2 de setembro de 2018

A História nos condena, por Fábio Konder Comparato*


D. Pedro II recomendava a cadeia aos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal. 

Realçar as deficiências de nossa formação nacional não significa falta de patriotismo. Bem ao contrário, tal procedimento é a condição sine qua non para que comecemos a corrigi-las, abrindo assim novos rumos ao futuro deste país. O primeiro e mais marcante desses vícios congênitos na formação da sociedade brasileira foi o predomínio absoluto do interesse privado sobre o bem público; incontestavelmente, o produto inelutável do espírito capitalista, que desde o início animou o processo de nossa colonização.

Como salientou o primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador, em sua obra publicada em 1627, “nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

Duarte Coelho em 1546; "Não sei se lhes chame
povoadores ou lhes diga e chame salteadores".
Para tomarmos um só exemplo, a apropriação dos bens públicos pelos particulares não representava à época escândalo algum, pois a confusão entre uns e outros fazia parte do costume colonial. No Relatório apresentado em 1779 a seu sucessor, D. Luís de Vasconcelos e Souza, o Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Brasil, assinalou haver encontrado o Cofre Público do Rio de Janeiro em “grandíssima desordem”, e esclareceu: “Este cofre o tinha o tesoureiro na sua casa, todo ao seu arbítrio”.

Por sua vez, o Padre Antônio Vieira emprega análoga diatribe no Sermão alegórico de Santo Antônio Pregando aos Peixes, pronunciado em São Luís do Maranhão, em 1654: “Importa que daqui por diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um, para que não suceda que, assim como hoje vemos a muitos de vós diminuídos, vos venhais a consumir de todo”.

Frei Vicente em 1627: ninguém aqui "zela ou trata do bem
comum, senão cada um do bem particular".
O segundo vício congênito da colonização portuguesa em solo americano foi fazer do Brasil uma terra de degredo de criminosos. Para cá vieram desterrados os autores dos mais graves crimes, conforme dispunha o Título CXL do Livro Quinto das Ordenações Filipinas. Como declarou Duarte Coelho, primeiro Capitão-Geral de Pernambuco, em carta enviada a Sua Majestade em 20 de dezembro de 1546, “não sei se lhes chame povoadores ou se lhes diga e chame salteadores”.


O fato é que o caráter delinquente do povo aqui instalado acabou por provocar a endemia da corrupção, sobre a qual até há pouco os historiadores nacionais faziam completo silêncio, em contraste com vários testemunhos de estrangeiros que aqui habitaram.

O inglês John Luccock, por exemplo, que aqui viveu dez anos no início do século XIX, em seu livro Notas Sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil, é categórico: “Raro se podia acreditar nalguém, ainda mesmo em suas afirmações mais solenes; menos ainda os que merecessem confiança, ainda mesmo após uma certa experimentação de sua fidelidade. Imposturas e fraudes de toda a espécie eram tão comuns, sempre que elas pudessem ser tentadas com a esperança da impunidade, que apenas provocavam pequenos ressentimentos, transitórios e inoperantes”.

Sem dúvida, a parte mais lastimável do serviço público durante o Brasil Colônia foi o Judiciário. Sobre a generalidade dos casos de prevaricação de magistrados no período colonial, é farta a documentação, constante dos ofícios de presidentes dos Tribunais da Relação da Bahia e do Rio de Janeiro no século XVIII.

Padre Vieira em 1654: "Importa que daqui por diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum".
A razão dessa corrupção generalizada resumiu-a o Visconde do Lavradio, no Relatório apresentado a seu sucessor no vice-reinado do Brasil: “Os ordenados de todos estes ministros são pequenos, e eles a sua principal ideia é a de não se recolherem uns com menos cabedais do que se recolheram os outros”. Entenda-se: esse “recolhimento” é a volta a Portugal.

Enfim, como bem explicou o francês Auguste de Saint-Hilaire num de seus múltiplos livros sobre o Brasil, “em um país no qual uma longa escravidão fez, por assim dizer, da corrupção uma espécie de hábito, os magistrados, libertos de qualquer espécie de vigilância, podem impunemente ceder às tentações”. O fato é que a corrupção do Judiciário perdurou inabalada muito depois de encerrado o período colonial.

O Marques Lavradio ao esclarecer as razões da corrupção:
"Os ordenados dos ministros são pequenos".
Ao final do seu reinado, D. Pedro II teve ocasião de desabafar com o Visconde de Sinimbu, a respeito do mais importante tribunal do País: “A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz; e enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguirá esse fim”.

Teremos hoje logrado abolir todo abuso ou desvio de poder no quadro do Poder Judiciário? Tenho sérias dúvidas a esse respeito. Tomemos, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, que atua no ápice do sistema judiciário. Sua função precípua consiste na “guarda da Constituição” (Constituição Federal, art. 102, inciso I), a qual assegura “a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inciso LXXVIII).

