17 de agosto de 2018

A eleição mais imprevisível desde 1989. Duas incógnitas e uma esperança


Duas incógnitas e uma esperança. (Foto: Reprodução/ Esquerda Online).

Foi dada a largada oficial, nesta quinta (16), da corrida presidencial. Treze candidatos concorrerão pelo cargo mais importante da República. Serão sete semanas de intensa e feroz disputa até a votação em primeiro turno, dia 07 de outubro.

Trata-se, certamente, da eleição mais imprevisível desde 1989. A prisão de Lula e a ascensão de Bolsonaro embaralharam as cartas. E há dois enigmas a serem desvendados: Lula conseguirá, num intervalo curto de tempo, transferir votos suficientes para levar Haddad ao segundo turno? Geraldo Alckmin será capaz de deslocar Bolsonaro para seguir adiante na disputa? A resposta a essas duas perguntas possivelmente definirão a batalha do primeiro turno.

Mas há um terceiro fator que quero destacar nesta coluna, o qual transcende o calendário meramente eleitoral. Há esperança em uma nova esquerda, capaz de animar um projeto politico de transformação social de baixo para cima? Em outras palavras, haverá nessas eleições uma expressão política com força suficiente para abrir perspectivas de reorganização à esquerda para depois de outubro? Essa é a aposta da candidatura de Guilherme Boulos e Sonia Guajajara lançada pela aliança entre o PSOL, PCB, MTST, APIB, entre outros movimentos e coletivos.

Lula elegerá o novo presidente da cadeia?

De sua cela em Curitiba, Lula liderou uma articulação ousada e arriscada. O PT fechou alianças com partidos de direita que votaram a favor do impeachment de Dilma, entre eles o MDB e DEM, em quinze estados. Essas coligações darão, particularmente no nordeste, onde sete dos nove atuais governadores estão alinhados com a candidatura presidencial petista, enorme capilaridade regional e densa máquina eleitoral.

As pesquisas indicam que cerca de 30% dos eleitores de Lula votariam no candidato indicado por ele. Este patamar de transferência, se alcançado, colocaria seguramente Haddad na casa dos dois dígitos de intenção de voto, o suficiente para levar o PT ao segundo turno.

Como é previsível, o ex-presidente deve ter seu registro de candidatura impugnado em brevíssimo tempo. A caçada judicial é implacável, senão vejamos: o juiz Sérgio Moro adiou o depoimento de Lula no processo referente ao sítio de Atibaia para novembro, alegando que o petista poderia fazer uso eleitoral da audiência. A Java Lato também quer impedir Lula de receber visitas de Gleisi Hoffman e Haddad na prisão. O TSE, por seu turno, seguramente buscará de todas as formas prejudicar a campanha do PT.

Se a cassação do registro Lula ocorrer no final de agosto, o PT terá um apenas um mês para produzir “o milagre do poste”. Para tanto, o partido concentrará esforços no nordeste e norte, onde o lulismo exibe uma força popular tremenda e há um arco de alianças bastante amplo que potencializa a campanha. Caso tenha sucesso nessas regiões, precisará de uma votação apenas modesta, na casa dos 10%, no sudeste e sul. A presença de Haddad em São Paulo e Manuela no Rio Grande do Sul facilita esse último objetivo.

Acredito ser improvável que dois candidatos do mesmo espectro político cheguem ao segundo turno, como Alckmim e Bolsonaro ou Haddad e Ciro. O PT deve disputar a vaga com Ciro e Marina. Alckmin, por sua vez, terá que desidratar Bolsonaro e tirar voto de Álvaro Dias se não quiser morrer na primeira fase.

O peso da máquina eleitoral e do suporte social organizado jogam a favor do PT e PSDB, ou seja, no sentido de repetir a velha polarização entre tucanos e petistas no segundo turno. Mas dois fatores significativos e imponderáveis, mencionados no início do texto, não permitem esse certeza. A prisão de Lula e a resiliência de Bolsonaro deixam o cenário nebuloso.

Um fascista no segundo turno?

Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB e do centrão, é a aposta da classe dominante para o governo. O núcleo dirigente da burguesia – grandes bancos, principais meios de comunicação, multinacionais e megaempresários – vai jogar pesado para eleger o ex-governador de São Paulo. Alckmin eleito significa a continuidade do programa de Temer com mais estabilidade e segurança para o andar de cima.

