Os 15 anos da Lei que instituiu o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira (Lei 10.639)


O ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana no Brasil celebra bodas desde a data de sua publicação no Diário Oficial da União, em 10 de janeiro de 2003. Lá se vão 15 anos, e a Lei 10.639 simboliza um marco histórico da luta antirracista no Brasil e transformação da política educacional e social brasileira.

A Lei que estabelece diretrizes e bases para a educação nacional, ressalta a importância do ensino da cultura negra direcionado às escolas, espaço onde o negro sempre foi apontado nas aulas de História como escravo. Nunca é demais esclarecer que o negro africano trazido à força para o Brasil e seus descendentes não eram escravos como uma condição natural, submissa, preconceituosa e depreciativa, mas sim escravizados.

Sigamos sempre em frente lutando por uma questão de fundamental importância para o fortalecimento das identidades étnicas afro-brasileiras, para além do efeito histórico afirmativo junto à população brasileira e valorização da contribuição econômica, cultural e social dos negros no processo de formação nacional, essa lei deve ser vista como parte estrutural do complexo de políticas que visam o direito à educação de qualidade para mais de 56% da população brasileira.

Uma conquista do Movimento Negro, hoje a Lei 10.639 ainda não é efetivamente cumprida em função de um conjunto de intolerâncias e discriminações enraizadas na sociedade brasileira. O não cumprimento dessa lei corrobora a história da África não contada no Brasil, que faz com que não tenhamos referências negras nas ciências; nas artes; na política e em tantas outras áreas do conhecimento registradas nos livros didáticos utilizados nas escolas de ensino fundamental e médio. A dificuldade também se encontra no campo de formação da maioria dos educadores, que não reconhecem a importância da história e da cultura africana para a compreensão da verdadeira história do Brasil.

A ausência de referências da história não contada sobre os negros mostra um país que entende que o negro só nasceu a partir da época da escravatura, mas sempre estivemos aqui para buscar as boas práticas que sirvam para que a lei seja efetiva e permanentemente executada.

Nosso trabalho é diminuir essa lacuna por meio de politicas públicas, de ações afirmativas, para que ela nasça com a pele escura e no menor tempo possível se torne negra. É um desafio, mas nós temos que fazer com que sejam cumpridas.

Mas ainda há muito o que fazer e transformar! Contamos com alguns importantes avanços no que se refere ao sistema de reserva de vagas oferecidas nos concursos públicos (Lei 12.990/2014) e o ingresso nas universidades públicas federais do país (Lei 12.711/2012).

Diante do expressivo e recorrente aumento dos casos de fraudes, em parceria com a sociedade civil e demais órgãos ministeriais que trabalham a transversalidade da pauta de promoção da igualdade racial, temos empenhado nossos esforços no monitoramento dessas ações afirmativas e na construção de um instrumento legal que determine que as universidades implementem suas próprias comissões de verificação.

As cotas são necessárias e deram certo. Agora o que precisamos é que as universidades e órgãos públicos possam juntos atuar para garantir o acesso do negro nos espaços acadêmicos e corporativos.

O sistema de cotas foi implantado no Brasil objetivamente para que pudéssemos colocar um negro e um não negro em um mesmo ambiente escolar e mostrar o óbvio, que o intelecto e a capacidade independem da sua cor de pele. O nosso desafio é mostrar para a sociedade que o racismo existe e que, primeiro tem que ser reconhecido para que possamos então, com a execução das políticas públicas existentes, ser o remédio para que as desigualdades realmente sejam superadas.

Jamais venceremos as desigualdades e o racismo latente no Brasil se não tivermos o recorte racial, mas não adianta falar de enfrentamento ao racismo se o Legislativo, Executivo e o Judiciário não se comprometerem com a política de promoção da igualdade racial. Precisamos conscientizar os gestores de que a política de promoção da igualdade racial não é uma despesa, pelo contrário, a criação de órgãos e conselhos de igualdade racial fomentará a movimentação positiva de recursos.

Importante trabalhar de forma justa e igualitária, exigindo que a valorização da diversidade, das relações sociais e identidades, seja muito mais do que um discurso. (Por Juvenal Araújo, no Geledés).

*Juvenal Araújo – É Secretário Nacional de Politicas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). 

Cultura afro-brasileira debatida em sala de aula. (Foto: Reprodução do Kit 'A Cor da Cultura').

A imagem de Bolsonaro não sobrevive a 15 minutos de fama


Acostumado a habitar o breu onde vivem os parlamentares do baixo clero, Jair Bolsonaro é o típico político que sempre aproveitou o fato de ser um insignificante desconhecido para praticar suas mutretas longe dos holofotes da mídia. Foi assim que transformou parentes em CCs, iniciou os filhos na política enquanto carreira e enriqueceu muito no exercício dos mandatos.

Agora o jogo está virando. Se antes apenas seu discurso de ódio contra mulheres, negros e a população LGBT eram conhecidas do público, agora começam a vir à tona elementos ainda mais obscuros de sua trajetória. Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidência da República – retrato da falência política do país, com o crescimento da direita após o fracasso de uma esquerda que se adaptou ao sistema –, Bolsonaro está no centro das atenções. Sua vida pregressa não resiste ao mínimo escrutínio dos jornalistas. A imagem de Bolsonaro não sobrevive a 15 minutos de fama.

