23 de setembro de 2021

Projeto "Selo Município Sem Racismo" é aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará

 

Professor Nicolau Neto durante fala sobre o papel da escola na construção de uma educação antirracista na trajetória pedagógica em Altaneira, em 03/08/21. (FOTO/ João Alves).

A Assembleia Legislativa do Ceará aprovou, nesta quarta-feira (22), o projeto de lei do poder executivo que cria o “Selo Município sem Racismo” no estado. De acordo com um levantamento de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 71% da população do Ceará se autodeclara negra.

Veja ainda:

Altaneira é o primeiro município do cariri a contar com plano de combate ao racismo e de promoção da equidade

Conforme a Casa, o objetivo é estimular ações de combate ao racismo e de promoção à igualdade racial. A proposta foi aprovada com duas emendas do deputado Renato Roseno (Psol).

As prefeituras precisam realizar as seguintes ações para serem certificadas:

Criar uma estrutura ou escolher uma secretaria para políticas públicas de promoção da igualdade racial;

Criar o Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;

Promover formação continuada para gestores e servidores sobre relações étnico raciais;

As ações municipais serão observadas pela Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos (SPS) do Ceará. Martír Silva, coordenadora de política de promoção da igualdade racial da SPS, comenta sobre a aprovação da lei.

Essa lei é o reconhecimento e a valorização da diversidade racial no Ceará. Nós temos aqui uma presença significativa de povos indígenas, remanescentes de quilombos, uma população negra em quantidade e tamanho significativo, temos a presença dos ciganos e da população de terreiro”, reforça a coordenadora.

O deputado Júlio César Filho (Cidadania), líder do governo na Assembleia Legislativa, comenta as ações do governo para promover a participação dos municípios. “O estado pode oferecer uma parceria de cooperação técnica através da experiência estadual dentro da estrutura do estado para fazer com que seja fomentada uma grande rede de combate ao racismo dentro do Ceará”, explica o parlamentar.

________________

Com informações do G1 CE.


22 de setembro de 2021

Calculando histórias

Alexandre Lucas, Colunista. (FOTO/ Reprodução).



Uma calculadora e uma garrafa branca com café quente e bem preto, a mesa tinha algumas canetas e papéis preenchidos de rascunhos. Vozes, latidos e batidas de bola entoavam a noite. Um jazz tentava bloquear o desfoco. Um incenso soprava cheiros. O calor estava furioso que fazia sangrar o suor. Sem camisa, apenas um pouco de roupa.  

Um gole, café amargo, trivialidade da casa, pouco açúcar. As roupas estavam sujas, mas faltava coragem para colocar em ordem a limpeza. Coragem não é coisa para todo dia. Mais um gole, desta vez, água com uns pingos de limão.

Mas o que não saía da cabeça, era um guarda-roupa velho, antigo,  talvez tenha sido da bisavó. Já faz mais de 18 anos que ele foi deixado num quarto, deu até briga. Pouco importava se ele tinha sido da bisavó. Foi deixado com dor, naquele quarto apertado e abarrotado de incertezas.

Quase tudo ficou naquela casa, apenas roupas e alguns livros couberam na despedida. O guarda-roupa ficou preso às posses alheias.

Naquele momento era preciso arranjar outro guarda-roupa, outra casa, a vida seria a mesma em cenários diferentes.

As memórias parecem que duram mais que os guarda-roupas.

Projeto que cria "Selo Município Sem Racismo" será votado nesta quarta (22)

 

O projeto que cria o "Selo Município Sem Racismo" está na pauta da sessão desta quarta na Assembleia Legislativa. (FOTO/ José Leomar).

Os deputados estaduais irão analisar, na sessão desta quarta-feira (22), projeto de lei que cria o "Selo Município Sem Racismo". A proposta do Governo do Estado pretende estabelecer a certificação para incentivar cidades cearenses a adotarem políticas de promoção da igualdade racial.

A votação ocorre na mesma semana em que a delegada da Polícia Civil, Ana Paula Barroso, denunciou caso de racismo em uma loja Zara, após ter acesso negado. O caso está sob investigação.

