Lívia Nascimento, presidente do GRUNEC, lança livro “Justiça Social Afrodiaspórica”

 

Lívia Nascimento. (FOTO | Nívea Uchoa).

Por Nicolau Neto, editor

No último dia 21 de julho, em Crato, a advogada e presidente do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Lívia Nascimento, lançou seu primeiro livro intitulado livro “JUSTIÇA SOCIAL AFRODIASPÓRICA: pensando alternativas à lógica desenvolvimentista a partir da atuação do Grupo de Valorização Negra do Cariri”.

O evento de lançamento reuniu professores, professoras, integrantes de movimentos sociais negros da região e familiares e ocorreu dentro da programação oficial do Julho das Pretas 2023 junto da 1ª Sexta Preta do Cariri que, no Ceará, tem a organização da  Rede de Mulheres Negras do Ceará e do próprio Grunec.

A autora, Livia Maria Nascimento Silva, é uma jovem mulher negra, mãe e nascida no Cariri cearense. Mestra em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Paraíba (PPGDH/UFPB), bacharela em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA), especialista em Direito Constitucional pela mesma instituição e em Direito Público pela Faculdade Legale. É advogada, assessora jurídica e presidente do GRUNEC (mandato 2022-2024), membra da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Ordem dos/as advogados/as do Brasil, secção do Ceará (OAB-CE) e da Coletiva Abayomi Juristas Negras.

Segunda ela, o livro “é resultado da sua dissertação de mestrado e reúne um aporte teórico acerca dos movimentos negros no Brasil, Ceará e região do Cariri, destacando o quanto a agência negra brasileira propõe uma significativa ruptura com a cosmovisão ocidental eurocêntrica, trazendo paradigmas para uma cosmopercepção de direitos humanos e justiça social afrodiaspórica”.

A produção conta com o prefácio da professora da Universidade Regional do Cariri (URCA) e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER), Drª Cícera Nunes. Nunes destaca que o livro traz denúncias do racismo estrutural a luz das organizações dos movimentos negros, antigos na história do Brasil e que estes têm “apontado novos modelos sociais de inclusão em defesa das diversidades e da recriação da vida com justiça e direitos. Essas trajetórias de luta também marcam o território cearense, questionando as narrativas oficiais que invisibilizaram essas existências e que ainda encontram dificuldades no avanço das políticas antirracistas”.

E continua:

“O Cariri cearense é território negro e indígena, profundamente marcado pela presença da luta antirracista. O Grupo de Valorização Negra do Cariri é parte importante desse processo de construção de novas formas de viver, denunciando o racismo em todas as suas dimensões e propondo uma outra concepção de educação e de relação com o mundo que rompa com a lógica racista, capitalista, patriarcal, sexista e de negação dos conhecimentos tradicionais.

Através da atuação do Grupo de Valorização Negra do Cariri a luta antirracista insurge no Cariri cearense, em especial a partir do início do século XXI, ocupando espaços, articulando redes, dialogando com outros movimentos sociais, tensionando o campo das políticas públicas, tendo como princípios o reconhecimento do legado ancestral e a solidariedade coletiva, ao tempo em que dialoga com a agenda histórica dos movimentos negros no contexto nacional.

Livia Maria Nascimento Silva é uma pesquisadora engajada e inserida no contexto da luta antirracista no Cariri cearense, que reconhece na existência do GRUNEC a centralidade de uma agenda que positiva a existência negra na luta por cidadania e construção de alternativas de um novo modelo societário. São visões de mundo contra hegemônicas e que na sua amplitude envolve historicamente os povos tradicionais, os movimentos indígenas e as populações negras na sua diversidade.

No campo das reflexões sobre epistemologias negras e enquanto um debate necessário à todas as áreas do conhecimento, temos nesta produção um importante aporte teórico para compreensão das lutas antirracistas no Brasil e no contexto cearense. A autora contextualiza a trajetória do GRUNEC contribuindo para visibilizar um debate que cada vez mais se torna necessário no campo da disputa pela produção do conhecimento como parte do compromisso político com a transformação da sociedade.

Temos, nesta obra, uma outra narrativa sobre o Cariri cearense, contada a partir de dentro e de múltiplas vozes, que encontra na atuação política e formação intelectual da autora os fios que nos conectam às lutas políticas do movimento negro caririense. Apresentamos-lhes à uma produção que nos ajuda a refletir a partir de uma nova concepção de mundo e de estratégias de emancipação, que vêm sendo tecida por mulheres, homens, jovens e crianças negros (as) na luta por dignidade em toda a sua plenitude”.

