27 de agosto de 2021

Mostra ‘Insurreição!’ exibe gratuitamente 13 filmes sobre biografias de resistências negras

 

(FOTO/ Nicho 54).

A mostra de filmes ‘Insurreição!’ do Nicho 54, que acontece entre os dias 27 de agosto a 5 de setembro, promove um espaço de valorização dos negros no audiovisual, através da exibição online de 13 filmes sobre biografias de resistência negra. O público terá acesso gratuito da Sala 54. A iniciativa conta com uma pluralidade de curtas e longa-metragens nacionais e internacionais, três deles exibidos pela primeira vez no Brasil.

O Instituto Nicho 54, nasceu em novembro de 2019, e se estruturou em três pilares, que são curadoria, formação e mercado. A assinatura brasileira ‘Insurreição!’ contará com produções de horror, comédia e obras experimentais que buscam a reflexão do público para temas como processos coloniais, resistência à escravização e formação da sociedade brasileira.

“Essa estrutura se deve à importância de uma atuação que trouxesse os diferentes agentes da indústria do cinema, porque sentíamos que ao termos discussões sobre audiovisual e racialidade no Brasil, do ponto de vista de alteração de uma realidade de desigualdade, os debates tendiam a ficar concentrados em um lugar específico”, reflete Heitor Augusto, programador-chefe do Nicho 54 e curador da mostra.

Exibição

Destaque para a estreia brasileira de 'Nationtime' de William Greaves, um dos principais documentaristas negros estadunidense e autor de mais de 100 produções do gênero documental que versam sobre história, política e cultura afro-americana. Após ter ficado perdido por um longo período e ter sido encontrado em um galpão em Pittsburgh em 2018, o documentário, lançado em 1972, ganha exibição em versão restaurada na mostra em sessão autorizada por Louise Greaves, viúva e parceira cinematográfica do diretor.

O festival também fará exibição inédita no país da produção 'Pátria' (Zahlvaterschaft), do cineasta alemão Moritz Siebert, que retrata a luta de um homem em busca da cidadania alemã há mais de 30 anos, desvelando facetas do sistema colonial. O filme integrou a seção Forum Expanded, do Festival de Berlim deste ano.

Outra atração internacional é 'Panteras Negras: vanguarda da revolução' (The Black Panthers: Vanguard of the Revolution), único documentário em longa-metragem a explorar a importância do Partido dos Panteras Negras para a vida cultural e política dos Estados Unidos. O filme traz uma grande quantidade de entrevistas tanto com ex-lideranças quanto com anônimos, além de endereçar as contradições e complexidades do partido.

Já 'As pretas contra-atacam' (Chocolate Babies), de Stephen Winter, apoia-se na sátira social para acompanhar um grupo de gays, lésbicas e travestis que lutam contra políticos conservadores homofóbicos nas ruas de Nova Iorque. A sessão em ‘Insurreição!’ celebra os 25 anos da primeira exibição deste filme no OutFest, festival voltado à representação das pessoas LGBTQIA+.

Outro destaque fica para 'As Aventuras Amorosas de um Padeiro', dirigida por Waldyr Onofre - apenas a quarta pessoa negra brasileira a dirigir um longa-metragem -. O filme apresenta uma fábula controversa sobre luta de classes e relacionamento interracial no Brasil dos anos 1970.

Curadoria

“Quando pensamos em resistência negra, qual forma ela toma? Com quais corpos a associamos? A nossa abordagem curatorial em ‘Insurreição!’ convida o público a repensar pré-concepções e ir além da imagem do homem negro como símbolo único da militância. Priorizamos um entendimento amplo de luta negra, trazendo para destaque também os corpos dissidentes que constroem espaços divergentes da cisheteronormatividade”, afirma o curador do Nicho 54. 

‘Insurreição!’ É a segunda mostra promovida pelo Eixo Curatorial do NICHO 54 neste ano. A primeira delas foi a 'América Negra: Conversas Entre as Negritudes Latino-americanas', que exibiu 35 filmes, produzidos em 10 países diferentes, entre os dias 04 e 13 de junho. Contando com grande audiência internacional, a evento foi acompanhdo em mais de 20 países, entre eles Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Equador e México.