Desde que se lançou pré-candidato, atraindo com a forte presença nas pesquisas o interesse da mídia, Bolsonaro teve que responder a uma sucessão de escândalos praticados quando era um ilustre Zé Ninguém na Câmara. O jornal O Globo revelou que o deputado e seus filhos parlamentares empregaram em seus gabinetes uma ex-mulher, uma ex-cunhada e um ex-sogro de Bolsonaro. Em seguida, a Folha de São Paulo apontou que a atual esposa de Bolsonaro foi funcionária de seu gabinete, chegando a receber um salário equivalente hoje a R$ 14,1 mil. Ela só foi exonerada em novembro de 2008, dois meses após o STF regulamentar em súmula o crime de nepotismo na administração pública.

As falcatruas do deputado vêm de longe, antes mesmo de seu ingresso na política. Quando estava no Exército, admitiu ter cometido atos de indisciplina e deslealdade com seus superiores. Foi, inclusive, acusado de elaborar um obscuro plano para explodir bombas em unidades militares. O então capitão foi considerado culpado por um conselho formado por três coronéis, mas acabou sendo absolvido por oito votos a quatro no Superior Tribunal Militar.

Foram os militares que primeiro identificaram em Bolsonaro uma ganância incompatível com a vida nos quarteis. Em 1983, uma ficha de informações produzida pela Diretoria de Cadastro e Avaliação do Ministério da Defesa atestou que o capitão “deu mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de garimpo de ouro” e que “deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”.

Se a aventura no garimpo e a passagem pelo Exército não renderam a Bolsonaro a riqueza que tanto almejava, a carreira na política, sim. Recente reportagem da Folha de São Paulo demonstra que ele e seus filhos parlamentares são donos de 13 imóveis e acumulam um patrimônio de R$ 15 milhões. Um feito invejável para quem ingressou na política em 1988 com apenas um Fiat Panorama, uma moto e dois terrenos pequenos que valeriam pouco mais de R$ 10 mil hoje em dia.

Bolsonaro fez fortuna na política. Seus sete mandatos de deputado, com salário líquido de R$ 24 mil, além de um soldo de capitão da reserva no valor de R$ 5,6 mil, são sua única fonte de renda declarada. Há forte suspeita de que suas transações imobiliárias sejam pretexto para lavagem de dinheiro e sonegação de impostos – uma prática que o deputado se orgulha de admitir e incentivar.

Uma das mansões de Bolsonaro, em zona nobre do Rio de Janeiro, foi avaliada pela prefeitura em R$ 1,06 milhão. Misteriosamente, o imóvel foi vendido ao deputado por R$ 400 mil – sendo que a proprietária o havia comprado anteriormente por R$ 580 mil.

Não existe caridade no mercado imobiliário. Mas na Câmara dos Deputados, aparentemente sim. Mesmo com imóvel próprio em Brasília desde o fim dos anos 1990, Bolsonaro recebe, auxílio moradia do Congresso, no generoso valor de R$ 4,2 mil. Essa regalia da qual não necessita já rendeu a Bolsonaro e seu filho Eduardo a fortuna de R$ 730 mil desde 1995.

Estas não são acusações, são fatos. Elementos concretos trazidos pela imprensa após breves investigações sobre a vida do segundo colocado nas pesquisas presidenciais. A resposta do deputado a todos estes questionamentos é a mesma e tem a profundidade de um pires. Para Bolsonaro, trata-se de uma conspiração da mídia para assassinar sua reputação.

O pior é que muita gente acredita. A torcida de Bolsonaro nas redes sociais insiste em ignorar as reportagens. Qualifica veículos como Folha de São Paulo e O Globo de “mídia esquerdista” e utiliza como resposta as denúncias contra o ex-presidente Lula – curiosamente, muitas delas bastante noticiadas pela mesma “mídia esquerdista” que também se debruça sobre a vida de Bolsonaro.

Outra consequência da crescente visibilidade de Bolsonaro é uma tentativa patética de suavização de seu discurso. Como se fosse possível esconder embaixo do tapete o deputado que, aos 44 anos, disse ser favorável à tortura e defendeu uma guerra civil que mate pelo menos 30 mil brasileiros, incluindo o então presidente Fernando Henrique Cardoso.

O Bolsonaro-candidato também apresenta uma hipócrita faceta liberal. Uma contradição gritante com sua histórica defesa da ditadura militar, cuja política econômica encontrou no Estado forte seu principal esteio. () Aliás, a confusão política parece fazer parte da trajetória de Bolsonaro, um parlamentar de extrema-direita que já foi um apoiador confesso de Hugo Chávez.

O mais recente capítulo desta farsa ganhou ares tragicômicos, com a filiação de Bolsonaro ao Partido Social Liberal (PSL). Comandado pelo cartola Luciano Bivar – um excêntrico ex-candidato à presidência que em 2006 fez 0,06% dos votos –, o PSL foi entregue a Bolsonaro de uma forma que nem o PEN/Patriota, outro balcão de negócios disfarçado de partido político, aceitou. Como consequência, os liberais puro-sangue abrigados no Livres, que foram ingênuos o bastante a ponto de acreditar que conseguiriam renovar uma legenda de aluguel, saíram do PSL envergonhados pela porta dos fundos. Conhecido entre os liberais gaúchos, Fábio Ostermann perdeu seu partido para Bolsonaro.

