Fórum
- A proposta de reforma da Previdência apresentada por Michel Temer (PEC
287/2016) e seus aliados tem sido alvo de inúmeras críticas de diversos
segmentos sociais, haja vista os retrocessos postos especialmente aos grupos
mais vulneráveis, dentre eles as mulheres, os(as) trabalhadores(as) rurais e a
camada mais empobrecida da população brasileira.
De
acordo com Birolli (2017), dentre as principais alterações propostas pela
mencionada PEC, destacam-se as seguintes: “A
PEC 287 define 65 anos como idade mínima para aposentadoria e elimina as
distinções hoje existentes na nossa legislação entre mulheres e homens e,
também, entre trabalhadores/as urbanos/as e rurais. Hoje a idade mínima para a
aposentadoria é de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres. Ela é
diferenciada para o trabalho rural, em que a idade mínima é hoje de 60 anos
para os homens e de 55 para as mulheres. Além disso, o tempo mínimo de
contribuição é hoje de 15 anos, mas a proposta é de que passe a ser de 25 anos.
No caso de trabalhadoras e trabalhadores rurais, também se passa a exigir
contribuição individualizada mensal, rompendo com o tratamento diferenciado
garantido para a agricultura familiar, na qual o rendimento é baixo e está
sujeito aos ritmos sazonais de produção e venda dos produtos”.
É
sabido que a Constituição Federal de 1988 introduziu o princípio da equidade, o
qual “é fundamental para a priorização
das ações, tendo em vista a gradual diminuição das desigualdades sociais, pois
há flagrante heterogeneidade da população no tocante às suas necessidades […] e
acesso aos serviços” (EGRY et al, 2007, p. 763). Espraiado pelas demais leis
complementares e ordinárias, tal princípio se materializa na legislação
previdenciária à medida que incorpora o tratamento diferenciado às “situações
especiais e as assimetrias no acesso ao trabalho formal ao longo da vida, como
no caso do trabalho na agricultura familiar e da carga ampliada de trabalho das
mulheres devido às tarefas desempenhadas no cotidiano doméstico, correspondem a
sistemas de contribuição e acesso à aposentadoria diferenciados” (BIROLLI,
2017, p. 02).
Portanto,
as mudanças desencadeadas pela referida PEC muito possivelmente contribuirão
para acentuar mais ainda as desigualdades de gênero em nosso país, sobretudo em
razão da preponderância dos papeis tradicionais de gênero e da rígida divisão
sexual do trabalho. A este respeito, Hirata e Kergoat (2007) explicitam que a
divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente
das relações sociais entre os sexos, modulando-se numa perspectiva histórica e
social. Caracteriza-se pela designação prioritária dos homens à esfera
produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação
pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos,
religiosos, militares etc.). Essa forma particular da divisão social do
trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio de separação (existem
trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um
trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher).
Concretamente
no âmbito brasileiro, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE de
2014 revelou o seguinte panorama:
As
mulheres trabalham mais do que os homens, haja vista as responsabilidades
cotidianas frente ao trabalho não remunerado, ou seja, o cuidado do lar, das
crianças e dos idosos.
As
mulheres recebem hoje cerca de 74% da renda média dos homens nas mesmas
ocupações, embora o acesso à educação formal seja maior entre elas do que entre
eles, o que está fortemente calcado na tradicional divisão dos papeis de
gênero. Enquanto o exercício das tarefas domésticas é realizado
prioritariamente pelas mulheres, os homens têm tempo liberado dessas funções
para o exercício de trabalho remunerado.
Ressalta-se
ainda que as mulheres, sobretudo as negras, têm menor acesso ao trabalho
formal. Nesse sentido, as mulheres trabalham menos com carteira assinada do que
os homens, o que está diretamente relacionado ao exercício da maternidade e à
responsabilidade perante o trabalho doméstico. Paralelo a isso, o rendimento
proveniente do trabalho informal é inferior ao dos homens que igualmente
exercem trabalho informal. Segundo a PNAD/IBGE 2014, no ano de 2013 as mulheres
receberam em média 65% do salário dos homens no mercado informal e 75% no
formal.
Sob
o viés étnico-racial, as desigualdades sociais entre os gêneros aprofundam-se,
uma vez que metade da população negra (pretos mais pardos) exercia trabalho
informal em 2013, contra 34,7% da população branca, de acordo com a PNAD. As
mulheres negras são o segmento da população com menor acesso ao trabalho formal
e com a menor renda média. Aliado a isso, são as que possuem menores condições
de contratar serviços privados para auxiliar nas tarefas domésticas, o que
repercute no prolongamento da jornada de trabalho.
Por
todo o exposto, importante ressaltar que as violações de gênero extrapolam o
âmbito privado (familiar e conjugal), tendo em vista que o Estado brasileiro,
ao restringir direitos sociais e em decorrência contribuir para o acirramento
das desigualdades, está em última instância violentando as mulheres.
Por
todo o mundo, mulheres devem paralisar suas atividades no dia 8 de março de
2017 em luta contra todas as formas de violência e, no Brasil, o mote principal
será o protesto contra a reforma Previdenciária proposta pela PEC 287/2016.