GRUNEC e SINDURCA fazem manifestação em defesa da lei de cotas na URCA. (FOTO | Reprodução | WhatsApp). |
Em um país marcado por profundas desigualdades sociais e raciais históricas, como o Brasil, as políticas públicas de ações afirmativas se apresentam como um instrumento para efetividade do direito à igualdade.
Por isso, quando pensamos na Educação brasileira, vemos o quanto é necessário garantir que a formação da cidadania do país tenha como viés epistêmico e metodológico e no acesso ao direito à educação a equidade, a diversidade, a pluralidade, a inclusão e o respeito aos direitos humanos, tanto por parte do referencial teórico, métodos e materiais, quanto dos/as profissionais da educação.
O Grupo de Valorização Negra do Cariri - GRUNEC, em parceria com o movimento sindical, a comunidade acadêmica – docentes e discentes – e sociedade civil organizada – movimentos sociais negros, feministas e outros de luta de base -, tem se levantado contra os retrocessos e silenciamentos das instituições de ensino superior no que diz respeito a efetividade das cotas. Para tanto, defendemos no âmbito da graduação e pós-graduação, que os grupos sociais historicamente espoliados pela sociedade, como população negra, indígena, quilombola, pessoas com deficiência, estudantes mães, pessoas trans, de baixa renda de escolas públicas, entre outros/as, acessem de forma plena a universidade.
Quando falamos do acesso de forma plena, nos referimos a luta que fazemos para pleitear a permanência dessas pessoas neste espaço, pois sem políticas de assistência estudantil, como bolsas de auxílio, iniciação científica, extensão e estágio, residência universitária, restaurante universitário, de nada adianta acessar. É preciso garantir que as pessoas ingressem e permaneçam com qualidade, conseguindo acessar a universidade em toda a sua integralidade, já que a formação acadêmica envolve aulas, pesquisa e extensão.
Combatemos o descumprimento dos procedimentos de heteroidentificação, em razão da ausência de controle administrativo prévio, efetivo e continuado sobre a veracidade das informações prestadas por candidatos às vagas das cotas, e nesse sentido acompanhamos, o Procedimento Administrativo (PA) n. 09.2022.00023240-2 que tramita na 4ª Promotoria de Justiça de Crato.
No âmbito do corpo discente, lutamos para que a política de cotas se efetive por meio das seleções e concursos com a reserva de vagas para cotistas. Nesse sentido, acompanhamos também o Processo coletivo n. 201613-44.2022.8.06.0071, que tramita na 2ª Vara Cível da Comarca de Crato e o PA n. 01.2023.00016709-7, que tramita também na 4ª Promotoria de Justiça da comarca de Crato.
O primeiro trata-se de Ação Civil Pública movida pelo GRUNEC e pelo SINDURCA que visou corrigir o Edital 05/2022, que rege o concurso público para o cargo de Magistério Superior da URCA. Em sede de tutela de urgência, a universidade foi obrigada a corrigir o edital a fim de garantir a reserva de vagas no percentual previsto em lei de 5% para pessoas com deficiência e 20% para pessoas negras. A ação foi de suma relevância a nível estadual, pois não era só o edital da URCA que continha erro na reserva de vagas, mas sim todos os editais de concursos das universidades estaduais do Ceará: URCA, UECE e UEVA. Com a ação as 3 retificaram o edital. Para melhor visualização da problemática, confiram o quadro abaixo que mostra quantas vagas tinha cada edital e como ficou depois da ação:
Vagas nos concursos das universidades do Ceará, conforme editais de antes e depois da ação
Universidade |
Total de vagas |
Cotas no edital de abertura |
Cotas conforme a lei |
Edital após ação |
Aprovados nas cotas |
URCA |
184 |
3 N e 3 PCD* |
37 N e 9 PCD |
37 N e 9 PCD |
21 N e 0 PCD |
UECE ADJ. |
135 |
1 N e 1 PCD |
27 N e 7 PCD |
21 N e 6 PCD |
12 N e 0 PCD |
UECE ASS. |
182 |
4 N e 4 PCD |
36 N e 9 PCD |
37 N e 11 PCD |
15 N e 0 PCD |
UVA |
145 |
6 N e 5 PCD |
29 N e 7 PCD |
28 N e 5 PCD |
25 N e 2 PCD |
Autoria própria, 2024
*N = Cotas para negros/as; PCD = Cotas para pessoas com deficiência
Mas não é só prever o quantitativo correto no edital. O principal obstáculo para efetividade das cotas nesse caso é o método de fracionamento das vagas por setores de estudos, método este que é vedado, nos termos do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal - STF na Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC n°. 41: “os concursos não podem fracionar as vagas de acordo com a especialização exigida para burlar a política de ação afirmativa, que só se aplica em concursos com mais de duas vagas” (STF, 2017).
