A
condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro
joga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no colo da Lei da Ficha Limpa, o
que pode barrar sua candidatura à Presidência da República. Mas a decisão, tomada
pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região, nesta quarta (24), não é o fim de
uma novela. Pelo contrário, ela pode estar apenas começando.
Segue
uma avaliação do contexto e das possibilidades, caso ele queira concorrer –
tudo sujeito à alteração, claro. É sempre bom avisar, em tempos de internet,
que isso não é uma torcida, mas uma análise. Muitos confundem as coisas... Os
advogados de defesa de Lula vão entrar com embargos de declaração junto à
própria segunda instância, ou seja, o TRF-4. O atual entendimento do Supremo
Tribunal Federal afirma que o cumprimento da pena ''pode'' começar após a
confirmação da decisão em segunda instância. ''Pode'', não necessariamente
''deve''. Esse posicionamento, inclusive, pode mudar em breve se os ministros
do STF resolverem rediscutir o assunto.
Nesse
período, que poder levar algumas semanas, Lula deve ser lançado pré-candidato
pelo PT e rodar o país vendendo a lembrança da boa situação econômica e do
emprego durante seu governo. Como os indicadores melhoraram em 2017, mas a
economia ainda não deslanchou, principalmente no tocante à geração de vagas com
carteira assinada, a recorrência da memória de seu mandato será um cabo
eleitoral.
Repetirá
à exaustão que outros políticos que foram envolvidos em casos de corrupção não
passaram por julgamento por conta de seu foro privilegiado, mesmo ostentando
indícios de corrupção grosseiros. Citará o pedido amigo de empréstimo de Aécio
Neves a Joesley Batista, da JBS, ou o conjunto da obra de Michel Temer. E,
certamente, não falará de Renan Calheiros, pois é seu aliado.
Ao
mesmo tempo, continuará comparando a si mesmo com Mandela (que ficou preso 27
anos por lutar contra o racismo) e Tiradentes (enforcado e esquartejado por
conspirar pela independência), como fez no discurso para uma multidão na Praça
da República, na noite desta quarta, após o resultado do julgamento. São
imagens fortes que ele irá construir com a população, preparando-se para uma
possível prisão ou uma provável interdição de candidatura.
Confirmado
o acórdão da segunda instância, seus advogados pedirão ao Superior Tribunal de
Justiça e ao Supremo Tribunal Federal que suspendam os efeitos da condenação,
via decisão liminar, enquanto não julguem o mérito do caso. Mas, antes,
entrarão com pedidos de habeas corpus para impedir a prisão do ex-presidente.
Enquanto algum recurso de Lula ainda estiver tramitando, ele estará apto a
concorrer.
Preso
ou solto, Lula continuará fazendo campanha. PT e aliados irão escolher alguém
para colar na imagem dele, feito tatuagem, pensando em uma futura transferência
de votos. Hoje, sabe-se que ele transfere menos do que no passado, mas também
menos do que poderá vir a transferir se conseguir manter a candidatura até
setembro, quando a política estará em franca ebulição.
Nesse
contexto, Fernando Haddad, Jaques Wagner ou um terceiro continente à sua
escolha podem ser chamado para ir à guerra. Seria difícil Lula apoiar Ciro
Gomes (PDT) – ele acredita que seu ex-ministro não defenderia o seu legado. Guilherme
Boulos (possivelmente PSOL) ou Manoela D'Ávila (PC do B) dificilmente
receberiam apoio do PT, apesar da proximidade. Afinal, um partido que foi dono
de fazenda teria problemas para dividir a horta comunitária.
Ninguém
acredita em uma candidatura competitiva à esquerda tendo Lula como adversário.
Mas são poucos no campo próximo a ele que teriam coragem de vir a público,
neste momento, para propor nomes a fim de tentar conquistar, ao menos o patamar
de votos que, historicamente, é dado ao petista. E que, de acordo com as
pesquisas de opinião, não parece ter se dissolvido. Com a condenação, é duro
imaginar o PT dando as costas a seu líder. Pelo contrário, ela pode ser o
elemento de identidade reativa na esquerda que eles estavam esperando.
Solto,
Lula terá a vantagem de rodar o país anunciando que, muito em breve, vão
tirá-lo da jogada por terem medo que ganhe e governe novamente. Vai alimentando
o mito. Como estará com a faca no pescoço, pode ser franco-atirador. Mas, ao
contrário do que espera uma parte da esquerda, é bem provável que se reconcilie
com parte do mercado e do setor produtivo. Um vice empresário, como Josué Gomes
da Silva, filho de seu ex-vice, José de Alencar, seria mais uma pitada de
simbolismo do retorno ao passado vitorioso.