O projeto de lei, apresentado no início de setembro, aponta que a "diversidade étnico-racial" do Ceará encontra obstáculos "em virtude do racismo estrutural que embasa a formação histórica desde o processo de colonização" brasileira.

O texto da proposta ressalta ainda que o objetivo da criação desta certificação é "o fortalecimento dessas importantes ações" de promoção da igualdade racial em todo o Estado.

CRITÉRIOS PARA RECEBER O SELO

Caso seja aprovada, para receber o "Selo Município Sem Racismo", as cidades cearenses irão precisar cumprir alguns critérios.

Dentre eles, a criação de uma estrutura institucional para o desenvolvimento de políticas de promoção de igualdade racial. Neste caso, o Município também poderá designar uma pasta já existente para a realização de ações neste sentido.

Também será necessário a instituição, por lei municipal, de um Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - inclusive, respeitando a paridade entre integrantes da sociedade civil e da gestão pública.

Por último, também será necessário promover formação continuada para gestores e servidores da Prefeitura sobre relações étnico raciais.

O texto da proposta estabelece ainda que os municípios terão acesso a cooperação técnica e assessoramento por meio da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para Promoção da Igualdade Racial.

______________

Com informações do Diário do Nordeste.

21 de setembro de 2021

O que é racismo ambiental e como contribui para a retirada de direitos no Brasil

 

(Imagem: Fotos Públicas).

Por trás da seleção de uma comunidade específica para o recebimento de uma instalação de indústrias poluidoras, depósito de rejeitos tóxicos ou, por exemplo, a não garantia de direitos fundamentais como o acesso à água tratada e ao saneamento básico, existe uma lógica racista chamada de racismo ambiental.

Trata-se de uma discriminação que alimenta a lógica de instituições públicas e privadas na seleção de determinadas áreas e comunidades para serem impactadas por uma utilização exploratória de seus territórios. Esse racismo também está na falta da elaboração de políticas públicas e ambientais e se revela na ausência de aplicação de leis e regulamentos que protejam populações em vulnerabilidade, além de medidas de conservação ambiental que desconsideram o manejo sustentável e ancestral dos povos tradicionais, que são os principais responsáveis pela manutenção da biodiversidade.

A população alvo é sempre a mesma

A expressão racismo ambiental foi utilizada pela primeira vez em 1981 pelo ativista por direitos civis e líder afro-americano Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., que também foi assistente de Martin Luther King Jr. nos Estados Unidos. O contexto de surgimento do termo esteve atrelado a investigações e pesquisas que Benjamin fez sobre a concentração de atividades poluentes em áreas com maior presença de pessoas negras.

As populações mais impactadas pelo racismo ambiental são quilombolas, povos pesqueiros, indígenas, ribeirinhos, periféricos, pessoas negras e demais grupos e comunidades tradicionais. São povos constantemente ameaçados pelo risco da contaminação, do desabamento, do rompimento de barragens, das invasões do agronegócio e pelos efeitos das mudanças climáticas, por exemplo.

Na cidade o racismo ambiental se manifesta na segregação espacial da população negra. São a maioria que sofre com a ausência de infraestrutura, são lugares de ausência de serviços de segurança ambiental diante da crise climática que as impacta pelas grandes enchentes, resultantes do aumento das chuvas e dos deslizamento das moradias nos morros e encostas”, comenta Diosmar Filho, geógrafo e doutorando em Geografia na UFF (Universidade Federal Fluminense).

Esse tipo de racismo é vivenciado diariamente por muitos povos do Brasil. Existem três tipificações de como ele se manifesta nos territórios de comunidades tradicionais como quilombolas e indígenas: desumanização das comunidades, danos ao desenvolvimento sustentável e marcos da injustiça ambiental.

______________

Com informações do Alma Preta. Leia o texto completo aqui.

19 de setembro de 2021

Entenda o que foi a Frente Negra, movimento pioneiro criado há 90 anos



Aniversário de fundação da Frente Negra Brasileira (Foto: Acervo Biblioteca Nacional).