Nem mesmo o apelo autoritário e armamentista – última bravata que resta a Bolsonaro – resiste a um olhar sobre seu passado. No dia 4 de julho de 1995, o deputado foi assaltado por dois homens no Rio de Janeiro. Levaram sua moto e, pasmem, sua arma! (Por Samir Oliveira, no Sul21).

*Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.

Em segundo lugar nas pesquisa de intenção de voto para presidente da república, Bolsonaro está no centro das atenções. (Foto: Guilherme Santos/Sul21).



Jair Bolsonaro emprega servidora fantasma


O presidenciável Jair Bolsonaro (PSC-RJ) usa verba da Câmara dos Deputados para empregar uma vizinha dele em um distrito a 50 km do centro de Angra Dos Reis (RJ).

A servidora trabalha em um comércio de açaí na mesma rua onde fica a casa de veraneio do deputado, na pequena Vila Histórica de Mambucaba.

Segundo moradores da região, Wal, como é conhecida, também presta serviços particulares na casa de Bolsonaro, mas tem como principal atividade um comércio, chamado "Wal Açaí".

Walderice Santos da Conceição, 49, figura desde 2003 como uma dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília, recebendo atualmente salário bruto de R$ 1.351,46.

Segundo moradores da região, o marido dela, Edenilson, presta serviços de caseiro para Bolsonaro.

O deputado federal mora na Barra Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, e tem desde o final dos anos 90 uma casa de veraneio em Mambucaba.

A Folha falou com moradores da vila, que tem cerca de 1.200 habitantes, segundo a Prefeitura de Angra.

Foram colhidos quatro relatos gravados de moradores confirmando que o marido de Walderice é o caseiro do imóvel de veraneio de Bolsonaro.

As portas do estabelecimento "Wal Açaí", na mesma rua, foram fechadas às pressas nesta quinta-feira (11) assim que se espalhou a informação sobre a presença de repórteres na região.

MUDANÇA DE CARGOS

Os registros oficiais da Câmara dos Deputados mostram que a secretária parlamentar de Bolsonaro passou nesses 15 anos por uma intensa mudança de cargos no gabinete, foram mais de 30.

Em 2011 e 2012 ela alcançou alguns dos melhores cargos –são 25 gradações–, chegando ao topo, SP-25, no segundo semestre de 2012. A função, com salário que pode chegar a R$ 14,3 mil, é normalmente reservada a chefes de gabinete.

A reportagem da Folha esteve em Mambucaba na manhã desta quinta-feira para procurar a funcionária de Bolsonaro.

No caminho para a casa de Walderice, a reportagem a viu saindo da casa do deputado. Ela foi chamada, mas pediu "um minutinho" e entrou de volta no local.

Minutos depois, um outro vizinho de Bolsonaro abriu a porta convidando a Folha para entrar. "Venham conhecer o homem". O presidenciável apareceu em seguida, com um outro auxiliar, que estava com o celular gravando a situação.

Quem estava com as chaves era justamente o marido de Wal.

"Tem jabuticaba aí, Edenilson?", perguntou o presidenciável.

De acordo com depoimentos colhidos pela Folha, o marido da funcionária de Bolsonaro pintou a casa de veraneio recentemente.

OUTRO LADO

O deputado nega que tenha utilizado dinheiro da Câmara para pagamentos de serviços da casa e que Walderice seja uma funcionária fantasma.

Perguntado sobre qual seria o trabalho desempenhado por ela, Bolsonaro respondeu: "Ela reporta a mim ou ao meu chefe de gabinete qualquer problema na região".

"Não tem uma vida constante nisso. É o tempo todo na rua? Não. Ela lê jornais, acompanha o que acontece".

A reportagem pediu ao presidenciável algum exemplo de serviços parlamentares prestados pela funcionária.

"Peraí, ela fala com o chefe de gabinete", se limitou a dizer.

"Como é que eu vou saber? Se eu mantiver um contato diário com meus 15 funcionários, eu não trabalho".

Bolsonaro foi questionado sobre as diversas movimentações salariais que fez para Walderice ao longo dos quase 15 anos de trabalho prestado.

"O que de vez em quando acontece: um funcionário é demitido. Aquela verba que "sobra" então a gente destina para um [outro] funcionário, por pouquíssimo tempo. Tem uma verba fixa para pagar funcionários. Ganha tão pouco, por que não posso dar uma ajuda por dois, três meses?. Em vez de pagar R$ 1.300, paga R$ 1.500 ou R$ 2.000".

Sobre o marido, Bolsonaro negou que ele seja caseiro da casa, mas afirmou que Edenilson o ajuda na casa, inclusive dando comida para os cachorros.

"Não vai querer mover uma ação trabalhista porque ele vem duas ou três vezes por semana aqui."

Em um vídeo publicado no Facebook nesta quinta, Bolsonaro diz que sua casa em Angra "é onde, segundo a Folha de S.Paulo, eu tenho uma mansão". A reportagem da Folha escreveu que o deputado declarou um terreno na região em 1998. Incluiu o imóvel na relação do total de 13 da família Bolsonaro, sem chamá-lo de "mansão".

