Mesmo
neste mundo moderno, existem guerras e rumores de guerras não importa aonde
você vá. Havia guerra na Europa naqueles dias e o mesmo no continente
americano. Tivemos guerras em quase todos os lugares do mundo. Tivemos guerras
tribais também na África. A diferença entre as guerras tribais na África e as
que ocorriam no resto do mundo é que enquanto lá fora, no mundo, os povos
conquistados eram frequentemente exterminados, os povos conquistados na África
(exceto árabes e muçulmanos do norte) se tornavam propriedade do conquistador.
Em outras palavras enquanto o inimigo era dizimado no resto do mundo, na África
eram deixados vivos para servirem a seu conquistador.
Do Portal Fórum
Então,
sim é verdade que havia “escravos” na África naqueles dias — antes do homem
branco chegar. No entanto, esses escravos não eram tirados a força de seus
reinos para se tornarem escravos de outros reinos ou impérios. Eram somente
vítimas de guerras tribais e isso era melhor do que acontecia mundo afora,
aonde a nenhum inimigo era permitido continuar vivo.
Eu
li um artigo hoje na internet e fiquei surpreso em ver tanta gente acreditando
que africanos vendiam seu próprio povo pra escravidão assim como os europeus
fizeram depois. Meus professores e fontes me ensinaram algo bem diferente, eu
queria comentar no fórum da página onde li, mas a seção de comentários havia
sido desabilitada então, por causa disso, resolvi escrever esse texto para
mostrar que nós africanos não fomos estúpidos em vender nossos irmãos e irmãs
como querem fazer parecer. Nós fomos estúpidos em permitir que nós mesmos
fôssemos manipulados pelos estrangeiros (meu povo costuma se referir ao homem
branco como estranhos brancos, então me desculpe se você ler esse termo ao
longo do artigo). Nós fomos estúpidos em confiar no homem branco em primeiro
lugar e depois deixar o homem branco pisar em nossas terras. Meu povo deixou o
homem branco entrar em nossas terras porque disseram que estavam vindo em paz.
Antes
de eu continuar gostaria que você notasse que houveram 2 tipos de escravidão na
África, a primeira introduzida com a chegada do Islã através dos árabes no
norte da África e aquela introduzida pelos europeus (justamente a que estou
comentando nesse artigo). A escravidão do Trans-Sahara era profundamente
enraizada na cultura islâmica e ainda é praticada nos dias de hoje em países
como a Mauritânia por exemplo.
De
acordo com meu avô nos dias, nos dias que não existiam o cristianismo e nem os
sistemas modernos de governo, na África reis, rainhas e outros líderes
comandavam seus impérios como chefes de estado e julgavam casos de acordo com
as regras e regulamentações de seus reinos. Aqueles que desobedeciam as leis
eram punidos e os que as obedeciam e se sacrificavam pela terra eram
generosamente recompensados. No entanto cada terra tinha sua prisão que não
eram feitas para abrigar um grande número de criminosos, sendo assim aqueles
que matavam eram mortos, os que roubavam tinham que pagar pelo que roubaram, os
que dormiam com outras mulheres eram banidos por isso e crianças que
desobedeciam os mais velhos também sofriam punições. Meu país Gana, localizado
na África Ocidental foi no passado praticamente um quartel general de negócios
relacionados a escravidão aonde escravos de diferentes partes do continente
eram trazidos e então negociados para embarcarem em caravelas mundo afora.
Quando
os estranhos brancos chegaram pela primeira vez, nossos ancestrais não estavam
certos de suas reais intenções, então a maioria das comunidades se moveram para
bem longe de sua terra natal, mas os homens brancos conseguiram convencer
alguns líderes que não chegaram aqui para trazer o mal e sim para trazer boas
noticias (Cristianismo e a Bíblia) e também para negociar com o povo local.
Alguns chefes ao longo do tempo foram aceitando que os estranhos se alocassem
em suas terras, os viajantes brancos então começaram a construir centros
missionários usados para rezar e negociar com os nativos. Porém o homem branco
posteriormente aumentou o número de centros missionários que foram crescendo
até se tornarem igrejas e catedrais, virando assim fortes e castelos que eram
usados para abrigar os primeiros escravos que seriam enviados pra fora da
África.