“Entendemos a curadoria como esse espaço para a construção de pertencimento para os espectadores negros e negras, bem como um espaço para uma representação complexa das nossas vivências. A nova mostra do NICHO 54 representa a consolidação dessa visão curatorial racializada”, acrescenta Augusto. 

Captação de recursos

O programador-chefe contou a Alma Preta Jornalismo, durante o evento de coletiva de imprensa da mostra ‘Insurreição!’, quais foram as estratégias de captação de recursos utilizadas pelo Instituto para construção desse espaço de valorização do cinema negro:

“O Nicho 54 utiliza uma estratégia múltipla de captação. Um eixo muito importante da nossa captação é encontrar parceiros e financiadores. Sabemos que no Brasil o contexto está cada vez mais hostil e, além disso, temos observado nos últimos anos um profundo sucateamento das instituições fomentadoras. Então parte da nossa estratégia está em interlocução com agentes fora do Brasil”, pontua Augusto.

As duas mostras organizadas pelo Nicho 54 foram projetos financiados pela Open Society Foundations, fundação criada por George Soros, que contribui para a construção de democracia ao redor do mundo ao se aproximar das pautas dos Direitos Humanos. Segundo o curador, o recurso possibilita a construção das mostras, cursos, atividades de mobilização, catálogos e materiais de apoio para replicação em contextos educacionais.

“Parte da nossa estratégia está em interlocução com agentes fora do Brasil. Isso não é só uma necessidade, mas também uma vocação. Por conta das nossas trajetórias, o Nicho 54 nasce internacional. E a diáspora é um potencial interminável, as questões negras no Brasil são particulares e universais”, completa.

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Com informações do Alma Preta.

26 de agosto de 2021

Filme ‘Candyman’ estreia nos cinemas: “uma alegoria do racismo na América”, diz roteirista

Foto/ Divulgação/ Universal).

A ‘Lenda de Candyman’, nova adaptação do conto de Clive Barker, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (26). O filme de terror, que conta com a direção de Nia DaCosta e roteiro de Jordan Peele - dos filmes ‘Corra!’ (2017) e ‘Nós’ (2019) - traz uma profunda crítica racial ao lançar luz sobre temas como gentrificação, violência policial e protagonismo negro.

“Candyman é, em essência, uma alegoria do racismo na América”, diz Peele. “Com este filme, Nia explorou a corrida em muitos níveis, desde o desconfortável até o totalmente devastador. Com Candyman, Nia reuniu o horror sobre a violência racial neste país”, completa o roteirista.

A lenda urbana do assassino de casaco, com gancho no lugar da mão direita, que aparece sempre que se repete cinco vezes seu nome diante de um espelho, foi originalmente personificada pelo ator Tony Todd no filme de 1992 e depois em duas continuações, ‘Candyman: Farewell to the Flesh’ (1995) e ‘Candyman: Day of the Dead’ (1999). Quem faz o antagonista na nova versão é Yahya Abdul-Mateen II.

O novo ‘Candyman’ é ambientado na mesma vizinhança que o filme original, o bairro Cabrini-Green, que agora é uma zona altamente urbanizada de Chicago. Nos dias atuais, o artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) e sua parceira, a diretora de galeria Brianna Cartwrigh (Teyonah Parris), mudam para um condomínio de luxo na região, originalmente negra, que agora está enobrecida e habitada por jovens em ascensão.

“A história de Cabrini-Green ainda não acabou. Porque agora tem uma história sobre uma comunidade que desapareceu daquele local, e queremos falar sobre o que foi deixado para trás. Então, a gentrificação tem uma grande importância na narrativa”, explica a diretora Nia DaCosta.

Origem

A lenda de Candyman girava em torno de um filho de escravo que se tornou próspero depois de desenvolver um sistema para fabricar sapatos em massa durante a Guerra Civil nos EUA. Ele também se tornou conhecido como artista por seu talento como pintor de retratos.