Bolsonaro afirma ainda que os repórteres do jornal estiveram no local para conferir a "mansão". A reportagem visitou a região com o objetivo de confirmar se a funcionária do seu gabinete realmente vive e trabalha na mesma rua da residência do deputado. (Com informações da Folha de S. Paulo).


Mulheres fecham às pressas loja de açai da secretária parlamentar de Bolsonaro, na vila de Mambucaba.
(Foto: Folhapress).


Nas eleições, o Brasil estará entre um futuro e a mesmice


(Paulo Pinto/ Fotos Públicas).

A leitura dos intérpretes do Brasil, particularmente de Raymundo Faoro, nos permite concluir que a história brasileira anda em círculo e, a rigor, permanece sempre no mesmo lugar. Não há uma espiral capaz de projetar o País para o futuro. De décadas em décadas ocorrem pequenas rupturas na linha desse círculo, mas logo são recompostas, seja pela via do recurso às armas, seja de arranjos conciliadores ou de golpes parlamentares-judiciais, como foi o último caso.

O caráter circular da história brasileira é impositivo, determinado pela vontade das elites, cujos grupos hegemônicos podem variar, mas mantêm sempre o mesmo objetivo: aprisionar o Estado e usá-lo como instrumento de acumulação de capital, numa relação de extorsão contra a sociedade e contra os trabalhadores, lançando mão de vários mecanismos para alcançar as metas.

Os resultados desses processos têm se traduzido na ausência de um Estado universalizante, na precariedade dos direitos sociais, civis, quando não dos políticos. Numa ordem jurídica e policial enviesada contra os pobres, os índios, os afrodescendentes, as mulheres e outros grupos minoritários. Na perpetuação da desigualdade e da pobreza. No fomento proposital na produção de carências em áreas como saúde, educação e cultura. Na inviabilização do desenvolvimento industrial e tecnológico e na degradação ambiental.


A história tem mostrado que os grupos de interesse que lideram esse verdadeiro assalto ao Estado se alternam e se compõem, ora as elites agrárias, o estamento, setores industriais, comerciais, militares, setores financeiros, e assim por diante. De modo geral, esses setores se compõem com interesses internacionais de forma subalterna para bloquear a projeção global do País.

O tucano Alckmin provavelmente absolverá os votos anti-Lula. Dúvida: Ciro Gomes e o ex-presidente serão capazes de formar uma aliança? (Foto: José Antônio Teixeira e Wanezza Soares).
Os instrumentos fiscais regressivos, os subsídios, políticas públicas igualmente regressivas, a sonegação e a corrupção são os meios prediletos que esses grupos utilizam para se apoderar dos recursos retirados da sociedade, intermediados pelo Estado e entesourados e capitalizados por essas facções predatórias das elites.

A livre competição de mercado por meio de métodos racionais e um capitalismo ascendente orientado pela inovação passam longe das terras brasileiras. O discurso liberal sempre foi uma farsa para acobertar o assalto aos recursos públicos. Os destinos do Brasil enquanto nação, o seu lugar no mundo e o bem-estar do povo não são preocupações fundamentais desses grupos particularistas.

Apenas em três momentos foi possível produzir tênues rupturas na linha circular da nossa história: com Getúlio Vargas, que teve de lançar mão de instrumentos de força para se impor. Com João Goulart, que chegou à Presidência pelas circunstâncias do acaso.

E com Lula, que, pela sua liderança e seu carisma, gerou imensa esperança entre os pobres e espoliados do nosso povo. Apesar de se compor com grupos das elites, a continuidade desses processos no sentido de usar o Estado como meio de universalização de direitos, de justiça e de igualdade foi interrompida pelos golpes militares ou judicial-parlamentares.

A condição necessária para o Brasil ter um futuro minimamente razoável consiste na superação da pobreza e da desigualdade, na garantia de direitos, na revolução educacional (condição de um salto tecnológico) e no acesso à saúde e educação para o povo. Somente a superação desse nó será capaz de gerar emprego, renda e inclusão de forma mais sustentável e, consequentemente, o desenvolvimento econômico e social.

A grande batalha política e ética de 2018 consiste em saber se faremos uma aposta nessa possibilidade de futuro ou se vamos permanecer na mesmice do círculo histórico que nos aprisiona. A questão dramática que se apresenta é que ainda estão em curso desdobramentos do golpe judicial-parlamentar, cujo principal ponto consiste em barrar a candidatura do único com chances eleitorais de chegar lá e provocar uma fenda nesse círculo perverso: Lula.

Com Lula na liderança de todas as pesquisas, com Jair Bolsonaro em segundo lugar, com o governo incapaz de gerar um polo atrativo de poder, com um candidato de centro-direita como Geraldo Alckmin apresentando dificuldades e com o fracasso do aventureirismo do novo via João Doria e Luciano Huck tem-se aqui um retrato de como deverá marchar o cenário até o início da campanha. Podem surgir em variações aqui e ali, se apresentarem novos candidatos, mas mudanças substantivas deverão ocorrer  somente após o início da campanha. A Lava Jato deve continuar a produzir alguns efeitos sobre esse ambiente.