A autora afirma que quem tiver interesse em adquirir o livro, pode entrar em contato por meio do correio eletrônico advlivianascimento@gmail.com ou Whatsapp (88) 99751-8055. A obra também está disponível nas bibliotecas do IFCE-Crato, NEGRER e GRUNEC.

10 dos 28 municípios da região do cariri conta com população quilombola, revela censo do IBGE

 

Dona Maria Groso, matriaca da comunidade quilombola Lagoa dos Criolos, em Salitre-CE. FOTO | Bárbara de Alencar e Jayne Machado | Brasil de Fato CE).

Por Nicolau Neto, editor

O censo inédito do IBGE (2022) divulgado nesta quinta-feira, 27, acerca da população quilombola do Brasil revelou que o Estado do Ceará é o 10º com maior população desse grupo étnico-racial. São 23,9 mil quilombolas.

Os dados demonstram que dos 184 municípios cearenses, em 67 há presença de quilombolas. Destes, 10 estão na região do cariri que é formada por 28 municípios.

O cariri apresentou 4.179 pessoas que se reconheceram quilombolas, sendo o município de Salitre aquele que concentra o maior número, 1804, conforme levantamento do blog Negro Nicolau. É em Salitre também que há o maior número em termos proporcionais  desta população em todo o Ceará.

O que são quilombolas? 

Após a Constituição de 1988 (CF/88) é que o termo “remanescentes de quilombolas” aparece pela primeira vez em um contexto marcado pela memória de mais de três séculos de escravidão, mas também por mais 21 anos de recessão, de ausência de liberdade e de torturas trazidas pela Ditadura Civil-Militar.

O “remanescente de quilombolas” surge dentro desse contexto, mas também marcado pela redemocratização e o Art. 68 da CF/88, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias traz:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Quilombos e comunidades remanescentes destes são símbolos de resistência ao poder estabelecido que segregou e segrega, que escravizou e de luta por direitos básicos como liberdade, terra e moradia e inserção social. O próprio artigo trazido a lume é um exemplo de que as poucas conquistas da população negra são frutos do poder da organização e da mobilização tendo como referência os movimentos negros. Muitas das conquistas estão apenas nos papeis, infelizmente. Outras, no entanto, estão incompletas.

O que os dados representam?

Os números oficiais trazidos pela primeira vez em um censo do IBGE são de grande importância, porém ainda estão subestimados. Há mais pessoas quilombolas no país, especificamente na região do cariri. Como explicar que em Barbalha, Crato e Milagres, por exemplo, não tenham quilombolas, municípios com históricos que escravização? Isso demonstra que é primordial realizar um trabalho de campo junto às comunidades, rurais e urbanas, em todos os municípios, sobretudo aqui na região do cariri.  

Por outro lado, os dados elucidam e desmistificam a famigerada narrativa ainda em evidência de que no Ceará não há negros e quilombolas. É fundamental que esse material seja estudado e trabalhado nas escolas públicas e particulares.

Há que se destacar ainda a pouca repercussão desse levantamento nos blogs e sites do cariri. Até o fechamento desse artigo apenas o Portal Badalo, de Juazeiro do Norte, havia mencionado (de forma genérica) os dados com uma replicação da Agência Brasil. O blog do Amaury Alencar, de Crato, chegou a reproduzir matéria deste blog sobre Altaneira.

Abaixo você confere a presença quilombola nos municípios do cariri em um levantamento do blog:

1 -Abaiara – não tem

2 - Altaneira – 171

3 - Antonina do Norte – não tem

4 - Araripe – 311

5 - Assaré – não tem

6 - Aurora – 45

7 - Barbalha – não tem

8 - Barro – não tem

9 - Brejo Santo – não tem

10 - Campos Sales – Não tem

11 - Caririaçu – não tem

12 - Crato – não tem

13 - Farias Brito – não tem

14 - Granjeiro – não tem

15 - Jardim – 640

16 - Jati – não tem

17 - Juazeiro – 9

18 - Mauriti – 54

19 - Milagres – não tem

20 - Missão Velha – 28

21 - Nova Olinda – não tem

22 - Penaforte – não tem

23 - Porteiras – 667

24 - Potengi – 450

25 - Salitre – 1804

26 - Santana – não tem

27 - Tarrafas – não tem

28 - Varzea Alegre – não tem

Referências

Comunidades Quilombolas do Ceará: quantas tem e onde estão localizadas?. Blog Negro Nicolau, Nova Olinda, 28 de julho de 2023. Disponível em: https://www.blognegronicolau.com.br/2021/04/comunidades-quilombolas-do-ceara.html

