Crise e vergonha alheia. MEC abre edital de R$ 198 mil pra pagar lanches do ministro e ainda escreve “viagem” com “J”


O Ministério da Educação publicou um edital de licitação na semana passada para fornecer serviços de lanches, 24 horas por dia, sete dias por semana, para os voos que o ministro Mendonça Filho faz nos jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB). O governo pretende gastar R$ 198 mil por ano nesses recursos.

Publicando originalmente na Revista Fórum

Como se não bastassem os valores, o documento do Ministério da Educação ainda foi publicado com diversos erros básicos de português, como por exemplo, quando se escreveu “viajem” ao invés de “viagem”. A justificativa utilizada pelo MEC para o edital é que é preciso aumentar o “conforto” de Mendonça Filho nos voos. As informações foram divulgadas pela revista Época.

Esta contratação tem como objetivo possibilitar ao MEC viagens aéreas mais confortáveis e com recursos próprios quando da utilização em aeronaves, prover também alimentação e serviços de bordo às aeronaves que atendem ao Senhor Ministro da Educação”.

Para chegar aos R$ 198 mil, o ministério usou como base 198 viagens com dez pessoas, com o custo estimado de R$ 100 reais por pessoa. Eles escreveram um termo de referência que prevê bandejas de frutas a R$ 19 e refeições completas a R$ 54, que incluem saladas (o MEC sugere caprese ou de macarrão), prato principal (carne, frango ou até frutos do mar) e sobremesas (pudim, mousse e tortas). Há ainda itens específicos que eles sugerem, como iogurte de ameixa e água tônica.

Todos servidores públicos recebem “diárias” quando viajam, em que estão incluídos valores para alimentação. O valor para ministros pode chegar a R$580. Mendonça Filho acumulou R$ 10 mil em diárias desde junho. Ele fez 28 viagens desde maio, dessas 11 foram para Recife, cidade onde mora.

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Mendonça Filho disse que não sabia do edital e que determinou o cancelamento.


O pedido para alimentação durante os voos da FAB tramitava no Ministério da Educação desde 2014 na área administrativa, que deu continuidade ao processo sem o conhecimento do ministro Mendonça Filho. Após ser informado do ocorrido, o ministro determinou o cancelamento imediato do processo”, informou sua assessoria. Apesar de afirmar que as tratativas ocorriam desde 2014, todas as viagens citadas no edital para justificar a contratação foram feitas no período em que Mendonça Filho era o ministro.


Rebelião anunciada: Quem são os cardeais rebeldes que acusam o papa Francisco de heresia


Uma rebelião anunciada. Um grupo de cardeais manifestou publicamente preocupação com os ensinamentos do papa Francisco, acusando o pontífice de causar confusão em relação a assuntos-chave para a doutrina católica.

Em carta divulgada nesta semana, os sacerdotes questionam o papa por encorajar a Amoris Laetitia (Alegria do Amor), documento que é uma tentativa de abrir novas portas para católicos divorciados e tornar a Igreja mais tolerante com questões relacionadas à família.

Publicado originalmente no Uol

A rigor, a carta não é nova: os cardeais a enviaram ao papa em setembro, com cinco perguntas específicas que exigem apenas um "sim" ou um "não" como resposta. Eles querem esclarecer o que consideram dúvidas ou imprecisões, no que diz respeito "à integridade da fé católica ".

A novidade é que agora eles decidiram tornar seu questionamento público.

Os religiosos, representantes de setores mais conservadores do catolicismo, sugerem que o papa criou uma "grave desorientação e confusão entre os fiéis". E pedem a ele uma resposta para as "interpretações contraditórias" decorrentes de seu tratado sobre o amor.

Pano de fundo
Assinada por quatro cardeais, a carta representa um sinal claro de dissidência, que reflete o descontentamento dos setores mais conservadores da Igreja.

Dos signatários, três são cardeais aposentados: os alemães Walter Brandmüller e Joachim Meisner e o italiano Carlo Caffarra. O americano Raymond Leo Burke, único que ainda está na ativa, é crítico frequente do papa Francisco.