Se o cenário se definir em torno das candidaturas que estão mais ou menos postas, sem a entrada de uma grande novidade, de um outsider que tenha a capacidade de desequilibrar, mesmo com todas as dificuldades apresentadas pela candidatura Alckmin, o fato é que o efeito contágio que a figura de Temer e de seu governo suscitam deve levar o centro-direita a se articular com o candidato tucano em uma chapa PSDB-PMDB. Seria a chapa do golpe. Assim, aos  poucos, Alckmin tenderá a ser o desaguadouro das articulações e dos votos anti-Lula. Sem estrutura e com um perfil agressivo que beira a violência, Bolsonaro irá aos poucos se desinflar.

Não se pode aceitar com naturalidade um Judiciário parcial, liderado pelo STF, que rasgou a Constituição em diversos momentos ao longo dos últimos anos. (Foto: Nelson Jr/STF).
Se nada de extraordinário surgir, a tendência é a de que haverá um segundo turno entre Lula e Alckmin, repondo a polarização das duas últimas décadas. Além da movimentação dos candidatos, haverá uma disputa preliminar para a montagem das duas frentes. Lula deveria buscar agregar todo o campo democrático e progressista e tentar cindir o PMDB, capturando parte dele.

Uma questão que surge é se Lula e Ciro Gomes poderão se compor. Do ponto de vista dos interesses sociais e do futuro do País, a composição é desejável e necessária. As idiossincrasias pessoais de um e de outro deveriam se submeter aos ditames do interesse da sociedade. Líderes autênticos, em regra, devem submeter os seus humores pessoais às determinações dos interesses da sociedade e do País.

O campo que apoia Lula precisa enfrentar outras batalhas.

A mais importante consiste em garantir sua candidatura, mesmo que pela força das mobilizações de rua. A interdição de sua candidatura deve ser algo inaceitável e essas forças devem estar dispostas a produzir um impasse se sua candidatura não for acolhida. É preciso deixar claro que uma eleição sem Lula será ilegítima e que isso abrirá as portas para a desobediência civil e para a exasperação dos conflitos sociais e políticos.

Não se pode aceitar naturalmente as decisões e o jugo de um Judiciário parcial e persecutório, que contribuiu para destruir a constitucionalidade do País. Um Judiciário que tem na sua cumieira o STF, que rasgou a Constituição ao entregar ao Senado e à Câmara dos Deputados o poder de decisão judicial para salvar Aécio Neves e outros corruptos.

O outro desafio da candidatura Lula consiste em construir um programa que supere os limites do que foram os 13 anos de governos petistas. Além de enfrentar de forma mais contundente os desafios da desigualdade, da pobreza, do trabalho, da renda, dos direitos, com destaque para educação e saúde, esse programa deveria ter uma forte ênfase reformista.

Em dois sentidos: 1. Remoção dos mecanismos iníquos que geram a desigualdade e a injustiça. 2. Reconstruir as instituições e a economia, buscando criar um Estado ágil, eficaz e confiável e uma economia sustentável, compatibilizada com os desafios tecnológicos, sociais e ambientais do século XXI.

Somente assim o Brasil poderá almejar um lugar melhor no mundo. As candidaturas dos partidos de esquerda terão um papel importante para pressionar Lula e o PT a saírem dos limites a que se enredaram nos 13 anos de governos petistas. Farão isso se apresentarem programas sérios, viáveis e se fizerem um debate convincente com a sociedade. (Por Aldo Fornazieri, na CartaCapital).

*Aldo é professor da Escola de Sociologia e Política (FespSP)

Temer libera mais R$ 10 bi para deputados votarem reforma da Previdência


Michel Temer partiu para o vale tudo para aprovar a reforma da Previdência. Ele reforçará a munição do ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun (MDB-MS), com até R$ 10 bilhões para a finalização de obras em redutos eleitorais de quem votar pela reforma da Previdência. Assessores presidenciais dizem que essa será uma das armas para pressionar o Congresso na volta do recesso. O dinheiro sairá da própria economia gerada em 2018 com a eventual aprovação das novas regras da Previdência. As informações são de Julio Wiziack e Daniel Carvalho, da Folha de S.Paulo.

De acordo com o governo, cálculos da equipe econômica indicam que os gastos com benefícios que deixarão de ser feitos imediatamente após a reforma vão gerar uma sobra de R$ 10 bilhões no caixa se a mudança ocorrer ainda em fevereiro. Terão prioridade os projetos em andamento que necessitam de pouco dinheiro para serem inaugurados ou entrarem na fase final.

Entre eles estão ajustes finais na duplicação da rodovia Régis Bittencourt, na serra do Cafezal, obra praticamente concluída; a segunda fase da linha de transmissão de Belo Monte; a BR-163, no Pará, os aeroportos de Vitória (ES) e Macapá (AP) e a ponte do rio Guaíba (RS).

O governo trata essas obras como “de campanha” porque podem gerar votos nos municípios afetados. Na avaliação da equipe política do governo, isso faz diferença no momento em que as verbas de campanha estão travadas pelo Orçamento nos dois fundos destinados às eleições. (Com informações da Folha de S.Paulo, do Brasil 247 e da Revista Fórum).

Temer solta R$ 10 bi para deputados votarem reforma da previdência. (Foto: Reprodução/ Revista Fórum).

Cearense Adelita faz vídeo contra Bolsonaro e é alvo de ataques


A militante do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) Adelita Monteiro está sendo atacada em comentários de um vídeo publicado em seu Facebook sobre o deputado federal e presidenciável Jair Bolsonaro (PSL - RJ). A cearense foi candidata a deputada federal nas eleições de 2014 e obteve 4.647 votos.

