22 de abril de 2023

22 de abril de 1500: o opressor ainda é glorificado

 

( Card |@desenhosdonando).

Por Nicolau Neto, editor

22 de abril de 1500. Esta é, como muitas outras datas históricas, cheia de significados. E como todo fato histórico, é preciso que o levemos para a sala de aula de forma que o resinifiquemos sem, no entanto, negá-lo.  Pois fato histórico é fato histórico.

O 22 de abril de 1500 ainda é tratado nos materiais didáticos pela visão dos vencedores, dos colonizadores. Por isso, a questão do "descobrimento" é tão presente. A ideia que predomina é a dos opressores e dos escravizadores.

A ressignificação do ensino passa necessariamente pela contestação desse modelo europeu que percebe o explorador como herói e que, portanto, há a necessidade de glorifica-lo em troca do apagamento da história dos oprimidos e escravizados. Falar desse processo histórico é colocar em pauta a luta e a resistência dos povos originários que já habitava esse território que depois recebeu o nome "Brasil".

Não houve "descobrimento". Ninguém descobre território onde já há pessoas ocupando. Onde já existem povos com relações sociais, culturais, religiosas e políticas estabelecidas. O que houve foi uma invasão de território e as consequências dessa invasão ainda hoje são sentidas. O que houve foi a destituição de territórios dos povos originários e ao mesmo tempo, a tentativa de aculturação e destruição dos modos de vida dos indígenas.

21 de abril de 2023

GRUNEC celebra 22 anos e relembra seu legado

 

Professor Nicolau Neto ao lado de Valéria e Verônica, duas das fundadoras do GRUNEC. (FOTO | Acervo Pessoal).


Por Nicolau Neto, editor

Neste sexta-feira, 21 de abril, o coletivo vanguarda na luta antirracista na região caririense celebra 22 anos. O Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) foi, sem dúvida, um dos pioneiros enquanto força coletiva na luta contra o racismo nesta região e em nota divulgada na rede social Instagram, conta que embora a data é formal, mas que a gestação é de meses antes.

Nessa longa trajetória de mais de duas décadas temos o orgulho de dizer que resistimos, multiplicamos, transformamos, lutamos, crescemos”, destaca trecho da nota que traz para o público mais jovem as mais diversas ações encampadas pelo grupo, como a edição do 1° jornal de imprensa negra do Cariri, intitulado "Afrocariri" e a “incidência em questões ligadas à educação, saúde, mulheres negras, convivência com o semiárido, juventudes negras, acolhimento e integração de imigrantes, cotas, segurança pública, cultura, entre muitas outras…”.

Foi frisado ainda as honrarias recebidas, como por exemplo, o “Prêmio Frei Tito de Alencar de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará e Comissão de Direitos Humanos e Cidadania”, o “ Prêmio Fórum Justiça de Direitos Humanos Maria Amélia Leite”, além da “Comenda de mérito defensorial da Defensoria Pública do Ceará, entre outros”.

Foram muitas realizações! E serão quantas mais forem necessárias e nossos braços conseguirem construir para continuar a transformar a realidade em que vivemos. Queremos Bem Viver! Vida longa ao GRUNEC. (Nota do GRUNEC).

Quando da passagem das duas décadas, o blog trouxe a cena um pequeno histórico da luta negra por direitos e pelo bem viver ancorado pelo GRUNEC.

Abaixo você confere:

O ano era 2001. Um grupo constituído por cerca de cinco pessoas se reuniram depois de uma aula de natação na garagem da casa de uma delas e passaram a dialogar sobre as mazelas que afligiam a sociedade brasileira e,  de forma mais especifica, aqueles grupos que sempre estiveram e ainda estão a margem – negros e negras.

Destes diálogos sobre desigualdades surgiu a ideia de transformar discursos individuais em ação coletiva e em luta organizada visando, sobretudo, promover a igualdade étnica/racial e a autoestima da população negra do cariri e difundir a consciência quanto a afrodescendência. O que caminha no sentido de valorizar a nossa história. Com esse ideal nascia o Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) que oficialmente (com registro) está com 19 anos, mas de atuação já possui duas décadas.