A história conta que o personagem foi morto em um lichamento após se envolver e engravidar uma mulher branca. Ele foi espancado e lambuzado de mel para que as abelhas o picassem. Para que não pudesse mais pintar, sua mão foi decepada e substituída por um gancho.

Seu cadáver também foi queimado e suas cinzas foram espalhadas pela área de Chicago, onde seu espírito vingativo aparece quando seu nome é dito cinco vezes no espelho.

O Candyman de 1992 foi um marco na história do gênero de terror. Pela primeira vez, um grande filme de terror americano lançou um homem negro como personagem titular e principal antagonista.

“Aquele filme me pareceu um filme negro. Um filme para mim. Então, eu queria fazer um filme que olhasse para essa história de fantasmas de uma perspectiva negra”, diz Peele.

O novo filme

No longa de 1992, um menino, Anthony McCoy, é sequestrado por Candyman. Já na sequência de Nia DaCosta, ambientado cerca de 30 anos depois, Anthony é o personagem central, que cresceu sem nenhuma memória deste incidente da infância. O personagem, então, começa a explorar os detalhes dessa história em seu trabalho artístico e acaba abrindo uma porta para o passado, que desencadeia uma onda de violência.

Ao retratar a brutalidade policial de forma implacável como um enxame de abelhas, o filme de Nia DaCosta busca personificar em Candyman incontáveis ​​homens negros vítimas da violência racista. 

“Candyman é sobre a morte negra causada pela violência branca”, diz a diretora. “Quando as pessoas ouvem a palavra 'linchamento', pode parecer que é de outra época, do passado. O que este filme está dizendo é que, na verdade, não é coisa do passado. Está acontecendo agora”, conclui.

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Com informações do Alma Preta.

25 de agosto de 2021

Newton Duarte faz abertura da Mostra do Brincar nesta quinta-feira

(FOTO/ Reprodução).


Referências nacionais da Pedagogia Histórico-Critica e da Psicologia Histórico-Cultural, como é o de Newton Duarte e Zoia Prestes farão parte da programação da IV edição da Mostra do Brincar realizada pelo Coletivo Camaradas, nos dias 26 e 27 de agosto. Esse ano a Mostra continuará sendo realizada em formato virtual. Newton Duarte é autor de livros, capítulos de livros e artigos, publicados no Brasil e no exterior. Entre seus trabalhos destacam-se os livros: Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das Ilusões? (2003); Vigotski e o Aprender a Aprender (2011, 5ª ed); A Individualidade Para Si (2013, 3ª ed.); Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos (2021, 2ª ed); Conhecimento Escolar e Luta de Classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie (2021) em coautoria com Dermeval Saviani. Zoia Prestes desenvolve pesquisas na área de Educação, Psicologia e Desenvolvimento da criança com base na teoria histórico-cultural, tradutora do russo para o português, publicou o Livro Imaginação e Criação na Infância de Lev Vigotski, juntamente com Elizabeth Tunes. Zoia é fiha de Luiz Carlos Prestes e de Maria Prestes, viveu exilada, durante a ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964, com seus pais na União Soviética, foi em Moscou que fez sua graduação e mestrado em Pedagogia e Psicologia Pré-Escolar pela Universidade Estatal de Pedagogia de Moscou.  

Com o tema “O brincar na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural”, o evento visa promover o debate com os educadores, estudantes e pais, a partir do olhar do teórico marxista Lev Vigotski. Importante teórico que aborda sobre o brincar, desenvolvimento e a formação humana de caráter emancipacionista. O evento, tem como público alvo os professores da rede básica de ensino, estudantes das áreas afins, cuidadores e responsáveis por crianças. 

A edição de 2020 teve como tema “O brincar e o direito à cidade”. 

Esse ano, a mostra contará com duas conferencias: dia 26 de agosto, às 15h, Psicologia histórico-cultural e pedagogia histórico-crítica em tempos de barbárie, com professor Newton Duarte e mediação da professora Marteana Ferreira de Lima; no dia 27, às 15h, L. S. Vigotski e o papel da brincadeira para o desenvolvimento infantil, com a professora Zoia Prestes e mediação da professora Rebeca Baia.  