Em 5 de abril de 1932, o jornal Folha da Manhã noticiou em uma nota que havia numerosas adesões de pessoas à Frente Negra Brasileira, em Campinas, no interior de São Paulo. No dia seguinte, outra reportagem dizia que uma comitiva esteve na cidade de Sorocaba para “assentar as bases para a delegação representativa”.

Notícias assim passaram a ser comuns após um grupo de “homens de cor”, como eram chamados os negros na época, fundar a Frente Negra Brasileira, em 16 de setembro de 1931, em São Paulo.

Pioneira do movimento negro brasileiro, a associação tinha o objetivo de unir a população negra em defesa de seus direitos e contra o “preconceito de cor”, expressão que à época se usava para tratar do racismo.

O objetivo formal da FNB era a afirmação dos direitos históricos da gente negra e a elevação moral, intelectual e social da população negra”, diz Márcio Barbosa, autor do livro “Frente Negra Brasileira — Depoimentos” (Quilombhoje, 1998).

Podemos pensar que esses objetivos eram bem gerais, mas eram também muito ousados, se levarmos em conta o contexto da época, com todas as dificuldades de organização que se apresentavam interna e externamente”, afirma.

De acordo com Márcio Barbosa, temas que faziam parte das diretrizes da FNB permanecem na pauta do movimento negro atual, como a educação e a participação política.

Em relação à educação, houve avanços, como a conquista das leis 10.639 e 11.645 [obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas] e das políticas de ação afirmativa no ensino superior”, afirma. “Por outro lado, no campo da atuação político-partidária, no século 20 não houve nenhum outro partido negro”, diz.

Segundo Petrônio Domingues, historiador e professor da Universidade Federal de Sergipe, quando se faz um paralelo entre a luta frentenegrina e a do movimento negro atual, percebe-se um avanço significatico. “A sociedade e o estado brasileiro passaram a compreender que o racismo no país é estrutural”, diz.

“Especialistas, e eu faço parte desse grupo, entendem que estamos em uma era pós-democracia racial. A narrativa de que não há racismo não cola mais”, afirma.

O historiador destaca também como importantes avanços o reconhecimento das comunidades remanescentes quilombolas, o que lhes deu o direito de titulação das terras, e a Lei Caó (1985), que tornou o racismo crime inafiançável.

Foi uma longa jornada de lutas, e ela começou antes mesmo de surgir a Frente Negra Brasileira.

Por volta de década de 1920, começaram a pipocar algumas associações de negros, em geral de cunho recreativo. Uma delas, o Centro Cívico Palmares, foi fundado em 1926 e dissolvido em 1929. Dois anos depois, alguns de seus membros criaram a Frente Negra, em São Paulo.

De acordo com o historiador Petrônio Domingues, a perspectiva era a de unificar a luta contra o racismo o Brasil, e a Frente Negra tornou-se a maior organização em defesa dos direitos do negro no período pós-abolicionista.

A primeira sede da entidade foi no Palacete Santa Helena, na Praça da Sé (centro de São Paulo), mas o número de filiados cresceu tanto que precisaram se mudar para uma casa maior na rua da Liberdade, onde atualmente é a Casa de Portugal.

Grupo posa para foto em frente a sede da delegação da Frente Negra Brasileira (FOTO/ Acervo Biblioteca Nacional)

A adesão ao movimento frentenegrino expandiu de maneira tão rápida que, em menos de um ano, a entidade já estava no interior paulista. Não demorou muito para que suas ideias ganhassem adeptos em outros estados, como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Não há consenso entre os especialistas sobre quantos filiados aderiram ao movimento. Alguns calculam que podem ter sido 50 mil. Outros estimam números entre 100 mil e 200 mil.

“Além da ausência de políticas públicas para essa população no período pós-abolição, o que a destinava ao desemprego ou aos subempregos, havia também uma situação de precariedade na área de saúde, com muitos casos de tuberculose”, diz Márcio Barbosa.

A entidade possuía diversos departamentos. Segundo especialistas, o da instrução se destacou ao oferecer aulas de alfabetização para crianças e turmas noturnas para adultos.