Saint-Hilaire: a escravidão fez da corrupção
uma espécie de hábito e os magistrados
cedem às tentações.
É, porém, frequente que um ministro do Supremo, na qualidade de relator, uma vez encerrada a instrução do processo, ou ao receber um recurso, decida reter os autos durante anos, a seu bel-prazer; ou, então, que peça vista dos autos durante uma sessão de julgamento e os enfurne pelo tempo que quiser, sem dar satisfação a ninguém, com o claro objetivo de impedir a votação da matéria.
Quem teria poder para impedir esse abuso e punir o ministro faltoso? Absolutamente, ninguém. Esse tribunal e seus integrantes não estão sujeitos a poder algum. Pelo menos neste mundo dos seres vivos. (Com informações de CartaCapital).

*Professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.


1 de setembro de 2018

Divulgada a programação completa do IX Artefatos da Cultura Negra




Entre os dias 18 e 22 de setembro, em Crato e Juazeiro do Norte, ocorrerá o IX Artefatos da Cultura Negra que tem como temática “Aquilombar é Preciso”.

O Congresso Artefatos da Cultura Negra vem desde sua primeira edição, em 2009, sendo construído em constate diálogo com movimentos negros, estudantes, professor@s da educação básica e pesquisador@s vinculad@s às questões da população negra no Brasil e em outros países, bem como instituições de ensino superior do Estado do Ceará e tem se tornado um valoroso espaço de formação política, pedagógica e cultural de professor@s, estudantes de graduação, ativistas dos movimentos sociais e potencializado a produção acadêmica na temática a partir de palestras, mesas redondas, produção científica e oficinas.

Esses diálogos têm pautado sempre a necessidade da construção de uma educação antirracista que positive a presença negra na história e na cultura brasileira. Segundo consta no site oficial do evento, “nesta edição, o evento promoverá mesas de debates, feiras culturais, oficinas, minicursos, lançamentos de livros, atividades culturais, sessões de apresentação de trabalhos de pesquisa, relatos de experiências, dentre outros. Pretende-se ainda realizar, como parte da programação do Congresso, o I Mostra de Cinema Africano do Cariri Cearense, com exibições de documentários acompanhadas de rodas de conversa em várias comunidades da região do Cariri cearense: quilombos, ONGs, escolas de educação básica, praças públicas e outros lugares”.

A realização é do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER), Departamento de Educação (URCA), Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e Universidade Federal do Cariri (UFCA).

Clique aqui e confira a programação completa.

Por 6 votos a 1, TSE decide impedir candidatura de Lula


Lula teve sua candidatura barrada pelo TSE. Agora, deve recorrer ao STF. (Foto: AFP).


Em uma sessão que durou mais de 11 horas, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura de Lula à Presidência. Por seis votos a um, a Corte impediu sua participação na disputa com base na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados por um colegiado de disputar eleições.

Com a decisão, o PT deve ter um prazo de dez dias para modificar seu candidato, que provavelmente será Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e indicado originalmente a vice na chapa.

De acordo com a maioria do TSE, Lula não pode participar da campanha presidencial nem do horário eleitoral de rádio e televisão como candidato. Seu nome também será retirado do programa das urnas eletrônicas.

A defesa de Lula pediu, porém, para que o PT tenha o tempo de televisão e rádio preservado, pois Haddad é por ora candidato a vice, mesmo que o partido ainda possa recorrer contra a decisão de barrar Lula.

Em uma prática pouco comum, os ministros decidiram se reunir de forma reservada para refletir sobre a questão, levantada já na madrugada deste sábado 1º, e decidiram que a decisão estende-se apenas a Lula, e não ao partido. Logo, Haddad terá sua apresentação aos eleitores permitida no horário eleitoral.

A decisão também não impede Lula de aparecer no programa do PT, embora sua presença por meio de imagens de arquivo e vídeos tenha de se restringir a um quarto do tempo reservado ao partido na campanha presidencial. Os outros 75% devem ser usado apenas para os candidatos, conforme determina a legislação.

Votaram contra o registro de Lula os ministros Luís Roberto Barroso, relator do caso, Jorge Mussi, Og Fernandes, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira e Rosa Weber, presidente do TSE. Edson Fachin foi o único a votar a favor da viabilidade temporária da candidatura do ex-presidente, com base em liminar concedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Relator do caso, Luís Roberto Barroso puxou o voto da maioria, que entendeu não haver efeito vinculante na decisão do órgão ONU de conceder uma liminar a favor da presença do ex-presidente nas eleições deste ano. Segundo o relator, a decisão tem caráter de recomendação e não teve seu protocolo promulgado pela Presidência da República. O relator determinou ainda que o ex-presidente não realize atos de campanha. Ele foi seguido por outros cinco ministros.

Embora Rosa Weber tenha negado a candidatura, ela defendeu que Lula ainda tem direito a continuar a realizar atos de campanha, pois seu caso ainda cabe recurso nas instâncias superiores.  