No vídeo, intilutado "BOLSONARO: A CASA CAIU", publicado na madrugada desta terça-feira, 9, Adelita comenta sobre levantamento relativo ao crescimento do patrimônio da família Bolsonaro, que chega a pelo menos R$ 15 milhões. "Pense num destroço grande", anunciou. A investigação foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no último domingo, 7 e gerou polêmica nas redes sociais. Nas imagens, em tom irônico e bem humorado, ela passeia pela vida do deputado federal e comenta sobre as suas declarações mais polêmicas, algumas interpretadas como racismo e homofobia.

A militante do PSOL mantém um canal no YouTube com
mais de 2 mil inscritos. (Foto: Reprodução/ Facebook).
Natural de Limoeiro do Norte, logo no começo do vídeo, Adelita aparece colocando um capacete na cabeça, como se já previsse a repercussão. "Nada não, tô só me preparando. É, a gente vai falar sobre o Bolsonaro", comentou. A militante é youtuber há cerca de um ano e mantém um canal no YouTube com mais de 2 mil inscrições, onde fala sobre polícia, humor e faz até paródias. Em seu Facebook, possui quase 40 mil seguidores e 35 mil curtidas, "Consigo isso falando de uma forma humorada e descomplicada. Não é difícil falar de política", afirma. 

O vídeo já conta com mais de 1.200 reações, 1.650 compartilhamentos e 790 comentários. Comentários preconceituosos direcionados a Adelita logo começaram a aparecer. "Vai fazer um vídeo mais interessante sua vaca petista", disparou um. "Gorda tosca, otaria... cria vergonha nessa tua cara de bolacha[...]", disse outro.

Resposta

Em entrevista ao O POVO Online, Adelita diz que fica claro o "nível" dos eleitores de Bolsonaro. Ela observa que os ataques não são embasados em argumentos e que, em breve, vai fazer outro vídeo apenas comentando a repercussão. "Eu vou fazer um vídeo comentando os comentários e vou me divertir muito. A reposta não será em tom de ódio ao tamanho do machismo dos comentários", garante.

Ela ainda disse que o preconceito também se apoia no machismo. "Por eu ser mulher, eles me mandam lavar a louça e arrumar o que fazer. Existe também a xenofobia por eu ser nordestina. Eu tenho é orgulho de ser do Nordeste", finaliza. (Com informações do O Povo).

Rodrigo Maia se lança candidato a presidente e vai disputar legado de Temer com Meirelles


O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parece ter perdido o temor de se afirmar como candidato à Presidência em outubro.

Em entrevista publicada nesta terça em O Globo, o deputado pela primeira vez não descarta o seu próprio nome como uma das opções para o pleito.

"Se estou sendo cogitado [por alguns partidos] como uma alternativa, é porque há uma avenida aberta", afirmou, sobre sua eventual candidatura.

Com o movimento, Maia sinaliza que vai mesmo rivalizar com Henrique Meireles pelo "legado" das reformas do governo ilegítimo de Michel Temer.

Maia já estaria articulando uma série de viagens pelo Brasil e reuniões com aliados para começar a viabilizar seu nome e tentar emplacar nas pesquisas, onde a liderança absoluta é do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. (Com informações do Brasil 247).


Maia  lançou seu nome ao Palácio do Planalto. (Foto: Reprodução/ Brasil 247).

Filósofo Euclides Mance identifica dezenas de equívocos lógicos de Moro em sentença contra Lula


"As declarações de (Léo) Pinheiro Filho soam críveis", assinala Sergio Moro na sentença que condenou Lula a nove anos e meio de prisão, prestes a ser analisada em segunda instância pela Justiça.

O magistrado diz não vislumbrar motivo para o delator do ex-presidente no processo do tríplex admitir "a prática de um crime de corrupção", no caso, o repasse de propina ao petista na forma do imóvel, e negar "o outro", relativo ao recebimento de vantagens ilícitas para o armazenamento do acervo presidencial.

"Caso sua intenção fosse mentir em Juízo em favor próprio e do ex-presidente, (Pinheiro) negaria ambos os crimes", conclui o magistrado. "Caso a intenção fosse mentir em Juízo somente para obter benefícios legais, afirmaria os dois crimes."

A argumentação do juiz pressupõe que a confirmação de um crime e a negação de outro permitem concluir pela veracidade da narrativa de Léo Pinheiro. Como a tese de Moro não pode ser verificada a partir do raciocínio lógico, sua conclusão pode ser considerada uma falácia de "apelo à crença", de acordo com o filósofo Euclides André Mance.

Assim como os desembargadores do TRF-4, que julgarão em segunda instância a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, o pesquisador debruçou-se sobre a sentença de Moro contra Lula. Em vez de avaliá-la do ponto de vista jurídico, seu objetivo foi identificar equívocos de raciocínio, ou argumentações sem consistência lógica (confira alguns exemplos). A falácia do apelo à crença é apenas um dos erros lógicos identificados pelo filósofo.

Integrante da coordenação geral do Instituto de Filosofia da Libertação e ex-professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estado que abriga a força-tarefa da Lava Jato comandada pelo juiz, Mance está prestes a publicar o livro "Falácias de Moro", que estará disponível para compra no site da Editora IFIBE nas próximas semanas.