Serão produzidos vídeos curtos com falas de pedagogos sobre o brincar, além de vídeos com contação de histórias do Coletivo Narradores Cariri que deverão circular entre pais e educadores da rede ensino da região da Metropolitana do Cariri. 

A Mostra era realizada no Território Criativo do Gesso e contava com oficinas e brincadeiras que envolviam as crianças da comunidade. Desde de 2020, devido a situação da Pandemia, o evento tem se dado de forma virtual.    

O evento faz parte das ações do projeto Território Criativo do Gesso, aprovado no edital de Prêmio Fomento Arte e Cultura do Ceará, da Secult/CE, através da Lei Aldir Blanc.

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Texto encaminhado ao Blog por Alexandre Lucas.

24 de agosto de 2021

Rede da Legalidade: 1961, quando o povo venceu

 

Em 1961, resistência popular impulsionada por Leonel Brizola barrou golpe desencadeado por renúncia de Jânio Quadros. (FOTO/ Museu da Comunicação Hipólito José da Costa).

A Terra é Redonda – Será que o povo existe? Será que ele é como o monstro do Loch Ness, na Escócia, que quanto mais se deixa vislumbrar em fotos fugidias, mais se levantam as dúvidas sobre sua existência? Dizem as constituições que o povo é soberano e que os poderes serão exercidos em seu nome, mas a gente sabe que isto é uma quimera. As esquerdas, em geral, não gostam do termo “o povo”, vendo nele uma artimanha das classes dominantes para manter o jugo sobre as classes subalternas. Mas as esquerdas, em geral, também não gostam das palavras “nação” e “nacionalismo”. No entanto, elas existem, e mobilizam. Claro, podem mobilizar à direita, com xenofobia e outros preconceitos. Mas também podem mobilizar à esquerda, junto com a luta anti-imperialista.

São palavras que podem mudar de sentido, conforme a latitude e a longitude em que estejam. Na Europa, em 90% dos casos, “nacionalismo” aparece nos discursos da direita, com “xenofobia” e “autoritarismo” em conexão. Porém, ao cruzar o Atlântico, a palavra foi mudando de cor, se avermelhando, até florir na América Latina junto com as lutas de libertação contra o jugo colonial e imperialista.

Aqui e ali, o Povo, de fato, se deixa vislumbrar, num alumbramento, para quem o viu e ouviu. Um destes momentos foi o do final de agosto de 1961, sessenta anos atrás. Eu tinha 14 anos e meio. Um belo dia, 25 de agosto, como um raio em céu de brigadeiro, estourou a notícia: o presidente Jânio Quadros renunciara.

Auto-golpe

Por que ele fez aquele gesto? Para dar um auto-golpe, dizem uns, esperando que o Povo aparecesse e o reconduzisse ao poder com poderes excepcionais, descartando a Constituição Federal. Mais ou menos como o atual usurpador do Palácio do Planalto quer fazer, sem recorrer a renúncia. Há uma diferença entre ambos: Jânio queria mesmo que o Povo, assim com maiúscula, o reconduzisse. Já a usurpador de hoje, cada vez mais acuado, espera que o “seu povo” o reconduza, essa arraia miúda composta pela soldadesca, oficiais de ou sem pijama, por milicianos, bandidos, motoqueiros da segunda e da terceira idade, a escória empresarial, os ruralistas e caminhoneiros de cabeça quente e arma debaixo do casaco, a lumpen-burguesia, os negociantes dos templos em nome de Jesus, a ralé, a escória e quejandos. A ver.

Mas há também quem diga que Jânio renunciou porque faltou alguém que o trancasse no banheiro. Provavelmente ambas as versões têm sua dose ou ponta de razão. Hoje se sabe que Jânio padecia de momentos de profunda depressão. Sobretudo a partir de quinta ou sexta-feira à tarde, quando todo o mundo político saía de Brasília, até segunda ou terça-feira, quando o mesmo mundo voltava. O presidente tinha de ficar em Brasília, sozinho. Há relatos pungentes – não confirmados, também como o monstro do Loch Ness – de que o presidente, nas noites de sexta-feira e sábado, sentava-se na sala de cinema do Palácio do Planalto com uma garrafa de uísque ao lado e ficava assistindo um faroeste até que ambos – o filme e a garrafa – terminassem. Vá se saber.