O GRUNEC se constituiu ao longo desses 20 anos como um coletivo que escolheu o caminho da luta, da resistência e da persistência ao trabalhar de forma comunitária e saindo da zona de conforto para visitar as comunidades de base, as comunidades tradicionais, como o povo indígena e os grupos remanescentes de quilombolas.

Enquanto entidade organizativa, de combate a toda forma de discriminação, preconceito e de racismo, tem atuado na proporção em que essas injustiças ocorrem. Como exemplo, seja tendo sua organização, colaboração ou idealização, pode-se citar a Caminhada contra a Intolerância Religiosa realizada anualmente em Juazeiro do Norte, a Marcha Regional de Mulheres Negras do Cariri que visa denunciar formas de discriminação, opressão e aniquilamento, além do Congresso Artefatos da Cultura Negra que em 2019 chegou a sua décima edição e que tem se consagrado como o maior evento de pesquisa sobre a população negra do país.

Nesta ambiência de atuação, não se pode esquecer também de um dos trabalhos mais colaborativos em que pese a educação voltada para as relações étnico-raciais: o Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri feito junto a Cáritas Diocesana de Crato – CE, tendo como resultado o  lançamento da “Cartilha  Caminhos, Mapeamento das Comunidades Negras e Quilombolas do Cariri Cearense”. Este trabalho contou com a participação de cerca de 25 comunidades. Seis delas se autoreconheceram remanescentes de quilombolas. Note-se ainda que comunidades como as de Arruda (Araripe), Sousa (Porteiras) e Serra dos Chagas (Salitre) já contam com certificado de remanescentes de quilombolas adquirido junto da Fundação Cultural Palmares.

Outras atuações colocam este coletivo negro como protagonista. Cita-se aqui a 1ª Audiência Pública Federal no ano de 2007, onde discutiram a implementação da Lei nº 10.639/03 ao reunirem representantes de 42 municípios da Região do Cariri, o 1º Seminário no Crato em 2005, para discutir a Igualdade Racial e a realização anualmente da Semana da Consciência Negra.

O Grunec reúne sem seus quadros professores e professoras universitários/as, docentes da educação básica, estudantes, pesquisadores/as, líderes religiosos/as e ativistas sociais, dentre outros e continua firme e forte, principalmente agora em tempos de cortes de direitos, legitimação desenfreada do racismo, do machismo e de ofensas sem barreiras a comunidades LGBTs. Por isso, os lemas mais apregoados do grupo são “Aquilombar é Preciso” e “Pelo Bem Viver”.

19 de abril de 2023

Dia dos Povos Indígenas: dia para celebrar e refletir

 

Rebeca Damasceno, estudante do 3º B da EEMTI Pe. Luís Filgueiras. (FOTO | Daniel Rodrigues).


No dia 19 de abril comemora-se no Brasil o “Dia dos Povos Indígenas”. Até o ano passado esta data era tradicionalmente conhecida como o “Dia do Índio”, mas a partir da Lei 14.402/2022 seu nome oficial foi modificado com o objetivo de dar relevância à diversidade das distintas e ricas culturas existentes entre os Povos Originários.

Não restam dúvidas de que a relevância do Dia dos Povos Indígenas se mostra mais premente do que nunca face à profunda tragédia experimentada pelo povo Yanomami em solo brasileiro. A situação do povo Yanomami ganhou a atenção da mídia mainstream, nos últimos meses, quando as imagens absolutamente chocantes da triste realidade vivida por essas pessoas passaram a ser maciçamente veiculadas em todos os telejornais do país.

Os dados1 que ilustram o que é considerado por muitos a maior crise humanitária ocorrida no Brasil no presente século expressa por si só a dimensão dessa tragédia. Entre 2019 e 2022, o aumento das mortes por desnutrição na população Yanonami foi de 331%. Apenas em 2022, mais de 70% desta população contraiu malária.

É evidente que esses acontecimentos tornam imperativo uma reflexão profunda e honesta acerca das causas e consequências das dificuldades que assolam continuamente a população indígena. Dentre elas, é possível destacar: racismo, violência física e simbólica, violação de direitos fundamentais, carência de acesso à saúde e insegurança alimentar.