Fachin foi o único a divergir em relação à decisão do órgão das Nações Unidas. Ele entendeu que, embora a Ficha Limpa impeça a candidatura de Lula, a decisão do Comitê da ONU deve ser respeitada, por se tratar de risco de violação ao Pacto dos Direitos Civis e Políticos, ao qual o Brasil é vinculado desde 1992. Em 2009, o Congresso aprovou o protocolo do tratado internacional.

Fachin disse não se sentir autorizado a desobedecer o pacto. Ele concorda que a Lei da Ficha Limpa impede Lula de ser candidato, mas reconhece a adesão do Brasil ao pacto da ONU e a legitimidade do pedido do ex-presidente ao comitê.

Em vídeo, a senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, afirmou que a decisão do TSE "é mais uma violência judicial a Lula". "Desconheceram a determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que assegurou o direito de Lula ser candidato. rasgaram um tratado internacional", disse a parlamentar.

Ela afirmou que o partido vai recorrer da decisão. "Não desistiremos de Lula. Enquanto houver recurso, ele pode ser candidato", diz Gleisi. "A decisão de hoje apequena o Brasil no plano internacional e também retira do povo o direito de votar livremente".

Voto de Barroso

O ministro relator Barroso barrou a candidatura do ex-presidente com base na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de concorrer a cargos eletivos.

Ele deu um prazo de dez dias para o PT substituir o cabeça de chapa, que deve ser o atual vice, Fernando Haddad. O ministro determinou ainda que Lula não pode fazer ações de campanha, entre elas participar do programa eleitoral de rádio e televisão do partido. Ainda de acordo com o magistrado, o PT só poderá fazer campanha de rádio e TV após a substituição da chapa presidencial.

O ministro não considerou determinante a decisão do Comitê da ONU de conceder uma liminar ao ex-presidente para participar da disputa. Segundo ele, o Pacto de Direitos Civis e Políticos da ONU não tem efeito na lei interna brasileira. Ele disse ainda que o Brasil não vive um estado de exceção, e defendeu o caráter técnico do Judiciário. "Não se afigura plausível o argumento de perseguição política", disse.

O ministro defendeu a análise dos argumentos do comitê. "Entendo que esse tribunal tem o dever de consideração dos argumentos expostos. Não há vinculação, mas há dever de se levar a sério os argumentos." No entanto, fez uma defesa da Lei da Ficha Limpa e disse não haver "restrições infundadas" para Lula concorrer, um dos argumentos do órgão da ONU.

Ele disse ainda que uma decisão final do Comitê só ocorreria “após as eleições e após a posse do presidente eleito, quando evidentemente os fatos já estarão consumados e serão de difícil ou traumática decisão”.

Barroso afirmou ainda que a aprovação do Congresso, em 2009, do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos não foi promulgado por decreto presidencial, argumento usado pela Procuradoria-Geral da República para pedir a impugnação de Lula.

Antes de entrar no mérito da candidatura de Lula, Barroso afirmou que jamais previu ou desejou estar nessa situação. "Não tenho qualquer preferência nessa vida que não seja o bem do Brasil, nem pessoais, nem políticos e nem ideológicos, mas a defesa da Constituição e da democracia", afirmou.

Ele disse que convocou a sessão extraordinária para essa sexta 31 para permitir à defesa de Lula "receber decisão colegiada em sessão pública", em lugar do ministro ter a responsabilidade pessoal de decidir monocraticamente a viabilidade da candidatura.

Ele afirmou que seria o mais analítico possível dado o pouco tempo que os ministros tiveram para analisar os argumentos da defesa de Lula, entregue ao TSE no fim da noite de quinta-feira 30. “A noite foi longa para mim e a minha equipe para cumprir os prazos”, disse o ministro.

Defesa e PGR

No início do julgamento, os advogados de Lula questionaram a Corte pela celeridade do julgamento - que pautou a discussão já para esta sexta-feira - sem dar prazo para a defesa apresentar alegações finais, como feito no julgamento de outros processos de impugnação de candidaturas, como a de Geraldo Alckmin.

"O critério que eu adotei foi o de ter esta matéria definida até o início da campanha eleitoral gratuita", disse Barroso.

Antes do voto de Barroso, os advogados responsáveis pelas contestações do registro de Lula fizeram as suas sustentações orais.

O Partido Novo argumentou que a jurisprudência para casos parecidos com o de Lula mas respectivos a outros cargos não podem valer para condição de presidente da República, e pediu para que a corte não atenda a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU.

Advogado da coligação de Bolsonaro alegou que posição da ONU provocaria fissura no processo constitucional e eleitoral, e lembrou que o STF já reconheceu a validade da Lei da Ficha Limpa.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge - a primeira a entrar com pedido para que Lula não possa concorrer à presidência, afirmou que a decisão do Comitê Direitos Humanos da ONU não é da competência da Justiça Eleitoral e citou jurisprudência do STF, em decisão do ministro Celso de Mello, que, segundo a procuradora, não reconhece tratado internacional que não tenha sido incorporada à legislação doméstica.

