grandes lideranças antiescravistas do Ceará.

O mito do Ceará Terra da Luz, primeiro lugar a acabar com a escravidão prevaleceu por mais de um século, sem que nenhum historiador questionasse ou problematizasse as condições das emancipações coletivas “dadas” aos escravizados cearenses em 25 de março de 1884. Mas em 1965 o historiador Billy Chandler escreveu um artigo que causou certa polêmica entre os intelectuais do Instituto do Ceará.

Utilizando artigos do jornal O Libertador publicados entre 1884 e 1886 em Fortaleza, esse historiador norte-americano trouxe a luz um escândalo, que acendeu uma intensa polêmica entre os liberais e os conservadores cearenses nos últimos anos da monarquia. Essa polêmica era a renitência dos senhores escravocratas de Milagres em emancipar seus escravizados após o 25 de março de 1884.

A primeira denúncia contra os escravistas de Milagres ocorreu ainda em fevereiro de 1885 no jornal O Libertador. Segundo um artigo publicado neste periódico, em Milagres os senhores de escravos se recusavam a emancipar seus cativos e tudo isto era feito com a conivência do juiz municipal Joaquim do Couto Cartaxo e seu aliado político, o deputado cratense Leandro Ratisbona. O jornal fortalezense denunciava que os dois haviam utilizado os negros como moeda de barganha política nas conturbadas eleições de 1884.

O fato era verídico. Isto é, em Milagres ainda havia em 1885, um ano após as emancipações coletivas de 25 de março de 1884, em torno de 331 negros escravizados e também era verdade que o juiz Joaquim do Couto Cartaxo havia barganhado o voto dos fazendeiros locais para o político Leandro Ratisbona dando-lhes garantias de que poderiam manter em suas propriedades mão-de-obra escravizada sem nenhum problema jurídico.

Precisamos mais uma vez reiterar que nunca houve no Ceará uma lei provincial obrigando qualquer senhor escravista a pôr fim ao trabalho escravo em suas propriedades no dia 25 de março de 1884, a única lei que decretaria a proibição da escravidão no Ceará seria a Lei Áurea de 1888. Desse modo Joaquim do Couto Cartaxo não descumpria nenhuma lei ao não reprimir o trabalho escravo em Milagres pós 1884. O que houve a partir de 25 de março de 1884 na Província do Ceará foi um entendimento da maioria das cidades e vilas cearenses em emancipar seus escravizados sem a necessidade de uma lei impondo a obrigatoriedade da abolição geral e irrestrita como aconteceria quatro anos depois.

As emancipações que ocorreram ao longo dos anos de 1883 e 1884 nem sempre foram sem condições. Quer dizer, os negros eram emancipados muitas vezes sob a condição de trabalharem três ou mais anos para o seu senhor, era uma forma de indenizar o fazendeiro escravocrata pela sua suposta benfeitoria. O próprio juiz diz que em 1886 muitos fazendeiros de Milagres estão procedendo deste modo. Emancipam seus cativos sob a condição da prestação de serviços por algum tempo por estes negros que deveriam ressarcir com trabalho o seu antigo senhor para ser de fato livre.

Billy Chandler despertou através de seu artigo, a suspeita de que o título de Ceará, Terra da Luz não seria muito apropriado devido a renitência dos senhores escravocratas de Milagres. O historiador norte-americano foi chamado de inconveniente e logo surgiram vozes de dentro do Instituto do Ceará procurando resguardar o título cearense, um deles argumentou que 330 negros escravizados não representavam coisa alguma em 1886 (MENEZES, 1967).


Manchete do Jornal O Libertado de março de 1884. (FOTO | Biblioteca Nacional).

É impossível que para resguardar um mito e um título puramente simbólico apaguemos a história de centenas de homens pretos e mulheres pretas escravizadas vivendo no sul do Ceará, na região do Cariri em 1886. É fato que a escravidão em Milagres e em outras localidades do Ceará continuou existindo após o 25 de março de 1884. Mas é fato mais importante ainda que a população negra do município como também autoridades políticas e pessoas brancas não ficaram em silêncio diante do problema.

A luta contra a escravidão em Milagres já era antiga como em todo o Brasil. No ano de 1881 houve um incidente que pôs os pretos livres e escravizados da Vila de Milagres contra os escravocratas. No dia 24 daquele ano, dia de São João, um negro alforriado chamado Isaías Conguinho promotor de sambas na rua do Velame recebeu com outros desordeiros o destacamento da guarda nacional sob o comando do inspetor de quarteirão da vila com paus e pedras. O terreiro de batuques de Isaías Conguinho fora denunciado como um local de práticas criminosas, pois lá se acoitava negros fujões e se tramava um assalto contra a fazenda do sr. João Felizardo Teles Quintal.