O maior obstáculo para a direita tradicional, porém, foi aparecimento e ascensão de uma extrema-direita liderada por Bolsonaro que roubou parte significativa dos votos tucanos. Algumas pesquisas revelam que o capitão reformado está à frente de Alckmin até mesmo em São Paulo, principal reduto do PSDB. Sem retomar parte relevante desse eleitorado que foi para a extrema-direita, dificilmente o ex-governador chegará ao segundo turno.

O desafio de desconstruir Bolsonaro pela direita não é fácil. O candidato neofascista tem demonstrado notável capacidade de resistência até aqui. Mesmo sofrendo pesados ataques, Bolsonaro mantém cerca de 20% das intenções de voto e está, inclusive, angariando apoio entre empresários, particularmente no agronegócio.

Diversos analistas acreditam que a poderosa máquina eleitoral e o latifúndio de tempo de TV que Alckmin terá em mãos farão a diferença – hipótese a ser testada nas próximas semanas. O que muitos desses “especialistas” ignoram, contudo, é a poderosa crise político-social que alimenta tanto a força de Bolsonaro, pela extrema-direita, e a de Lula, pela esquerda. Alckmin é a imagem do sistema, e pior, a continuidade direta do odiado governo Temer.

Há esperança no surgimento de uma nova esquerda?

Esta última pergunta parece secundária em relação às anteriores, mas não é. As eleições serão um momento qualitativo da luta política, pois definirão o novo governo do país, mas não a encerram. A crise política e social não será resolvida até outubro – há uma longa e acidentada estrada pela frente, cheia de curvas perigosas.

Por isso, é de grande valor plantar agora a semente do futuro. O PT, caso vença as eleições, tentará repetir a estratégia de alianças com a direita para governar e o programa da conciliação de classes, que pode ser resumido assim: programas sociais + altos lucros para banqueiros e empresários. Essa fórmula – o ganha-ganha -, que deu certo ao longo dos dois mandatos de Lula, não é possível neste momento histórico. A burguesia derrubou o governo Dilma, rompendo com o pacto de colaboração de classes, porque precisa impor um novo padrão de exploração e opressão, para alavancar o crescimento capitalista no país.

Caso o PT seja derrotado nas eleições, é possível que passe por uma nova e grave crise, sobretudo se perder mandatos parlamentares. De um ou outro modo, o petismo e o lulismo não oferecem perspectiva de futuro para a esquerda: seus olhos estão num passado que não pode se repetir no presente.

A importância da campanha de Guilherme Boulos reside justamente neste ponto: qual será o futuro da esquerda no Brasil no próximo período histórico, em que a burguesia avança com um projeto cada vez mais autoritário? Vamos batalhar pela construção de uma alternativa que reacenda o sonho da transformação social pela via da confronto com os ricos e poderosos, ou seguiremos refém do pacto com o andar de cima?

Boulos e o PSOL, que estiveram na primeira linha de enfrentamento com o golpe, estão tendo a coragem de levantar um programa de combate, intimamente ligado aos movimentos sociais e às lutas mais dinâmicas do último período. Por isso, vem levando milhares de ativistas às atividades da campanha país afora.

Caso o candidato do PSOL não vá ao segundo turno, certamente estará colocado o voto “útil” para derrotar Bolsonaro ou Alckmim na segunda volta. Mas, nesse momento, nesta batalha do primeiro turno, o voto e campanha verdadeiramente úteis, que merecem o engajamento dos lutadores em todo país, é a candidatura de Boulos e Guajajara, pois ela é portadora de um sentido de futuro para a esquerda brasileira. (Por Gabriel Casoni, no Esquerda Online).

Cid lidera pesquisa Ibope para Senador


Cid Gomes lidera pesquisa para o senado no Ceará. (Foto: Reprodução).

Em aliança informal para a disputa do Senado, o ex-governador Cid Gomes (PDT) e o presidente do Congresso Nacional, Eunício Oliveira (MDB), lideram com folga a eleição para as duas vagas no Ceará. Os números são da pesquisa Ibope divulgada nesta madrugada pelo Diário do Nordeste.