Eles afirmam que decidiram tornar a carta pública após esperar dois meses por uma resposta do pontífice que nunca chegou.

Mas, por trás da carta, o que se observa é uma rivalidade latente entre setores da Igreja, que já tinha sido esboçada em abril deste ano, quando a Laetitia Amoris foi publicada.

Com 260 páginas, o tratado é um guia para a vida em família e propõe que a Igreja aceite algumas realidades da sociedade contemporânea.

Ao invés de fazer críticas, o documento convida os sacerdotes a tratarem com compaixão, por exemplo, os católicos divorciados que voltam a casar, dizendo que "ninguém pode ser condenado para sempre. "

Trata-se de uma das tentativas mais contundentes do papa Francisco em tornar a Igreja Católica mais aberta e inclusiva para seu 1,3 bilhão de fiéis no mundo.
Alguns religiosos afirmam, no entanto, que a Laetitia Amoris está cheia de imprecisões que dão origem a interpretações contraditórias da doutrina católica.

De acordo com especialistas, os cardeais não escolheram tornar a carta pública agora por acaso. A divulgação aconteceu logo após o vazamento de uma correspondência do papa com os bispos de Buenos Aires, sua terra natal, em que o pontífice sugere uma interpretação do seu tratado, considerado uma "heresia" por um dos cardeais signatários.
Em particular, o polêmico capítulo oito de Amoris laetitia, que fala da possibilidade dos divorciados que voltam a se casar em cerimônias civis, sem conseguir a anulação da união religiosa, receberem a comunhão.

A Igreja proíbe a comunhão de divorciados há séculos, por considerar como "irregular" ou ato de adultério toda tentativa de se constituir um casal após uma separação, a menos que se abstenha de relações sexuais e a convivência seja "como irmão e irmã".

A Amoris laetitia não altera a doutrina, mas abre brechas para que os bispos de cada país a interpretem de acordo com a cultura local e avaliem cada caso.

Para o papa Francisco, há fatores que limitam a "responsabilidade e culpa" do divorciado, então a "Amoris laetitia abre a possibilidade de acesso aos sacramentos da reconciliação e da Eucaristia".

"Não há outra interpretação", informou o pontífice, em sua carta aos bispos argentinos.

Aos olhos do público
A carta dos cardeais dissidentes, divulgada na segunda-feira, questiona o papa especificamente sobre esta questão.

Eles o fazem por meio de dilemas, questões teológicas que exigem uma resposta positiva ou negativa, e que são um mecanismo para tirar dúvidas sobre temas relacionados aos sacramentos ou padrões morais.

O primeiro dilema questiona se, ao contrário do que foi estabelecido por papas anteriores, "agora é possível perdoar" ou "dar a comunhão a uma pessoa que, embora unida por um casamento, vive com outra como marido e mulher", o que contradiz expressamente a encíclica do papa João Paulo II de 1981.

De acordo com os cardeais, a falta de resposta do pontífice a essa e outras quatro questões levou à decisão de tornar a carta pública, diante da sua "consciência de responsabilidade pastoral."
Os sacerdotes negam, no entanto, que se trate de um ataque "conservador" contra setores "progressistas" da Igreja, ou uma "tentativa de fazer política" ou de se rebelar contra o papa.

As entrelinhas políticas
Para os teólogos mais conservadores, os ensinamentos modernos do papa sobre as famílias e divorciados católicos são, em parte, "sacrilégio" e "podem justificadamente ser considerados hereges", como sinalizou Steve Skojec, cofundador e diretor da publicação católica One Peter Five.

Eles veem o tratado como um movimento do pontífice para afrouxar as normas morais que regem os fundamentos da Igreja.

Outros religiosos acreditam, no entanto, que a Amoris laetitia não tem peso suficiente para alimentar uma revolta entre os cardeais, muito menos o vazamento da correspondência do papa com os bispos portenhos.

A verdade é que a carta dos cardeais não é a primeira interpelação ao líder do catolicismo. Em julho, 45 teólogos e sacerdotes assinaram outro documento, dirigido ao Colégio dos Cardeais, exigindo esclarecimentos do papa Francisco.