Crianças na escola da Frente Negra Brasileira (FOTO/ Arquivo pessoal de Márcio Barbosa)

A educação era um pilar fundamental da proposta frentenegrina de elevação moral, intelectual e social da população negra. Por meio da educação, homens e mulheres poderiam superar a situação de marginalização, ganhar respeitabilidade e participar ativamente do cenário político”, afirma o autor.

Para escrever seu livro, Márcio Barbosa ouviu o depoimento de cinco frentenegrinos. Nas conversas, ficou evidente na memória deles o impacto da FNB nas situações mais cotidianas.

Para essas pessoas, a situação econômica era um obstáculo, mas, a partir de sua inserção na FNB, elas conseguem fazer a associação dessa situação econômica com o racismo estrutural e conseguem sair do plano individual para o coletivo”, diz o autor.

Aristides Barbosa afirma, por exemplo, que para ele a FNB era uma segunda casa, ele ia para lá todas as noites. Lá ele encontrava um local de sociabilidade, de convivência, afinal havia palestras, saraus, apresentação de peças teatrais, entre outras coisas”, afirma o escritor.

A entidade chegou a ter também uma banda e um time de futebol, além de oferecer assistência jurídica e médica e promover atividades culturais.

Mulheres negras tiveram papel fundamental na formação da associação. Entre os diversos grupos que elas criaram dentro da FNB, havia um voltado para promover atividades lúdicas, artísticas e culturais, chamado Rosas Negras. Outro fomentava atividades assistencialistas, tais como ações beneficentes.

Grupo Rosas Negras (FOTO/ Arquivo pessoal de Márcio Barbosa)

Francisco Lucrécio também fala da importância das Rosas Negras e da mulher em geral para a FNB. Ele afirma que elas eram maioria e que tinham mais condições do que os homens de arcar com as mensalidades da associação, pois tinham mais ofertas de emprego trabalhando como cozinheiras”, diz Márcio Barbosa.

Ainda assim, não ocupavam cargos de diretoria, o que mostra que sua participação em postos de poder ainda estava submetida a uma lógica de exclusão, segundo o autor.

A imprensa também teve papel importante na época, tanto que, em 1933, a Frente Negra criou o seu próprio jornal, chamado “A Voz da Raça”.

A FNB compreendia sua luta em termos nacionalistas, por entender que a população negra era a mais brasileira de todas. Segundo Márcio Barbosa, essa concepção se deu por causa de seu primeiro presidente, Arlindo Veiga dos Santos, que tinha uma ideologia monarquista e era anticapitalista e anticomunista.

Arlindo também tinha amizade com o integralista Plínio Salgado, por isso se tornou comum dizer que a FNB apoiava o integralismo”, afirma.

Por outro lado, é interessante notar que vários personagens brancos conhecidos, e que foram integralistas ou simpatizantes, não tiveram sua imagem ligada a essa corrente ideológica tão intensamente como a FNB tem tido”, diz. “Temos uma tendência de julgar o passado a partir da nossa experiência presente, utilizando as mesmas referências”, afirma.

Para Petrônio Domingues, na Frente Negra nunca existiu um pensamento único. Ela reunia várias tendências e uma diversidade de ideias e pensamentos a ponto de ter socialistas, comunistas, monarquistas, fervorosos getulistas e anti-getulistas.

Na Revolução Constitucionalista de 1932, por exemplo, um setor minoritário da FNB apoiou São Paulo contra Getúlio Vargas. O episódio fez com que houvesse uma divisão entre seus membros, e do racha surgiu a Legião Negra.

Como última ação da entidade, em 1936, os frentenegristas criaram um partido político. Um ano depois, porém, Getúlio aboliu todos os partidos.

Segundo os especialistas, o episódio foi crucial para o destino da entidade. “Depois do decreto de Getúlio, a FNB encerrou suas atividades. Francisco Lucrécio, entretanto, não atribui só ao fato político o fim da FNB, mas também ao esgotamento físico e mental de seus membros”, diz Márcio Barbosa.

Após o episódio houve ainda uma tentativa de criar uma nova entidade chamada União Negra para dar continuidade ao trabalho da FNB, mas ela não vingou.

_______________________

Por Priscila Camazano, publicado na Folha de S. Paulo e reproduzido no Geledés.