Confira os números:
Cid Gomes - 55%
Eunício - 37%
Eduardo Girão - 9%
Pastor Pedro Ribeiro - 7%
Dra. Mayra - 6%
Anna Karina - 4%
Pastor Jamieson Simões - 4%
João Saraiva - 4%
Alexandre Barroso - 3%
Dr. Márcio Pinheiro - 3%
Geraldo Magela - 3%
Robert Burns - 2%
Branco/nulo (vaga 1) - 15%
Branco/nulo (vaga 2) - 22%
Não sabe/não respondeu - 27%

Foram ouvidos 1.204 eleitores no Estado do Ceará, entre os dias 10 e 16 de agosto.

A margem de erro máxima é de três pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança estimado é de 95%.

O levantamento foi contratado pelo Sistema Verdes Mares e está registrado na Justiça Eleitoral com o número CE-04197/2018. (Com informações O Povo).

16 de agosto de 2018

Ibope divulga pesquisa para governador do Ceará. Camilo Santana aparece com 64%


Candidatos a governador do Ceará. 

O Ibope divulgou nesta quinta-feira, 16, a primeira pesquisa sobre a eleição no Ceará. Camilo Santana (PT) tem 64% das intenções de voto.

Confira os números do Ibope:

Camilo Santana (PT) - 64%

General Theophilo (PSDB) - 4%

Ailton Lopes (Psol) - 2%

Hélio Góis (PSL) - 2%

Gonzaga (PSTU) - 2%

Mikaelton Carantino (PCO) - não pontuou

Brancos e nulos somam 17%. Não sabem ou não responderam 9% dos entrevistados.

Foram ouvidos 1.204 eleitores no Estado do Ceará, entre os dias 10 e 16 de agosto.

A margem de erro máxima é de três pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança estimado é de 95%.

O levantamento foi contratado pelo Sistema Verdes Mares e está registrado na Justiça Eleitoral com o número CE-04197/2018. (Com informações do O Povo).




15 de agosto de 2018

Filósofa Djamila Ribeiro confirma participação no 9º Artefatos da Cultura Negra



                   Damila Ribeiro confirma participação no
Artefatos  da Cultura Negra. Foto: Divulgação).
Pesquisadora na área de Filosofia Política e feminista, Djamila Ribeiro, será uma das atrações da 9ª Edição do Artefatos da Cultura Negra que que ocorrerá entre os dias 19 e 22 de setembro em Crato e Juazeiro do Norte. Ela se juntará a nomes como Sônia Guimarães, Janaina Oliveira, Teresa Cárdenas, Ermildo Panzo e de Socorro Alexandre e Fátima Vasconcelos.

Consideradas uma das vozes mais eloquentes e atuantes no movimento feminista negro, Djamila possui graduação em Filosofia pela Unifesp, é pes quisadora e Mestre em Filosofia Política também pela Unifesp, com estudos em teoria feminista e exerceu em 2016 o cargo de Secretária Adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo.

Como escritora, teve papel importante ao redigir o prefácio do livro “Mulheres, raça e classe” da filósofa negra e feminista Angela Davis. É autora das obras “O que é lugar de fala?” e “Quem tem medo do feminismo negro”, que faz parte da coleção Feminismos Plurais organizada por ela, pela editora Letramento.

Ativista do movimento negro e uma das fundadores do Partido Comunista em São Paulo, ela cravará sua participação no evento dia 19 durante a conferência de abertura, na Universidade Regional do Cariri (URCA), conforme divulgado na página do artefatos no facebook.


Candidatura de Lula é oficialmente registrada no TSE


(Foto: Divulgação/PT).

A candidatura do ex-presidente Lula à presidência da República foi oficialmente registrada por membros do PT, na tarde desta quarta-feira (15), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.

Pela primeira vez na história da democracia brasileira um registro de candidatura foi acompanhado por milhares de pessoas, que saíram de diferentes partes do país para garantir que a formalização da chapa fosse feita e para prestar apoio ao ex-presidente, que está preso em Curitiba desde abril.

O próprio PT divulgou em suas redes sociais o protocolo que confirma o registro da candidatura de Lula. Conforme já anunciado, Fernando Haddad foi registrado como vice.

Com o registro formalizado, Lula é oficialmente candidato e só o deixa de ser depois que o Tribunal analisar eventuais recursos que podem ser impetrados para impedir sua candidatura. Mesmo com um julgamento que resulte na impugnação da candidatura, cabe recurso no STF.

