A
entrevista do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (foto ao lado) à repórter Cristiane
Agostine, do Valor Econômico, reproduzida abaixo, mostra um Lula tranquilo
diante da crise e, até, otimista com o avanço que elas podem provocar no país.
-”Democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa“, diz Lula, afirmando que as revindicações são consequência do progresso vivido pelo Brasil nos últimos dez anos:“na medida em que as pessoas tiveram uma evolução social, é normal que elas queiram mais coisa”
Lula
elogia o “comportamento democrático” de Dilma e reafirmou seu apoio à
candidatura Dilma.
-
A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a melhor. Não tem ninguém
igual a ela para ser candidata à Presidência da República. Portanto ela será a
minha candidata.
O
ex-presidente concedeu a entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, participando de
um encontro de alto nível sobre segurança alimentar que o Instituto Lula em
conjunto com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO) e pela União Africana.
Confira
a entrevista:
Valor:
Como o senhor viu essas manifestações? O que levou as pessoas às ruas?
Luiz
Inácio Lula da Silva: Eu acho que no Brasil temos prefeitos, governadores,
presidente da República… Eu sou um curioso nesse aspecto. A primeira coisa que
eu acho é que toda vez que um povo se manifesta é sempre muito importante. Acho
que democracia exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação,
sempre reivindicando alguma coisa. As reivindicações que o povo está fazendo,
de melhoria de transporte, de saúde, de educação isso é próprio do processo de
crescimento que o Brasil vem enfrentando. Se você analisar que em dez anos mais
do que dobrou o número de universitários no Brasil e de alunos nas escolas
técnicas, e que houve a evolução social de uma camada da sociedade, essas
pessoas cada vez mais querem mais. É assim. Quando aconteceu a greve dos
metalúrgicos em 1978 as pessoas se perguntavam por que os trabalhadores fizeram
greve. Eu dizia: porque eles tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando
o bife deles! Começaram a brigar para não perder o bife! Na medida em que as
pessoas tiveram uma evolução social, é normal que elas queiram mais coisa. De
vez em quando as pessoas reclamam que os aeroportos estão cheios. É lógico que
tem que estar cheio! Em 2007 você tinha 48 milhoes de passageiros voando de
avião. Hoje você tem 101 milhões de passageiros. Obviamente que vai ter gente
brigando. Você não tem [briga de passageiros] de ônibus, porque a quantidade de
passageiros que andavam de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que
as pessoas vão evoluindo vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que se
as pessoas questionam custo da Copa as pessoas que organizaram, que contrataram
tem que mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate com a sociedade. E é
fazendo o debate que você separa o joio do trigo. Quem quer realmente debater,
está interessado em fazer coisa séria e aquilo que é justo. Nesse aspecto Dilma
tem tido um comportamento importante. De entender o movimento, tentar dialogar
com o movimento e construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer
preocupação com o exercício da democracia é muito ruim.
Valor:
O senhor se reuniu com Dilma e Haddad durante a crise. O que o senhor disse a
eles? Faltou ouvir as ruas?
Lula
: A coisa que o Haddad mais ouviu foi as ruas. Ele tinha acabado de sair de uma
eleição. Primeiro ele ganhou as eleições por causa da proposta de transporte
que fez para São Paulo, que era para novembro mas talvez ele antecipe, não sei
se tem condições de antecipar (proposta do Bilhete Único Mensal). A propaganda
do Haddad era o seguinte: da porta para dentro muita coisa melhorou nesse país,
mas da porta para fora nada foi feito. E ele dizia que em São Paulo em oito
anos não havia sido feito nenhum corredor de ônibus. Ninguém pode, em sã
consciência, nem o prefeito, nem o vice-prefeito, nem um cidadão qualquer dizer
que o transporte em São Paulo é de qualidade. O metrô era de qualidade quando
andava pouca gente, quando tinha condição de sentar. Mas agora que você tem
passageiro para três vagões andando em um vagão, vai piorando a qualidade. O
que eu acho que pode acontecer no Brasil é as pessoas se convencerem que de
quando em quando gente precisa refletir sobre o que está acontecendo, conversar
com as pessoas e tentar construir aquilo que precisa ser construído. É por isso
que elogiei o comportamento da Dilma nessas coisas. Ela humildemente foi
conversar com todos os segmentos da sociedade. Não se recusou a conversar com
nenhum.
Valor:
Não demorou muito para fazer isso?
Lula:
Não demorou. Ela conversou no momento certo. Não poderia ter conversado antes,
para discutir qualquer movimentação. O que a gente tem que entender é o
seguinte: a realidade no mundo é outra, o povo está mais exigente, está tendo
cada vez mais acesso a informação. Hoje o povo não precisa esperar o jornal no
dia seguinte, a televisão à noite. As pessoas estão acompanhando as coisas 24
horas por dia. As pessoas não estão mais lendo notícia. Estão fazendo notícia.
Eu acho que essa coisa é que é interessante. Nesse momento só tem uma solução:
é pensar, conversar e começar a colocar em prática coisas que sejam resultado
das discussões com a sociedade.
Valor:
O senhor concorda com essa proposta de plebiscito sobre reforma politica? O
senhor ficou irritado com o fato de a presidente ter consultado o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso?
Lula:
Eu não posso fazer julgamento de acordo feito entre partidos políticos. Cada partido
esteve representado com seu presidente e eles decidiram fazer o que tinham que
fazer e vão colocar em prática. Não sei como é que vão colocar em prática, mas
vão colocar. Nós temos o direito de conversar com quem bem entenda. Eu até
agora não ouvir dizer que Dilma conversou com Fernando Henrique Cardoso. Ouvi
setores da imprensa dizendo que ela conversou, o que ela não confirmou em
nenhum momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor, com Lula, é a
coisa mais natural que um presidente tem que fazer. É conversar com as pessoas.
É o seguinte: o Brasil vive um momento extraordinário de afirmação de sua
democracia. Somos um país muito novo no exercício da democracia. Se você quiser
pegar a eleição do Sarney como paradigma ou a aprovação da Constituição em 1988
temos 25 anos de democracia contínua. É o periodo mais longo. É normal que a
sociedade esteja como uma metamorfose ambulante, se modificando a cada momento.
É muito bom para o Brasil.
Valor:
Mas não preocupa o abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos
percentuais desde o inicio do mês?
Lula:
Veja, querida, não me preocupa. Se tem um cidadão que já subiu e desceu em
pesquisa fui eu. Em 1989 teve um dia no mês de junho que eu queria desistir de
ser candidato porque eu tinha caído tanto que ia sair devendo para o Ibope
(risos). Então eu cheguei a pensar em desistir porque não tem como eu pagar
voto. Só tenho o meu. E depois com tantos figurões disputando a eleição fui eu
que fui para o segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que nós
temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidata à Presidência
da República. Portanto ela será a minha candidata.
Valor:
O senhor volta em 2014?
Lula:
Não
Via Tijolaço