Na obra, o autor identifica dezenas de equívocos lógicos do magistrado na peça. O estudo não é uma abordagem jurídica ou mesmo política da sentença, mas uma verificação das conclusões do magistrado a partir de suas premissas.

Embora tenha sentido perjorativo no senso comum, uma falácia não é necessariamente um ato de má fé. Se for cometida sem intenção, lembra Mance, trata-se de um paralogismo. Quando realizada de forma proposital, é um sofisma. "Os defensores do autor da sentença, possivelmente, verão nessas falácias apenas paralogismos oriundos da análise lógica de um problema bastante complexo. Seus críticos poderão entendê-las como sofismas politicamente motivados", escreve o filósofo.

Mance diz que, ao ler a sentença de Moro, começou a perceber algumas inconsistências. "Lecionei lógica e filosofia da linguagem por alguns anos e percebi essas particularidades". O filósofo elaborou uma versão preliminar do estudo e solicitou a contribuição de outros professores de filosofia. Ele diz não ter parâmetros para avaliar se a sentença de Moro tem mais erros lógicos que a média das peças jurídicas no País. "É a primeira vez que analiso uma sentença, mas fiquei estarrecido".

Muitas das falácias identificadas estão relacionadas a erros de inconsistência ou equivocação, quando há duas afirmações excludentes sobre um mesmo fato. Para reconhecê-las, o filósofo teve de confrontar passagens que estão a centenas de parágrafos de distância.

Em seu estudo, o pesquisador notou que Moro trata o apartamento no Guarujá em certa passagem como um duplex, e mais à frente como um tríplex. A ambiguidade é importante, pois Moro afirma que já havia anotações sobre o tríplex em documentos de aquisição de direitos subscritos pela ex-primeira dama Marisa Letícia, quando na verdade o apartamento ainda era um duplex, diz Mance.

O filósofo lembra ainda da afirmação de Léo Pinheiro de que não havia contado a ninguém no interior da OAS sobre as ilicitudes relacionadas ao tríplex. Em seu depoimento, Agenor Medeiros, diretor da empreiteira, contradiz Pinheiro ao afirmar ter ouvido dele numa viagem que os prejuízos com o tríplex seriam abatidos de uma conta de propinas. "Isso revela que um dos dois, ou talvez ambos, tenham faltado com a verdade em juízo." (Por Miguel Martins, no CartaCapital).


Segundo o filósofo, Moro incorre em equívocos de raciocínios dos mais variados. (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil).




Temer tem abertas as portas do SBT de Silvio Santos para defender a reforma da Previdência


Michel Temer vai gravar participações nos programas do Sílvio Santos e do Ratinho para explicar a nova proposta de reforma da Previdência. Ele acertou os compromissos neste domingo (7), em um longo almoço na casa do dono do SBT, em São Paulo. As informações são da coluna Painel, da Folha de S.Paulo.

Temer vai gravar entrevistas para as duas atrações do SBT no dia 18. Anfitrião do encontro, Silvio Santos convidou a família para almoçar com Temer, que foi acompanhado pelo ministro Moreira Franco. O deputado Fábio Faria (PSD-RN), genro do apresentador, também participou.

Dirigentes de partidos da base aliada dizem que, apesar do esforço do Planalto, será difícil aprovar a reforma em fevereiro. Na ponta do lápis, calculam, faltam 30 votos que o governo não tem de onde tirar. (Com informações da Folha de São Paulo, Brasil 247 e da Revista Fórum).

Sílvio Santos e Michel Temer. (Foto: Divulgação).

Fernando Henrique Cardoso volta a destilar preconceito contra pobres


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a destilar preconceito contra a população mais pobre, como fez numa entrevista recente. "É curioso ver que em países como os nossos, com um nível educacional relativamente pouco desenvolvido, as pessoas têm muitas carências. Aqueles que dão às pessoas a sensação de que atenderam às suas carências ganham uma certa permissão para se desviar da ética. É pavoroso, mas é assim. É populismo. É a cultura que prevalece nesses países", disse ele, ao jornal Estado de S. Paulo.

Neste domingo, em seu artigo mensal, ele voltou a bater na mesma tecla. "Será que o Bolsa Família (que se originou em governos anteriores e sem tanto alarde) foi suficiente para amortecer a consciência popular e fazer crer que a esperança em dias melhores se contenta com migalhas?", escreveu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, repetindo a tese de que a população mais carente, que vota predominantemente em Lula, seria mais tolerante com a corrupção. Logo ele, FHC, que blinda o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e ajudou a articular um golpe que derrubou a presidente honesta Dilma Rousseff e instalou no poder a organização criminosa (segundo a procuradoria-geral da República) liderada por Michel Temer.

Ainda há tempo?
Por Fernando Henrique Cardoso

Começo de ano. A praxe indica que nestas ocasiões é melhor expressar os desejos de um próximo ano melhor e lastimar o que de ruim houve no anterior, sem deixar de soprar nas brasas de esperança suscetíveis de serem encontradas no meio de desvarios e extravagâncias porventura havidas. Será?

Não sei. Fui formado com a obsessão da dúvida metódica cartesiana. A certa altura, lendo Pascal, percebi que mesmo para os mais crentes o caminho da salvação não se encontrava no cômodo embalar da fé sem pitadas de dúvidas. Melhor tê-las e tentar responder, com a lógica (e a esperança), ao demônio da descrença. Por isso coloco o ponto de interrogação no título deste artigo.