A partir de agora, Fernando Haddad fará campanha pelo país em nome de Lula mas, em entrevista, garantiu que com o registro feito, seu partido lutará para que o próprio Lula participe dos debates. “O artigo 16 do Código Eleitoral é claríssimo: enquanto a candidatura estiver sob judice, goza das mesmas prerrogativas de outras candidaturas. De hoje em diante, se houver recursos contra a candidatura, Lula goza de todas as prerrogativas do Código Eleitoral até o julgamento final”, disse o ex-prefeito. (Com informações da Revista Fórum).


14 de agosto de 2018

'Se evitarem que Lula chegue na urna, farão algo que nunca fizeram no Brasil' diz advogado



Advogado de Lula lembra que, em 2016, 145 prefeitos foram eleitos na mesma situação do ex-presidente. (Foto: Reprodução/TVT).
Sem ingenuidade diante das exceções praticadas pela Justiça brasileira nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas com absoluta certeza da legalidade da candidatura do líder de todas as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República. Essa foi a postura do advogado e professor de Direito Luiz Fernando Casagrande Pereira em sua participação no programa Entre Vistas, apresentado pelo jornalista Juca Kfouri, e que vai ao ar nesta terça-feira (14), às 21h, na TVT.

Eu seria ingênuo se dissesse que a candidatura do ex-presidente Lula é uma obviedade ou provável, isto não pode ser dito por quem acompanha na Justiça do Brasil o que vem sendo feito nos processos do ex-presidente”, reconheceu o advogado que atua na defesa de Lula. Apesar do “pé atrás", Luiz Fernando Casagrande Pereira é firme ao explicar que 145 prefeitos foram eleitos, em 2016, na mesma situação de suposta inelegibilidade em que agora se encontra o ex-presidente – 98 reverteram a inelegibilidade após a eleição e antes da diplomação.

Tentando ser didático em um tema complexo, Casagrande explica que, na dúvida, a lei eleitoral “deixa disputar e resolve depois”. “Se a Justiça Eleitoral não tivesse deixado disputar a eleição, teria que pedir desculpas a 98 deles e aos seus eleitores. Como terão que pedir desculpa aos 50 milhões de eleitores que querem votar no Lula”, projetou.

Em 2016, de cada 10 candidatos a prefeito que concorreram na eleição mesmo após condenação em segunda instância, sete reverteram a inelegibilidade após serem eleitos. “Levantei centenas de casos e decisões judiciais e posso dizer com certeza: se evitarem que o ex-presidente Lula chegue às urnas e ao horário eleitoral, farão algo que nunca fizeram no Brasil”, afirma, convicto, Luiz Fernando Casagrande Pereira.

Pela estatística, Lula teria 70% de chance de reverter a inelegibilidade depois da eleição. Agora… ele tem que ter o direito de reverter depois, a não ser que atropelem o procedimento e façam no caso do Lula o que não fizeram em oito anos de Lei da Ficha Limpa e em 2.800 casos”, afirmou. (Com informações da RBA).

13 de agosto de 2018

Professora Fátima Vasconcelos, da UFC, confirma presença na 9º Artefatos da Cultura Negra



Depois de Sônia Guimarães, Janaina Oliveira, Teresa Cárdenas, Ermildo Panzo e de Socorro Alexandre, agora foi a vez da professora e pesquisadora Fátima Vasconcelos, da Universidade Federal do Ceará (UFC), confirmar sua participação na 9ª Edição do Artefatos da Cultura Negra que ocorrerá entre os dias 18 e 22 de setembro em Crato e Juazeiro do Norte, conforme divulgação na página oficial do evento no facebook.

Professora e pesquisadora Fátima Vasconcelos.
(Foto: Reprodução).
Fátima possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, mestrado em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará e doutora do em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará / Paris XIII. Ela possuei também pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da UFC, no qual coordena o grupo de pesquisa LUDICE (Ludicidade, Discurso e Identidades nas Práticas Educativas-www.ludice.ufc.br). Ela exerce a docência na graduação e pós-graduação, extensão e pesquisa na área das práticas lúdicas numa abordagem cultural, na educação infantil, nos estudos da linguagem no enfoque discursivo e nos estudos culturais voltados para a problemática das identidades étnico-raciais e políticas de ação afirmativa.

Fátima participará do Artefatos a partir da mesa “Infâncias e Literatura Afrodescendente”, no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri (URCA).

12 de agosto de 2018

O direito à voz de Carolina


O direito à voz de Carolina. (Imagem: Reprodução/ Diário do Nordeste).