Rebeca Damasceno. (FOTO | Daniel Rodrigues).

Vale ressaltar que a população indígena está longe de ser insignificante no âmbito da demografia nacional. Na realidade, há uma nítida tendência de crescimento do número de pessoas autodeclaradas indígenas, uma vez que desde o Censo Demográfico de 1991 a participação percentual dos indígenas na demografia brasileira tem crescido substancialmente.

No Censo de 2010 o número de pessoas autodeclaradas indígenas já era de 896.717, divididas entre 305 etnias com 274 idiomas. Por seu turno, os dados preliminares já veiculados no âmbito do Censo de 2022 indica uma elevação expressiva do número de pessoas autodeclaradas indígenas, de modo que esse número atualmente pode ultrapassar 1,6 milhão de pessoas.

O fato é que uma das principais justificativas presente no discurso de quem inadvertidamente intenta justificar, implícita ou explicitamente, a dolorosa e ultrajante realidade vivida pelos povos indígenas no país consiste em argumentar que a demarcação de terras indígenas implica fortes custos em termos de crescimento econômico e progresso técnico.

Não raramente, os mesmos defensores desse argumento ensaiam narrativas em que a população indígena aparece como “entrave” para o crescimento econômico nacional. Não restam dúvidas de que tal justificativa é peremptoriamente desmentida pelos fatos.

É uma total falácia que as mazelas experimentadas pelos indígenas advêm, diretamente, da falta de atividades econômicas em seus territórios. Na realidade, o que se observa é que os problemas sociais que assolam esse segmento populacional advêm de fatores como:

• Aumento recente do nível de desmatamento, sendo de 59,5% somente na Floresta Amazônica nos últimos quatro anos;

• Desarticulação dos órgãos ambientais fiscalizadores;

• Relaxamento das leis de proteção ambiental;

• Avanço avassalador das atividades extrativistas de madeiras e minérios, em especial, perpetradas por empresas clandestinas e grileiros ilegais;

Além disso, cumpre ressaltar que também é falso a assertiva de que exista uma dicotomia inescapável entre desenvolvimento econômico e a implementação de medidas, que visem a preservação do meio ambiente e do modo de vida dos Povos Originários com seu rico patrimônio étnico e cultural.

O falso antagonismo supracitado se mostra completamente dissonante da necessidade, apresentada pela economia brasileira, de estabelecer uma estratégia de desenvolvimento econômico pautado numa inserção mais qualificada no âmbito das chamadas cadeias globais de valor. Evidentemente, tal integração perpassa, sim, por avanços tecnológicos, mas também depende de um uso estratégico, racional e sustentável das riquezas naturais e biogenéticas existentes no território brasileiro.

Mais precisamente, um crescimento econômico mais sustentável no tempo exigirá um esforço governamental substantivo, no sentido de introduzir mais qualificadamente a economia brasileira nas cadeias globais de produção. Disso resulta a necessidade de se implementar uma estratégia que vise uma reindustrialização nacional combinada com o uso racional e sustentável das riquezas naturais nos processos produtivos de agregação de valor.

Portanto, o Dia dos Povos Indígenas é uma data que precisa ser forte e efusivamente celebrada, uma vez que comemora o seu incomensurável patrimônio cultural e simbólico, e do qual, vale lembrar, toda a sociedade brasileira é herdeira.

Contudo, é premente também utilizá-la para trazer à memória o tamanho da dívida histórica que o Brasil possui com esse segmento da sua população. Disso resulta a urgência de uma reflexão mais profunda sobre o modelo econômico e social de desenvolvimento adotados no país, uma vez que o modelo escolhido deve priorizar a preservação do seu patrimônio cultural e ser ambientalmente sustentável.

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Com informações do Notícia Preta.

18 de abril de 2023

Mais de 70% das cidades nao cumprem lei do ensino afro-brasileiro

 

Estudantes do 3° Ano B da EEMTI Pe. Luis Filgueiras, em Nova Olinda -CE, durante oficina sobre saberes afro-indígenas. (FOTO | Prof. Nicolau Neto).

Sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, conforme pesquisa divulgada nesta terça-feira (18), em Brasília, pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.  