"O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos não foi promulgado no Brasil e, por isso, não há aval à recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU de autorizar a candidatura de Lula", disse.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi promulgado em 1992 pelo então presidente Fernando Collor.

Na sequência, a defesa de Lula argumentou que não compete à Justiça doméstica se sobrepor à decisão do Brasil de se juntar ao pacto. "O Brasil assinou o protocolo adicional em um ato de Estado. E isso foi ratificado pelo Congresso Nacional", disse a advogada Maria Cláudia Bucchianeri.   

A defesa afirmou que o Estado brasileiro já manifestou compromisso em cumprir as decisões do Comitê de Direitos Humanos da ONU - peça central do argumento do ex-presidente sobre seu direito a se candidatar.

"O comitê é parte integrante do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Tratados internacionais não são firmados pelo governo, e sim pelo Estado", disse a advogada de Lula.

Também em resposta à Procuradoria Geral da República, a advogada afirmou que a PGR "sempre foi parceira no direito intransigente do cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos".

Outro representante da defesa do ex-presidente, Luiz Fernando Pereira, que a candidatura sub júdice tem direito a continuar no horário eleitoral e na urna eletrônica até exauridos os recursos. Segundo advogado, há mais de 70 decisões do TSE nesse sentido. (Com informações de CartaCapital).

31 de agosto de 2018

Museu da Memória Histórica Santanense: Um passeio pela histórica política, cultural e educacional de Santana do Cariri



Nicolau Neto durante vista ao Museu da Memória Histórica
Santanense, sendo recepcionado por Sandro Cidrão.

Inaugurado em 25 de novembro de 2014, O Museu da Memória Histórica Santanense se configura como mais um espaço dedicado a preservação de objetos de caráter histórico de Santana do Cariri, município localizado na Região Metropolitana do Cariri e de pouco mais de 17.000 habitantes, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Museu que foi idealizado pelo professor Raimundo Sandro Cidrão, graduado em Letras pela Universidade Regional do Cariri (URCA), reforça uma das principais características do município centenário, uma cidade histórica no sentido literal do termo. Poucas da região tem espaços como o que se encontra em Santana dedicados a não deixar morrer a história, muitas destas presentes em um rico e diversificado acervo, que perpassa pela iconografia, uma pinacoteca, vestimentas usadas pelo Padre Cristino Coelho, móveis e utensílios de cozinhas que retratam o cotidiano de pessoas de anos não tão distantes, além cadeiras escolares antigas e documentação que remontam ao século XIX – época em que o município ainda tinha a denominação de Santana do Brejo Grande.

Ainda consta do acervo histórico recortes de antigos jornais da municipalidade, arte sacra, álbuns e documentos da primeira professora de Santana e construtora da primeira biblioteca. O mais recente documento a incorporar o museu, que o professor Sandro chamou de “relíquia histórica”, é o Inquérito Policial do crime praticado por Raul Alves contra Benigna Cardoso, datado de 1941. Segundo Sandro, a concessão veio do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Benigna passou a ser um dos principais símbolos religiosos de Santana.

Inquérito Policial da Morte de Benigna. (Foto: Divulgação).

Este professor e signatário fez uma visita na última terça-feira, 28, ao espaço. Fui recebido pelo próprio Sandro que contou como surgiu a ideia de construir o museu. “A criação do museu partiu da necessidade de preservar a memória e a história do município e da região, levando-se em conta o vasto acervo que consegui ao longo de minha vida”, disse. O objetivo, segundo ele, é proporcionar a comunidade o acesso a bens culturais em vários campos. “Iconografia, arte sacra, coleções, imagem e som, arte plástica, dentre outros”, nomeou.

Localização e Horários de Visitas

O Museu da Memória Histórica Santanense divide a atenção dos munícipes com o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (criado em 1985) e com o Casarão do Coronel Felinto (datado do século XIX, mas sua inauguração se deu em 1911).

Para os que desejarem conhecer o espaço, ele fica localizado à Rua Duque de Caxias, 420. Está aberto a visita de segunda a sábado, das 8h30 às 11h30 e das 13h30 às 16h30.

Mais de mil e quinhentas pessoas já direcionaram seus olhares ao museu, entre estudantes, professores e turistas, relatou Sandro.


Conceição Evaristo na Academia Brasileira de Letras: um passo para descolonizar o pensamento


A Escritora Conceição Evaristo. (Foto: Reprodução/El País).