Questões relacionadas ao divórcio - assim como à homossexualidade, à educação sexual, à desigualdade econômica, à responsabilidade no combate às mudanças climáticas e outros temas sensíveis para a hierarquia católica - vêm expondo a cisão entre o papa e os setores mais conservadores da Igreja.

"O papa não mudou a doutrina, mas abriu as portas para uma maior conexão com os católicos em questões como o divórcio, para que sejam analisados casos individuais", afirma a jornalista Caroline Wyatt, responsável há muitos anos pela cobertura de temas religiosos na BBC.

"Os conservadores dizem, por sua vez, que o papa abre caminho para um futuro caos, ao introduzir a ideia de que uma solução única para todos não deve ser o caminho a seguir dentro da Igreja".

No outro extremo, diz Wyatt, estão os liberais, também infelizes. Mas, neste caso, porque não consideram suficiente o processo tardio de modernização da Igreja: esperam "algo que o papa nunca será capaz de entregar."


O cardeal Raymond Leo Burk, em Roma (Itália), Foto: Alessandro Bianchi/Reuters.

Editora brasileira lança série de livros sobre o personagem da animação africana Kiriku


A lenda africana de Kiriku conta a história de um recém nascido que, ainda na barriga da mãe, corta o próprio cordão umbilical, ordena seu nascimento e batiza a si mesmo, bradando: “Meu nome é Kiriku”. Ele nasce sabendo falar, andar e correr, pleno de coragem e bravura, com uma missão: salvar sua aldeia da terrível feiticeira Karabá.

Publicado originalmente no Ceert

Diferentemente da maioria das lendas, no entanto, sua força não é bélica, não usa armas, nem o coloca liderando algum exército. A força de Kiriku é baseada na doçura, na paz e na tranquilidade. Trata-se de um guerreiro inteligente e calmo, que traz como sua virtudes principais o altruísmo, a astúcia, a capacidade de perdoar, o senso de coletividade e o amor.

A lenda virou filme, peça de teatro, espetáculo de dança e, agora, virá como uma série de livros a ser lançada no Brasil. Através da história do pequeno guerreiro, a lenda mergulha no imaginário e na cultura da África subsaariana, como a musicalidade, as vestimentas, a história e a natureza.


Kiriku e a Feiticeira” e “Kiriku e o colar da discórdia” foram baseados no filme, lançado em mais de 50 países – e serão lançados no Brasil pela editora Viajante do Tempo.


Jovens discutem moda, racismo e história no Youtube


Durante o mês de novembro, plataforma de vídeo promove conteúdos de canais de jovens youtubers negros que misturam a questão racial com diversos assuntos do cotidiano.

Durante todo o mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra (dia 20), o Youtube vai divulgar o trabalho de jovens youtubers negros, que produzem vídeos que estimulam a discussão racial. No último sábado (11), com a plataforma promoveu debate com produtoras de conteúdo negras que fazem sucesso nas redes sociais com o tema A Representatividade do Negro no Youtube.


Foi através do canal Afros e Afins que a estudante de ciências sociais Nátaly Nery, que esteve presente no debate, conseguiu ampliar a discussão do feminismo negro e do combate ao racismo. Produzindo vídeos há um ano e quatro meses, o canal já tem mais de 115 mil seguidores.

Para ela, o Youtube é uma ferramenta para fazer a disputa de narrativas: "Por que a gente não pode entrar com os nossos ideais, com a luta antirracista, antissexista na internet e tentar construir uma nova realidade?", questiona Nátaly, em entrevista à repórter Michelle Gomes, para o Seu Jornal, da TVT

           

A discussão também contou com a presença de Ana Paula Xongani, do canal Xongani Moda Afro, e Xan Ravelli, do canal Soul Vaidosa. Ana Paula considera o Youtube um espaço democrático que deve ser mais utilizado pelos negros para falar o que quiserem, não apenas sobre a questão racial. "Que eu fale da minha cor preferida, de quem eu sou. É importante que a gente fale da militância, mas é importante também que a gente fale da gente."


Outro caso de sucesso é do youtuber do jovem Pedro Henrique Cortês, de 14 anos, que angariou inúmeros seguidores ao produzir séries de vídeos contando a história de heróis negros brasileiros, como Machado de Assis, Luís Gama e Zumbi dos Palmares.