Lagoa dos Crioulos: Lenda, toré, reza e parto. Brasil de Fato CE, Ceará, 28 de julho de 2023. Disponível em: https://www.brasildefatoce.com.br/2021/03/05/lagoa-dos-crioulos-lenda-tore-reza-e-parto

Ceará tem 23,9 mil quilombolas, aponta mapeamento inédito do Censo 2022. Diário do Nordeste, Ceará, 28 de julho de 2023. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/ceara-tem-239-mil-quilombolas-aponta-mapeamento-inedito-do-censo-2022-1.3397450

Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas em 1.696 municípios. IBGE, Brasil, 28 de julho de 2023. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37464-brasil-tem-1-3-milhao-de-quilombolas-em-1-696-municipios

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto, Brasil, 28 de julho de 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

5% da população de Potengi é quilombola, revela mapeamento inédito do IBGE

 

Seu Sebastião, uma das lideranças do quilombola Carcará. (FOTO  | Nicolau Neto).
 

Por Nicolau Neto, editor

1,3 milhão de habitantes no Brasil são considerados quilombolas é o que revelou um mapeamento inédito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado por meio do Censo Demográfico de 2022 e divulgado nesta quinta-feira, 27 de julho.

Essa é a primeira vez que o IBGE registra oficialmente a população quilombola no país e os dados demostram ainda que o Estado do Ceará está entre os 10 (23,9 mil quilombolas) que apresentam o maior número dessa população, estando ela presente em 67 dos 184 municípios.

O município de Potengi, na região do cariri, que já figurava em outros levantamentos a nível de Estado, aparece no mapeamento do Censo do IBGE com 450 quilombolas, o que representa 5,1% dos 8.833 habitantes.

Dentre as comunidades quilombolas no município estão o Carcará e o Sassaré, sendo a primeira a única reconhecida pela Fundação Cultural Palmares e alvo de estudos científico.

Carcará

Em 30 de julho de 2022 o Sítio completou 10 anos de reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares que a certificou como comunidade remanescente de quilombo.

Desde da publicação da Portaria N° 109/2013, de 30 de julho do ano supracitado, que o Sítio Carcará passou a receber a denominação de Comunidade Quilombola do Sítio Carcará, configurando uma intensa rede de apoio em prol da efetivação de direitos como preceitua os artigos 208, 215 e 2016, da Constituição Federal do Brasil e do Decreto nº 4.887/2003, que visa garantir, além da posse de terras, uma melhor qualidade de vida aos quilombolas. Este documento trata do direito desses povos em ter acesso a serviços essenciais como educação, saúde e saneamento.

É importante lembrar que o critério adotado pelo IBGE para a identificação da população quilombola, conforme estabelecido pela legislação vigente no país, foi a autodeclaração no momento da coleta de dados pelo recenseador ou recenseadora. Dessa forma, logo após pergunta sobre a “cor ou raça”, independentemente da resposta, a próxima pergunta foi “você se considera quilombola?”. Se a resposta fosse positiva, havia outra pergunta, a saber: “qual o nome da sua comunidade?”. Era possível inserir nomes que não estavam gravados.

SEDUC - CE seleciona consultores para elaborar material didático sobre educação para as relações étnico-raciais

 

Imagem de divulgação do livro “Caderno Educação das Relações Étnico-Raciais no Cariri Cearense e Orientações Didáticos Pedagógicas”


A Secretaria da Educação (Seduc) divulga Chamada Pública para seleção e composição de banco de profissionais da educação, a fim de atuarem como consultores com vistas à elaboração das orientações curriculares em educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) para as escolas da rede pública estadual de ensino do Ceará, no âmbito do Programa Ceará Educa Mais.

A inscrição deverá ser realizada por e-mail, no período de 01/08/2023 à 10/08/2023 até às 23h59min. A documentação correspondente à inscrição deverá ser enviada pelo e-mail chamadaerer2@prof.ce.gov.br especificando o assunto “Inscrição – Consultor/Elaborador – Erer”

Entre outros requisitos, o interessado deverá possuir graduação, licenciatura plena, em qualquer área do conhecimento, servidor público ou não, com formação mínima de especialização; possuir conhecimento sobre políticas e marcos legais de Educação para as Relações Étnico Raciais(ERER); e ter experiência de trabalho no exercício da função docente de, no mínimo, 2 anos. A bolsa de extensão tecnológica será concedida pela Seduc, no valor mensal de R$1.520,00 para o cumprimento de 20h semanais.