O estudo ouviu, em 2022, gestores de 1.187 secretarias municipais de educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios, sobre o cumprimento da Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino para o combate ao racismo nas escolas há 20 anos.

Os municípios alegam como principais desafios para implementação da lei a ausência de apoio de outros entes governamentais e a falta de conhecimento de como aplicar a legislação. Há indicação do baixo engajamento ou a resistência de profissionais a esse tema. Temos algumas frentes que a gente pode incidir para implementação da lei”, explica a analista de políticas públicas do Instituto Alana, Beatriz Benedito.  

Para os institutos, os dados mostram a necessidade de compromisso político para a norma ser efetivada, como ocorre nos municípios com ações estruturadas, em que há, por exemplo, regulamentos locais, recursos no orçamento, presença de equipe técnica dedicada ao tema e planejamento anual das atividades.  

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Com informações da Agência Brasil e Alma Preta.

Historiador Boris Fausto morre aos 92 anos

 

Boris Fausto. (FOTO | Site de Memória da TV Câmara).

O campo historiográfico no Brasil perdeu um dos seus grandes nomes nesta terça-feira (18): faleceu em São Paulo, aos 92 anos, o historiador Boris Fausto. O professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo estava se recuperando de um acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu e junho de 2021. O velório será na Funeral Home, na região da Avenida Paulista, a partir de 8h de quarta-feira (19).

Nascido em São Paulo, no dia 8 de dezembro de 1930, Fausto cursou Direito na Universidade de São Paulo em 1953. Em seguida, em 1966, graduou-se em História pela mesma instituição e obteve seu doutorado em 1969. Ele atuou como professor no Departamento de Ciência Política da USP, fez parte da Academia Brasileira de Ciências, colaborou com diversas revistas acadêmicas e jornais de grande circulação, como a Folha de S.Paulo.

Fausto foi autor de inúmeros livros, dentre eles, “A Revolução de 1930: Historiografia e História”, seu maior sucesso historiográfico, e o didático “História do Brasil”, que fez muito sucesso entre professores e alunos de História do Ensino Básico. Outra obra sua muito popular foi o livro “O crime do restaurante chinês”, no qual ele recorre aos arquivos da história e da memória pessoal para narrar e analisar um dos acontecimentos policiais que mais mobilizaram a opinião pública paulistana. Sua narrativa repleta de detalhes e didática foi uma das chaves de sua popularidade. Ele conseguia alcançar não só os seus colegas acadêmicos, mas também o leitor comum.  

“Em memórias de um historiador de domingo”, Boris ensaia uma escrita autobiográfica, contando histórias sobre seu ofício e sobre sua família:

“Provenho de uma família de imigrantes, cujo esforço para manter-se e progredir na nova terra fora notável, mas que não poderia orientar nenhum de seus jovens descendentes na esfera profissional. Quem meteu uma colher no assunto foi o autodidata Jacques Rousselle — amigo preferido de meu pai, Simon —, apoiando minha escolha: “Borrizinho é muito papudo e deve mesmo virar advogado, mas advogado criminal; para comercial não serve”. Meu pai tratou de conversar com os conhecidos do mundo dos negócios cafeeiros, tentando recolher opiniões sobre a carreira de seu filho, que eles mal conheciam. Tive uma conversa irritante com um senhor húngaro — o dr. Biro —, homem
de boas maneiras, mas peremptório, que mal ouviu as minhas razões e sentenciou numa frase tão telegráfica quanto definitiva: “Direito non, engenheiro técnico, sim, Suíça”.

Ao Café História, o historiador Daniel Carvalho, professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília, lamentou a morte de Fausto. “Para uma geração inteira de professores, a Historia do Brasil de Boris Fausto foi uma das principais referências didáticas na dura hora de buscarmos materiais para preparar aulas.”

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Com informações do Café História.

16 de abril de 2023

Povos indígenas do Ceará são representados por mais de 14 etnias

 

Movimento Indígena no Ceará sofreu um apagamento histórico e ainda sofrem com a regulação fundiária de suas terras. (Foto: Reprodução). 

