Na noite de domingo, 5 de janeiro, a atriz brasileira Fernanda Torres recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Drama por sua atuação em “Ainda Estou Aqui”. A obra, baseada na história do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela Ditadura Militar, revisitou o horror vivido por milhares de brasileiros durante o regime (1964–1985).
Enquanto
a trama se concentra no drama de uma família da classe média urbana, outro
segmento da população — os negros — também sofreu perseguições implacáveis e
permanece amplamente ausente das narrativas históricas mais conhecidas.
Inclusive, Rubens Paiva dá nome a uma Comissão da Verdade do Estado de São
Paulo que dedica um de seus tomos à perseguição da população negra pelos
militares.
A
Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” foi a primeira
comissão estadual dessa natureza, criada pela Resolução n. 879, de 10 de
fevereiro de 2012. A Comissão encerrou seus trabalhos em 14 de março de 2015.
O
documento constata um debate atual: a resistência ao regime não se limitou a
setores brancos da classe média. Jovens negros, como Abílio Clemente Filho,
Carlos Marighella, Helenira Resende, Alceri Maria Gomes e Osvaldo Orlando da
Costa conhecido como Osvaldão, enfrentaram tortura e assassinatos brutais ao lutar
por democracia e direitos.
Contudo,
a violência do regime contra a população negra transcendeu a militância
política. Como maioria entre os pobres, os negros foram os mais atingidos pela
repressão indiscriminada e pelas consequências de políticas excludentes.
Um Estado racista e opressor
Nas
periferias e favelas, onde vivia grande parte da população negra, a repressão
militar assumia formas específicas. Qualquer tentativa de organização
comunitária ou cultural podia ser vista como subversiva e duramente reprimida.
Jovens
negros, especialmente, eram constantemente vigiados, presos ou mortos sob
acusações infundadas de envolvimento em atividades ilícitas. Na narrativa
oficial, o negro pobre era frequentemente retratado como delinquente,
reforçando estereótipos racistas e justificando práticas violentas.
Para
além dos militantes conhecidos, muitos negros desapareceram sem que seus nomes
fossem sequer registrados nos relatórios oficiais. A ausência de dados claros
sobre essas vítimas invisíveis dificulta a tarefa de compreender a totalidade
das violações ocorridas durante a ditadura.
Militantes negros mortos e desaparecidos
na ditadura
Abílio
Clemente Filho, estudante de Ciências Sociais da Unesp, foi sequestrado em 10
de abril de 1970, em Santos, São Paulo, quando se encontrava com um amigo na
praia de José Menino. Ativista do movimento estudantil, Abílio foi uma das
vítimas anônimas da ditadura, sem grande visibilidade no noticiário da época.
Sua
história foi revelada posteriormente, por meio de documentos encontrados no
Arquivo Público de São Paulo, que indicam seu vínculo com militantes da ALN
(Ação Libertadora Nacional).
Alceri
Maria Gomes da Silva, outra militante negra, desapareceu em 17 de maio de 1970,
em São Paulo, após se engajar na luta contra a ditadura e se envolver no
movimento operário. Ela havia se mudado para São Paulo em busca de
oportunidades para se organizar politicamente e, antes de ser assassinada, foi
uma importante liderança no movimento estudantil. Sua morte foi ocultada pelas
autoridades, que deram pouco ou nenhum esclarecimento à sua família.
A
trajetória de Helenira Resende de Souza Nazareth, militante do PCdoB, foi
marcada por sua resistência e atuação no Movimento Estudantil. Helenira, que
também se tornou conhecida como “Preta”, foi perseguida desde os primeiros anos
de sua militância e esteve envolvida na guerrilha do Araguaia.
Seu
desaparecimento, em 29 de setembro de 1972, é um dos casos mais emblemáticos de
uma jovem negra que, além de ser uma liderança política, teve sua trajetória
interrompida brutalmente. A militante foi capturada pelas forças militares e, após
anos de resistência, foi dada como desaparecida.
Ieda
Santos Delgado, desaparecida em 11 de abril de 1974, também fez parte da
resistência ao regime, especialmente no apoio financeiro e logístico à Ação
Libertadora Nacional (ALN). Sua atuação política foi silenciosa para muitos,
mas sua ausência deixou um rastro de dor em sua família. Ieda, uma mulher negra
com uma formação acadêmica sólida, foi presa, torturada e, em um primeiro
momento, o governo negou informações sobre seu paradeiro.
Com
o tempo, surgiram rumores de que Ieda havia sido torturada e talvez estivesse
viva em algum lugar, mas esses relatos nunca foram confirmados. Sua mãe nunca
recebeu explicações oficiais, nem uma resposta do governo ou do regime militar.
Santos
Dias, trabalhador e militante operário, é outro exemplo de como a repressão se
abateu sobre os negros que se organizaram nas fábricas e no campo. Em 30 de
outubro de 1979, ele foi morto por um policial militar durante uma manifestação
em São Paulo, na qual tentava impedir a agressão de outros trabalhadores.
As
histórias de Abílio, Alceri, Helenira, Ieda e Santos Dias foram levantadas em
pesquisa da CEV “Rubens Paiva” no Dossiê da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos. Os registros completos dos nomes citados e das outras
36 pessoas negras desaparecidas e assassinadas estão documentadas neste link.
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Com informações da Alma Preta Jornalismo.
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