 

O inesperado aconteceu

O fato que se sabe é que, para provável surpresa do presidente, o Congresso Nacional aceitou a renúncia. E outro fato que se sabe é que os ministros militares – Odylio Denys, da Guerra (hoje se diz do Exército), Grum Moss (da Aeronáutica) e Silvio Heck (da Marinha) – vetaram a posse do vice João Goulart, que se encontrava em viagem à China, a mando do presidente Jânio Quadros.

Para muitos isto corrobora a hipótese da auto-conspiração janista: que no momento da renúncia o vice se encontrasse num país comunista, o que aumentaria a suspeita de que ele quisesse instaurar um regime revolucionário e sindicalista. Logo Jango!, sempre hesitante, timorato e conciliador.

Entretanto, o inesperado aconteceu. O governador Leonel Brizola não aceitou o golpe, mobilizou a Brigada Militar (a PM do Rio Grande do Sul), entrincheirou-se no Palácio Piratini, sede do governo estadual, requisitou a rádio Guaíba e deu começo àquilo que entraria para a História como o Movimento e a Rede da Legalidade.

Insatisfeitos com a pregação do governador, os ministros militares deram ordem para que ele se calasse. Consta que o general Costa e Silva telefonou para ele, exigindo que interrompesse as emissões radiofônicas da Rede da Legalidade. “Ninguém vai dar o golpe pelo telefone”, foi a resposta que o general recebeu.

Povo em cena

Depois de momentos excruciantes, o comandante do III Exército, sediado em Porto Alegre, então o maior e mais bem armado do país, aderiu ao movimento de resistência contra o golpe. O ponto mais dramático desta expectativa foi a chegada da notícia de que uma coluna de blindados saíra do seu quartel, no bairro da Serraria, e vinha para o centro da cidade. Para onde apontariam os tanques? No final, um alívio: os tanques ocuparam o cais do porto, onde navios da Marinha ali estacionados, com comandantes favoráveis ao golpe, ameaçavam bombardear o Palácio Piratini. Mas outros momentos dramáticos se seguiriam.

Desesperados diante do sucesso da resistência, os ministros golpistas deram ordem para que os aviões da 5a. Zona Aérea, sediada em Canoas, na Grande Porto Alegre, levantassem voo e bombardeassem o Palácio. A senha era: “Tudo azul em Cumbica”, porque os jatos Gloster Meteor deveriam executar a ordem e rumar para São Paulo, pousando na Base Aérea assim chamada, em Guarulhos. Um rádio-amador captou a ordem e avisou o governador Leonel Brizola, que fez uma despedida histórica pela Rede da Legalidade, dizendo que resistiria até o fim e pedindo a todos que ficassem em casa. Aconteceu o contrário.

Pois foi no meio deste torvelinho que o Povo entrou em cena. Quando o carro do general Machado Lopes chegou à Praça da Matriz, em frente ao Palácio Piratini, a multidão compacta deteve o veículo. E começou a cantar o Hino Nacional. O militar saiu do carro, se perfilou e cantou junto. Foi o sinal dado de que ele vinha para aderir ao movimento, não para sufocá-lo.

Situação tensíssima

Na sequência, chegou um jipe da Aeronáutica. A multidão, que nesta altura era calculada em 100 mil pessoas (Porto Alegre, na época, tinha uns 650 mil habitantes), bloqueou-lhe o caminho, aos brados de “golpistas” e “assassinos”, pois já sabia da ordem de bombardeio, mas não recuava. Começaram a tentar virar o veículo. Desesperado, o sargento que dirigia o carro, com um acompanhante, gritou (mentiu) que era primo do governador Brizola, e que vinha lhe pedir ajuda. A multidão deixou os dois passarem.

Nova notícia: durante a madrugada os sargentos da Base Aérea rebelaram-se, e, armados, cercaram o alojamento onde os oficiais se preparavam para levantar voo e cumprir a ordem assassina.

