No
mês passado, o fundador da revista CartaCapital, Mino Carta, escreveu seu
último editorial para a publicação. O diretor de redação da revista semanal,
criada em 1994, afirma que o periódico passa por uma grave crise econômica.
"Estamos vivendo dias muito difíceis, estamos à beira do desastre
final", declarou em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Do
Brasil de Fato - Para contornar o
desafio, porém, a revista apostou no modelo de crowdfunding, o financiamento
coletivo. Em janeiro deste ano, a CartaCapital criou uma campanha para que os
leitores se tornem sócio-assinantes da publicação. Os parceiros da revista têm
possibilidade de publicar artigos, acesso exclusivo às áreas de comentários e
participação em reuniões de pauta.
O
modelo, segundo ele, tem tido bons resultados no exterior nos últimos anos: a
revista brasileira se inspirou no diário britânico The Independent e na revista
estadunidense Newsweek. "Aqui
estamos em um bom começo, um começo animador porque os primeiros resultados são
muito bons. Mas o caminho é longo e não se resolve da noite pelo dia",
disse o jornalista.
Além
das dificuldades que o fazer jornalístico já enfrenta de maneira geral — crise
de credibilidade, de financiamento e disputa com as redes sociais na Internet —
a concentração da verba governamental da publicidade é mais uma barreira à
existência de veículos da imprensa alternativa. Durante o governo golpista de
Michel Temer (PMDB), o gasto federal com publicidade cresceu 65% no primeiro
semestre de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015. E a maior parte do
recurso foi destinada aos veículos da já tradicional grande imprensa do país.
Para
ele, o aumento da verba é o pagamento ao apoio que estes veículos deram e
continuando dando ao golpe. "Quem tentou resistir, de alguma maneira,
evidentemente é ignorado, esquecido, escanteado", afirmou o diretor de
redação da CartaCapital. Para mino, o processo de impeachment da ex-presidenta
Dilma Rousseff (PT) "levou ao poder quadrilhas que agora se digladiam
entre si".
Ainda
assim, ele criticou a falta de políticas públicas para democratização
comunicação nos 13 anos dos governos petistas com Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma (2003-2016). Na conversa concedida por telefone, o fundador da
CartaCapital afirmou que o partido "não soube executar certas tarefas que
lhe cabiam na qualidade de partido de esquerda". "O PT no poder
portou-se como todos os demais partidos e favoreceu brutalmente a Globo, que é
o seu principal inimigo", avaliou.
Veja
abaixo os principais trechos da entrevista.
Brasil de Fato: Em seu último
editorial na CartaCapital, você afirma que "estamos asfixiados
financeiramente por um governo ilegítimo" e pelo abandono de "setores
do empresariado que tinham compromisso com a diversidade e a pluralidade".
Quais foram as implicações do processo de golpe para a comunicação alternativa?
Mino Carta:
O golpe levou ao poder algumas quadrilhas que agora estão se digladiando entre
si. É uma guerra de máfias e um dos resultados é que eles racionam com seu
palanque a publicidade. Eu não considero a CartaCapital uma mídia alternativa,
porque diria que é uma revista muito bem feita, bem impressa e em condições de
competir com a chamada grande mídia brasileira — que é hedionda. Os
alternativos devem estar pior do que nós, suponho, porque seus meios são
pequenos e, ao mesmo tempo, tem o uso do papel, isso na mídia impressa… Então
eles devem estar em grandes dificuldades, imagino.
O governo de Michel Temer aumentou
a publicidade em grandes jornais…
Aumentou
de uma forma brutal. De um modo geral, toda a chamada grande mídia foi
beneficiada extraordinariamente por esse governo totalmente ilegítimo, enquanto
o resto é perseguido, tanto os alternativos quanto a revista CartaCapital.
São perseguidos de que maneira?
Perseguidos
no sentido de que não existem simplesmente. Eu te confesso uma certa irritação,
também em relação ao PT [Partido dos Trabalhadores] porque o partido esteve no
poder por 13 anos e foi incapaz de democratizar a mídia brasileira. Até mesmo
aplicando a Constituição e todas as leis que se manifestam com extrema clareza
contra o monopólio.
Essa
nossa mídia está na mão de poucas famílias, todas elas são porta-vozes da Casa
Grande pelo simples fato de que todas elas fazem parte do inquilinato da Casa
Grande, a começar pelos senhores Marinho [proprietários da Rede Globo de
Televisão]. É essa a situação do momento e o golpe simplesmente aprofundou
isso.
O
PT no poder não soube executar certas tarefas que lhe cabiam na qualidade de
partido de esquerda. Se tivéssemos tido uma esquerda verdadeira e um grande
partido de esquerda, o povo brasileiro não estaria no estado de aturdimento que
ele está, fadado a permanecer por muito tempo. O PT no poder portou-se como
todos os demais partidos e favoreceu brutalmente a Globo, que é o seu principal
inimigo.
E como este aumento de publicidade
reverberou, na prática, na cobertura e na atuação da imprensa neste último ano?
É
um jogo entre amigos e entre bons companheiros. Eles estão recebendo em troca
ao apoio que deram ao golpe e que continuam dando a um governo totalmente
ilegítimo, então recebem o prêmio. Quem tentou resistir, de alguma maneira,
evidentemente é ignorado, esquecido, escanteado. Nós estamos vivendo dias muito
difíceis, estamos à beira do desastre final. Não temos publicidade, como disse
naquele meu último editorial, e não temos ajuda de quem poderia nos ajudar.