Acesse a chamada

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Com informações da Seduc-CE

Altaneira tem 171 quilombolas, revela mapeamento inédito do IBGE

 

Altaneira tem 171 quilombolas, revela mapeamento inédito do IBGE. Na imagem, integrante da Comunidade Quilombola da Bananeira, em Altaneira, recebendo vacina contra a Covid-19 em 2021. (FOTO | Arquivo do blog).

Por Nicolau Neto, editor

1,3 milhão de habitantes no Brasil são considerados quilombolas é o que revelou um mapeamento inédito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado por meio do Censo Demográfico de 2022 e divulgado nesta quinta-feira, 27 de julho.

Essa é a primeira vez que o IBGE registra oficialmente a população quilombola no país e os dados demostram ainda que o Estado do Ceará está entre os 10 (23,9 mil quilombolas) que apresentam o maior número dessa população, estando ela presente em 67 dos 184 municípios. E Altaneira, no cariri, figura nessa lista com 171 quilombolas, o que representa em termos proporcionais a 2,5% do total de habitantes do município (6.782). Nos outros levantamentos, o município não aparecia.

É importante lembrar que o critério adotado pelo IBGE para a identificação da população quilombola, conforme estabelecido pela legislação vigente no país, foi a autodeclaração no momento da coleta de dados pelo recenseador ou recenseadora. Dessa forma, logo após pergunta sobre a “cor ou raça”, independentemente da resposta, a próxima pergunta foi “você se considera quilombola?”. Se a resposta fosse positiva, havia outra pergunta, a saber: “qual o nome da sua comunidade?”. Era possível inserir nomes que não estavam gravados.

No entanto, o aparecimento de Altaneira entre os municípios com presença quilombola não é uma surpresa, mesmo não aparecendo em nenhum levantamento organizado por outros órgãos e entidades. Devo lembrar que em 2021 escrevi artigo sobre o fato após o município ter ficado impedido de receber novas doses da vacina anticovid-19 por não ter cumprido a meta, que era vacinar a população Quilombola localizada na Bananeira, zona rural.

Destaquei que o município havia encaminhado nota ao blog, onde desconhecia a existência de comunidade no município como quilombola, mas que havia entrado em contato via e-mail com o estado visando adquirir mapeamento e a lista dos membros já que foi estipulado uma meta de 1250 pessoas a serem vacinadas.

Naquela oportunidade, afirmei ainda que dados do próprio Governo do Ceará ao citar as 70 comunidades quilombolas - incluindo as que não dispõem de certificação junto a Fundação Palmares -, não constava a referida comunidade de Altaneira. Mapeamento das Comunidades Quilombolas do Ceará iniciado em 2018 e finalizado em março de 2019, conforme publicação no Blog do Quilombo do Cumbe (Cumbe é uma comunidade quilombola de Aracati) também não havia menção desta em Altaneira.

Por último, citei que o Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e a Cáritas Diocesana de Crato – CE realizaram um importante trabalho com comunidades rurais de algumas cidades da Região do Cariri, Estado do Ceará. O material refere-se ao Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri. O trabalho que foi publicado neste Blog ocorreu em 2010 e visitou 25 comunidades em 15 municípios e também não constava Altaneira.

No entanto, trouxe a lume dados que apontavam a existência dela no Sitio Bananeira. O mapeamento foi realizado pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (CEQUIRCE), conforme informações repassadas pela equipe do governo municipal ao blog em 2021.

O que os dados revelam?

Após a Constituição de 1988 (CF/88) é que o termo “remanescentes de quilombolas” aparece pela primeira vez em um contexto marcado pela memória de mais de três séculos de escravidão, mas também por mais 21 anos de recessão, de ausência de liberdade e de torturas trazidas pela Ditadura Civil-Militar. O corpo e a mente do povo negro sofre mais uma vez.

O “remanescente de quilombolas” surge dentro desse contexto, mas também marcado pela redemocratização e o Art. 68 da CF/88, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias traz:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

Quilombos e comunidades remanescentes destes são símbolos de resistência ao poder estabelecido que segregou e segrega, que escravizou e de luta por direitos básicos como liberdade, terra e moradia e inserção social. O próprio artigo trazido a lume é um exemplo de que as poucas conquistas da população negra são frutos do poder da organização e da mobilização tendo como referência os movimentos negros. Muitas das conquistas estão apenas nos papeis, infelizmente. Outras, estão incompletas.