A expansão colonialista portuguesa na região Nordeste do Brasil foi um processo sangrento de intensos confrontos entre os invasores portugueses e os diversos povos indígenas que habitavam essa região. Esses conflitos ficaram conhecidos como a Guerra dos Bárbaros, um dos episódios mais violentos de nossa história, como também um dos mais longos, ocorrido de 1651 até 1704. Os interesses dos portugueses na região Nordeste se davam devido à ânsia por conseguir mais terras para as fazendas de gado. A expansão da pecuária foi dificultada devido à resistência dos povos indígenas.

A “solução” encontrada pelos invasores foi um verdadeiro genocídio, iniciado a partir de 1651, com um processo de extermínio da população nativa para “limpar” as terras para a expansão da pecuária, o que resultou na dizimação e na desestruturação de vários povos dessa região.

Porém, a história não acaba aqui. Os indígenas que sobreviveram ao genocídio permanecem firmes e fortes na luta por seus direitos, por suas terras e contra o massacre que, infelizmente, não é apenas um episódio do passado, mas algo que continua ocorrendo nos dias atuais.

No Estado do Ceará são 14 etnias dos povos indígenas, espalhados por 18 municípios. São os povos Anacé, Gavião, Jenipapo-Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tapeba, Tabajara, Tapuia-Kariri, Tremembé, Tubiba-Tapuia e Tupinambá. Eles vivem ao pé da serra, na Região Metropolitana de Fortaleza, e no Sertão. Continuam celebrando a memória dos seus antepassados, educando as crianças por meio de escolas indígenas, organizando-se enquanto etnias sobreviventes e resistindo contra os massacres dos seus povos.

Os indígenas do Ceará vivem uma dura realidade. O cacique Climério, 22 anos, da etnia Anacé, afirma que a maior dificuldade é a regulação fundiária, pois seu território fica às margens das grandes praias e, devido a isso, a especulação imobiliária é muito grande. “Lutamos contra o ramo hoteleiro, o desmatamento, o turismo desenfreado dentro do nosso território por parte das grandes empresas e a maior parte dessas dificuldades vêm por conta do próprio Estado.

O movimento indígena tem adotado várias medidas de resistência, as retomadas de terra, acessar a Defensoria Pública, o Ministério Público, e fazendo o enfrentamento jurídico porque a gente sabe que no governo fascista o enfrentamento corpo a corpo se torna muito pesado. Nosso povo já foi muito massacrado e, por isso, está iniciando a campanha do Acampamento Terra Livre, que é a maior instância de representatividade dos povos indígenas no Brasil, no qual a gente vai traçar estratégias de como nos organizarmos para esse enfrentamento, finaliza.

Essa realidade não é diferente de Isaías, um jovem Jenipapo-Kanindé, de 18 anos. “A nossa dificuldade maior é a nossa resistência. No mundo atual, nós indígenas precisamos falar para nossa própria sobrevivência. Anos atrás, para sobrevivermos tivemos que calar nossa voz, mas agora, para sobrevivermos, precisamos mostrar pro mundo que nós somos indígenas, mesmo com as nossas diferenças: não somos iguais aos índios da Amazônia, mas também enfrentamos nossas próprias dificuldades, como o preconceito das pessoas que têm uma visão estereotipada dos povos indígenas, que quando veem um índio com celular falam ‘é português aquele índio?’. Nós temos que nos adaptar ao mundo atual até para poder enfrentar melhor essa luta pela demarcação das nossas terras. Nós somos guerreiros por nos identificarmos e queremos mostrar para a população do Ceará e do Brasil que ainda que tem índio e que os índios resistem”, declara Isaías.

A batalha continua e a luta dos povos indígenas representa também a luta contra o latifúndio, contra as grandes empresas capitalistas, contra a propriedade privada.

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Texto de Claudiane Lopes e Haroldo Neto, originalmente com o título “A luta dos povos indígenas no Ceará” no A Verdade.


15 de abril de 2023

Amílcar Cabral e Frantz Fanon inspiraram o pensamento de Paulo Freire

 

Frants Fanon e Amilcar Cabral, respectivamente. (FOTO | Reprodução | Montagem | blog Negro Nicolau).