O
Página12, na Argentina, é amparado pelos sindicatos, que cuidam de manter vivo
o veículo, que tem um desempenho igual da CartaCapital. Eles sustentam o jornal
e aqui, não.
A revista CartaCapital foi acusada
de ser beneficiária do esquema Lava Jato, de ter recebido R$ 3 milhões… Você
acredita que este episódio, de alguma forma, contribuiu para esta situação ou
impactou de alguma forma o veículo?
Se
calaram sobre este episódio porque é ridículo. Realmente, tivemos publicidade
da Odebrecht. Isso significa o quê? Que a Odebrecht nos comprou? Quanto a
empresa deu para a Globo e para os demais jornais? Garanto que muito mais do
que deu para a revista CartaCapital. A preocupação com a CartaCapital é porque,
realmente, ela faz oposição.
É
como dizer que Lula tem um tríplex em Guarujá ou sítio em Atibaia. São coisas
ridículas, mas e se tivesse? Qual seria o pecado? O sr. [Sérgio] Moro conduz
uma operação absolutamente irregular. Um dos grandes juízes italianos que
trabalharam na [operação] Mãos Limpas, à qual Moro se diz inspirar, veio ao
Brasil no ano passado… Um juiz importantíssimo. Encontrei com ele, inclusive.
Era um dos líderes da força-tarefa da Mãos Limpas. Quando voltou para a Itália,
ele disse textualmente: "Se nós tivéssemos feito o que o Moro faz no
Brasil, nós é que acabaríamos em cana". É isso, porque quem manda é a
prepotência absoluta e tudo bem.
Isso
deveria indignar o povo, mas o povo não tem capacidade de se indignar, é resignado.
Tirando certos movimentos, como o movimento dos sem-terra e dos sem-teto [MST e
MTST]. Ali tem lideranças que passam aos seus filiados e seguidores o verbo
correto, a ideia certa. O PT foi um desastre, não soube fazer isso. Essa que é
a verdade.
A CartaCapital está apostando agora
em "sócios-assinantes". Financeiramente, como você enxerga o caminho
para a mídia alternativa?
É
um caminho comprido, eu acho. Não é algo que se resolve de um dia para outro. É
um caminho correto e que está dando muito certo fora do Brasil, em vários
lugares. É inegável isso. E aqui estamos em um bom começo, um começo animador
porque os primeiros resultados são muito bons. Mas o caminho é longo e não se
resolve da noite pelo dia; pelo contrário. Mas os balanços poderão ser feitos
dentro de seis meses a um ano. Neste modelo que na linguagem em inglês é o
chamado de crowdfunding. É o modelo que está dando muito certo em outros
lugares e nós achamos que acabará dando certo também aqui. Se tivermos tempo.
Você falou um pouco de medidas
estruturais no campo da comunicação que estiveram aquém nos governos Lula e
Dilma. Quais você acredita que são imediatas no caso, por exemplo, de um novo
governo progressista?
Em
primeiríssimo lugar, é preciso aplicar a Constituição. É simples. Depois,
devemos estudar à luz de outras medidas que podem ser suplementares e,
eventualmente, serão muito importantes. Mas o começo da história se dá pela
Constituição, pela carta que foi rasgada pelos golpistas. Esse é o começo da
história. Apliquem a Constituição.
E
também não chamem para dirigir as comunicações pessoas da Globo. Colocaram a
senhora [Helena] Chagas para dirigir a Secom [Secretaria Especial de
Comunicação Social], como fez a Dilma. Isso é um acinte. Ou ela está mal
informada ou ela caiu, realmente, no logro monumental. Como é possível terem
chamado esta senhora? Ou o Paulo Bernardo, para cuidar da comunicação? É chamar
a raposa para cuidar do galinheiro. É uma piada. Mostra, inclusive, a
incompetência dos nossos governantes em um tempo em que eles tinham a faca e o
queijo na mão, mas não souberam nem usar a faca, nem comer o queijo.
E como está seu otimismo em relação
a possibilidade de eleições diretas ou o pleito de 2018?
Ah,
isso é evidente. A única solução, neste momento, seria chamar eleições. Diretas
eu não diria porque quando houve aquela campanha para as diretas já, que foi
derrotada pelo [José] Sarney que depois se tornou presidente da República.
Esses são os engodos do destino brasileiro. Mas, hoje, deveríamos falar em
eleições antecipadas realizadas em outubro próximo. É a única saída inteligente
e pacífica para esse angu de caroço que está aí.
Os
resultados serão, de qualquer maneira, animadores se houver estas eleições
porque certamente o golpe será desfeito. É inegável. Se vão chegar ao poder
homens competentes ou não, há de se verificar. Mas o golpe será desfeito. Esse
governo que está aí é ilegal porque lhe falta apoio do voto popular. É
totalmente ilegítimo. Se houvesse eleições antecipadas, o golpe seria desfeito
e voltaríamos a uma situação de legalidade.
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O jornalista Mino Carta, diretor de redação da CartaCapital/ Reprodução/ CartaCapital. |
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