Agora, com os dados inéditos do IBGE que apontam oficialmente que em Altaneira há presença de quilombolas, é preciso reiterar o que disse outrora. É fundamental um diálogo profundo e urgente entre o poder público municipal e esta comunidade no sentido de criar estratégias visando garantir direitos básicos, e o principal deles é a regulação do território, passando, pois, pela regularização de toda a documentação e efetivação da titulação junto aos órgãos competentes.

Antes da divulgação dos dados pelo IBGE, no último domingo (23) o blog Negro Nicolau entrou em contato com um dos integrantes da comunidade visando saber dos passos trilhados para o reconhecimento enquanto comunidade remanescente de quilombo. Uma das indagações do blog foi sobre a ata de reunião. Segundo Clécio Sousa, a comunidade está em fase de conclusão de toda a documentação para entrar com processo de reconhecimento. O blog também indagou sobre se foi promovida alguma formação referente a história dos quilombos. A resposta foi negativa.

Professor Nicolau Neto apresenta renúncia da ALB/Secional Araripe

 

(FOTO | Reprodução | Facebook).


Carta de Renúncia – Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE



Nova Olinda -CE, 27 de julho de 2023,


Prezada Presidenta Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE,


Com os cumprimentos iniciais, informo que é com sentimento de desapontamento que envio esta solicitação de desligamento da Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe-CE após três anos e nove meses de minha posse na cadeira nº 33, a qual se apresenta como patrono o símbolo da cultura popular altaneirense João Sabino Dantas, o João Zuba. Toda instituição tem um fundamento ideológico que o sustenta e, portanto, que lhes apresenta caminhos para a defesa de suas causas. No caso da ALB/Araripe-CE, a CULTURA. Notadamente, é salutar lembrar que quando o acadêmico percebe que essa bandeira não está sendo defendida da forma como se deveria ou ainda quando este descortina já algum tempo que outras ações atreladas a cultura ou que dela também seja parte, como políticas antirracistas, não são levantadas, cabe a este, por iniciativa própria, abdicar de seu título. E assim desejo e o faço. Passo expor agora as razões dessa decisão.

Quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura". A frase que escolhi para falar sobre a prática de destruição de tudo o que é ligado à cultura no país foi dita pelo filósofo e professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri (URCA), Carlos Alberto Tolovi, durante um bate-papo político comigo no programa Esperança do Sertão da Rádio Comunitária Altaneira FM (2016). Em setembro de 2020, praticamente no auge da pandemia da Covid-19, escrevi um artigo para o blog Negro Nicolau com o título “A destruição da cultura e o silêncio estarrecedor de instituições culturais”, onde destaquei que o desmonte da cultura não começou com Bolsonaro (até então presidente do país), mas que foi aprofundada com ele. A extinção da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) não foi na gestão Bolsonaro, mas as consequências danosas a população negra foram ampliadas com ele.

E são as questões apresentadas naquele artigo – haja vista que nada mudou nesse intervalo de tempo -, que as exponho aqui para subsidiar minha escolha pela renúncia ao título de acadêmico e integrante desta academia, a quem agradeço pela honra do convite para dela fazer parte.

De Michel Temer que assumiu a presidência a partir de um golpe jurídico-parlamentar-midiático a Jair Bolsonaro, a escalada de perca de direitos, principalmente da população mais vulnerável desse país - negros, mulheres (negras sobretudo), lgbts, indígenas -, só tem crescido. A violência física e psicológica tem aparecido com mais frequência e aqueles/as que as praticam fazem questão de demonstrá-la. O Brasil dos últimos sete anos (2016 – 2022) piorou consideravelmente pois quem mais deveria ser e dar exemplo de criação de políticas públicas para a construção da equidade, faz justamente o contrário.

A intenção do governo federal, tendo como recorte temporal o aludido acima, é acabar com a participação social e com o poder de organização e mobilização social e para isso tentou destruir tudo que contribuiu para a análise crítica da sociedade, para o fortalecimento da identidade e da liberdade. Foi assim com a extinção do Ministério da Cultura (MinC) em 2016 e que foi rebaixado a condição de secretaria no governo Bolsonaro. Mas só rebaixar não era o suficiente, era preciso também proibir filmes e demais formas de manifestação artísticas que tivessem como objetivos realizar discussões sobre homofobia e machismo, por exemplo. Dentro dessa seara, destaco que não se pode esquecer que a cultura é símbolo do processo de redemocratização do país, pois ganhou status de ministério em 1985.