Paulo Freire (1921-1997) é original e inovador e sua obra é amplamente reconhecida pelo mundo. Seu livro “Pedagogia do Oprimido” é considerado uma referência global e o terceiro texto mais citado nas Ciências Humanas. A intelectual e ativista norte-americana bell hooks, inclusive, atribui à obra a fagulha inicial de sua longa e frutífera carreira, como conta em “Ensinando a Transgredir”. Mas, como todos os grandes pensadores e pensadoras, o Patrono da Educação Brasileira não construiu suas teorias e práticas sozinho. Entre os que sustentam os pilares da obra freiriana, os pensadores Amílcar Cabral e Frantz Fanon ocupam um lugar central.

É difícil classificar Paulo Freire em uma corrente teórica porque ele usa muitas referências, quase sempre buscando a teoria para explicar a prática. Amílcar Cabral e Frantz Fanon, por exemplo, ofereceram a ele um método de interpretação da realidade para compreender a questão do colonialismo e o pensamento anticolonial”, explica Sérgio Haddad, doutor em História e Filosofia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP), um dos fundadores da Ação Educativa e autor da obra O Educador: um perfil de Paulo Freire.

 Amílcar Cabral, o pedagogo da revolução

Amílcar Cabral (1924-1973) nasceu em Guiné-Bissau, uma das colônias africanas de Portugal, e foi o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Para ele, a libertação das colônias dependia mais da educação e de uma revolução cultural do que de uma luta armada, porque pouco adiantaria uma independência política se a cultura do dominador continuasse a ser reproduzida e admirada no lugar da valorização da cultura própria.

Toda a educação portuguesa deprecia a cultura e a civilização do africano. As línguas africanas estão proibidas nas escolas. O homem branco é sempre apresentado como um ser superior e o africano como um ser inferior. Os conquistadores coloniais são descritos como santos e heróis. As crianças adquirem um complexo de inferioridade ao entrarem na escola primária. Aprendem a temer o homem branco e a ter vergonha de serem africanos”, diz Cabral em “Unidade e Luta, a Arma da Teoria” (1978).

Poucos meses antes da libertação pela qual dedicou sua vida, Cabral foi assassinado por fascistas portugueses. Pela importância que Cabral dava à Educação e à formação humana, a Comissão de Educação da Guiné-Bissau recém-libertada decidiu convidar especialistas em abordagens decoloniais da Educação – entre eles, Paulo Freire – para desenvolver seu sistema educacional.

Você sabe a diferença entre descolonial e decolonial? O primeiro termo refere-se à libertação de nações que ainda estão sob domínio de outras, enquanto o segundo diz respeito aos países que já foram colônia um dia, mas não são mais, como é o caso do Brasil.

A missão do educador brasileiro era ajudar a criar um novo currículo que re-africanizasse a população. Uma escola com sentido para aquelas pessoas e que valorizasse a identidade local, retomando sua história, cultura e línguas, a partir do ponto de vista próprio, não mais do colonizador. Para Freire, isso tornaria as pessoas mais críticas e protagonistas, algo crucial após serem sujeitadas à passividade e subjugação de uma doutrinação colonial.

No Brasil, as pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral se debruçaram sobre a interlocução entre Freire e Cabral, que nunca chegaram a se conhecer pessoalmente. Freire entrevistou várias pessoas próximas a Cabral para compreender melhor seu pensamento e expressou em todas essas conversas enorme pesar por não tê-lo conhecido em vida. A análise dessas entrevistas, feita pelas pesquisadoras, foi publicada no artigo A prática educativa de Amílcar Cabral no processo de descolonização: diálogos de Freire em África, na Revista de Educação Popular (2021).

Freire chamava Cabral de Pedagogo da Revolução por ele ter começado a revolução por meio da pedagogia, ao montar centros de estudos e crer que a cultura, enquanto um ato político, liberta”, conta Slaine.

Vale a pena ouvir! As pesquisadoras Ana Paula Cavalcanti e Slaine Senra Mattos do Amaral produzem um podcast dedicado a explorar a vida e obra de Paulo Freire.

