Um
vídeo feito na quarta-feira (23) por alunos de uma escola particular em
Ananindeua, região metropolitana de Belém, viralizou nas redes sociais. No
registro, um grupo de alunos diz à diretora do colégio que vai apresentar um
trabalho na Feira da Cultura sobre a entidade Pombagira, entidade de matriz
afro religiosa que é a mensageira entre o mundo dos orixás e a terra, mas é
proibido pela gestora do local, conforme publicado no site G1.
O
registro feito por celular mostra a discussão dos alunos com a diretora do
Centro de Educação Trindade, localizado no bairro Águas Brancas. “Pombagira? Credo! Sangue de Jesus”, diz
Ana Trindade, diretora e dona do colégio. “A
senhora tem de respeitar outras religiões”, retruca o aluno Gabriel
Ferreira, que propôs o tema. “Não, eu não
sou obrigada a entender as outras religiões. Eu não quero e acabou!”, diz a
gestora na conversa com o grupo de estudantes.
No
vídeo, a diretora diz que a escola tem princípios cristãos. “Eu tenho que dizer pra vocês: aqui dentro da
minha escola vai funcionar, vai se realizar e vai se apresentar o que eu achar
que é de Deus. Nada de Pombagira aqui dentro”, declara Ana Trindade. “Mas a Pombagira Cigana é uma lenda cultural.
A senhora respeite”, argumenta Gabriel.
Intolerância
O
tema da Feira da Cultura do colégio este ano é “Construindo Valores”. De acordo
com o estudante João Marcos de Souza, dentro da temática, foram determinados
subtemas a cada turma da escola. ”A nossa
sala ficou com ‘Lendas urbanas/Lendas Culturais’. Cada um escolheu sua lenda,
fez seu projeto, alguns já tinham até comprado e alugado seus trajes. Dai
alguns dias antes da Feira, chegou a história até a diretora que nós iriamos
fazer ‘macumba’ na sala”, relata João Marcos ao site supracitado.
Para
o aluno, a reação da diretora foi intolerante. “Ela agiu de forma preconceituosa, falando que não aceitava ‘macumba’ na
escola dela. Eu achei o ato totalmente desrespeitoso e tomei a frente da
situação chamando meus colegas de classe para irmos até ela, dialogar sobre o
fato. Nesse momento, o vídeo foi feito pela minha amiga. Eu já tinha plena
consciência que o que eu tinha acabado de presenciar era crime, porém precisava
de provas para que o crime fosse julgado e penalizado”, completa.
Crime de racismo
Para
a professora e doutora Zélia Amador, o episódio é um evidente caso de racismo,
que precisa ser denunciado junto à polícia. “Mais do que intolerância religiosa, é racismo. A diretora tem o
discurso usado há séculos de demonizar as religiões de matriz africana,
segregando, diminuindo e invisibilizando”, critica Zélia, que é
coordenadora do Grupo de Trabalho Afro-Amazônico da Universidade federal do
Pará e fundadora do Centro de Estudos de Defesa do Negro do Pará (Cedenpa).
Para
Zélia, o argumento de que a escola “é cristã” e por isso não aceita abordar
outras religiões é equivocado e nocivo ao próprio ensino e formação cidadã. “A educação deve ser laica. A religião da
diretora pode ser o cristianismo, tudo bem, ela tem todo o direito. Mas impor a
religião dela a todos os que frequentam a escola é um problema”, destaca. A
pesquisadora observa que o discurso de intolerância é a base das violências
sofridas por grupo de afro religiosos. “Tivemos
diversas mortes de líderes afro religiosos em Belém nos últimos meses. Isso é
alarmante. Queremos que haja uma resolução por parte da Secretaria de Segurança
para prevenir esse tipo de crime de ódio, intolerância e racismo e preservar a
vida das pessoas”.
Procurada
pelo G1, Ana Trindade disse que impediu a apresentação do trabalho dos alunos
porque “pais mais conservadores não
gostam que seus filhos assistam a esse tipo de tema”. “Trabalho na educação há 36 anos. Em anos anteriores já vivi
experiências que foram desagradáveis por causa dessa questão. Os pais pediram a
medida. Os pais é que não gostam”, declarou a diretora, que explicou que a
Feira da Cultura, que será realizada nesta sexta (25), terá a participação de
alunos de diversas faixas etárias, e que considera certos assuntos inadequados
os estudantes menores.
Questionada
sobre a segregação de religiões não cristãs na escola, a diretora disse “que não tem nada contra outras crenças”.
“Tomei apenas cautela para evitar
constrangimento aos alunos”.
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Imagem capturada do vídeo no youtube. |