A situação era tensíssima. Alertado, o general Machado Lopes enviou um destacamento para ocupar a Base de Canoas. Os oficiais golpistas fugiram para São Paulo, em aviões desarmados. Assumiu o comando o tenente-coronel aviador Alfeu de Alcântara Monteiro, legalista.

Defesa da Legalidade

Era o dia 28 de agosto de 1961. Ali estava, sem dúvida, deixando-se vislumbrar, o Povo mobilizado. Por que o Povo? Porque não há estatística que cubra aqueles 100 mil, e os demais que passaram a se espalhar pela cidade, levando bandeiras, panfletos e palavras aladas conclamando a defesa da Legalidade. Qual o percentual de trabalhadores ali presentes? De estudantes? De classes médias? De médicos, engenheiros, advogados, funcionários públicos, aposentados, professores, etc.? De jovens e velhos? De homens e mulheres? Até de militares à paisana, além dos da Brigada Militar, armados até os dentes nas trincheiras de sacos de areia improvisadas ao redor do Palácio? É impossível saber. Não só porque não se fez esta estatística, mas porque o que ali estava era o resultado de uma transubstanciação, uma mudança de identidade e de natureza, mesmo que fugaz e momentânea. A massa de gente dispersa e acomodada pusera-se de pé e transformara-se em “o Povo”.

Paulo César Pereiro, inspirando-se na Marselhesa, compôs a música e a poeta Lara de Lemos a letra do Hino da Legalidade: “Avante, brasileiros, de pé,/Unidos pela Liberdade./Marchemos todos juntos com a bandeira/Que prega a Lealdade.//Protesta contra o tirano/Que prega a traição,/Que um Povo sé será grande/Se for livre sua Nação!”. Nas manifestações, tornou-se o complemento do Hino Nacional e do Hino Riograndense, que relembrava os legendários Farrapos e Garibaldinos de antanho.

Decepção com Jango

O que se seguiu depois foi a série atribulada de movimentações militares, de negociações palacianas, com a adoção provisória do regime parlamentarista (desativado pelo plebiscito de 1963). Houve uma decepção generalizada quando, já de retorno ao Brasil, ainda em Porto Alegre, João Goulart aceitou a chamada emenda parlamentarista, desarticulando o Movimento da Legalidade. O Povo, novamente reunido na Praça da Matriz, vaiou-o sem dó nem piedade, jogando-lhe um rosário de palavrões impublicáveis aqui. A tal ponto chegou a fúria da multidão que Brizola decidiu tirar dali o vice-presidente, fazendo-o sair pelos fundos ou pelos subterrâneos do Palácio até um ponto seguro de onde ele pudesse tomar rumo.

Ainda houve outros momentos trepidantes, como aquele em que um grupo inconformado de oficiais da Aeronáutica decidiu derrubar o avião em que Jango seguiria de Porto Alegre para a capital, na chamada “Operação Mosquito”. Uma complexa “Operação Tática” de resposta àquela foi montada a partir de Porto Alegre, garantindo o voo e o pouso em segurança no aeroporto de Brasília.

Nos anos que se seguiram os conspiradores de 61 tornaram-se os vitoriosos golpistas e canalhas de 64, quando o Povo perdeu e se desarticulou, para reaparecer, apenas nas manifestações pelas Diretas, em 83/84, com ganhos e perdas, até os funerais de Tancredo Neves, em 1985.

Anoiteceu mais cedo

O antes mencionado tenente-coronel Alfeu de Alcântara Monteiro, já promovido a coronel aviador, foi assassinado em 4 de abril de 1964, na mesma Base Aérea de Canoas, cujo comando assumira em 1961, como oficial legalista. Naqueles dias logo depois do golpe de abril, as luzes das ruas de Porto Alegre não eram acesas à noite. Lembro de uma dessas noites, em que eu estava à porta de nossa casa, e meu pai me falou: “entra, meu filho, hoje anoiteceu mais cedo”. Acho que era a noite deste mesmo dia 4 de abril.

De qualquer modo, as imagens e o canto de o Povo permanecem indeléveis nos olhos e nos tímpanos de quem O viu e ouviu, ainda que estejam um tanto desgastados pelo tempo.