'É importante que a gente fale da militância, mas é importante também que
a gente fale da gente'/ Reprodução/ TVT.



“Como você conheceu a Marcela?”: a morte do jornalismo no Roda Viva de Temer. Por Igor Silva*



Muito interessante o “Brasil do Temer” que foi apresentado no Roda Viva, na TV Cultura, desta segunda-feira (14). Lembrando que são seis meses e um dia a frente do executivo – o ministério foi nomeado dia 13 de maio de 2016, há 6 meses.

Publicado originalmente no DCM

Há seis meses, o dólar estava 3,52, hoje está 3,40.

Há seis meses, o desemprego estava batendo 11%, hoje está em 12%. A bolsa pouco mudou também.

Há seis meses, o desemprego estava batendo 11%, hoje está em 12%. A bolsa pouco mudou também.

São seis meses e nenhum indicador mudou de forma considerável. A única coisa que de fato mudou é que não se lê mais a palavra “crise” nas capas da mídia tradicional. A famosa crise deixou de aparecer, ficou tímida e não faz mais atuação, nem mesmo uma pontinha.

A grande mídia e os jornalões resolveram ouvir o conselho de Temer: não fale em crise, trabalhe.

No Roda Viva desta segunda, por exemplo, não foi citada a palavra “crise” nenhuma vez.
No primeiro bloco, Michel Temer respondeu à jornalista Catanhêde dizendo que ele se preocupa, sim, com a saúde e com a educação. Que votou em tempo recorde diversos projetos de lei, como há muito não se votava.

No segundo, teve orgulho de dizer que não se fala mais em CPMF. Que agora, em seu governo, está gastando só o que arrecada e que não é preciso criar mais nenhum tributo.

Ainda no segundo bloco, disse que “admite, mas lamenta” as ocupações nas escolas. E que no seu tempo não era assim. Aproveitou para dizer que fazer a reforma do ensino médio via MP foi uma boa ideia, pois “incendiou o país” e “acendeu o debate“. Belo motivo para editar uma MP de um assunto tão importante!

O programa permaneceu assim durante os blocos seguintes, mas nada, absolutamente nada, superou a última pergunta de Noblat, nos últimos minutos de programa:

Temer, como você conheceu a Marcela?”

Um jornalista que, em tese, se diz sério, em momento delicado de nossa democracia, pergunta como o presidente conheceu a sua atual esposa.

Poderia ser feita pelo Leão Lobo ou pela Ana Maria Braga, mas foi feita por Ricardo Noblat.
O cenário reflete o serviço que o programa da TV Cultura parece ter cumprido ao presidente: marketing. Isso porque poucos momentos após a entrevista, Temer agradeceu ao jornalista Wilian Corrêa, também diretor de jornalismo do canal, pelo espaço de “propaganda” cedido.

Pronto, entendemos tudo. O circo estava armado e cercado de aliados que de longe ousariam colocar o entrevistado em uma roda viva. A morte do jornalismo ao vivo e a cores.

Então, por mais palavras que existam, nada vai resumir melhor a entrevista de Temer no Roda Viva do que a pergunta de Noblat: como você conheceu a Marcela?

Temos que ter fé, mas infelizmente está cada vez mais difícil.

* Sociólogo e cientista político


URCA promove mesa redonda sobre “Africanidades, Afrodescendência e o Diálogo com a Educação”



A Universidade Regional do Cariri (URCA), através da Pró-Reitoria de Extensão promoveu na manhã desta sexta-feira (11/11) uma mesa redonda com o tema “Africanidades, Afrodescendência e o Diálogo com a Educação” coordenada pela professora Drª. Cícera Nunes, do Departamento de Educação.

Como parte integrante da IV Semana de Extensão desta instituição de ensino superior que nesta edição trabalhou a Curricularização da Extensão: Um Desafio para o Século XXI, a mesa tinha como objetivo discutir temáticas atuais e importantes para toda a comunidade acadêmica, com enfoque para a Cultura Afro e Educação. Compuseram a mesa a professora Alexsandra Oliveira, da Escola João Carlos Lócio de Almeida e este professor, editor deste blog e membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec).

