Uma
nova propaganda do Ministério da Educação, veiculada em canais de rádio e
televisão, apresenta a reforma do ensino médio como uma proposta aprovada pelos
jovens secundaristas, quando conhecem as mudanças e, ainda, por 72% dos
brasileiros, segundo pesquisa do IBOPE, encomendada pelo governo.
Do
GGN
O
levantamento foi feito em resposta às críticas feitas à Medida Provisória 746,
que impõe as alterações, como admitiu o próprio MEC, em nota divulgada pela
assessoria de imprensa. O IBOPE entrevistou 1200 brasileiros em todo o
território nacional, entre 30 de outubro e 6 de novembro.
A
pergunta feita aos participantes da amostragem foi: “O senhor é a favor ou
contra a reformulação do ensino médio que, em linhas gerais, propõe ampliação
do número de escolas de ensino médio em tempo integral, permite que o aluno
escolha entre o ensino regular e o profissionalizante, define as matérias que
são obrigatórias, entre outras ações?".
A
formulação desta pergunta esconde uma discussão muito mais complexa e que
preocupa especialistas que atuam diretamente na discussão de políticas públicas
para o setor, um deles é o professor Cesar Callegari, Diretor da Faculdade Sesi
de Educação, e membro do Conselho Nacional de Educação.
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Imagem capturada do vídeo no youtube. |
A
primeira questão levantada pelo sociólogo, que também é Presidente da Comissão
de Elaboração da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e Relator da Comissão de
Formação de Professores, dentro do Conselho Nacional de Educação, é que pontos
considerados até que positivos na reforma, como a flexibilização do currículo,
não precisariam de uma Medida Provisória e nem de alguma lei para serem
implantadas, pois a legislação vigente já permitiria.
O
governo argumenta, entretanto, que a legislação foi feita por MP para induzir
as mudanças nos sistemas de ensino estaduais. “A única coisa, talvez, que precisaria de Medida Provisória, para dar
base a recursos orçamentários, é a questão do tempo integral. A Medida
Provisória poderia ser só isso, como vários governos nos últimos anos já se
utilizaram, para dar suporte a programas como o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa”, pontua Callegari.
Acompanhe a seguir, como o educador
avalia os principais pontos da MP:
Ensino profissionalizante
Com
a MP, a partir da última metade do ensino médio o estudante vai poder escolher
se aprofundar entre quatro áreas de conhecimento: linguagens, matemática,
ciências da natureza e ciências humanas, ou ainda, optar por fazer ensino
técnico profissionalizante.
“Eu defendo uma aproximação da escola com o
mundo do trabalho, não digo do mercado. Mas é fantasioso imaginar que todas as
escolas de ensino médio no Brasil serão também escolas de formação
profissional. O que essas escolas podem fazer é uma articulação curricular com instituições
públicas, ou não públicas, que atuam na atividade de educação profissional.
Quem entende a questão da educação profissional, sabe que uma improvisação,
feita de qualquer maneira dentro de uma escola pública do ensino médio, não
dará certo, lembrando que boa parte delas nem se sustentam hoje sobre suas
próprias pernas, diante da enorme carência de recursos, sejam humanos, técnicos
ou financeirosl”.
Escola em tempo integral
“A grande questão que sempre está posta é que
a educação em tempo integral seja feita com uma educação de boa qualidade, que
tenha significado para os estudantes, que as escolas não sejam transformadas em
uma espécie de colégio interno. Toda a educação de má qualidade favorece a
evasão e, portanto, se a educação em tempo integral for de boa qualidade, vai
favorecer a fixação do aluno”.
Ensino noturno
“A MP não traz nada a respeito do ensino
noturno, que é mais precário do que o ensino diurno hoje. Ele não deveria
existir, mas é necessário porque em muitas redes não há vaga para todo mundo
durante o dia, não é só porque o aluno trabalha. É evidente que, ao tratar
apenas do tempo integral, a MP está deixando de lado o ensino noturno que
continuará sendo uma espécie de patinho feio da educação média brasileira [em
termos de qualidade]”.