A aversão desse governo a população negra saltava aos olhos. Nenhum negro ou negra para os ministérios. Mas só a falta de representatividade não basta, era preciso de igual modo, alimentar ainda mais o preconceito, a discriminação e o racismo. Quem não se lembra quando em 2017 durante uma palestra no Clube Hebraica no Rio de Janeiro, Bolsonaro proferiu a frase “fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Nem para procriador ele serve mais”, ou “que seus filhos não ‘correm risco’ de namorar negras ou virar gays porque foram ‘muito bem educados’, ainda em 2021 e já no cargo de presidente quando disse que um deputado negro por demorar a nascer “deu uma queimadinha”?

O que elenquei aqui é apenas uma parte da política da segregação, mas o pouco citado só vem a reforçar a política elitista, racista e machista desse governo e concomitantemente uma aversão a cultura.

Mas volto a frase em que comecei esse texto. “Quer acabar com a resistência e o poder de organização e criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura”. Certamente está sendo válida para algumas entidades culturais. Não fiz um levantamento de quantas temos na região do cariri cearense, mas é possível perceber a omissão de grande parte dela que em nenhum momento teceu crítica a essa barbárie que o país testemunhou. O fato de ter votado em alguém não impede de se posicionar contra ações danosas a sociedade. Muito pelo contrário. É salutar para a democracia. Mas o que estou testemunhando é um silêncio estarrecedor. Algumas ações individuais e pontuais vem acontecendo, mas não o suficiente.

E ALB/Seccional Araripe se insere nesse diagnóstico. E o que mais chama a atenção é que nasceu no bojo dos cortes e do desmonte da Cultura, mas não se percebeu uma posição e enfrentamento a esta destruição de tudo o que é ligado à cultura. Nenhuma nota.

Durante meu discurso de posse em 12 de outubro de 2019, afirmei que havia um mundo para além do poder constituído e das instituições. Mas a forma com que encarávamos a vida lá fora dependia da educação e da cultura. A vida vai fazer com que assumamos responsabilidades e procurar caminhos que podem nos levar ao sucesso ou ao fracasso e que podem abrir as portas para o conhecimento que levarão ou não ao crescimento pessoal e profissional. Vai depender de que tipo de escolha vocês farão. Vai depender também que leitura vocês escolherão fazer da realidade. Mario Quintana disse uma vez que "os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem". No nosso modelo de sociedade tem muitos (as) doutores (as) por formação, mas analfabetos em posicionamentos diante da realidade. Passaram anos e anos entre quatro paredes na companhia de professores/as, obtiveram títulos e mais títulos, mas são incapazes de utilizá-los em benefício da coletividade e da transformação da realidade para melhor. O comodismo e a obediência cega ao sistema os impedem disso. Doutores, doutoras e pós doutores/as com diversos livros publicados, mas poucos são os que se dedicam escrever para libertar. As escritas muitas vezes são para atender ao sistema, ao mercado financeiro.

Naquela oportunidade, trouxe Rubem Alves - psicanalista, educador, teólogo, escritor e ex-pastor presbiteriano brasileiro, que tem um texto brilhante e que sem prejuízos de interpretação e compreensão substituí a palavra “escola” por “academia”: “Há academias que são gaiolas e há academias que são asas…”. E ao dialogar com ele afirmei que o meu desejo era que essa academia pudesse ser assas e que cada um de nós fôssemos pássaros. Que nosso voo fosse em direção ao caminho que nos levassem a ações de fomento à cultura. Que pudéssemos em cada espaço que estivéssemos estabelecer parcerias com o poder público no sentido de criar políticas públicas de valorização da cultura. De igual modo, que fossemos capazes de na ausência dessa parceria ou da inoperância do poder público, continuarmos com o papel de agentes culturais.

Fiz dentro dos meus limites como acadêmico e de tempo acenos para que isso fosse atingido. Mas as sugestões que encaminhava não foram atendidas, a saber: reuniões periódicas (de preferência mensais) itinerantes e nas impossibilidades, reuniões virtuais, dentre outras. Mais recentemente, sugeri uma posição da instituição quanto a luta travada por várias entidades culturais quanto a defesa da proposta de 2% do orçamento nos municípios para cultura. Alguns integrantes chegaram a afirmar que encampavam a luta; outros não responderam e outros ainda afirmaram que era melhor esperar passar a fase eleitoral que esta prevista para acontecer em agosto do ano em curso. O fato é que institucionalmente essa proposta não teve o retorno esperado, ou seja, um posicionamento da ALB/Seccional Araripe afirmando que ira participar junto as demais entidades pela aplicabilidade de no mínimo 2% do orçamento dos municípios na cultura. Solicitei, inclusive, uma reunião virtual para essa finalidade.