Alexsandra Oliveira discutiu acerca da tradição oral, tema de sua pesquisa de doutorado. No ensejo, a professora doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mencionou a importância da memória e da oralidade para estudar e compreender as histórias e culturas africanas e afrodescendentes. Ela fez um passeio sobre a Feira Livre em Bodocó(PE), trazendo elementos que coloca o negro como protagonista, possibilitando perceber o outro lado da história a qual sempre foi relegada e negada na história nacional.

Prof. Nicolau Neto discute sobre papel da universidade na formação de
professores para as relações étnico-raciais. Foto: Profª. Cícera Nunes.

Nicolau Neto - especialista em Docência do Ensino Superior - arguiu sobre “A Universidade e o Papel de Formar Professores para as Relações Étnico-raciais”. Aqui, foi enfocado que muitas são as lutas dos afrodescendentes e que há fortes resistências às reivindicações em virtude de um pensamento eurocêntrico que ao se arvorarem no discurso de que somos todos iguais referenciados pelo art. 5º da CF/88, acabam por negar a existência de um sistema de exclusão, e de perpetuação do racismo.

Citando o professor Henrique Cunha Jr. (UFC), Nicolau destacou que os professores trabalham com duas ideias que têm dificultado o avanço do trato dos temas de interesse dos afrodescendentes. A primeira é a Consolidação do ideário dos grupos dominantes sobre a “democracia racial. Ideias que não permitiram em diversos setores uma reflexão mais acentuada e problematizadora sobre as questões das estruturas étnicas vigentes na sociedade e acerca dos problemas daí decorrentes no trato com a cultura e a educação. E a segunda refere-se ao ideário da base nacional miscigenada e, portanto, negadora da particularidade. Essa visão da “Casa Grande e Senzala” tornou-se não só modelo de interpretação da sociedade, como também das razões políticas. Por ela, mascara-se a base racista e etnocêntrica e mascara de igual modo a base positivista, pois embora apareça na constituição e formação do Brasil a questão das três raças, é notório a presença de apenas uma como possuidora e depositária de processo civilizatório.

Para Nicolau a universidade tem um papel fundamental na superação desses entraves, pois é desse ambiente que sairá os professores que atuarão nas escolas da educação básica. Entender essa dimensão complexa é uma tarefa dos profissionais da educação. É uma missão, portanto, de uma universidade que se quer ser cidadã e não pode se eximir desse propósito, qual seja, incluir no seu currículo a questão étnico-racial, pensada de forma dinâmica e articulada tanto com os processos educativos escolares quanto não-escolares.

Mais fotos do evento abaixo: 



        
      

Nenhum passo para trás, mas esquerdas precisam ampliar o debate, diz Djamila Ribeiro



Foi o pai de Djamila Ribeiro que a batizou com o nome africano, cujo significado é "beleza". Filha de um estivador comunista, sua base educacional, em Santos, litoral paulista, incluiu xadrez e uma boa dose de formação política. Para a mestre em Filosofia Política, feminista e atual secretária municipal adjunta de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, é momento de resistir ao retrocesso e consequente desmantelamento de políticas públicas. "Mas é imprescindível que a esquerda brasileira entenda de uma vez por todas que não dá para se fazer um debate sério sem pensar a questão racial como principal", acrescenta. "Queremos ser as pessoas que pensam essas políticas, como protagonistas."

Publicado originalmente na RDB

Formada na segunda turma de Filosofia da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), com iniciação científica e mestrado, tornando-se referência em estudos sobre a pensadora e ativista francesa Simone de Beauvoir, Djamila vê alguns avanços nas reivindicações históricas do movimento negro brasileiro. Pouco ainda, porém. Também há uma lacuna no meio acadêmico, aponta: "Pautam a questão de classe desvinculada da questão de raça".

Representatividade no ensino, importa?