P.S. Para quem não viu, recomendo o filme (ficcional e histórico) Legalidade (2019), dirigido por Zeca Brito. Uma surpresa: o pai do diretor atua como o Leonel Brizola já ancião, ao final do filme. Sua parecença com o ex-governador é tamanha, que houve quem pensasse que o próprio Brizola tivesse encenado seu papel, no fim da vida.

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Texto do professor aposentado, jornalista e escritor Flávio Aguiar, publicado originalmente na RBA.

Maria Gal entrevista Prof. Dr. Babalawô Ivanir dos Santos

Ivanir dos Santos. (FOTO/ Divulgação).

A coluna faz uma reflexão sobre a presença e visibilidade de pessoas negras no audiovisual.

“Tenho a coluna há um tempo na Vogue Gente. E de um tempo para cá optei em fazer também entrevistas na coluna. E pela primeira vez entrevistei o Babalawô e professor Ivanir dos Santos, o que foi uma honra. É muito importante ouvirmos quem veio antes de nós. A troca e aprendizado de poder conversar sobre a presença do negro no audiovisual brasileiro desde o início da TV. Tenho certeza que esta entrevista trará muita reflexão”, atesta Maria Gal.

Para o Prof. Ivanir dos Santos: “Temos muito o que falar, nossa representativa precisa ser contada, mas da forma correta. Com narrativas qualitativas, feitos e pensamentos transformadores para a sociedade”, atestou Ivanir.

A atriz Maria Gal é também apresentadora, palestrante, criadora de conteúdo e produtora. Já se apresentou no Brasil e no exterior, com prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema, em Madrid. Com passagens por diversas emissoras é colunista de diversidade na VOGUE e produz para cinema/TV e mídias digitais conteúdos que têm sinergia com a temática racial e feminina, através de sua produtora "Maria Produtora".

Seu entrevistado, atua há 40 anos em prol das liberdades, dos direitos humanos, das pluralidades contra o racismo e a intolerância religiosa, Ivanir dos Santos recebeu o prêmio International Religious Freedom (IRF), em julho de 2019.

Entregue pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos. Foi o único líder religioso do Ocidente a ser premiado. Ao olhar para a trajetória de vida e militância, dentro e fora da esfera social, cultural, religiosa, política e acadêmica, o seu nome desponta como uma referência. É interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR). Pós-doutorando em História Comparada pela UFRJ (PPGHC/UFRJ). Coordenador de área de pesquisa no Laboratório de História das Experiências Religiosas da UFRJ (LHER). Membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN). Conselheiro Estratégia do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), entre outros.

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Texto encaminhado ao Blog por Rozângela Silva, Assessora de Imprensa.

23 de agosto de 2021

Partidos e ex-ministros defendem instituições contra golpismo de Bolsonaro

 

Em nova afronta à estabilidade democrática, Bolsonaro protocolou no Senado pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. (FOTO/ Isac Nóbrega/ PR)

Contra o golpismo do presidente Jair Bolsonaro e em defesa das instituições, dez partidos divulgaram notas em defesa da democracia neste domingo (22). Em documento assinado pelo bloco de oposição (leia abaixo), PT, PDT, PSB, Cidadania, PCdoB, PV e Rede prestaram solidariedade aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que também é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que têm sido atacados por Bolsonaro. Nesta sexta-feira (20), o presidente protocolou no Senado pedido de impeachment de Moraes. Em outro manifesto (também abaixo), MDB, DEM e PSDB também condenaram o ataque de Bolsonaro às instituições.

“Não é com ações como essas que Bolsonaro se fará respeitar”, diz trecho da nota dos partidos de oposição. “A República se sustenta em três Poderes independentes e harmônicos entre si. É preciso respeitar cada um deles em sua independência, sem intromissão, arroubos autoritários ou antidemocráticos. Há remédios constitucionais para todos os males da democracia”, advertem os partidos de oposição.