Flexibilização do currículo
No
modelo atual, se o estudante quiser cursar formação técnica de nível médio,
precisa cursar 2400 horas do ensino médio regular, e mais 1200 do técnico. O
governo alterar essa proposta e, a partir da metade do ensino médio, o
estudante poderá optar por um curso profissionalizante.
“A flexibilização, de maneira geral, é
positiva, mas não precisaria de uma Medida Provisória. Já existem leis que
permitem que os sistemas de ensino possam organizar currículos de maneira
inovadora e flexível. O que é gravíssimo é reduzir [o programa curricular que
será aplicado aos alunos] às quatro paredes de um microfundio de 1200 horas. Na
prática, os direitos de aprendizagem do aluno brasileiro médio estão reduzidos
àquilo que couber nas 1200 horas, portanto metade do tempo do Ensino Médio
[2400]. O que considero como um erro gravíssimo que nós vamos precisar
corrigir. Se isso não for mudado pelo Congresso, vamos ter de fato um problema
de amesquinhamento dos direitos de aprendizagem dos jovens. Estamos [governo]
fazendo essa redução, talvez, para atender às necessidades dos secretários
estaduais de educação, que estão às voltas com às muitas dificuldades
financeiras de não poder atender em número de professores, laboratórios, com
muitas escolas caindo aos pedaços”.
Definição de currículo por MP
“Quem
deve definir currículo é o Conselho Nacional de Educação, e conselhos
nacionais, articulados com os sistemas educacionais, com secretários de
educação. Acho que não é adequado que a organização curricular seja fixada por
lei, engessa e tira a autonomia do sistema de ensino, e o que nós precisamos
ter, a exemplo da Base Nacional Curricular Comum, é um conjunto de referências
e outras coisas mais gerais que precisam existir, como é o caso da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que dispõe sobre o conjunto da educação
brasileira, mas não de maneira curricular”.
Base Nacional Curricular
“O governo está cometendo uma confusão muito
grande no texto da Medida Provisória, entendendo Base Nacional Curricular Comum
[BNCC] com o currículo. Uma coisa difere da outra. O currículo leva em
consideração tempo, professor, estratégia de localização, tipo de material
didático, perfil do aluno. É uma arquitetura e engenharia que você formula em
uma certa escola para dar consecução a um certo projeto educacional. Agora,
Base Nacional Curricular Comum é um conjunto de referências no que diz respeito
aos direitos de aprendizagem, que é fixado numa norma nacional e tem que ser
levada em consideração pelas escolas, redes e sistemas de ensino. Não é ela que
estabelece o currículo a ponto de dizer: olha, no ano 1, será ensinada tal
matéria, da página dois etc. Ela não é prescritiva nesses detalhes, é apenas um
conjunto de referências muito importantes. E o próprio governo está fazendo
essa confusão ao estabelecer essa métrica taylorista”.
Matérias optativas
Logo
quando lançou a MP, o governo estabeleceu que as matérias artes, educação
física sociologia e filosofia passariam a ser optativas. Pouco tempo depois,
ainda em setembro, o governo voltou atrás, afirmando que o conselho que discute
a BNCC é que irá decidir. Callegari é o autor da Lei nº 11.684/2008, que tornou
filosofia e sociologia disciplinas obrigatórias no ensino médio.
“Naquela época [quando a lei foi aprovada] as
pessoas que tinham visão mais à direita no Brasil chegaram a dizer que com isso
nós íamos ‘colocar muita minhoca na cabeça dos estudantes do ensino médio’ e
que isso era coisa de esquerdista. Filosofia e sociologia admitem inúmeras
abordagens, mas são, antes de mais nada, um avanço no sentido de uma educação
mais humanista e democrática. Essas matérias sempre foram vistas como um risco
para a ideologia mais à direita no Brasil, portanto elas têm sido – e já foram
no passado – vítimas preferenciais desses movimentos. Além disso, o problema da
educação no Brasil não está no número de disciplinas, mas na falta de
articulação entre elas, por exemplo, matemática não dialoga com física ou
química, e assim por diante”.
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