A notícia da candidatura da escritora Conceição Evaristo à cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL), antes ocupada pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, criou um clima de expectativas sem precedentes para o cenário literário brasileiro. Se aceita, será a primeira vez que uma escritora negra adentrará a instituição, vista por muitos como um reduto majoritariamente de homens brancos e nem sempre atenta aos valores literários das biografias dos seus imortais. Para além do trabalho literário individual, a candidatura de Conceição Evaristo carrega consigo uma série de questões históricas, além de muita simbologia em torno do passo para se tornar imortal. Basta citarmos a mais óbvia das razões para isso: a dificuldade de escritoras negras serem reconhecidas como autoras, publicadas e consequentemente lidas. A recente publicação de "Meu sonho é escrever...", de Carolina Maria de Jesus, organizada pela doutora em Teoria e História da Literatura pela Universidade de Campinas (Unicamp) Raffaella Fernandez, endossa a necessidade de reparação crítica em relação às escritoras negras, ao recuperar a potência poética dos textos de Carolina. Durante muitos anos, ela foi vista como mera testemunha ocular de um mundo de exclusões, a favela em que vivia. "Quarto de Despejo", um campeão de vendas no Brasil e no exterior nos anos 60, caiu no esquecimento e hoje ensaia um retorno (é leitura obrigatória para vestibulares da Unicamp e da UFRGS). Em entrevista ao Diário do Nordeste, a organizadora do volume fala sobre a importância de recuperação desses textos, racismo institucional e mudança de rota da crítica em relação à Carolina Maria de Jesus e outras escritoras afrodescendentes e a dificuldade de organização dos seus escritos, cuja matéria-prima era resíduo, agora também rumo à imortalidade.


Raffaella Fernandez: duas décadas dedicadas ao estudo da escritora mineira Carolina Maria de Jesus. Esperança de ver inéditos da autora publicados.

Diário do Nordeste: "Meu sonho é escrever..." reúne textos inéditos e outros já publicados. Como foi feita a composição do livro?

Raffaella Fernandez: Ele reúne textos inéditos de Carolina e alguns que foram publicados em "Onde estaes felicidade?", como o conto homônimo ao livro e a crônica "Na favela". Também alguns textos já apareceram bastante solapados em lugares esporádicos, por exemplo, em "Diário de Bitita" (1986), intitulado por Carolina "Um Brasil para brasileiros" e que originalmente é um romance de formação no estilo de "Ponciá Vicêncio", de Conceição Evaristo. Há ainda o texto publicado em "Cinderela Negra" (1994) como "Minha vida", mas em uma das versões por mim selecionada como "Prólogo".

Um dos aspectos que chama atenção desta edição é o trabalho de revisão, elogiado por outros pesquisadores que se dedicam à obra de Carolina. A escolha por revisar os textos, inclusive fazendo correções ortográficas, seria para atender a uma vontade da autora?

Diferente do primeiro projeto, "Onde estaes felicidade?", onde optou-se por não modificar a escrita de Carolina, nesse segundo repensamos esta postura, uma que podemos nos questionar: Será que Carolina gostaria que seus textos fossem revisados? Em uma longa conversa com a filha e herdeira do espólio literário, Vera Eunice, ela disse para mim e para o editor Marciano Ventura que provavelmente sim, porque revisava os textos da mãe a pedido de Carolina. Então nesta edição realizada pela Ciclo Contínuo Editorial, resolvemos fazer a revisão. Eu solicitei a ajuda de uma revisora, tendo em vista que, na minha condição de leitora assídua dos manuscritos de Carolina, não me senti realmente capaz e a vontade de intervir no processo criativo da escritora a quem considero criativíssima em suas formas inusitadas, e digamos assim, adaptativas de criar sua escrita em meios a tantas adversidades. Assim Fernanda de Souza, que vem fazendo um trabalho belíssimo, de comparação de Carolina e Lima Barreto, na Universidade de São Paulo (USP), foi escolhida pelo editor para fazer o trabalho de revisão.

Alguns autores tentam reproduzir uma fala local para dar autenticidade ao real. Geovani Martins faz isso em "O sol na cabeça" (Companhia das Letras, 2018), reproduz a oralidade, o que interfere em questões de acentuação, concordância verbal e nominal, e grafia. Em que medida as correções tocam a dicção da autora? A correção é também um gesto político em defesa da legitimidade da obra de Carolina?

