Do
Infoescola
Em
uma época na qual os negros ainda não tinham conquistado sua liberdade, embora
formalmente fossem considerados livres, alguns ex-escravos encontraram um
caminho para lutar pelos seus direitos, uma estranha coreografia que mesclava
luta e dança, conhecida como Capoeira. É neste cenário que surge um dos heróis
mais lendários do Brasil, Besouro.
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Reprodução do vídeo abaixo. |
Esse
enigmático personagem da história brasileira veio ao mundo em 1897, oito anos
depois da libertação legal dos escravos, em Santo Amaro da Purificação, cidade
localizada no Recôncavo Baiano. Seus pais, João Grosso e Maria Haifa, eram
ex-escravos.
Embora
portadores do status de pessoas libertas, os negros não eram exatamente
tratados como membros da sociedade. Na verdade eles faziam parte de uma massa
informe, desprovida dos direitos mais elementares, como moradia, alimentação e
trabalho.
Mergulhados
neste contexto marginal, os ex-escravos praticamente perpetuam sua antiga
condição, particularmente no campo, sob as garras dos mesmos fazendeiros e
senhores de engenho que tanto se beneficiaram na época da escravidão. É este
cenário que Manoel encontra ao nascer no interior da Bahia.
Aos
vinte anos ele já é chamado de Besouro Mangangá, ou Besouro Cordão de Ouro.
Analfabeto, ele já era um capoeirista de renome, a quem ninguém conseguia
superar nesta luta. Apesar de ser um bravo guerreiro, ele também se submetia às
condições de trabalho impostas pelos fazendeiros de sua terra, labutando
arduamente na lavoura de cana. Só que o destemido negro não temia seus
opressores, e não era preciso muito para que ele se rebelasse, o que contribuiu
para a construção de sua fama.
Pouco
se sabe sobre os caminhos que ele percorreu, mas não é difícil imaginar que
suas atitudes tenham despertado a ira dos dirigentes daqueles tempos, os quais
provavelmente o viam como um perigoso insurgente. As histórias lendárias que
circulam sobre este personagem descrevem combates épicos com o corpo policial
de então, dos quais Besouro sempre era o vencedor. Alguns diziam que ele tinha
o ‘corpo fechado’, pois nem mesmo as balas o atingiam.
Seu
apelido, Mangangá, explica miticamente sua incrível capacidade de fugir dos
seus adversários – ele se refere a uma espécie de besouro que provoca uma
contundente ferroada. Ou seja, o lutador derrotava o inimigo e logo após
desaparecia sem deixar vestígios. Diz a lenda que ele simplesmente saía voando.
Sua
morte também está envolta em mistério. Afirma-se que, depois de um confronto
com servidores de uma fazenda, ele teria levado uma facada; acrescentam os
mitos que a faca seria confeccionada com uma madeira ilustre chamada de ticum,
única arma com poderes para transpassar uma pessoa que tinha o ‘corpo fechado’,
de acordo com o universo religioso afro-brasileiro. Conforme a versão oficial,
ele foi morto em uma armadilha organizada pelo filho de um fazendeiro.
Besouro
está de volta, mais forte do que nunca, comprovando sua imortalidade como
símbolo da cultura negra brasileira. Este mito foi resgatado pelo cineasta João
Daniel Tikhomiroff, que por sua vez se inspirou na obra Feijoada no Paraíso, de
Marco Carvalho. Ele procura resgatar esta história não como um filme
documental, mas sim como uma mistura de ficção e fantasia.
A
produção promete e acena com a possibilidade de uma indicação para a categoria
de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Mas seu maior mérito é tirar das sombras
do esquecimento este fantástico personagem histórico, interpretado por Ailton
Carmo.
Assista ao trailer do filme:
Assista ao trailer do filme:
Mais sobre o Besouro
Besouro
(Ailton Carmo) foi o maior capoeirista de todos os tempos. Um menino que -- ao
se identificar com o inseto que ao voar desafia as leis da física -- desafia
ele mesmo as leis do preconceito e da opressão. Passado no Recôncavo dos anos
20, Besouro é um filme de aventura, paixão, misticismo e coragem. Uma história
imortalizada por gerações, que chega aos cinemas com ação e poesia no cenário
deslumbrante do Recôncavo Baiano.
Quando
Manoel Henrique Pereira nasceu, não havia nem dez anos que o Brasil tinha sido
o último país do mundo a libertar seus escravos.
Naqueles
tempos pós-abolição nossos negros continuavam tão alijados da sociedade que
muitos deles ainda se questionavam se a liberdade tinha sido, de fato, um bom
negócio. Afinal, antes de 1888 eles não eram cidadãos, mas tinham comida e casa
para morar. Após a abolição, criou-se um imenso contingente de brasileiros
livres, porém desempregados e sem-teto. A maioria sem preparo para trabalhar em
outros serviços além daqueles mesmos que já realizavam na época da escravatura.
E quase todos ainda sem a plena consciência de sua cidadania. O resultado desse
quadro, principalmente nas regiões rurais, onde estavam os engenhos de açúcar e
plantações de café, foi o surgimento de um grande contingente de negros libertos
que continuavam, mesmo anos após a abolição, submetendo-se aos abusos e
desmandos perpetrados por fazendeiros e senhores de engenho.
Assim
era sociedade rural brasileira de 1897, ano em que Manoel Henrique Pereira,
filho dos ex-escravos João Grosso e Maria Haifa, nasceu na cidade de Santo
Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.
Vinte
anos depois, Manoel já era muito mais conhecido na cidade como Besouro Mangangá
- ou Besouro Cordão de Ouro -, um jovem forte e corajoso, que não sabia ler nem
escrever, mas que jogava capoeira como ninguém e não levava desaforo para casa.
Como quase todos os negros de Santo Amaro na época, vivia em função das
fazendas da região, trabalhando na roça de cana dos engenhos. Mas, ao contrário
da maioria, ele não tinha medo dos patrões. E foram justamente os atritos com
seus empregadores - e posteriormente com a polícia - que deixaram Besouro
conhecido e começaram a escrever a sua imortalidade na cultura negra
brasileira.
Há
poucos registros oficiais sobre sua trajetória, mas é de se supor que a postura
pouco subserviente do capoeirista tenha sido interpretada pelas autoridades da
época como uma verdadeira subversão. Não por acaso, constam nas histórias sobre
ele episódios de brigas grandiosas com a polícia, nas quais ele sempre se saía
melhor, mesmo quando enfrentava as balas de peito aberto. Relatos de fugas
espetaculares, muitas vezes inexplicáveis, deram origem a seu principal
apelido: Mangangá é uma denominação regional para um tipo de besouro que produz
uma dolorosa ferroada. O capoeirista era, portanto, "aquele que batia e
depois sumia". E sumia como? Voando, diziam as pessoas...
Histórias
como essas, verdadeiras ou não, foram aos poucos construindo a fama de Besouro.
Que se tornou um mito - e um símbolo da luta pelo reconhecimento da cultura
negra no Brasil - nos anos que se sucederam à sua morte.
Morte
que ocorreu, também, num episódio cercado de controvérsias. Sabe-se que ele foi
esfaqueado, após uma briga com empregados de uma fazenda. Registros policiais
de Santo Amaro indicam que ele foi vítima de uma emboscada preparada pelo filho
de um fazendeiro, de quem era desafeto. Já a lenda reza que Besouro só morreu
porque foi atingido por uma faca de ticum, madeira nobre e dura, tida no
universo das religiões afro-brasileiras como a única capaz de matar um homem de
"corpo fechado".
E
Besouro, o mito, certamente era um desses.
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