Fato importante para Milagres foi que dia 08 de dezembro de 1882 um grupo de cidadãos locais criou a Associação Abolicionista Protetora da Liberdade de Milagres, neste grupo estavam pessoas que eram membros da Câmara de Vereadores do município como o fazendeiro Belarmino Ferreira Lins vereador e um dos primeiros abolicionistas da cidade, denunciado várias vezes ao juiz por dar proteção aos negros fujões.

Além dele havia o professor João Clymaco de Araújo Lima, descrito como um mulato atrevido que ensinava aos meninos de Milagres coisas da maçonaria e do jacobinismo republicano. Numa carta que um anônimo envia para o jornal Pedro II, João Clymaco é acusado de ensinar negrinhos em Milagres durante a noite e que esses negrinhos que aprendiam a cartilha com ele costumavam praticar insolências no Largo da Matriz.

O estudante de direito José Antônio de Carvalho é acusado de trazer ideias contra a propriedade dos bons homens de Milagres e sendo ele amante de uma negra quer impor o fim da ordem nos lares da vila. Já o comerciante José Maria de Andrade, também vereador e sua esposa Ana Vitalina Quintal de Andrade andam pedindo por todo o Cariri, Pajeú E Piranhas dinheiro com o qual possa comprar a liberdade de cativos, criando assim o germe da revolta entre os negros.

O proprietário Antônio de Castro Filgueiras, fundador da Associação Abolicionista Protetora da Liberdade é acusado de ter se lançado vereador não para defender os interesses da Vila de Milagres, mas apenas para utilizar todo o tempo da sessão desta câmara somente para pleitear a liberdade dos pretos. Desse modo, o que podemos compreender é que apesar da renitência dos senhores escravocratas de Milagres em emancipar seus escravizados em 1884, em hipótese alguma podemos afirmar que a permanência da escravidão no município até 1886 foi tranquila e feita com a conivência de toda a sociedade local.

As resistências contra a escravidão em Milagres partiam de várias frentes de batalha. Da Associação Abolicionista Protetora da Liberdade como vimos acima, da Câmara de Vereadores de Milagres que foi a primeira a dirigir ao presidente da Província do Ceará um ofício pedindo providências contra o juiz Joaquim do Couto Cartaxo que insistia em não cumprir as determinações do governo e proceder ao registro dos escravizados ainda existentes no município como determinava a lei de outubro de 1883. A Câmara de Vereadores denunciou o juiz como o principal responsável pela manutenção da escravidão em Milagres e em 1884 realizou um baile de São João para arrecadar fundos para arrecadar fundos e realizar a compra da alforria de cativos.

Mas precisamos destacar principalmente as lutas negras contra a escravidão em Milagres. Homens e mulheres negros que desde sempre lutaram contra a escravidão e que na década de 1880 estiveram também à frente das lutas antiescravistas no município. Destaco aqui o preto Mingu, este negro que fora escravizado pelo alfaiate da cidade e que na década de 1860 aparece como “negro fujão” em anúncios de jornal, é enviado em 1866 pelo delegado Jesus da Conceição Cunha ao Crato onde estavam convocando voluntários para servir como soldado no exército brasileiro e que só retorna a vila em 1874, quando pensavam que teria morrido, alcança sua liberdade prometida, compra a liberdade de sua mãe, se instala num sítio nos arredores da vila e trabalha alugado para comprar seus irmãos ainda escravizados.

O negro Roberto Quengo, posto a venda como homem de 40 anos e cheio de histórias da África, mas que cozinhava e limpava bem. Roberto foi comprado e liberto pela Protetora da Liberdade em 1883, mas entendeu que seus irmãos de cor que continuavam cativos precisavam de liberdade e andava pelas vilas e povoados do Cariri com um São Pedro de barro tirando dinheiro para fazer a liberdade de outros pretos.