Ademais, o GRUNEC e SINDURCA sustentaram no processo coletivo que, sendo as cotas uma política pública que visa a garantir a igualdade material aos grupos em situação de vulnerabilidade na sociedade brasileira, em decorrência do contexto histórico colonial de relações assimétricas de poder, significando uma verdadeira medida reparatória, as restrições a sua eficácia podem configurar desvio de finalidade da política pública, conforme análise de Lívia Sant’Anna Vaz em sua obra “Cotas Raciais” (2022). Sendo assim, é dever de toda população denunciar o desvio de uma pública por parte da administração pública.
Já o PA n. 01.2023.00016709-7 além de se basear na fundamentação supracitada para noticiar as violações a lei de cotas por parte das 3 universidades estaduais, acrescenta outros importantes pontos, como:
A não ocorrência do fracionamento das vagas reservadas em seleções de professores/as temporários e substitutos;
a necessidade de inserir a abordagem – inclusive de modo transversal – no conteúdo programático e nas questões das provas de todos os cargos dos temas referentes às relações étnico-raciais, à trajetória histórica da população negra e indígena no Brasil e no Ceará, sua contribuição decisiva para o processo civilizatório nacional, e políticas de promoção da igualdade racial e de defesa de direitos de pessoas e comunidades afetadas pelo racismo e pela discriminação racial, com base na legislação estadual e federal específica;
periodicamente curso de formação nesse sentido para o aperfeiçoamento do processo e para o ingresso de novos integrantes, possibilitando também investimento financeiro para que integrantes dos movimentos sociais possam atuar no processo;
A previsão editalícia de que as Comissões de Heteroidentificação devem validar ou invalidar as autodeclarações raciais das/os candidatas/os autodeclaradas/os negras/os com base exclusivamente no critério fenotípico;
A criação urgente de regulamentação para população indígena, quilombola, transexual e travesti no corpo docente das universidades.
A adoção de seleção diferenciada para o ingresso da população quilombola e povo indígena nos cursos de graduação e pós-graduação da universidade;
A criação de mecanismos de discussão junto às coordenações de curso e colegiados para a reformulação curricular inserindo as temáticas negra, indígena e das relações de gênero em todos os cursos de graduação e pós-graduação da universidade;
A realização anual de Seminário de Ações Afirmativas promovido pela Administração Superior da URCA para apresentação de dados da política de cotas e ações de permanência, com a participação ampla da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais.
A criação de política de cotas para pessoas trans nos vestibulares da URCA e o aperfeiçoamento da política para a população quilombola.
A criação de um Curso de Graduação em Educação Escolar Quilombola.
A oferta permanente de cursos e programas de formação nas temáticas negra, indígena, quilombola e relações de gênero.
É por isso que tensionamos as universidades no Estado do Ceará quanto à necessidade da ampliação dessas políticas e os seus efeitos no campo da produção do conhecimento. São ações que questionam as universidades cearenses quanto à garantia do acesso, da permanência, do enfrentamento ao epistemicídio e as desigualdades materiais, para que se revejam processos, métodos e ampliem as políticas públicas de superação das desigualdades estruturais. Acreditamos que só por meio da luta é possível construir a universidade que o povo quer e precisa, democrática, plural, diversa e inclusiva.
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA JÁ! “AS COTAS ABREM PORTAS” – GRUNEC
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Texto encaminhado a redação do blog por Lívia Nascimento, presidenta da GRUNEC
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