Preso,
Lula terá a vantagem de reforçar o discurso da construção do mártir que voltará
para redimir o país. Em uma sociedade cristolaica como a nossa, essa imagem tem
força. Imaginem um vídeo de trabalhadores lendo uma carta escrita por ele na
cadeia, como num jogral, pedindo para que o povo não perca a fé. ''Eles não
podem prender um sonho de liberdade, não podem prender as ideias, não podem
prender a esperança. Podem prender o Lula, mas a ideia está colocada na cabeça
da sociedade brasileira.'' Não inventei este trecho. Peguei do discurso dele
realizado na Praça da República.
Em
15 de agosto, o PT registra sua candidatura. Ele pode estar preso e condenado,
não importa, o protocolo tem que aceitar o registro.
O
horário eleitoral em rádio e TV começa no dia 31 de agosto. Vai ser um
bombardeio de imagens e declarações de que Lula está preso e/ou condenado
porque quis defender o povo. A propaganda tem o objetivo de transformar o
mártir e o mito na já citada ideia. Que será exaustivamente utilizada por seu
partido político no processo eleitoral.
De
acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e um
dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político
(Abradep), o prazo máximo para uma decisão da Justiça Eleitoral para julgamento
de registros é 17 de setembro. Na prática, esse é o deadline para substituir
candidatos em chapas. Porque, logo em seguida, as urnas são carregadas com as
informações de todos os concorrentes.
Para
Neisser, o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre uma possível
candidatura Lula, caso seja antecipado, pode ser realizado em algum momento
entre 7 e 11 de setembro. A corte estará sendo presidida por Rosa Weber, mas com
presença de Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – um trio que certamente não
será simpático à demanda do ex-presidente.
Se
Lula não tiver conseguido uma liminar que suspenda a condenação criminal, o TSE
vai negar a ele o registro.
Ele
pode recorrer ao próprio TSE com embargos de declaração. Depois disso há uma
série de meandros jurídicos para fazer subir um recurso extraordinário ao
Supremo, que não seria julgado em definitivo antes do final do segundo turno. Daí,
Lula e o PT têm duas opções: pegam a pessoa que estava como sua tatuagem e a
colocam em seu lugar para disputar o primeiro turno ou continuam apostando em
Lula.
Se
a primeira opção for a escolhida, é provável que ele consiga empurrar seu
candidato ou candidata ao segundo turno transferindo os votos. Afinal, o tempo
é curto e a comoção será grande. Seu apoio ainda vai contar pontos, mas dai a
tatuagem estará por conta própria – podendo inclusive perder. De qualquer
forma, terá cumprido outra função importante: ajudar o PT a garantir sua
bancada no Congresso Nacional. Sem um nome forte puxando votos, haverá uma
óbvia redução do número de cadeiras do partido como resultado das denúncias de
corrupção.
Se
a segunda opção for a escolhida, a partir da abertura das urnas na noite do
primeiro turno, no dia 7 de outubro, Lula aparecerá com zero votos pois teve a
candidatura negada pelo TSE, mesmo com o recurso extraordinário em trâmite. O
TSE até pode autorizar que ele dispute o segundo turno sob a justificativa de
que está recorrendo, como já aconteceu em algumas cidades. Mas essa decisão não
está clara na lei. Portanto, mesmo com o recurso, o TSE pode não colocá-lo no
segundo turno. Ou seja, é um tiro que pode dar na água.
E
se sua presença no segundo turno for negada, passam os outros dois mais votados.
Caso
participe do segundo turno e perca para Geraldo Alckmin, Luciano Huck, Jair
Bolsonaro, Marina Silva ou alguém como J.Pinto Fernandes, que não estava na
história, acabou.
Se
tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspenda a condenação, ganhar a
eleição e, antes da posse, o pleno do STF confirmar a decisão de segunda
instância, novas eleições são convocadas. Sim, segundo Fernando Neisser, o
mandato não é do segundo colocado automaticamente. Nesse caso, começamos tudo
de novo, com eleições em dois turnos para presidente.
Se
ganhar e tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspende sua condenação
criminal ou tiver sido absolvido por um tribunal superior até lá, daí ele vai
ser empossado. Caso tenha obtido apenas a liminar, ele toma posse e seu processo
congela até o final de seu mandato.
Enfim,
Lula pode reduzir de tamanho ou sair maior do que entrou nessa história. Mesmo
que não seja eleito. Depende de tantos fatores que é impossível saber a
resposta.
Cansou?
Imagine, então, para jornalistas, advogados e assessores políticos. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).
(Foto: Jorge William/ Agência O Globo). |