Imagino um encontro de Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo. Não nos anos de 1960, mas no agora, em meio ao burburinho em torno da candidatura da autora de Olhos d’ água (Prêmio Jabuti 2015), à cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), cujo resultado será conhecido nesta quinta-feira (30). A autora de Quarto de despejo, é bem provável, se rejubilaria na conquista de Conceição, que transcende o trabalho individual e faz as vezes de caminhada de muitas outras Conceições e Carolinas. A expectativa é que Conceição Evaristo, se eleita for, viva um feito histórico para a literatura brasileira e de forma mais ampla para mulheres negras, cujo lugar da escrita não foi dado como natural, uma vez que jamais está dissociado do poder e, em uma sociedade como a brasileira, a recusa branca à concessão de privilégios é uma pauta permanente. Mas voltemos a cena. Conceição chega à ABL acompanhada por Maria Firmina dos Reis, autora do precursor Úrsula (1859), de Ruth Guimarães, que publica Água funda quase cem anos depois, em 1946, e, como nas narrativas do afrofuturismo, em que passado e presente se combinam em torno de um futuro mais viável, por mais dezenas de jovens escritoras afrodescendentes, que produzem no século XXI narrativas a um passo de descolonizar o nosso pensamento, a começar pela escrita.

Em todo o país, os últimos anos assistiram o surgimento de trabalhos que procuram dar visibilidade à autoria de mulheres negras, resultado de um mundo em que as minorias, percentualmente a maioria no país, reivindicam reparações a direitos históricos, de uma universidade brasileira em que mais negros puderam ter acesso a partir de 2002, e de leitores que desejam se ver finalmente representados nas narrativas. Não me refiro apenas ao trabalho de pesquisa acadêmica que, driblando o racismo institucional, aponta para o crescente interesse pelo espólio de Carolina Maria de Jesus, redescobre a poetisa simbolista Gilka Machado (branca nas imagens de época tal e qual o primeiro presidente da ABL, Machado de Assis, também embranquecido pela história), e faz uma releitura da crítica e da historiografia literária. Editoras de pequeno porte, batalhas nas periferias (e não só nelas!) como os slams, eventos literários, projetos de inserção de escritoras negras, são algumas ações que desenham o panorama de refração do efeito produzido por autoras que furaram o cerco e se estabeleceram no campo literário brasileiro como a mineira Conceição Evaristo, com sete obras publicadas. Em meio a dezenas de iniciativas, o Escritoras Negras da Bahia é um projeto que me chama atenção, não apenas pelo rastreamento de escritoras negras no estado brasileiro onde o Brasil começou, mas sobretudo porque incentiva que as próprias escritoras negras se anunciem neste censo. Em um ano de projeto já foram mapeadas cerca de 50 autoras e o público pode conhecer os perfis de pelo menos 30 delas pelo website da iniciativa, clicando nos nomes das escritoras ou explorando o mapa da Bahia. Para se ter a dimensão do que esse número representa, podemos pensar em outra iniciativa importante, o Panorama editorial da literatura afro-brasileira através dos gêneros romance e conto, dossiê elaborado por Luiz Henrique Silva de Oliveira e Fabiane Cristine Rodrigues. Nele, foram contabilizados 29 autores, entre eles apenas nove mulheres, publicados entre 1859 e 2016, totalizando 61 romances de autoria afro-brasileira. Mas também podemos apelar para uma situação concreta e até individual, parafraseando a provocação que fomenta o projeto baiano: quantas escritoras negras contemporâneas, você, leitor, conhece? Se adaptarmos a pergunta para o contexto baiano, estaremos falando do mesmo local de onde saíram nomes amplamente conhecidos como Castro Alves e Jorge Amado. Como justificar então que não se conheça o trabalho de escritoras negras do estado mais negro do país?

A coordenadora do projeto, jornalista e doutoranda em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), Calila das Mercês, define sua atuação, bem como da equipe que viajou pela Bahia, ministrando oficinas para estabelecer contato com as escritoras de diversos gêneros, tanto escritos quanto orais, como uma espécie de curadoria, sem intenção de eleger bons e maus textos, de dizer quem pode ou não carregar a alcunha de escritora. À equipe cabe o papel de incentivar essas artistas da palavra a compartilharem seus trabalhos, a se sentiram escritoras, feito ainda raro para muitas delas. O grupo, que conta ainda com Kênia Freitas, pesquisadora de cinema negro e afrofuturismo, e Raquel Galvão, doutoranda em Literatura pela Universidade de Campinas (Unicamp), começou as visitas pelo extremo sul da Bahia, não à toa, porque é lá que começam as narrativas sobre o descobrimento. Caravelas, uma das primeiras cidades do território brasileiro, entre outras dos 417 municípios baianos, foi visitada pelo projeto em busca de diálogo com mulheres leitoras e escritoras, cuja ancestralidade é centenas de anos anterior aos movimentos feministas. Em seu primeiro ano, o projeto recebeu apoio do Fundo de Amparo à Cultura do Estado da Bahia, e agora deseja outros voos, como a publicação independente de textos de algumas das autoras mapeadas, porém com trabalhos ainda inéditos ou publicadas por selos de pouca visibilidade.