A representatividade é extremamente importante para construção da nossa subjetividade. A partir do momento em que você vive numa sociedade racista, na qual os nossos saberes são hierarquizados e não legitimados, é como se a gente não existisse ou produzisse conhecimento, e isso é uma das mortes simbólicas, dentre as várias mortes que o Estado acomete contra a população negra desde a morte física à morte simbólica, na qual faz parecer que nós não temos saberes e a nossa história não é ensinada nas escolas.

Em geral, o caminho acadêmico para os alunos negros é hostil e solitário. Foi assim com você?

Eu acho que é um caminho hostil e solitário quando você vai estudar algo que vai contra a epistemologia dominante, quando somos minorias nesses espaços de formação do conhecimento. Sermos poucos deflagra o quanto a sociedade é racista e naturaliza essa ausência. A ausência de negros nas universidades não é questionada sequer pelas pessoas brancas. Elas não se questionam o porquê de quem está dando a aula serem pessoas brancas e quem está limpando, negras. A naturalização desses lugares acaba sendo, também, uma das violências do racismo, aumentando a hostilidade e a solidão do aluno negro, por ser ele uma minoria que tenta pautar uma produção de saber representativa.

Os alunos negros têm uma pauta em comum ou é possível transitar pelo universo acadêmico sem pautar as questões referentes a negritude e identidade?

Claro que não são todas as pessoas negras que estão nas universidades que pautam as nossas produções de saberes. Mas para nós que pautamos é difícil encontrar bibliografia, tem de se fazer o trabalho dobrado, cursar as disciplinas, estudar e lutar para que esse saber seja legitimado, encontrar um orientador que esteja disposto e oriente mesmo não conhecendo o tema. É um ambiente hostil e solitário, sobretudo, para as mulheres negras que buscam estudar a produção de saberes de autoras negras.

Como foi sua trajetória escolar?

A minha trajetória caminha junto com essa outra educação e formação que o meu pai dava para gente. Meu pai era estivador, em Santos, por isso estudei num colégio para filhos e netos de estivadores. O que me fez ter uma boa educação no ensino fundamental. Fora isso, meu pai era do Partido Comunista, eu tive acesso a outras atividades que completavam os meus estudos. Frequentava a União Cultural Brasil-União Soviética, aprendi a jogar xadrez, tive formação política, meu pai me levava para manifestações e desde muito cedo conversava com a gente sobre o que é ser negro.

Você teve professores negros durante a sua formação?

Não tive nenhum professor negro no ensino médio e no fundamental. Nem no curso de Filosofia na Unifesp. Eu fui ter um professor negro quando fiz algumas disciplinas em Ciências Sociais e História.

A partir de 2002, o debate das ações afirmativas, cotas, demarcação de terra quilombola passa a pautar a sociedade e o governo. O que avançou de lá para cá?

É inegável que nos últimos anos houve avanços. Eu mesma sou fruto de um campus criado em 2007 e que implementou as cotas. Em 2001, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) foi pioneira em implementar as cotas, em 2004 a Unb, e em 2012 a lei de cota foi aplicada nas universidades federais e nos processos seletivos do serviço público. Houve avanços para garantir o acesso da população negra a determinados espaços, mas muito pouco perto daquilo que é necessário. Mas é inegável que houve avanços importantes daquilo que foram e são reivindicações históricas do movimento negro.

Por que a Universidade de São Paulo, a maior da América Latina, não tem cotas?

A USP não aderir às cotas significa reforçar o quão elitista é, o quanto ela resiste em fazer mudanças essenciais e necessárias. Se esse Estado nos violenta e nos aparta desses espaços, é obrigação desse Estado criar mecanismos para que estejamos nesses espaços. Essa resistência da USP mostra o quanto ela é racista e o quanto se acredita que a educação de qualidade deve ser algo para poucos e para pessoas privilegiadas, ou seja, para pessoas brancas.

O movimento negro estudantil tem voz no meio acadêmico?

Se formos pensar nos movimentos estudantis dos centros acadêmicos nas universidades, ainda não existe um debate aprofundado e sério sobre a temática racial. Pautam a questão de classe desvinculada da questão de raça, sem se aprofundar na temática racial. Existem coletivos de estudantes negros universitários que fazem este recorte étnico-racial. Na USP, a Ocupação Preta tem feito um trabalho de intervenções importantes e mostrado o quanto a instituição é excludente. No movimento estudantil, eu valorizo o movimento negro estudantil, que tem feito discussões importantes, colocando a questão racial como nexo prioritário. Sem a questão racial não tem como fazer uma discussão e se ter avanço no combate às desigualdades.