E a negra Delfina que invadiu a casa de sua senhora agrediu esta e conforme processo-crime aberto contra Delfina roubou sua filha, pois sua antiga dona iria levá-la para Cajazeiras onde seria vendida em 1882. O negro Agapito, preto que fugiu a escravidão e se escondeu nas matas da serra do Ouricuri de onde descia a noite para roubar cavalos e aliciar outros negros à fuga nas fazendas de Milagres, Buriti Grande (Mauriti) e Cuncas (Barro),

Assim a história de Milagres não é a história da última cidade que acabou com a escravidão no Ceará, é a história da cidade cujas lutas contra a escravidão transcenderam o 25 de março de 1884. Quando nos esquecemos destas lutas deixamos mais uma vez subtendido que a escravidão só acabou por que um punhado de brancos quiseram, o que não é verdade, a escravidão em Milagres acabou porque o professor mulato (negro) João Clymaco de Araújo lutou contra ela, porque Mingu voltou a Milagres em 1874 para trabalhar e comprar a liberdade de sua família, por causa das andanças e histórias de Roberto Quengo, do ato extremo da negra Delfina, mãe extremosa, do terreiro de batuque de Isaías Conguinho. Homens e mulheres negras que fizeram e são a história de Milagres.


Jovens negros fazem protesto nas ruas de Milagres em 2012, pedindo mais apoio para a cultura e proteção às suas vidas. (FOTO | Reprodução | YouTube).

REFERÊNCIAS

CHANDLER, Billy. Os escravistas renitentes de Milagres, in. Revista do Instituto de Ceará, Fortaleza, 1967.

Relatórios dos presidentes da Província do Ceará, disponível em: disponível em: http://ddsnext.crl.edu.

Arquivo Público do Estado do Ceará, Caixas 6-7-8- seção: Milagres (1847- 1889).

SOUZA, Carlos. Milagres, nossa terra Cariri, Artes Gráfica e Editora, Fortaleza, 2021.

Pesquisa mostra que apenas 15% dos jovens acima de 16 anos estudam

 

(FOTO | Reprodução).

Pesquisa revela o que leva alunos a deixarem a escola. O levantamento foi realizado pelo Sesi e Senai e aponta que apenas 15% dos brasileiros com mais de 16 anos estudam atualmente em alguma instituição de ensino. Foram ouvidas 2 mil pessoas em todo o país.  

Entre os que não estudam, apenas 38% alcançaram a escolaridade que desejavam; e 57% não tiveram condições de continuar os estudos por diferentes motivos, sendo o principal deles, 47%, a necessidade de trabalhar e manter a família. 

Os números apontam ainda que a razão para 18% dos jovens, de 16 a 24 anos, deixarem de estudar foi gravidez ou nascimento de filhos. A evasão escolar é maior entre mulheres, com 13%; moradores do Nordeste, 14%; e das capitais, 14%. O dobro da média nacional, que é de 7%.  

Geralda Rodrigues dos Carmo cresceu em Itaporanga, no interior da Paraíba. Veio para o Distrito Federal na adolescência. Ao longo desse tempo, trabalhou como empregada doméstica e auxiliar de serviços gerais. Aos 43 anos, mãe de três filhos, Geralda conta que nunca frequentou a escola e fala da falta que o estudo faz na sua vida.  

O diretor-geral do Senai e diretor-superintendente do Sesi, Rafael Lucchesi, explica que a pesquisa mostra que é preciso melhorar a educação no país. 

Os entrevistados pelo Sesi e Senai apontam que a alfabetização deve ser prioridade para o governo, com 23%; seguida pelas creches, com 16%; e ensino médio, 15%. 

Além disso, a alfabetização teve a pior avaliação de qualidade; e o ensino técnico foi o mais bem avaliado. Já a educação pública é vista como boa ou ótima por 30% da população, índice que sobe para 50%, na educação privada.

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Com informações da Agência Brasil e Notícia Preta.

Temendo perder não é possível vencer

 

(FOTO | Joédson Alves | Agência Brasil).
 

Por Fábio José, historiador

Certa vez, em uma entrevista, o falecido jornalista Clóvis Rossi falou: “A sabedoria convencional teme o radicalismo do PT; eu temo a moderação” (CULT, 2002, p.13). Ele referia-se ao primeiro governo de Lula, mas as palavras não caberiam também para o terceiro?

Há poucas semanas, escrevi um artigo no qual tratei do tema do medo da mudança que se apodera de setores progressistas, que apoiaram a eleição de Lula para mudar o Brasil e, agora, quase inexplicavelmente, temem lutar pelas transformações necessárias.

Atribui-se ao técnico de futebol, Vanderlei Luxemburgo, a frase “O medo de perder tira a vontade de ganhar”. Certamente, é uma frase que pertence ao universo do senso comum, e que o treinador ajudou a tornar ainda mais popular. A questão é: o que isso tem a ver com esta discussão?