A jornalista e curadora de eventos literários Jéssica Balbino coordena a partir de São Paulo um trabalho similar, de auto mapeamento autoral, porém voltado para a autoria de mulheres periféricas. Apesar do recorte específico, o projeto Margens também nos ajuda a enxergar a inserção de mulheres negras no campo da escrita em praticamente todas as regiões do país. Outro aspecto a ser notado é que as duas iniciativas se desenrolam em plataformas digitais, de modo a tornar possível a circulação dos nomes dessas autoras, bem como alguns de seus textos, pondo fim a “justificativa” de que não se lê autoras negras porque não são conhecidas ou não se sabe onde elas estão. A professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Fernanda Felisberto da Silva, que realiza ampla pesquisa sobre a presença negra no mercado editorial brasileiro, o que inclui autoras nacionais e estrangeiras traduzidas, chama atenção para o fato do mercado não estar alheio às discussões de raça no país, ao mesmo tempo em que o acolhimento em relação à autoria feminina negra ainda precisa avançar, porque a maior parte dessa autoria continua sendo publicada por editoras de médio e pequeno portes, esbarrando muitas vezes no problema de distribuição dos livros. Diante das dificuldades de infiltração, muitas autoras optam pela estratégia de publicação em coletâneas, equacionando custos, para ver seus textos circularem. Traduzida para o inglês, o francês e o espanhol Conceição Evaristo, por exemplo, é publicada pelas editoras Malê e Pallas, especializada em cultura afro-brasileira. Para Fernanda, a eleição de Conceição abre novos horizontes, em que a autoria negra passa a compor o imaginário simbólico e literário nacional. Mas como será o depois, na prática, é difícil prever.

Até aqui podemos aferir que a opção, seja na obra de comprar ou ler, mais do que nunca, é política e ideológica, e jamais circunstancial. Do mesmo modo que levar autoras negras para a sala de aula é, como sempre foi, uma escolha. No Distrito Federal desde 2014, o projeto Mulheres Inspiradoras leva para escolas públicas de Brasília e seu entorno as experiências de autoras que precisam furar o cerco social, editorial e institucional para serem lidas. A lista de livros não é formada exclusivamente por autoria negra, porém inclui livros poucos previsíveis para um ambiente escolar pensado como branco e mantém Carolina Maria de Jesus como um de seus nomes obrigatórios. Além dela, os alunos do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio são incentivados a ler as obras das escritoras negras Cristiane Sobral, Meimei Bastos, a ruandesa Scholastique Mukasonga além de Conceição Evaristo e da autora indígena Eliane Potiguara.

Se é consenso não conseguirmos prever o passo após a chegada de Conceição à Academia, também há concordância de que qualquer efeito positivo, seja para o mercado editorial, tornando-o mais empático com a autoria feminina negra, ou para que mais mulheres negras escrevam, não é transitório. A autoria negra não espera ser celebrada apenas em edições temáticas de feiras literárias, muito menos disputa cota quando se é maioria no cerne da questão. Espera-se muito mais que isso. Porque Conceição e tantas escritoras negras não são feitas de matéria passageira, mas de percurso espinhoso, que inclui problemas estruturais e sistêmicos, racismo institucional em meio a resistência, mobilizações e, no caso da postulante à nova vaga entre os imortais, também de trabalho crítico e literário ao mesmo tempo em que denuncia os descalabros sociais da população negra. A ABL tem agora uma chance única de espantar o mofo incrustado. É ela quem sai levando a melhor ao coroar Conceição Evaristo. (Com informações do El Pais e Ceert).

30 de agosto de 2018

Academia Brasileira de Letras não merece Conceição Evaristo



(Foto: Divulgação/Flip).


Em julho deste ano, Conceição Evaristo, 71 anos, cruzava de barco a Restinga da Marambaia, debaixo de sol, e se embrenhava na mata para ter um encontro com os quilombolas e caiçaras do isolado Quilombo da Marambaia. Pé na terra, abraçou, comeu, ouviu e falou. Viveu.

Nossa literatura acadêmica é composta, basicamente, por brasileiros que não têm o costume de ir ao encontro do mundo. Nossa arte clássica é, em geral, produzida por artistas que nunca saíram da sombra, que pouco saíram de casa, e que baseiam sua vivência de mundo em uma vivência exclusivamente intelectual e elitizada. Não sujam as mãos, não colocam os pés na terra, não vão ao encontro do outro.

Por isso, a Academia Brasileira de Letras não merece Conceição Evaristo.

A ABL é uma instituição que, afinal, só é notícia quando há a morte de um membro e na eleição do substituto.

Uma espécie de involuntário cemitério de elefantes, onde se migra para esperar a visita definitiva da grande senhora. Mais um retiro do que um lugar vivo, que produz, pulsa, compartilha.

Afirmo na condição de autor de “Fé na Estrada” (Ed. Leya/Casa da Palavra), eleito recentemente por voto popular um dos 25 romances mais importantes do século XXI. Entre autores consagrados, quase todos homens brancos. Afirmo em consonância com meu amigo Luís Fernando Veríssimo que, ano após ano, recusa o convite para de candidatar a uma vaga na Academia.