Já o MBD, DEM e PSDB falam em “fantasma do autoritarismo”. “É lamentável que em momento de tão grave crise socioeconômica, o Brasil ainda tenha que lidar com a instabilidade política e com o fantasma do autoritarismo”, diz trecho da carta. “O momento exige sensibilidade, compromisso e entendimento entre as lideranças políticas, as instituições e os Poderes”.

Ex-ministros reagem

Também tomaram posição contra as afrontas de Bolsonaro à normalidade democrática dez ex-ministros da Justiça e da Defesa. Eles assinam manifesto dirigido ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no qual pedem a rejeição do pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Entre os signatários está o senador Jaques Wagner (PT-BA). Nas redes sociais, ele reafirmou que uma eventual admissão do processo de impeachment contra ministro do Supremo Tribunal Federal, neste momento, “surtirá efeitos nocivos à estabilidade democrática” e pode gerar uma “imensa insegurança no espírito de nossa sociedade e negativa repercussão internacional da imagem do Brasil”.

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Com informações da RBA. Leia a íntegra da nota aqui.

22 de agosto de 2021

Ministro da Educação diz que diploma de universidade não adianta e critica Fies

 

Ministro da Educação, Milton Ribeiro. (FOTO/ Reprodução).

Neste sábado (21), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, questionou a busca por um diploma universitário por alunos que usam financiamento e depois, segundo ele, ficam endividados “porque não tem emprego”. O discurso aconteceu em um encontro com representantes dos governos municipais em Nova Odessa (SP).

Ao defender o ensino profissionalizante, o ministro declarou:

“Que adianta você ter um diploma na parede, o menino faz inclusive o financiamento do FIES que é um instrumento útil, mas depois ele sai, termina o curso, mas fica endividado e não consegue pagar porque não tem emprego.”

Milton Ribeiro falou sobre focar em escolas técnicas: “No entanto, o Brasil precisa de mão de obra técnica, profissional. E aí depois o moço ou a moça, elas fazem esse curso, arrumam um emprego, e depois falam: ‘O que eu gostaria mesmo é ser um doutor. Eu fiz um curso técnico em veterinário, já tenho um emprego, mas eu quero ser um médico veterinário'”.

Não é a primeira vez que Ribeiro questiona o ensino universitário amplo. Milton Ribeiro já declarou que “a universidade deveria ser para poucos” e também defendeu que as verdadeiras “vedetes” (protagonistas) do futuro sejam os institutos federais, capazes de formar técnicos.

Manifestação contra o Ministro da Educação

No evento, um grupo de estudantes fez um protesto contra Milton Ribeiro e por mais acesso à educação, e foi retirado a força pela Polícia Militar do portão do local.

Os manifestantes pediam mais oportunidades nas universidades e garantia de acesso à internet para alunos de baixa renda que tiveram o ensino prejudicado durante a pandemia.

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Com informações do Notícia Preta.

‘Perdeu o sentido’, diz Zé Ramalho ao abandonar parceria com Sérgio Reis

Sérgio Reis e Zé Ramalho: parceria desfeita após aventura golpista do cantor sertanejo. (FOTO/ Divulgação).

O cantor e compositor Zé Ramalho anunciou neste sábado (21) que não vai mais manter parceria com o cantor Sérgio Reis em álbum do sertanejo que será lançado neste ano. “A gravação perdeu o sentido”, disse Zé Ramalho em nota por meio de sua editora, a Avôhai Music, referindo-se à aventura golpista de Reis, que havia convocado mobilização para 7 de setembro em favor do governo de Jair Bolsonaro e pela intervenção militar.

Em 2019, o cantor havia gravado como convidado de Reis a canção Admirável gado novo, que seria incluída no álbum. Segundo o cantor nordestino, “tanto o compositor quanto sua editora não autorizarão a utilização da obra”.

Essa é a terceira baixa no disco de Sérgio Reis. A cantora Maria Rita e o cantor e compositor Guilherme Arantes também abandonaram a parceria com o cantor de pretensões golpistas, segundo o jornal Correio*.

Na sexta-feira, Sérgio Reis e o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) foram alvos de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal. A ação foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a incitação a atos violentos e ameaças contra a democracia.

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Com informações da RBA. Clique aqui e leia a nota divulgada por Zé Ramalho.