Durante seu trabalho em Guiné-Bissau, Freire personalizou todo o processo de alfabetização ao contexto sociocultural do país, inclusive linguístico, e trazia não apenas conteúdos técnicos e científicos, mas também debates e reflexões sobre a sociopolítica do país.

Freire insistia que as línguas nativas eram as que representavam ideologicamente ou simbolicamente as culturas daqueles países, o que contribuiria para a valorização da cultura que foi oprimida e para a construção de um pensamento próprio das comunidades negras”, afirma Sérgio.

A influência do revolucionário africano também é bastante evidente em obras de Paulo Freire como “Pedagogia da Esperança”, “Pedagogia da Tolerância”, “África Ensinando a Gente” e “Cartas a Guiné-Bissau”, e no pensamento comum a ambos de que “ninguém liberta ninguém”.

Cabral se utilizou do conhecimento científico do colonizador – formou-se em engenharia em Lisboa – e voltou para a colônia a fim de lutar pela libertação de seu povo. Ele chamou a isso de suicídio de classe, algo que também aparece em Frantz Fanon quando ele fala sobre a inveja do colonizador, e que significa abrir mão de uma posição de intelectualidade supostamente superior para atuar em conjunto e a serviço do povo. Em Freire, é a noção de que o professor não está acima dos estudantes e que tanto a educação quanto a libertação acontecem em comunhão”, explica Ana Paula Cavalcanti.

Frantz Fanon e o ponto de vista dos excluídos

Frantz Fanon (1925-1961), outra grande influência para Paulo Freire, foi um psiquiatra, filósofo e militante político da Frente de Libertação Nacional da Argélia, que analisou a colonização francesa em terras martinicanas, seu país de origem, a violência em processos de colonização e descolonização, bem como o lugar do negro frente aos brancos e aos embates coloniais.

Fanon foi pioneiro em analisar as deformações psicológicas que decorrem da opressão colonial. Durante a Guerra de Independência da França na Argélia, em que o filósofo teve um papel ativo, destacou a importância da “consciência de si” e de “seu lugar no mundo” para os argelinos.

Embora Freire também não o tenha conhecido pessoalmente, há estreito diálogo com suas produções, tanto que antes de publicar “Pedagogia do Oprimido”, lê “Os Condenados da Terra”, de Fanon, e decide revisar todo seu livro.

Ambos estavam atentos aos impactos coloniais, que de acordo com Freire afetam a substantividade do ser humano. Ambos criaram condições para transformar a sociedade, cada um com uma estratégia, mas ambos por meio de uma transformação revolucionária”, pontua Vivian Valério Dias, pesquisadora e membro do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Sintetizando seu pensamento e a influência de Fanon, em “Pedagogia da Autonomia” Freire enuncia: “o meu ponto de vista é o dos “Condenados da Terra”, o dos excluídos […] A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia. Quão longe dela nos achamos quando vivemos a impunidade dos que matam meninos nas ruas, dos  que assassinam camponeses que lutam por seus direitos, dos que discriminam os negros, dos que inferiorizam as mulheres […]. A mim me dá pena e não raiva, quando vejo a arrogância com que a branquitude de sociedades em que se faz isso, em que se queimam igrejas de negros, se apresenta ao mundo como pedagoga da democracia”.

A atualidade da Freire, Cabral e Fanon para o Brasil

A pedagogia de Paulo Freire nunca chegou a ser amplamente implementada no Brasil. Após a experiência do educador de alfabetizar jovens e adultos em menos de 40 horas, em Angicos (RN), Freire deixou o país em 1964 para fugir de perseguições do período de ditadura militar no país e só retornou em 1979. Até hoje, são algumas escolas, educadores e educadoras que seguem reverberando o pensamento freiriano em todas as suas práticas, e ainda há espaço para avançar em sua implementação efetiva nas redes escolares, sobretudo a perspectiva decolonial.

São séculos de submissão a uma cultura branca, europeia, que tem um modo de pensar o currículo que acaba reproduzindo as relações entre as pessoas, também de gênero e de raça, até hoje. Um pensamento decolonial traz outra perspectiva, um outro lugar de fala em que os ancestrais, sua cultura e seus símbolos, são trazidos à tona e valorizados”, diz Sérgio.