A ABL não está em movimento.

Já Conceição Evaristo está. E, de certa forma, é.

A autora criou o incrível termo Escrevivência – “um jogo acadêmico com o vocabulário e com as ideias de escrever, viver e se ver.” – segundo a autora.

É essa a principal revolução que Conceição Evaristo levaria, se tivesse sido eleita hoje para uma cadeira da ABL que, blindada, casa fechada, não incorporaria.

Conceição Evaristo seria a primeira mulher negra a integrar a ABL. Não foi. Mas isso diz mais à respeito do Brasil, da Academia, e de nossa Cultura, do que sobre a autora.

O movimento não é uma novidade para o negro. O negro está em constante movimento. E, em um momento no qual acontece no Cine Odeon o Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África e Caribe, reunindo centenas de cineastas negros, em que Gilberto Gil palestra sob Inovação e tecnologia, no Teatro Oi Casagrande lotado, as rodas de Slam ocupam praças nas periferias, e uma FLUP (Festa Literária das Periferias) se concentra na região do Cais do Valongo para promover seminários como a “Escrita Preta” e, em parceria com a TV Globo, prepara roteiristas negros de TV, evidencia-se isso.

Hoje, parece que todo o movimento que há na cidade é negro.

E Conceição Evaristo, toda ela movimento e escrevivência, um exemplo já no radar de meninas negras de periferia que desconfiam, com razão, de que sua origem de classe e cor de sua pele as impeçam definitivamente de seguirem a carreira de escritoras.

O movimento de Conceição Evaristo é tão vigoroso que é capaz de colocar em movimento tudo em volta.

Enquanto nossa ABL, distante da vida aqui fora, insiste em ser um jazigo do passado. (Por Dodô Azevedo no G1 e reproduzido no Geledés).

STF leva trabalhadores ao século 19 ao liberar a terceirização irrestrita


Presidenta Carmén Lúcia discordou dos ministros que associaram terceirização a precarização ou "degradação" do trabalho. (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF).


Na quinta e última sessão para discutir o tema, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu liberar a terceirização, independentemente de setor ou atividade, como pediam representantes patronais. Por 7 votos a 4, a Corte acolheu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, ajuizada pela Associação Brasileira do Agronegócio, e o Recurso Extraordinário (RE) 958.252, da empresa Cenibra, de Minas Gerais.

O voto decisivo, o sexto, foi dado na tarde desta quinta-feira (30) pelo decano do STF, ministro Celso de Mello. Em meia hora de exposição, o decano se alinhou àqueles que defendem a liberdade de contratação por parte das empresas. "É certo que a liberdade de iniciativa não tem caráter absoluto", afirmou Mello, para quem há limitações "que o Estado pode legitimamente impor", com base no artigo 170 da Constituição, que fala em ordem econômica "fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa". A maioria desconsiderou a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que vedava a terceirização em atividades-fim.

Votaram pela terceirização irrrestrita os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux (relatores), Alexandre de Moraes, Dias Toffoli (futuro presidente do STF), Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Posicionaram-se contra Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello. Com o resultado já definido, a presidenta da Corte, Cármen Lúcia, fez um voto rápido, em poucos minutos, acompanhando a maioria.

Para o ministro Celso de Mello, eventuais abusos na prática da terceirização devem ser "reprimidos pontualmente". Mas a "construção de obstáculos genéricos" é inadmissível, acrescentou, falando em perda de eficiência produtiva. Sem citar a fonte, o decano disse ainda que há "dados estatísticos" comprovando relação entre crescimento de emprego formal e terceirização. Ele também não viu sinais de precarização e prejuízo ao trabalhador com a adoção dessa prática. Pelo contrário, disse: ele seria prejudicado com a proibição.

Segundo ele, na terceirização as empresas contratadas devem adotar as mesmas regras das tomadoras de serviços. "As regras trabalhistas se mantêm preservadas e perfeitamente aplicadas", afirmou o decano. Não se pode proibir totalmente, acrescentou, apenas porque "algumas empresas pretendem burlar as regras trabalhistas".

Para Cármen Lúcia, a preocupação no debate é saber qual a forma mais "progressista" de se assegurar empregos, direitos econômicos e, principalmente, o direito do trabalhador. Ele discordou dos ministros que associavam a terceirização a uma precarização ou "degradação" do trabalho.

Na semana passada, os dois relatores, Barroso e Fux, concordaram com o ponto de vista empresarial, considerando a prática lícita em todas as etapas da produção. Moraes, Toffoli, Gilmar e Mello acompanharam o voto, enquanto Fachin, Rosa, Lewandowski e Marco Aurélio divergiram. O Ministério Público Federal também se manifestou contra a terceirização ilimitada, afirmando que trabalho não é "mercadoria". (Com informações da RBA).