Foi observado em várias ocasiões, ao longo da história, como o temor pela mudança e o medo de perder não são bons parceiros, nem na vida nem na política. O governo provisório, na velha Rússia do começo do ano de 1917, de tanto temer pôr em prática a decisão de tirar o país da guerra, perdeu autoridade e não demorou a sair da cena histórica, apesar do grande prestígio de que gozou inicialmente. O medo de João Goulart de um derramamento de sangue no Brasil, em larga medida, o impediu de coordenar a resistência ao golpe de 1964, cujos desdobramentos tingiram-se de sangue.

Evidentemente, o governo Lula não é o governo provisório nem o de Goulart, nem o Brasil de hoje é o de 1964 e, muito menos, a velha Rússia imediatamente pós-queda do czarismo. Trata-se de estabelecer analogias históricas para recordar ao leitor o quanto o medo paralisante não é uma boa saída política.

Nesse momento, diante de concessões que faz Lula da Silva ao “mercado’ e ao parlamento – dominado por forças de direita e extrema-direita -, esses amplos campos de interesse reclamam anuência do governo, ainda mais, às pautas que eles defendem ardorosamente.

Nessa contenda, o país não jaz diante de um cenário irreversível. É possível enfrentar o rolo compressor das forças reacionárias e deter medidas que ferem o presente e o futuro das pautas que dizem respeito ao serviço público, aos servidores públicos, aos indígenas e ao meio ambiente, duramente feridos pelas últimas decisões da câmara dos deputados.

Os que temem a mudança declaram que não há correlação de forças na sociedade e na vida política que permita que as transformações sociais reclamadas pelas forças progressistas possam, enfim, ganhar direito à cidadania. Mas não há como modificar a correlação de forças sem mover as nossas forças. É aqui que o medo de perder tira a vontade de ganhar.

A deliberação da bancada do PSOL de votar contra o arcabouço fiscal é um sinal de que há vida inteligente no planeta Brasil. Do mesmo modo, deve ser saudada a atitude corajosa e coerente das lideranças indígenas e ambientalistas, dentro e fora do governo, contra o desmonte das estruturas que, desde o interior do condomínio governamental, podem servir de suporte, por exemplo, às florestas e aos povos da floresta.

A luta está só começando. Os apressados já desistiram dela. Mas há esperança! Em relação a isso, só é preciso renunciar ao medo de perder. É a condição, não digo da vitória, sim da luta, e sem essa, seguramente, nunca houve, não há e nem haverá vitórias.

Por fim …

A dolorosa experiência dos últimos dias, e até mesmo das últimas horas, pode levar o sujeito social a abaixar-se diante do que parece inexorável. Nada mais equivocado! É preciso cuidar das feridas e se agarrar ao sentido mais profundo da canção popular: “Nada a temer senão o correr da luta/ Nada a fazer senão esquecer o medo”.

Isso é assim, sobretudo, porque não é possível vencer temendo perder.

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Texto publicado no Esquerda Online, replicado no Intelectual Orgânico e agora no blog Negro Nicolau).

Nicolau Neto defende obrigatoriedade de disciplina sobre História Afro-indígena em formação na EEM Patativa do Assaré

 

Nicolau Neto defende obrigatoriedade de disciplina sobre História Afro-indígena em formação na EEM Patativa do Assaré. (FOTO | EEM Patativa do Assaré).

Por Valéria Rodrigues, Colunista

A EEM Patativa do Assaré, localizada na Serra de Santana, zona rural do município de Assaré, realizou durante toda a manhã desta quinta-feira, 25 de maio, uma formação para parte do corpo docente. A formação - como explicou o diretor da instituição - o professor Flavio, visava refletir sobre os 20 anos da Lei 10.639/2003.

Queremos antecipadamente agradecer o professor Nicolau Neto por prontamente ter aceitado nosso convite para esse momento que será um conversa com nossos professores e professoras. O Estado escolheu esse ano a temática da cultura africana e afro-brasileira para seus eventos. Então, a gente trouxe o professor para dialogar sobre ‘os aspectos legais para trabalhar as relações étnico-raciais na educação’”, disse ele.

O momento foi aberto com a exibição de um vídeo produzido com os (as) estudantes da instituição durante a participação na fase escolar do evento Alunos que Inspiram que esse ao teve como tema “a cultura afro-brasileira e sua contribuição para uma educação antirracista”.

O professor Nicolau começou agradecendo o convite da escola e parabenizando-a por estar preocupada em refletir e traçar estratégias no combate ao racismo e, por tanto, em construir políticas pedagógicas que não só reconheça, mas valorize e propague os saberes do povo negro e indígena.