Mantenho a esperança, mas convém reconhecer que 2017 mostrou que não dá para ter certeza de que os riscos da guerra e do irracional não prevaleçam. Já tivemos sonhos de cooperações entre Estados quando os diplomatas se dedicavam ao multilateralismo para resolver problemas ou pelo menos promover convergências de opiniões, mas só vemos confrontações. Quantos atentados terroristas houve? Muitos. E mesmo que um só tivesse havido, matando crianças e adultos que nada têm que ver com as fúrias políticas e religiosas dos fanáticos, já seria suficiente para assustar a Razão. Que dizer do Boko Haram, das mortes provocadas pela Al-Qaeda e pelo Estado Islâmico, dos atentados na Tunísia, no Iêmen ou onde mais seja, que prosseguem no caminho perverso do ataque, já antigo, às torres gêmeas ou ao Bataclan? O mundo parece percorrer um longo ciclo de desrazão que pode muito bem levar a uma guerra mundial.

Quase a cada mês vem nova má notícia. Pior, não são apenas os ditos terroristas que matam a rodo. Nas cidades brasileiras o crime organizado, muitas vezes com fuzis na mão, em conluio com o narcotráfico e o contrabando de armas, mata nas nossas barbas milhares de pessoas por ano. Estamos longe das terras conflagradas da Síria, do Iraque, da Península Arábica ou de onde mais seja, mas nos morros cariocas, nos presídios amazônicos, nas terras desbravadas do oeste ou nas ermas periferias de São Paulo se mata sem piedade, embora com menos repercussão global do que quando ataques terroristas são realizados em capitais europeias.

E que dizer de outro tipo de matança, não apenas moral, mas concreta, quando a corrupção praticada pelos criminosos de colarinho branco, em escala e despudor sem precedentes, além de arrasar moralmente setores ponderáveis das elites dirigentes, deixa ainda mais à míngua os que dependem dos serviços do Estado, sobretudo os pobres?

Diante deste quadro, cujas tintas espessas sublinho para dar nitidez ao olhar, embora sabendo que também se possam ver paisagens menos sombrias, qual tem sido a resposta dos povos? Nos Estados Unidos, Donald Trump elegeu-se, contrariando o establishment, os partidos, boa parte da mídia e de Wall Street. Na Europa Central e do Leste, governos com participação de forças de extrema direita se afirmam na Hungria, na Áustria e na Polônia. Nas pesquisas brasileiras de opinião, pelo menos até agora, sem o quadro eleitoral formado, despontam um capitão irado de cujas propostas pouco se sabe e um líder populista sobre o qual pesam acusações (e mesmo condenações) que destroem o sonho que outrora representou.

Será que, antes de recobrar a Razão, o mundo precisará passar por novas privações e testemunhar o abrir do cogumelo atômico que a irada Coreia do Norte ameaça despejar no Japão, quem sabe saltando sua irmã do Sul pelo temor do contágio, podendo mesmo alcançar os Estados Unidos? Viveremos os horrores de uma guerra globalizada? Há décadas parecia que a confrontação dos Estados Unidos com a antiga potência soviética ou mesmo com a China, sem falar nas fricções entre Índia e Paquistão, ou na potencial reação atômica de Israel ao Irã dominador da técnica nuclear, estava controlada. O que esperar quando Donald Trump decreta Jerusalém capital de Israel, animando um conflito milenar?

E no Brasil? Já não terá bastado o descalabro econômico-financeiro produzido pelo “capitalismo de laços” que o lulopetismo patrocinou, envolvendo e beneficiando empresas e partidos políticos, para que aprendamos a lição de que não há atalhos fáceis para o desenvolvimento e que este requer o império da lei? Será que o Bolsa Família (que se originou em governos anteriores e sem tanto alarde) foi suficiente para amortecer a consciência popular e fazer crer que a esperança em dias melhores se contenta com migalhas?

É cedo para responder. Mas não para agir com convicção e tudo fazer para que tais horizontes não despejem novas tempestades. Que não se iluda o leitor: o pior pode sempre acontecer. Evitá-lo depende de cada um e de todos nós. Não há fé cega na Razão ou nos bons propósitos que barre o Irracional se não se criarem alternativas que impeçam o pior de prevalecer, pela guerra ou pelo voto. As consequências, já dizia o conselheiro Acácio do Eça de Queiroz, vêm sempre depois...

Posta a dúvida, construamos caminhos mais razoáveis. Pelo menos no que está ao alcance da nossa mão. O Brasil precisa, urgentemente, de bom senso. Se as forças não extremadas se engalfinharem para ver quem entre vários será o novo líder e não forem capazes de criar consensos em favor do País e do povo, o pior acontecerá. No afã de juntar, importa diminuir as divergências sobre o que não é essencial. Com esperança, e falo simbolicamente, as forças representadas (ou que os adiante mencionados gostariam de representar) por Alckmin, Marina, Meirelles, Joaquim Barbosa, ou quem mais seja (incluídos os setores ponderados da esquerda) precisam entender que os riscos se transformam em realidade pela inércia, pela covardia ou pela falta de visão dos que poderiam a eles se opor.

Bom 2018!

*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

(Com informações do Brasil 247).