29 de agosto de 2018

Na Globo, Bolsonaro foge de perguntas, nega o que disse e parte para o ataque


"O policial, se mata dez, 20 ou 30, deve se condecorado", disse candidato do PSL no Jornal Nacional.
(Foto: Reprodução).

Na segunda entrevista realizada com alguns dos candidatos à presidência da República em série iniciada na segunda-feira, com Ciro Gomes (PDT), o Jornal Nacional recebeu Jair Bolsonaro (PSL) nesta terça (28) . Fiel ao seu estilo, ao ser questionado em pontos polêmicos procurou falar mais alto e deixou de responder objetivamente a maioria das questões dos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos.

Foi perguntado sobre por que se julga o novo, se atua há 27 anos e fez da politica uma profissão. Respondeu que sua família é "limpa", nunca teve um cargo em governos e sempre se valeu do que conquistou em seus mandatos.

Sobre questões trabalhistas, tentou explicar por que votou contra a PEC dos trabalhadores domésticos e justificou: "(A PEC) levou milhões para ser diaristas, e não recolhem sequer para a Previdência. Muitas mulheres perderam emprego por causa de excesso de direito". Segundo ele, as pessoas que dormiam na casa dos patrões "perderam o café da manhã e o pernoite".

Ao ser questionado a respeito dos direitos trabalhistas, disse que os empregadores "têm dito que um dia o trabalhador vai ter que decidir entre todos os direitos e menos emprego ou menos direitos e mais emprego". A respeito de quais direitos estaria disposto a retirar, saiu pela tangente: "quem tira direito é a Câmara  e o Senado". Acrescentou: "O salário é muito para quem paga e pouco pra quem recebe. Não jogue a responsabilidade sobre um candidato".

Ele tentou negar uma afirmação na qual defendeu que, se fosse patrão, não empregaria mulheres com mesmo salário dos homens. "Ouviu ou leu onde?", devolveu à apresentadora Renata. "Ouvi e li", retrucou a jornalista. Depois, ainda questionado sobre o tema, o candidato afirmou que "na CLT já se garante isso (igualdade). Por que o Ministério Público do Trabalho não age? Isso está na CLT", repetiu. 

Nas redes sociais, telespectadores acusaram a Globo de "levantar a bola" para o candidato e de dar "palco" para ele discorrer sobre "as maluquices" que gosta de falar. A jornalista Helena Chagas escreveu em seu perfil: "É impressão minha ou o JN não está taaaaaaão agressivo com o Bolsonaro?"

No entanto, além de ser questionado sobre sua posição contra a classe trabalhadora, também foi perguntado sobre receber auxílio-moradia, preconceito contra LGBTs, por estimular a violência e outros temas. Mas usou sempre o recurso de desviar o foco das questões ou partir para o ataque.

Disse que não tem preconceito contra LGBTs, e que seu intuito é "defender as crianças". Repisou a questão do kit gay. "Um pai não quer chegar em casa e ver um filho brincar com boneca por influência em sala de aula", respondeu, após ouvir a pergunta sobre seu preconceito e sua frase segundo a qual "seria incapaz de amar um filho homossexual" e que preferiria que um filho morresse do que aparecer "com um bigodudo por aí".

Sobre sua proposta de militarizar a sociedade e combater a violência com mais violência, respondeu: "mais violência é se o bandido tem uma .762 (ponto 762, um fuzil), o policial também tem que ter. Se (o bandido) tem uma .50 (ponto 50), o policial tem que ter um tanque. Não pode (o bandido) ser tratado como um ser humano normal. O policial, se mata 10, 20 ou 30, ele deve ser condecorado. Vai dar florzinha pra ele? Tem que atirar", pregou.

Ao colocar a questão sobre a democracia e o fato de o candidato a vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, ter defendido que os poderes "têm que buscar solução" para situação de caos, William Bonner teve que ouvir o candidato, mais uma vez, lembrar que o todo-poderoso Roberto Marinho, mandatário da Globo até sua morte, em 2003, defendeu a ditadura em editorial de outubro de 1984. "Deixe os historiadores pra lá", disse Bolsonaro.

Ao se despedir, afirmou que "dois partidos (PT e PSDB) mergulharam o Brasil na mais profunda crise ética e moral" e acrescentou: "Precisamos eleger um presidente honesto que tenha Deus no coração".

Os entrevistadores da Globo não perguntaram sobre o fato de o candidato ser réu em duas ações penais no Supremo Tribunal Federal por declarações de 2014 contra a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Bolsonaro é réu por injúria e incitação ao estupro.

Bonner e Renata também não se lembraram de que, nesta terça-feira, a Primeira Turma do STF iniciou julgamento em que discute a admissibilidade de mais uma ação contra ele.

A Rede Globo já informou que "não vai haver cobertura de campanha" do candidato do PT. O candidato a vice na chapa do ex-presidente Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad, não foi convidado.

O JN dá sequência à série com Geraldo Alckmin (PSDB), nesta quarta (29), e Marina Silva (Rede) na quinta. (Com informações da RBA).