Nos últimos anos, alguns movimentos sociais passaram a ter a voz ampliada na esfera pública, como o movimento feminista negro. Questões desse movimento tiveram algum avanço no combate às desigualdades?

Historicamente, muitas mulheres vêm pautando estas questões. Essa geração é herdeira dessas mulheres que vieram plantando e abrindo os caminhos. É muito importante sabermos de nossas histórias, de onde viemos. Como diz Jurema Werneck (médica, engenheira, comunicadora, escritora e ativista): "Nossos passos vêm de longe". Esses caminhos abertos por essas mulheres foram e são importantes para que nós (mulheres negras) ganhássemos mais espaço e com o advento das redes sociais a gente consegue amplificar esses discursos. Meninas cada vez mais novas começam a pautar essas questões em seus espaços, ter acesso a essa história, a essas autoras e conseguem se posicionar de forma mais estratégica e participativa.

É possível pensar as ações afirmativas e uma reforma na estrutura de ensino brasileiro?

É importantíssimo pensar numa educação pública de base de qualidade. Pensar ações afirmativas e pensar a melhoria do ensino de base não são ações excludentes, ao contrário. Como demorará muito tempo para termos uma educação de base de qualidade, nós não podemos condenar outras gerações de pessoas negras à exclusão e à falta de acesso ao ensino superior. É necessário lutar para manter e ampliar não só o acesso e a permanência do estudante negro na universidade, como concomitantemente continuar lutando pela melhoria do ensino de base. As cotas não devem ser permanentes, mas devem existir enquanto houver desigualdades.

As cotas colocam em xeque a meritocracia. A quem serve a meritocracia num país como o Brasil?

A meritocracia é um grande mito, no qual as pessoas não querem entender que existe um grupo, uma maioria, que enriqueceu o outro grupo, a minoria. Existe um grupo branco que tem privilégios e enriqueceu às custas da opressão e exploração do grupo negro. O fato de uma pessoa branca que sempre estudou em escolas boas, comeu bem e tem acesso a idiomas passar num vestibular como o da USP não é porque ela é especial, mas porque ela teve condições para isso. Ela não é genial. Insistir num discurso meritocrático é escamotear o racismo e o privilégio do grupo branco.

Você uma vez falou que "estávamos aprendendo a surfar". E agora, qual é a perspectiva?

Nós tivemos alguns avanços, algumas poucas conquistas que foram importantes. Contudo, agora estamos diante de um cenário de retrocessos e cortes de políticas públicas, com a PEC 241 (a Proposta de Emenda à Constituição que agora, no Senado, tem o número 55). No momento em que estávamos num crescente de conseguir algumas ações que dizem respeito a uma reparação histórica para população negra, a gente vive o retrocesso dessas ações. É como se dissessem "Chega!", quando o momento deveria ser de consolidação e amplificação desses direitos.

Diante desse retrocesso, quais são os próximos passos?


O momento é de resistir, não aceitar o desmantelamento de políticas que foram importantes à população negra. Temos de seguir avançando, não dá para compactuar com esse retrocesso. Mas é imprescindível que a esquerda brasileira entenda de uma vez por todas que não dá para se fazer um debate sério sem pensar a questão racial como principal. Nós não queremos ser apenas as beneficiárias dessas políticas, mas queremos ser as pessoas que pensam e propõem essas políticas, como sujeitos, como protagonistas, já que historicamente fomos apartados desses espaços.

Djamila Ribeiro. Foto: Divulgação.

O que aprendi no movimento estudantil, por Plínio Bortolotti


Como os jovens de hoje eu também participei do movimento estudantil, fiz greves, fui a passeatas, corri da polícia. Sendo um rapaz latino-americano (sem dinheiro no banco etc.), formado por aulas de Educação Moral e Cívica, e por uma cultura machista, preconceituosa e limitadora - própria de cidades pequenas -, assombrei-me maravilhado com a diversidade da vida quando cheguei a São Paulo: rapazes e moças, talvez com história igual à minha, abrindo uma picada em busca de novos caminhos, em plena ditadura, no meio dos anos 1970.