Esse desejo continua vivo. E espero que mesmo com a minha saída a entidade possa fazer com que esse ideal exposto nessa carta seja trilhado, fortalecido e alcançado.


Sem mais, saudações a todos e todas.


Atenciosamente,


José Nicolau da Silva Neto

Professor/Historiador


Só metade das escolas públicas têm projetos antirracistas, aponta ONG

 

Professor Nicolau Neto durante palestra sobre educação antirracista da EEFTI 18 de Dezembro, em Altaneira_CE. (FOTO | Arquivo do blog).


Hoje universitária, a brasiliense Nathalia Maciel, de 19 anos, que se identifica como mulher negra, acostumou-se a ouvir em sala de aula sobre heróis e heroínas brancos e feitos de europeus que chegaram ao Brasil. Estudou o ensino fundamental e médio em escola pública na região administrativa de Santa Maria, a 40 km do centro da capital. “Sentia falta de saber sobre pessoas negras, que só eram citadas em 20 de novembro (dia da Consciência Negra). As pessoas só faziam para ganhar nota nas matérias”, lamenta.

A percepção da estudante sobre a falta de projetos que valorizem a diversidade e enfrentem problemas como o racismo pode ser constatada em números. Segundo levantamento da ONG Todos Pela Educação, apenas metade (50,1%) das escolas públicas do país tiveram ações contra o racismo em 2021, ano em que foi feita a última pesquisa do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb).

O fato é que, naquele ano, o total de escolas públicas com projetos para combater racismo, machismo e homofobia caiu ao menor patamar em 10 anos. Os dados utilizados foram extraídos dos questionários contextuais do Saeb destinados a diretores e diretoras escolares, entre 2011 a 2021.

Falhas

A pesquisadora Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, contextualiza que quando questões raciais e de gênero não são trabalhadas dentro das escolas, o ensino falha tanto no processo de aprendizagem dos alunos quanto na construção de uma sociedade melhor, com menos violência e menos desigualdades.

O impacto que esses dados nos mostram não é apenas educacional. As violências sofridas nas escolas podem ser tanto físicas e verbais quanto simbólicas com insinuações e constrangimentos que tornam o ambiente escolar um espaço hostil para determinados grupos. Isso tem um impacto na evasão escolar”, afirmou Daniela Mendes.

Colonização

De acordo com o que analisa a pesquisadora Gina Vieira, professora da rede pública no Distrito Federal e com projetos premiados em relação à diversidade em sala de aula, a escola no Brasil não promove a diversidade.

A escola brasileira, assim como o projeto de colonização do país, trabalha na lógica da homogeneização. Então, nós temos um currículo racista e uma educação racista. Nós temos um currículo oficial que ainda conta a história oficial que é contada na perspectiva do homem branco europeu”, pontua.

Ela explica que são raros os materiais pedagógicos diversos que incorporem as vozes dos povos historicamente excluídos. “A gente está, por exemplo, comemorando 20 anos da Lei 10.639 [que inclui História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar], que é resultado da luta histórica do movimento negro pelo direito da história da África e de pessoas negras em diáspora”. Ela cita que as leis não são o suficiente para mudança de perspectivas, mas sim uma mudança cultural e de políticas públicas. “Como diz o Drummond, os lírios não nascem por força da lei”.

Em queda

A quantidade de escolas com projetos atentos à diversidade começou a cair a partir do ano de 2015, quando o índice havia chegado ao maior patamar no período: 75,6%. Desde então, os números despencaram.

Além de racismo, a atuação contra homofobia e machismo está na menor parte das escolas brasileiras. Em 2011, por exemplo, 34,7% das escolas relataram ter ações. Em 2017, o índice chegou a 43,7%. Mas, também caiu nos anos seguintes. Em 2021, representava apenas 25,5%.

Para Daniela Mendes, analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, o avanço de uma pauta ultraconservadora nos últimos anos, os impactos da pandemia e a falta de coordenação nacional durante a última gestão do Ministério da Educação foram fatores que podem ter influenciado o cenário.