Nicolau destacou que seus objetivos com a conversa era analisar como os povos africanos e indígenas aparecem nos livros didáticos adotados e utilizados na EEM Patativa do Assaré, além de “refletir sobre a nossa prática do ensino” e indagou “onde aparece os saberes afro-indígenas no meu plano de curso”?

Analisar e refletir sobre o processo ensino-aprendizagem com base na relações étnico-raciais é uma necessidade urgente. Não há democracia plena onde o racismo ainda define lugares que pretos, pretas e indígenas devam ou não ocupar. Nesse sentido, a escola, como um dos mais importantes espaços de promoção e divulgação de saberes sistematizados, precisa assumir seu papel na construção de uma sociedade que respeita, valoriza e propaga os multisaberes, desarranjando toda forma de preconceito, discriminação e racismo. (Nicolau Neto durante a formação, 25/05/23).

Para corroborar com sua assertiva ele dialogou com uma fala do professor e artista plástico Abdias do Nascimento que em uma entrevista respondida por e-mail por sua esposa, Elisa, e subscrita por ele para O Inverso do Contraditório, destacou “o racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial”.

Segundo Nicolau, a fala de Abdias é atualizada a cada dia. Basta perceber o silenciamento em muitas instituições, inclusive nas escolas, quanto o assunto é o cumprimento das leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Ambas falam da obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e do ensino sobre História e Cultura indígenas no âmbito de todo o currículo escolar. “Há muita resistência”, pontuou Nicolau. “Quando muito se fala é em eventos esporádicos. Não há uma política educacional direcionada”, destacou.

Intelectuais como a filósofa Lélia Gonzales e o sociólogo Jessé Souza foram incorporados a fala de Nicolau para dizer que institucionalmente ainda estamos muito distantes de construir uma educação antirracista. De Lélia foi mencionado trechos do livro “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira (1984)” e de Jessé, o livro “Como o Racimo Criou o Brasil (2021)”.

Professor Nicolau Neto junto a professores e professoras da EEM Patativa do Assaré. (FOTO | EEM Patativa do Assaré).

A conversa foi regada a muitas intervenções e contribuições dos professores e professoras que entre outras reflexões mencionaram a questão da política de cotas raciais e da representatividade negra e indígena (a ausência, na verdade) nos espaços de poder.

Por fim, o professor Nicolau destacou diversos exemplos de como as leis mencionadas podem ser trabalhadas em sala e em todas as disciplinas e destacou que, apesar de esforços individuais e de algumas escolas, é preciso que se tenha uma modificação curricular. “Necessitamos de um currículo que seja de fato descolonizado. Que contemple os multisaberes que foram e continuam sendo apagados da história da educação brasileira” e defendeu a necessidade das disciplinas “História e Cultura afro-brasileira” e História e Cultura indígena” como obrigatórias e presenciais na educação básica.

Só assim para romper com as falas sobre a gente apenas em eventos esporádicos”, disse. “Mas enquanto isso não ocorre, o que eu enquanto professor e professora tenho feito? “Onde estão os saberes afro-indígenas no meu plano de curso”, indagou.

Nicolau citou além das duas leis mencionadas como marcos legais, a LDB/96 alterada, as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e o Projeto Político Pedagógico da Escola (PPP).

Portas, flores e molotovs

 

(FOTO | Reprodução).

Alexandre Lucas, Colunista

Parei. Os carros se cruzam, levando destinos. São sete horas. Sete horas e uma escadaria. A menina apressada desce os degraus, ainda lembra de recolher flores, no pé da calçada que não anda. Desaparece, entra pela porta azul, lá dentro tem várias salas, todas podem ser prisão com requintes de tortura, mas tem momentos de sonhos e de voo.

Prisioneira ou voadora, já não sei, apenas vi a menina passando apressada e carregada com algumas flores, nada mais sei.

Tudo está em movimento: os carros, a menina e eu me achando parada no tempo.  O horizonte é um redemoinho.

Ando. Os seios comprimidos pela censura. Vontade de picotar o sutiã e decretar a liberdade dos meus volumes. O salto alto me cansa, quero ter a altura das minhas utopias, mas o mercado sempre insiste com suas plataformas.

Anoto no caderno a lista de coisas que não se compra, mas parece que tudo está à venda: o terreno no céu, as bênçãos e a delicadeza da atendente da loja que usa o mesmo ritual para todas as clientes: o mesmo volume de sorrisos e as mesmas composições de palavras.

Agora sentada no pé da calçada que já não tem flores. Lembro-me da menina que não vejo sair pela porta azul e fico me perguntando se não existem outras portas.