Publicado originalmente no O Povo

O bonde da história estava passando diante dos meus olhos e somente alguém muito insensível não o teria agarrado, mesmo no papel de coadjuvante. Novos horizontes se descortinavam e eu queria ver, sentir, participar e aprender. Fui militante de uma organização trotskista, semiclandestina na época, a Convergência Socialista.

Vi nascer o movimento negro, os coletivos homossexuais e a retomada da luta feminista. Foi uma escola e nela muito aprendi, tanto com as pessoas que conheci quanto com as organizações e partidos que combatiam pela democracia e pela liberdade, cujos militantes lideravam as lutas - greves, ocupações de escolas, manifestações de rua, confrontos com a polícia: mais verbas para a educação, eleição direta, anistia.

Claro que hoje sou uma pessoa diferente, passei a desacreditar em algumas coisas e acreditar em outras. Não vejo mais, por exemplo, a revolução ali na esquina e nem creio no paraíso na Terra, prometido pelo comunismo. Entanto, não renego o passado (nem o idealizo), pelo contrário, dou gracias a la vida que me ha dado tanto; foi nesse tempo que abri os olhos para o mundo, afiei meu pensamento e tornei-me uma pessoa mais crítica; um tempo que ajudou a forjar o que sou hoje: não é grande coisa eu sei - tenho convicção e provas -, mas dá para o gasto.

Partidos e organizações políticas sempre intervieram no movimento social. Acusar os estudantes de serem militantes é querer cassar-lhes um direito democrático; considerar que são mera massa de manobra é menosprezar-lhes a inteligência. O movimento estudantil é e sempre foi uma escola de líderes. E presumir que somente a esquerda se organiza politicamente, crendo que a direita é formada por seres “apolíticos”, tecnocratas que querem apenas uma escola sem partido, ou qualquer outra gororoba, é ingenuidade ou cegueira ou coisa pior.

Pois bem, o governo Temer manda uma PEC ao Congresso, que vai cortar verbas da Educação e dos programas sociais (apesar das negativas oficiais); quer fazer uma reforma do ensino na base da medida provisória. Esperar o quê? Que os estudantes façam cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo? Que os partidos de oposição aceitem sem questionar?

Ora, foi um governo que assumiu por meio de um golpe, de uma conspirata, de uma manobra parlamentar - ou “legalmente”, pois à vista do Supremo Tribunal Federal (STF), vá lá. Mas onde está a legitimidade, onde estão os votos do mandatário que o autorizem a aplicar tais medidas na base da força?

Se os conspiradores políticos imaginaram que bastava assumir a Presidência para “pacificar” o Brasil, caíram no conto do vigário, quero dizer, do “mercado”, o principal indutor das políticas do governo Temer, que está sendo usado para fazer o serviço sujo.

Se vai conseguir, não se sabe - os dados ainda estão rolando -, mas o certo é que, ao fim do jogo, independentemente do resultado, o impopular Temer será peça inservível, e o “mercado” dar-lhe-á um chute na mesóclise e deixá-lo-á na rua da amargura.

Nova universidade

Sou coordenador de um programa de formação de novos jornalistas e noto mudança no perfil dos estudantes que chegam ao jornal. É cada vez maior o número de alunos de famílias remediadas, não brancos, e moradores da periferia que ingressam na Universidade Federal do Ceará (UFC).

Debates

No programa “Debates do Povo” (rádio O POVO/CBN), o tema da edição de 7/11/2016 foi a greve dos alunos da UFC. Isiane Silvestre representou o movimento de ocupação na universidade; moradora do Conjunto Palmeiras, ela é doutoranda em Educação pela Faced-UFC. Em uma de suas intervenções, emocionada, falou da “luta” que uma pessoa de origem humilde precisa travar para chegar à universidade. Para ela, a PEC 241/55 vai dificultar mais ainda esse acesso.