Para a professora Gina Vieira, cabe à sociedade estar mobilizada para cobrar uma escola antirracista e contra machismo e homofobia. “A gente precisa rechaçar com toda força essa perspectiva que a gente viveu nos últimos quatro anos entre o professor e a escola representados como inimigos da sociedade. Como alguém que devo fiscalizar, denunciar, gravar e achincalhar. Um país que não valoriza a educação, a escola e os educadores está fadado ao retrocesso”, afirma.

Providências

Em nota à reportagem, o Ministério da Educação garantiu que tem trabalhado para modificar esse cenário desde o início da atual gestão. A primeira ação foi a recriação da Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão). “Uma pasta que já se configura como uma ação afirmativa, na qual tem em sua estrutura a Diretoria de Políticas de Educação Étnico-racial Educação Escolar Quilombola, um instrumento institucional para formular, articular e executar as políticas voltadas para a implementação da Lei 10.639/03”.

Além disso, segundo MEC, foi retomada a formação de professores a partir do apoio financeiro às universidades e relançado o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, que fomenta a pesquisa na graduação e pós-graduação. “Outra iniciativa resgatada foi a Cadara, a comissão de assessoramento do MEC formada por entes federais e sociedade civil. Ainda há um longo caminho pela frente, mas hoje a Secadi está empenhada em garantir recursos para que no próximo ano possa investir ainda mais em ações de combate ao racismo”.

Para Ingridy, que é uma adolescente negra, de 15 anos, também moradora de Brasília, e estudante de escola pública, uma escola preocupada com diversidade e disposta a não ser homogênea seria fundamental também para o dia a dia. E isso parece uma aula simples. “Ajudaria a combater o preconceito e promoveria o respeito e a aceitação na escola”, avalia.

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Com informações da Agência Brasil.

Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha deveria ser também para denúncias das injustiças

 

Maria Raiane. (FOTO | Arquivo Pessoal).

Por Maria Raiane, Colunista

Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, deveria ser uma data de reflexão profunda e denúncia das inúmeras injustiças e opressões que mulheres negras enfrentam diariamente. Entretanto, infelizmente, a realidade é que esta data muitas vezes é negligenciada e esquecida pela maioria da sociedade. A invisibilidade e o silenciamento que recaem sobre as mulheres negras são uma prova concreta do racismo estrutural, do machismo enraizado em nossas sociedades entre outras violências existentes.

É imperativo que, neste dia, deixemos de lado os discursos vazios e simbólicos para enfrentarmos a verdadeira essência da problemática que envolve as mulheres negras. Afinal, como podemos celebrar uma data que deveria ser de conscientização e denúncia, enquanto essas mulheres continuam sendo as principais vítimas da violência, da pobreza, do desemprego e do acesso limitado à educação e aos cuidados de saúde?

As violências que afetam as mulheres de maneira geral é ainda mais perversa para as mulheres negras, que são frequentemente oprimidas. E o que vemos é uma sociedade que persiste em ignorar suas vozes, necessidades e demandas. A mídia e a indústria do entretenimento são cúmplices nessa perpetuação, reproduzindo estereótipos e preconceitos que apenas reforçam a desigualdade.

Os dados são alarmantes e deveriam ser razão suficiente para que este dia fosse levado a sério por todos. O alto índice de mortalidade materna entre mulheres negras, a violência policial que as atinge de forma desproporcional, a sub-representação no poder político e a falta de oportunidades no mercado de trabalho são apenas alguns exemplos de uma realidade cruel que merece ser confrontada.

Neste Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, não basta apenas criar hashtags e compartilhar mensagens bonitas nas redes sociais. É hora de uma ação concreta e efetiva para combater o racismo, o sexismo e outras violações arraigados em nossa sociedade. É hora de ouvir as mulheres negras e valorizar suas vivências e lutas.

Em vez de usarmos este dia como mero enfeite em nossos calendários, que ele seja um lembrete constante de que temos uma dívida histórica a ser paga. É um momento de autoavaliação para compreendermos nosso papel nessa estrutura injusta e nos comprometermos a desconstruí-la em todas as suas manifestações.

Portanto, não se trata apenas de um dia de celebração, mas principalmente de um dia de denúncia e de reconhecimento das violências e desigualdades que as mulheres negras enfrentam. Enquanto essa realidade persistir, a celebração deste dia será uma afronta à justiça e à igualdade, tornando-se mais uma demonstração da falta de empatia e comprometimento de nossa sociedade em combater as opressões sistêmicas que afetam as mulheres negras e, consequentemente, toda a sociedade.