Retomando Darcy Ribeiro, antropólogo, sociólogo e ex-ministro da Educação do Brasil, Ana Paula destaca que uma educação libertadora não interessa à elite brasileira, composta majoritariamente por descendentes de colonizadores que atualizam os mecanismos da colonialidade para o presente, mantendo-se em espaços de privilégio.

Ainda prevalece no Brasil uma mentalidade altamente colonizada, presa ao desejo de servir e de ter o que o colonizador tem, porque seria supostamente melhor do que o que há no Brasil. Essa postura se estende da Europa aos Estados Unidos, reproduzindo a cultura, o mito da meritocracia e amor pelo opressor, que nesse caso não aparece na figura do colonizador, mas do empresário. Precisamos de uma educação libertadora não só por essas questões, mas porque quando uma educação não é libertadora, o desejo do oprimido é se tornar opressor”, sintetiza Ana Paula citando Paulo Freire.

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Texto de Ingrid Matuoka, originalmente em Educação Integral.

14 de abril de 2023

Netflix revela primeiras imagens de ‘Cleópatra’, nova série documental sobre a rainha do Egito

 

'Rainha Cleópatra'. (FOTO | Divulgação | Netflix).

Nesta tarde de quarta-feira (12), a Netflix divulgou imagens e novos detalhes sobre a série documental ‘Queen Cleópatra’, ou ‘Rainha Cleópatra’ em tradução livre. Com produção executiva de Jada Pinkett-Smith, 51, a nova obra chega após o lançamento de ‘Rainhas Africanas: Njinga’, que apresentou a história da governante guerreira do Reino do Dongo.

A nova temporada, focada na Rainha do Egito, tem estreia marcada para o dia 10 de maio. “A mulher mais famosa, poderosa e incompreendida do mundo – uma rainha ousada cuja beleza e romances passaram a ofuscar seu verdadeiro trunfo: seu intelecto. A herança de Cleópatra tem sido objeto de muitos debates acadêmicos, muitas vezes ignorados por Hollywood. Agora nossa série reavalia esta parte fascinante de sua história“, destacou a sinopse oficial.

Em nota oficial, Jada Pinkett-Smith explicou que a intenção da série é apresentar a verdade sobre as rainhas negras para o mundo. “Não costumamos ver ou ouvir histórias sobre rainhas negras, e isso foi muito importante para mim, assim como para minha filha, e apenas para minha comunidade poder conhecer essas histórias, porque existem muitas! Cleópatra é uma rainha que muitos conhecem, mas não em sua verdade“, destacou Jada. “Ela foi exibida como abertamente sexual, excessiva e corrupta, mas ela era uma estrategista, um intelecto, uma força dominante da natureza, que lutou para proteger seu reino. . e sua herança é altamente debatida. Esta temporada vai mergulhar mais fundo em sua história e reavaliar esta parte fascinante de sua história”.

Em março de 2023, numa entrevista exclusiva para o MUNDO NEGRO, a roteirista de ‘Rainhas Africanas’, Peres Owino, revelou detalhes sobre a nova produção inspirada em Cleópatra. “Sempre quisemos fazer algo para celebrar nossos ancestrais, então tivemos essa ideia de colocar todas essas figuras juntas“, contou Peres. “A temporada 2 será sobre Cleópatra. Estamos criando histórias sobre nós mesmos, com pesquisadores de todos os lugares. Pesquisamos quem encontrou o material, quem está contando a história. Você quer contar a verdade e também contar o que a verdade foi. Queremos mostrar o que realmente somos enquanto africanos”, destacou ela.

A segunda temporada está chegando. Geopoliticamente fomos divididos ao meio. Todos nós sabemos as fronteiras da África, sabemos o que a África é. O Egito é nosso. Se você está na África, governando um local africano, você é uma rainha africana. Estamos recuperando nossa herança, porque existe uma tentativa de colocar o Egito fora da África. Muitas pessoas pensam que não tem como um reino africano ter criado um império como esse. Então para nós, é tudo nosso”, pontuou Peres.

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Com informações do Mundo Negro.