Essa concepção de que a correção do texto seja um gesto político parte principalmente do editor, enquanto um editor negro, que opta por essa escolha, acredita e defende a legitimação e consolidação da obra de Carolina Maria de Jesus para além do aspecto testemunhal explorado comumente. No meu caso, como leitora dos manuscritos, acredito que (a correção) interfira nas questões de dicção e estilo próprios do processo da escritora, mas concordo com as questões que envolvem a necessidade da adaptação gramatical ao mercado consumidor. A esse respeito tivemos um grande debate, porque no meu entendimento não mudaria ou se mudasse colocaria imagens de alguns manuscritos para mostrar ao leitor a dicção original. No final acabamos optando pela correção, porque consideramos que a escritora também abrange um público de leitores em formação.

Sabe-se que muitos textos de Carolina já eram publicados e estudados no exterior. Como aconteceu esse trânsito de escritos para fora? Isso explica parcialmente o "atraso" da academia brasileira em relação à obra dela?

O que explica o certo "atraso" e o atual interesse em Carolina é muito mais um racismo institucional e social, resultante de um projeto colonizador, bem como a imposição de um tipo de leitura de mundo, de escrita, de verdades e de formas de beleza, do que uma questão de desvendamento ou de descoberta. Afinal, nos anos de 1960, ela fez um grande sucesso e depois sucumbiu não apenas com a chegada da Ditadura Militar, mas também porque não foi devidamente reconhecida como a grande escritora que é, para além de uma autora de diários, de testemunhos de quem vivia na favela. A deslegitimação de sua condição de escritora está totalmente atrelada ao tipo de descaso que vem sendo combatido cada vez mais com o advento de novas Carolinas na cena literária hoje.

E como justificar o crescente interesse neste momento então?

Uma série de contextos, acumulações e demandas se impuseram para que a obra de Carolina ganhasse visibilidade e espero que toda sua obra seja publicada e lida. As pesquisas, os trabalhos como o meu e de outras pesquisadoras sérias como de Elzira Perpétua, Fernanda Miranda, ou pesquisadores como Mário Augusto Medeiros, trazem visibilidade a uma Carolina fundamental para se compreender as venalidades que acompanharam sua exclusão no universo da literatura brasileira. E, não podemos perder de vista que ainda em nossos dias, as escritoras negras precisam lutar por esses espaços. Tomemos como exemplo a Flip (Feira Literária de Paraty) de 2018, onde, para mim, a maior escritora brasileira, Conceição Evaristo, não esteve diante do telão principal da feira. Tanto a escritora que está concorrendo à cadeira da ABL, quanto as demais escritoras negras que falaram na pequena sala da "Casa de insubmissas mulheres negras", coordenada por Dayse Sacramento, tiveram tanta audiência que dezenas de pessoas assíduas por escutá-las e conhecê-las pessoalmente se espremeram para caber no local. Como nos mostra Djamila Ribeiro, "o lugar de fala", a fala da mulher negra está sendo colocado o tempo todo em questão e se faz nas possibilidades de subversão de espaços que excluem por meio de supostas inclusões travestidas de diversidade. Assim, podemos ver que todo esse movimento favorece a releitura de uma outra Carolina saindo do aspecto biográfico que pode ser estigmatizador e mais um vez supra valorizar a figura literária de Carolina como um excêntrico.

*A autora é jornalista e doutora em Literatura pela Universidade de Brasília (UnB)

Restauro de uma bibliografia

A pesquisadora Raffaella Fernandez alerta para a necessidade de criação de um fundo, para preservar originais (muito inéditos) de Carolina Maria de Jesus. 

Heloísa Buarque de Holanda (professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do projeto Universidade das Quebradas) se refere ao seu trabalho como de "restauração" da obra de Carolina. O que é mais difícil nesse trabalho?