18 de setembro de 2021

Documentário celebra os 100 anos de nascimento de Paulo Freire

(FOTO/ Reprodução).

Na semana em que se comemoram os 100 anos de nascimento de Paulo Freire, a TV Cultura exibe documentário inédito sobre o educador pernambucano. Apresentada pelo jornalista e diretor Leão Serva, a produção vai ao ar neste sábado (18/09), às 22h. O livro “Pedagogia do oprimido” é um marco na obra de Freire, grande pensador brasileiro das ciências humanas e um dos educadores mais reconhecidos no mundo.

Ele foi professor das universidades de Harvard, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra, e recebeu cerca de 40 títulos de doutor honoris causa em universidades, entre elas Oxford, na Inglaterra, e Coimbra, em Portugal. “Paulo Freire, 100 anos” reúne os principais estudiosos da obra do pensador para explicar a sua importância e, ao mesmo tempo, os motivos de ele ter se tornado vítima de tantos ataques extremistas.

Paulo Freire foi preso pela ditadura militar por ser considerado subversivo, perigoso, inimigo do povo e de Deus. Seu exílio de 16 anos começou pela Bolívia, em 1964, ano do golpe militar, e, de certa forma, enriqueceu sua obra, baseada nas experiências dele pelo mundo. No Chile, ele concebeu a teoria da pedagogia do oprimido.

Na Suíça, onde trabalhava para o Conselho Mundial de Igrejas, ganhou projeção mundial e participou da alfabetização de populações pobres no continente africano. Com a anistia e o retorno ao Brasil, Paulo Freire continuou a produzir obras importantes, como a “Pedagogia da esperança”, e retomou as aulas e atividades na universidade.

____________

Com informações do EM.

17 de setembro de 2021

Após repercussão, livro republicado pela Companhia das Letras que mostra crianças em navio negreiro, é retirado do mercado

 

(FOTO/ Reprodução).

A Companhia das Letras se manifestou em nota com um pedido de desculpas no último sábado (11), sobre a repercussão do livro infantil Abecê da Liberdade. A obra conta a história do abolicionista Luiz Gama, mas narra em primeira pessoa relatos de diversos momentos supostamente vividos por Gama durante a escravização na infância, como se não se tratasse de uma vivência traumática e amedrontadora, usando tons de ironia.

Lamentamos profundamente que esse ou qualquer conteúdo publicado pela editora tenha causado dor e/ou constrangimento aos leitores ou leitoras. Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão”, diz um trecho da nota, que também afirma que a edição já está fora de mercado e não voltará a ser comercializada.

A obra é de autoria de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, com ilustrações de Edu Oliveira. A reimpressão foi publicada em 2020, sem alterações, e foram vendidas cerca de duas mil cópias em todo o Brasil. Mas, o livro foi lançado originalmente em 2015 pelo selo Alfaguara da Editora Objetiva, e automaticamente incorporado ao catálogo da Companhia das Letrinhas quando a Objetiva foi adquirida pelo grupo.

Em um trecho específico, o narrador conta em primeira pessoa como teria sido a viagem de Gama em um navio negreiro da África até a América quando criança, descrevendo brincadeiras como se os personagens estivessem em um ambiente leve. No entanto, se tratava de um espaço insalubre, com condições precárias e muitas mortes pelo caminho, não um local para brincadeiras lúdicas.

Eu, a Getulina e as outras crianças estávamos tristes no começo, mas depois fomos conversando, daí passamos a brincar de pega-pega, esconde-esconde, escravos de Jó (o que é bem engraçado, porque nós éramos escravos de verdade), e até pulamos corda, ou melhor, corrente”, diz o trecho, que também traz uma ilustração das crianças brincando.

Página do livro Abecê da Liberdade.

Em entrevista ao portal UOL, Marcus Aurelius Pimenta explicou que a produção do livro não foi acompanhada por nenhum especialista ou autor negro. Já Torero afirma que o livro é um romance histórico para crianças, uma obra de ficção, onde não há a busca de exatidão histórica.

Em suas redes sociais, o doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-RIO, Davi Nunes, que também é escritor do livro infantil “Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula”, opinou sobre o caso.