Os
estranhos brancos inicialmente não perceberam que os nativos não entendiam uma
palavra sequer da língua deles, o que tornava a comunicação bem difícil. Para
ajudar a quebrar essa barreira o homem branco sugeriu aos líderes tribais
cederem algumas pessoas de suas tribos para ensinarem sua língua para facilitar
assim a conversa, mas nenhum dos líderes estavam confortáveis e preparados o
suficiente para permitir que pessoas do seu povo fossem conviver com os
estranhos brancos. Mais tarde alguns líderes tiveram a ideia de ao invés de
mandar pessoas da tribo irem conviver com os brancos para aprenderem sua
língua, os brancos poderiam levar alguns dos criminosos para escutarem os
sermões cristãos e aprenderem a língua deles, visando que era melhor adicionar
uma função aos criminosos ao invés de matar todos. Então os líderes tribais
negociaram seus prisioneiros em troca de espelhos, garrafas de vinho entre
outras coisas trazidas pelos europeus. Foi assim que o homem branco conseguiu
seus primeiros escravos. Aqueles nativos (os criminosos) que foram morar e
servir os homens brancos em suas fortalezas e castelos e que também aprenderam
a língua dos brancos se tornaram mediadores de negócios entre os brancos e os
africanos pois podiam agora falar as duas línguas, isso ajudou muito a comunicação
entre eles.
Como
já mencionado antes, os nativos que foram viver com os brancos eram criminosos
sentenciados, sendo assim, com a proximidade e ganho de confiança do homem
branco, até mesmo como forma de vingança, esses criminosos fizeram a vida dos
outros africanos e suas tribos um verdadeiro inferno. Por exemplo, enquanto os
brancos os enviavam para cobrarem 5 peças de ouro como taxa, os ex-criminosos
agora mediadores cobravam 8 peças, cobrando assim sua própria taxa. Com o tempo
esses mediadores foram se tornando tão e até mais poderosos que alguns líderes
tribais, em outras palavras, a pregação cristã feita pelo homem branco
transformou os criminosos locais em pessoas ainda piores do que eram antes da
chegada deles. Como os homens brancos eram os únicos a terem armas de fogo,
atiravam em qualquer um que esses ex-criminosos mandassem atirar. Foram eles
quem ajudaram o homem branco a ter mais escravos. Os mesmos criminosos
condenados a morte em suas sociedades por se comportarem de forma não-africana
(desleal e indignamente com membros de suas comunidades).
Os
nativos que viviam com os homens brancos os serviam tão bem que os brancos se
sentiram a vontade para pedir por mais escravos. E por conta das benesses
adquiridas através desses servidores locais, muitos homens brancos levavam
alguns deles na volta pra casa. No exterior os estranhos brancos descobriam que
seus servidores eram bastante úteis e decidiram voltar para trazer mais deles.
Assim o homem branco notou que os poderia usar para trabalharem em suas
fazendas e plantations como mão de obra barata e produzindo um lucro maior e
voltou decidido a trazer mais servidores locais entre os comerciantes de
escravos.
Com
esse propósito retornaram e pediram por mais nativos, porém os líderes locais
não estavam preparados para ceder pessoas livres para os europeus exceto os
criminosos. Em Gana nenhum Ashanti ou povo que vivia no interior da região não
queriam ter qualquer tipo de proximidade com os brancos. Na verdade os
primeiros brancos a terem contato com o império Ashanti jamais retornaram. No
entanto os brancos precisavam de cada vez mais escravos para poderem manter
seus lucros, mas não encontravam caminho fácil para isso. Sendo assim começaram
a criar inimizades entre as tribos, fazendo acontecer mais guerras tribais e
consequentemente produzindo mais prisioneiros de guerras que futuramente se
tornariam escravos. E foi exatamente isso que fizeram.
Ao
longo do tempo os brancos começaram a armar alguns desses prisioneiros de
guerra (e criminosos) para facilitar a captura de mais escravos. Tudo em troca
de mais benefícios. Favor note que meu povo nunca esteve pronto pra lhes dar
pessoas do nosso próprio povo para serem escravos, mas sim que foram os
estranhos brancos que manipularam as pessoas criando confusão entre diversas
tribos para gerar diversas guerras tribais com o objetivo de conquistarem mais
escravos. Quanto mais conflitos tribais os brancos criavam, mais escravos
levavam. Em Gana, por exemplo, porque o império Ashanti era tão poderoso para ser
derrotado, os brancos criaram inúmeras divergências entre os Ashanti e suas
tribos vizinhas. Chegando a muní-las com armas de fogo afim de facilitar a
derrota dos Ashanti. Desse jeito acabaram tirando do trono o Rei Nana Prempeh I
e a Rainha Mãe Nana Yaa Asantewaa para poderem controlar e colonizar o ouro e o
povo Ashanti.
Por
fim, quero retificar que nós africanos não simplesmente vendemos nossos irmãos
e irmãs para a escravidão. Fomos ludibriados e manipulados pelos brancos que um
dia chegaram a nossas terras e a parte mais dolorosa disso é que alguns de
nossos irmãos africanos foram cegos demais para enxergarem o perigo e isso ainda
é motivo de muita tristeza.
Texto original em inglês
publicado no Africaw e traduzido pelo
Lucas Casagrande.