Depois
da revolução de 1930, nunca os militares ficaram por tantos anos fora da cena
política brasileira como a partir de 1985, quando a ditadura militar chegou ao
fim com a devolução do poder aos civis na pessoa de Tancredo Neves. Passados 32 anos, aqui estamos nós,
perplexos, diante dos sinais inequívocos
de que há disposição, pelo menos de alguns “bolsões”, para uma nova intervenção
na política, destinada a colocar ordem no caos detonado pelo golpe parlamentar
de 2016. Houve a fala do general Mourão,
defendendo a intervenção, a do general Augusto Heleno, em seu apoio, e a do
comandante do Exército, na entrevista a Pedro Bial, na TV Globo, onde informou
que não punirá o subordinado e também admitiu, de forma contraditória, a ação
das Forças Armadas em situações excepcionais.
A pergunta que se impõe é esta:
para quem estão falando os militares? Quem são os destinatários do aviso
de que eles poderão resolver a crise política se os poderes constituídos não o
fizerem? Talvez o primeiro destinatário
seja a Câmara, que em breve julgará a segunda denúncia contra Michel
Temer. Talvez seja a classe política
como um todo, o que nos traz a lembrança das listas de cassações, à esquerda e
à direita, que vieram depois do golpe de 1964. Temer, comandante em chefe-das-Forças
Armadas, segue calado, mas hoje ele volta ao Brasil e terá que se pronunciar,
já que o ministro da Defesa deixou a tarefa para o comandante do Exército, que
só acentuou a perplexidade.
Por
Tereza Cruvinel, no 247 - Aqui estamos, perplexos, e também
divididos. Um intelectual da envergadura
de Moniz Bandeira, de convicções democráticas indiscutíveis, já vinha
defendendo a intervenção militar para evitar o desmonte do Estado e a entrega
do patrimônio nacional ao capital estrangeiro predador. A Constituição e o Estado de Direito, vem
dizendo ele, já foram rasgados no ano
passado. Houve espanto e reações à esquerda, como a do petista Valter Pomar,
que criticou suas “ilusões”, dando ensejo a uma troca de correspondência que
merece ser lida, e está toda transcrita no blog de Pomar: http://valterpomar.blogspot.com.br.
A
entrevista do comandante do Exército a Pedro Bial não serviu para dissipar, e
sim para acentuar a percepção de que a fala do general Mourão não foi uma
solilóquio mas a expressão de uma disposição latente no meio militar. Em que
extensão é que ninguém sabe. Tanto é que
Mourão recebeu apoio explícito do general Augusto Heleno, uma voz muito respeitada
no Exército, principalmente por sua atuação no comando das tropas brasileiras
no Haiti. Não punindo Mourão,
justificando sua fala “em ambiente fechado” (como se houvesse licença para isso
no regramento militar), e admitindo que
as Forças Armadas podem atuar para conter o caos, o comandante do Exército nada
mais fez do que repetir o subordinado.
Há na praça política a interpretação de que ele não o puniu para não
criar uma vítima e insuflar ainda mais o ambiente. Mas ele fez mais que minimizar ou justificar
Mourão, ao admitir a possibilidade de intervenção, em respostas contraditórias,
em que misturou o emprego das Forças Armadas em situações excepcionais, como
ocorre agora mesmo no Rio de Janeiro, com uma intervenção para conter o caos
político.
São
coisas distintas mas ele as embaralhou ao afirmar que Forças Armadas podem ser
empregadas para garantir a lei, a ordem e os poderes constituídos, a pedido de
um deles ou por iniciativa própria. O
artigo 142 da Constituição diz que isso só pode ocorrer na primeira hipótese (a
pedido de um dos poderes). Ele
acrescentou a segunda. Vale dizer, a iniciativa própria, “quando houver a
iminência de um caos”. Esta foi uma interpretação constitucional perigosa, pois
na situação atual não se espera de nenhum dos Três Poderes um pedido de intervenção.
Sempre
que os militares imiscuíram-se na política, foram tentados pelas “vivandeiras
de quartel”, expressão que no passado identificava os políticos que pediam
intervenção militar. Quem melhor as definiu foi o general Castelo Branco: “Eu
os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como
vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar
extravagâncias do Poder Militar."
Mas hoje não há vivandeiras, não há políticos interessados em perder
tetas e mamatas, embora haja setores minoritários da sociedade civil que
defendem a solução militar. Ela teria que vir por iniciativa própria das Forças
Armadas, tal como disse o general Vilas-Boas.
Muitas
vivandeiras se iludiram, em 1964, acreditando que os militares, após derrubar
João Goulart, cumpririam o calendário eleitoral com a realização das eleições
presidenciais de 1965. Eles ficaram mais 20 anos, ao longo dos quais sabemos o
que aconteceu: cassações, inclusive de vivandeiras exaltadas, como Carlos
Lacerda, fechamento do Congresso,
liquidação dos partidos, perseguições, torturas, mortes e desaparecimentos.
Depois da Revolução de 1930, liderada por
Getúlio Vargas com forte e decisivo apoio dos oficiais do “tenentismo”, os militares
protagonizaram golpes em 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964. Vale recordar o que
disse Alfred Stepan, em seu livro “Os militares na política”, em que estudou o
caso brasileiro. Os golpes triunfantes, diz ele, foram os de 1945 (que apeou
Vargas do poder), o de 1954 (que o levou ao suicídio, no segundo governo), e o
de 1964, que derrubou Jango e abriu a porteira para uma longa ditadura. E todos
eles ocorreram em situações em que havia baixo grau de legitimidade do Poder
Executivo e alto grau de legitimidade dos militares. Em 1955 (tentativa de impedir a posse de JK)
e em 1961 (veto à posse de Jango após a renúncia de Jânio), na ausência destas
condições, eles perderam.
Desnecessário
falar da baixíssima ou inexistente legitimidade de Michel Temer como chefe do
Executivo. Isso porém não garante a legitimidade das Forças Armadas para uma
intervenção. Mas eles devem ser ouvidos, por aqueles a quem estão se dirigindo.
Por Temer, pelo Congresso, pelo Supremo. Antes que seja tarde.
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