Se
o presidente ilegítimo informa com invulgar candura, como acaba de ocorrer, que
o impeachment de Dilma Rousseff resultou dos rancores de Eduardo Cunha em
relação ao PT, admite, ele próprio, que golpe houve e a ilegitimidade do seu
governo. E onde ficam as célebres pedaladas?
CartaCapital- Coisas nossas, cantava um velho samba sobre bossas nativas, no caso
representativas de um país à matroca, entregue a uma avassaladora crise moral,
política, econômica, social, cultural. Não vale constatar a ausência de
democracia, impossível em uma nação recordista em desigualdade. Casa-grande
e senzala de pé, medievalidade assegurada. Cabe dizer, isto sim, que nunca
caímos tão embaixo.
Neste
precipitar, avultam ignorância e hipocrisia, escassa saúde mental e
prepotência. Nem por isso deixamos de frequentar a tradicional dicotomia
ideológica, direita-esquerda, enquanto o ideal esquerdista não medra na
senzala, assim como a casa-grande não é de direita, ou conservadora, e sim tão
somente despótica. Churchill, Adenauer, De Gasperi foram a direita conservadora.
Berlinguer,
Palme, Brandt, a esquerda progressista. Atuavam em países de autêntica
democracia, com dignidade e eficácia ao sabor de papéis muito bem arcados.
Esperar por algo similar no Brasil dos últimos cem anos exprimiria uma ilusão e
uma falácia. Nunca, contudo, foi tão clara a nossa total inadequação a qualquer
sonho democrático.
As
delações colhidas pela Lava Jato exibem as mazelas partidárias e confirmam a
condição das empreiteiras e do mercado como fiadores do poder. Algo, porém, é
ainda mais espantoso: a ausência de Justiça e o comportamento da mídia. A
República de Curitiba cuidou, bem antes do impeachment, de alavancar o golpe,
para revelar o objetivo primeiro de toda a operação: destruir Lula e o PT.
O
alvo é claro, o ex-presidente é culpado por ser o grande líder popular, o único
a pôr em xeque os interesses da casa-grande, a despeito de bom praticante do
jogo do cravo e da ferradura, conforme foi provado em seus dois mandatos na
Presidência da República.
Não
bastou, é preciso acabar com ele para que não volte, e, portanto, escolhe-se o
culpado antes de definir a culpa aparente, aquela prevista no código. E se
faltar a prova? A convicção dos julgadores é suficiente.
A
Lava Jato é um fenômeno de ilegalidade sem similares na condução de outras
operações anticorrupção realizadas mundo afora. Não é admissível à luz da lei,
de fato um crime cometido na pretensão de combater o crime, prender cidadãos e
esticar seu cativeiro a bel-prazer do juiz para forçar uma delação extorquida.
Tampouco
é admissível que o depoimento filmado dos delatores seja previamente negociado
e que cada qual, na hora azada, compareça diante das câmeras a carregar um
papelucho, espécie de “cola” escolar às claras, roteiro de sua fala.
O
Supremo Tribunal presta-se ao jogo, como se deu por ocasião de um impeachment
sem motivo e quando se procura um culpado antes de escolher a culpa. O ataque
cerrado ao ex-presidente transparece nas gravações. Se Emilio Odebrecht diz que
é hábito da sua construtora investir em todas as empresas de comunicação, os
inquisidores não solicitam que esclareça a quais se refere.
A
questão diz respeito exclusivamente a CartaCapital, por ser uma das raríssimas
vozes discordantes da mídia do pensamento único.
Condenar
Lula no momento em que se torna cada vez mais favorito para as próximas
eleições é o objetivo comum dos golpistas. Aqui a sintonia é perfeita e, a
depender de quem desmanda, o propósito é manter o calendário eleitoral uma vez
cumprida a missão de alijar Lula da disputa.
A
saída correta está, obviamente, na antecipação do pleito a partir das denúncias
postas pelas delações da Lava Jato, de sorte a devolver a palavra final ao
povo. Mas o povo que se moa. As instituições estão destroçadas e decisivas para
os golpistas são a inexistência da Justiça e a propaganda midiática. Tais as
garantias do estado de exceção em que precipitamos.
Esta imagem dispensa legenda. Foto: Evaristo Sa/AFP |
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