Os dois escritores antipretos fabulam, gozam, regozijam-se, romantizam toda a nossa desgraça, horror e violência extrema que vivemos nos séculos de escravidão e que vivemos até hoje nesse país”, escreveu “Há de se notar que quando a polícia chega na favela e atira em jovens e crianças negras como se fossem baratas, coisas, objetos descartáveis, esse imaginário sobre pessoas negras feito por esses escritores brancos já engatilhou a arma e o resultado a gente já sabe qual é. Ainda utilizaram o nome sagrado de Luiz Gama para propagar toda a perversão e violência que está entranhada no livro que escreveram”.

Editora Malê se desliga de projeto da Companhia de Letras

Com a repercussão do caso, a Editora Malê comunicou em nota nesta segunda-feira (13) o seu desligamento do projeto “Por uma escola afirmativa: construindo escolas antirracistas”, idealizado pela Editora Companhia das Letras e do qual participa um coletivo de editoras. A Malê edita literatura afro brasileira com o objetivo de colaborar com a ampliação da diversidade do mercado editorial brasileiro.

Entendemos como ofensiva à dignidade e à história da população negra brasileira a publicação “ABECÊ da Liberdade: a história de Luiz Gama” […]. O livro, voltado para as crianças, relativiza os horrores da escravidão e os horrores dos navios negreiros — conhecidos também como tumbeiros”, diz um trecho da nota.

A Malê reafirma o seu compromisso com as vidas negras, com uma educação antirracista — que se coloca anterior à questão mercadológica. Repudiamos a desumanização dos indivíduos negros na literatura e entendemos que práticas discursivas racistas (inclusive na literatura) refletem diretamente na permanente situação de vulnerabilidade à morte em que vive a população negra”, finaliza.

__________________

Por Andressa Franco, publicado originalmente na Revista Afirmativa.

Documentário conta história de Zélia Amador, 1ª reitora negra de uma universidade

(FOTO/ Divulgação).

Um dos nomes mais expoentes na luta antirracista e pelos direitos da população negra, a paraense Zélia Amador de Deus terá um filme em sua homenagem. O curta-metragem “Amador, Zélia”, de gênero documental, narra suas vivências enquanto mulher negra. Referência também na luta dos povos quilombolas, indígenas e pessoas LGBTQIA+, Zélia terá sua história mais conhecida nas telas partir desta segunda-feira (13).

Filha de uma empregada doméstica natural da ilha do Marajó, no Pará, Zélia Amador é professora da Universidade Federal do Pará, coordenadora da Assessoria de Diversidade e Inclusão Social, atriz, diretora de teatro e ativista do Movimento Negro. Foi uma das fundadoras do Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa) e do Grupo de Estudos Afro-Amazônicos (GEAM-UFPA). Foi presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negro, participou da criação do sistema de cotas negras nas universidades e, dentro do ambiente acadêmico, recebeu o título de primeira reitora negra do país.

Para retribuir a sua contribuição e espalhar os seus feitos - principalmente em tempos de conservadorismo e retrocessos políticos -, o diretor Glauco Melo e o roteirista Ismael Machado fundem os relatos da homenageada com recortes de sua vida em uma dramatização simulando um monólogo teatral e inserção de animações. Ao todo, o filme conta com 24 minutos.

Em trailer divulgado nas redes sociais, é possível ouvir um trecho da fala de Zélia pontuando a sua relação com a autoestima, enquanto mulher negra, e seu processo de aceitação. “O black power foi a minha libertação. O meu cabelo cresceu, foi-se. Bem, eu tinha orgulho do meu black, aí passei a me aceitar e a entender que esse meu corpo tem uma história, história de um povo que foi vilipendiado, história de um corpo que carrega história”, conta.

Para esses e outros depoimentos, o filme estará disponível a partir das 19h, de forma gratuita, no canal do YouTube da produtora Floresta Urbana. “Amador, Zélia” contou com incentivo da Lei Aldir Blanc, via Secretaria de Cultura do Pará. Assista pelo no canal da produtora Floresta Urbana.

__________

Com informações do Alma Preta.