Por
que muitas das danças africanas são realizadas em círculos? Por que na música
tradicional os tambores se alternam e se repetem? O que significa o bater
contínuo de palmas? Na África, mais do que expressões artísticas, as danças são
um poderoso meio de comunicação, que traduzem e refletem suas sociedades. Os
sinais cognitivos na coreografia, costumes, instrumentos musicais e a até mesmo
disposição dos corpos expressam profundos aspectos culturais. As danças, em
todas as suas dimensões, carregam mensagens centrais para o funcionamento e
dinamismo de uma sociedade.
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Dança africana e os sentidos estéticos. |
Se
hoje, a mídia é a formadora de opiniões do mundo contemporâneo, as danças
outrora foram encarregadas desse papel, e ainda o são muitas vezes. Elas podem
se constituir em uma forma de autocrítica, sendo uma grande ferramenta para
dirigir mudanças de comportamento, tendo a vantagem de se comunicar sem
esforços, através da edudiversão, explica o historiador zimbabuano Pathisa
Nyathi. Nesse conjunto, elas se tornaram uma peça chave na cultura local e seus
simbolismos não apenas são contextuais, como representam a visão do mundo e
ideologia dos povos que a performam.
Não
apenas os tons e as rimas, mas também os trajes, posturas corporais, cores,
arranjos, formas e desenhos dos instrumentos musicais compartilham um aspecto
em comum: os sentidos da estética africana, expressando a inter-relação entre a
humanidade e o meio ambiente. Pathisa explica que são oito os sentidos
estéticos da dança, denominados por sentidos Welsh-Asante’s: polirritmia,
repetição, qualidade de conversação, policentrismo, sentido curvilíneo,
dimensionalidade, memória épica e sentido holístico.
No
contexto mais prático, polirritmia refere-se aos ritmos diversos por diferentes
instrumentos musicais; repetição é a reiteração de uma nota, frase, sequência,
cor, forma, movimento, bater de palmas ou pés, ou mesmo uma dança ou música
inteira; e policentrismo é o senso estético que tem a ver com multiplicação de
um movimento e/ou som, textura e cor dentro do produto artístico. Já os outros
cinco conceitos são mais complexos, tratando-se de perspectivas culturais.
Qualidade
de conversação é o sentido que reitera a importância da conversa durante uma
performance, podendo significar a simples troca de palavras durante a música
cantada até a conversa entre instrumentos como os tambores, que são tocados alternadamente
para reproduzir tal efeito. Outro importante aspecto é o sentido curvilíneo,
que representado com a forma, figura ou estrutura curva nos produtos artísticos
e na posição dos corpos, é diretamente relacionado com os conceitos-guia das
sociedades africanas de continuidade e fertilidade.
O
sexto conceito é a dimensionalidade, que tem a ver com a impressão e emoção que
um participante sente, ouve ou vê através de um produto artístico. Trata-se de
uma experiência extrassensorial. É uma dimensão percebida. Já a memória épica
tem em si uma grandeza metafísica, tratando-se das memórias e lembranças que
são proporcionadas durante uma dança, em que sentimentos, experiências, ethos e
pathos são recuperados. Por fim, o sentido holístico, que é o efeito de todo o
conjunto da dança. Sons, cores, movimentos: tudo consumido ao mesmo tempo como
um todo, formando uma unidade artística.
Na
análise da Woso, dança da chuva no Zimbábue, por exemplo, de diversas maneiras
os sentidos estéticos são reproduzidos. O batuque simboliza trovões, os
chocalhos amarrados nas pernas dos dançarinos criam a ambientação das gotas de
chuvas, as roupas são em branco e preto simbolizando as cores das nuvens, os
trajes são confeccionados com penas de avestruz também em preto e branco, representando
novamente as cores das nuvens, mas também as cores dos pássaros migratórios,
símbolos de chuva na cultura local. E a chuva, ou seja, o conjunto simboliza a
fertilidade da terra, que em termos culturais, significa a continuidade da
espécie humana.
Pathisa
explica que não é possível falar da fertilidade do homem sem falar da
fertilidade da terra. Só com a chuva, a terra é fértil e só com a terra fértil,
o homem subsiste. Nesse contexto, a preocupação no caso da Woso é a ideia de
continuidade e preservação da espécie. A dança se torna assim um santuário para
a fertilidade. O historiador observa ainda que nas sociedades africanas, a arte
tem um propósito, uma função e que a dança, associada tanto a eventos sagrados
quanto profanos, desempenha um papel crucial na educação, entretenimento,
política e religião. E assim conclui: “A
dança é uma explosão da experiência emocional. A dança é um microcosmo de uma
sociedade em particular. É a sociedade em movimento. E é lindo”.
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