A pesquisa já tem cerca de 20 anos, por isso eu digo que Carolina é minha companheira de longa data, sendo sempre uma surpresa a cada vez que tenho o privilégio e a honra de me aproximar do espólio literário dela. Sempre penso, com aperto no coração, como seria ver todos seus romances publicados porque parece um sonho muito distante, seja pela forma como estão alocados os manuscritos, seja pelas realidades editoriais vividas pelos escritores negros muitas vezes mais aclamados como figura do que pela obra lida de fato. Eu percebo dificuldade, primeiramente, por não haver um arquivo onde toda a obra possa ser consultada. Quer dizer, um Fundo Carolina Maria de Jesus. Outra questão se refere à condição dos manuscritos, sobretudo, aqueles que estão localizados na cidade de Sacramento. A materialidade, principalmente dos seus primeiros cadernos, é bem complicada, porque são cadernos que já foram retirados das lixeiras onde Carolina aproveitava os espaços em branco para escrever, reutilizando, inclusive, cadernos de notas de fábricas, restos de lápis e canetas descartados. O manuseio em si é bastante dificultoso, além da fragmentação dos escritos dispersos. Às vezes a gente tem o começo de um romance em um caderno e a continuação em outros. Consegui montar algumas peças desse quebra-cabeça aos poucos, porque tive oportunidade de estudar a obra de Carolina há muito tempo. Quando cheguei mais ou menos aos 15 anos de pesquisa, foi que percebi o que era de fato o projeto literário, o processo criativo de Carolina, e que depois terminei denominando de "poética de resíduos", porque ele foi construído de forma dispersa, de restos de discursos literários e não literários, no lugar da emergência, da fome de escrita, da sabedoria, das ruínas de sua ancestralidade, como o material físico, mental, e emocional da hora. Tudo captado por uma artista ávida por criação e consciente da importância da palavra enquanto memória, mas principalmente, enquanto forma de modelar o mundo a seu modo.

O filósofo francês Jacques Rancierè ("A partilha do sensível") defende que não deve haver oposição entre estética e ética no ajuizamento de uma obra de arte, uma vez que essas duas dimensões se entrelaçam internamente. Como você avalia a mudança de postura da crítica brasileira em relação à obra de Carolina quanto à forma e ao conteúdo dos seus textos?

O modo como os primeiros textos foram recortados mostraram mais o aspecto político do que literário, embora num primeiro momento eu já tenha percebido que uma coisa não está dissociada da outra. Afinal, no lugar da escrita dessa mulher negra, o que fala é todo um resultado da experiência de um corpo negro que acumula toda uma condição de conteúdo de expressão e vida, que necessariamente passa por questões éticas, estéticas e políticas que envolvem uma coletividade. O ser negro no Brasil, ou talvez o ser negro em condição diaspórica, se faz sempre nesse invólucro de um com o outro porque é no espaço da solidariedade que os negros tentam re-existir ao racismo que os exclui de tudo. Todos já sabem que as passagens mais literárias que poderiam legitimar o discurso de Carolina de Jesus, enquanto escritora de literatura, foram solapadas no processo de edição preocupada em formatar uma persona excepcional com lenço na cabeça (o que não desqualifica a obra de Carolina exceto quando ela foi obrigada a pousar como tal para fotografias) pobre, negra que escrevia diários revelando os bastidores da vida favelada. Se há alguma mudança, acontece pelo fato de que agora começam a emergir os textos de caráter mais literário, a exemplo dos últimos livros que felizmente tive a oportunidade de organizar, "Onde estaes felicidade?" (2014) e "Meu sonho é escrever..." (2018), ambos resultantes de um esforço coletivo em busca da Carolina escritora. O esforço desses últimos cinco anos, de visibilidade dessa outra Carolina, tem modificado a avaliação crítica e mudará mais quando seus romances e peças teatrais vierem a público. Sem falar das mudanças estruturais nas universidades brasileiras hoje, com a entrada de alunos negros que reivindicam autores com os quais eles possam se reconhecer.

O que o leitor brasileiro ainda pode esperar de Carolina Maria de Jesus? Ainda há muito material inédito esperando para ser publicado?

Espero que os leitores tenham acesso aos sete romances inéditos, às cinco peças teatrais, aos poemas que tratam da negritude e que não apareceram na "Antologia poética" publicada em 1996, além de outras narrativas, que são caracterizadas pelo hibridismo e reinvenções de si em sua escrita. Neles, os leitores e as leitoras poderão encontrar uma escritora que conseguiu fazer da escassez criação de enfrentamento aos modelos estabelecidos pela sociedade acadêmica e letrada, confeccionou a potência enraizada nela e certamente contribui para construção de novos afetos e maneiras de lidar com as mais variadas esferas de manifestação humana. Carolina Maria de Jesus é sem dúvida um clássico para a vida. (Com informações do Diário do Nordeste).