Para ONU é preciso ‘dar um passo à frente na luta pelos direitos dos povos afrodescendentes’


Do  ONUBR

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, pediu que a região da América Latina e do Caribe aproveite as oportunidades e iniciativas previstas na Década Internacional de Afrodescendentes para promover uma melhoria concreta na vida das pessoas de ascendência africana.

Participantes reunidos  ao final do encontro. Foto: Mariana Tavares.
 Dez anos para reverter cinco séculos de discriminação estrutural? A discriminação racial tem profundas raízes cultivadas no colonialismo e na escravidão, e se nutre diariamente com o medo, a pobreza e a violência. São raízes que se infiltram de forma agressiva em cada aspecto da vida – desde o acesso à educação e alimentos até a integridade física e a participação nas decisões que afetam fundamentalmente a vida de cada pessoa. Uma década é muito pouco”, disse Zeid.

Zeid participou do encerramento, na última sexta-feira (4), da Reunião Regional para a América Latina e Caribe da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU, realizada em Brasília nos dias 3 e 4 de dezembro.

O encontro contou com a participação de mais de 150 representantes de Estados nacionais da região, organizações regionais, instituições nacionais de direitos humanos, organismos para a igualdade e representantes da sociedade civil, em particular as pessoas de ascendência africana e agências especializadas das Nações Unidas e mecanismos da região. Ao final da reunião, foi aprovada a Declaração da Conferência Regional da Década Internacional de Afrodescendentes – ou “Declaração de Brasília” –, disponível ao final da matéria.

O alto comissário lembrou que, com a abolição da escravatura, veio liberdade – mas grande parte da estrutura social profundamente discriminatória nunca foi derrubada e permanece até hoje.

Atualmente, existem mais de 150 milhões de pessoas de ascendência africana na América Latina e no Caribe – cerca de 30% da população. Mesmo assim, os afrodescendentes em grande parte da região são quase invisíveis nos corredores do poder – econômicos, acadêmicos, profissionais ou políticos, a nível local ou nacional. As altas taxas de desigualdade persistem”, disse o chefe de direitos humanos da ONU.

Historicamente e na atualidade, as pessoas de ascendência africana têm sido os principais contribuintes para o desenvolvimento e a prosperidade de suas sociedades e nações, mas a elas foi negada sua parte justa dos dividendos. Pelo contrário, os seus direitos humanos foram violados para que outros pudessem prosperar.”

Zeid pediu aos Estados que respeitem os seus compromissos e obrigações nos termos do direito internacional dos direitos humanos e usem todas as ferramentas à sua disposição para promover progressos concretos na promoção dos direitos dos afrodescendentes. Estas ferramentas incluem a Declaração e o Programa de Ação de Durban e o quadro fornecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas para a Década Internacional, bem como tratados internacionais de direitos humanos. Os temas para a Década – que teve início em 2015 e segue até 2024 – são Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento.

O reconhecimento trata de se reconhecer e compreender, concretamente, a extensão e profundidade do racismo e da discriminação racial enfrentados por pessoas de ascendência africana. Trata-se de fazer os afrodescendentes e sua história, sua cultura e suas realizações visíveis nos currículos da educação, em livros didáticos e na arena cultural. O reconhecimento também significa sensibilizar funcionários do Estado, inclusive nos domínios da aplicação da lei e da justiça, para evitar a discriminação racial e a brutalidade policial. E isso significa garantir justa e adequada reparação e satisfação por qualquer dano como resultado de tal discriminação, tal como exigido pela Declaração e Programa de Ação de Durban”, disse ele.

Na esfera da justiça, os afrodescendentes têm relatado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, mesmo quando eles são vítimas de crimes, não apresentam queixas formais à polícia porque simplesmente não confiam nas instituições estatais e temem sofrerem nova violência. Isso é terrivelmente infeliz, mas não surpreendente, dado o uso desproporcional da força contra as pessoas de ascendência africana, particularmente homens jovens; sua sobre-representação entre a população prisional; e a discriminação racial endêmica e discriminação que enfrentam no contato com oficiais da lei. A justiça trata do combate à impunidade, ao aplicar a lei prontamente e de forma transparente contra os policiais que usam a força letal injustificada e violência desproporcional”, acrescentou Zeid.

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos pediu aos Estados que garantam que mulheres e homens afrodescendentes sejam parceiros ativos na concepção de iniciativas de desenvolvimento.

Tem havido uma negligência histórica e falta de investimentos públicos em bairros e regiões que são predominantemente afrodescendentes. Isso precisa ser revertido em parceria com as comunidades”, disse ele.

No final da reunião, os delegados adotaram uma declaração que relembra o Programa de Atividades da Década Internacional e reafirma seu compromisso com a plena implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban a nível nacional, regional e global. Além disso, reafirma o apoio à criação do Fórum de Pessoas Afrodescendentes e apoia a elaboração de um projeto de Declaração das Nações Unidas, destacando a importância de iniciar o trabalho o mais rapidamente possível. Estados-membros da ONU também se comprometeram a adotar políticas de ação afirmativa de modo a atenuar e corrigir desigualdades no exercício dos direitos humanos no acesso à educação e ao emprego, de acordo com as particularidades de cada país.

Entramos na Década Internacional de Afrodescendentes com uma imensa carga de injustiças históricas e contemporâneas de tal forma que é difícil não se curvar sob o peso de desespero”, disse Zeid. “No entanto, nós temos aqui uma oportunidade para ajudar a fortalecer as comunidades de ascendência africana e, com elas, reforçar a estabilidade, a democracia, o Estado de Direito, a governança, a segurança e o desenvolvimento de toda a região da América Latina e do Caribe. Devemos aproveitar esta oportunidade para explorar o potencial inexplorado destas comunidades até então invisíveis. Que nos comprometamos a usar esses 10 anos para dar um passo à frente.”

O encontro debateu, entre outros temas, o apoio à negociação de um projeto de declaração das Nações Unidas sobre a promoção e o pleno respeito dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes e à convocação da IV Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância.

Besouro – símbolo do Movimento Negro. O Filme



Em uma época na qual os negros ainda não tinham conquistado sua liberdade, embora formalmente fossem considerados livres, alguns ex-escravos encontraram um caminho para lutar pelos seus direitos, uma estranha coreografia que mesclava luta e dança, conhecida como Capoeira. É neste cenário que surge um dos heróis mais lendários do Brasil, Besouro.

Reprodução do vídeo abaixo.
Esse enigmático personagem da história brasileira veio ao mundo em 1897, oito anos depois da libertação legal dos escravos, em Santo Amaro da Purificação, cidade localizada no Recôncavo Baiano. Seus pais, João Grosso e Maria Haifa, eram ex-escravos.

Embora portadores do status de pessoas libertas, os negros não eram exatamente tratados como membros da sociedade. Na verdade eles faziam parte de uma massa informe, desprovida dos direitos mais elementares, como moradia, alimentação e trabalho.

Mergulhados neste contexto marginal, os ex-escravos praticamente perpetuam sua antiga condição, particularmente no campo, sob as garras dos mesmos fazendeiros e senhores de engenho que tanto se beneficiaram na época da escravidão. É este cenário que Manoel encontra ao nascer no interior da Bahia.

Aos vinte anos ele já é chamado de Besouro Mangangá, ou Besouro Cordão de Ouro. Analfabeto, ele já era um capoeirista de renome, a quem ninguém conseguia superar nesta luta. Apesar de ser um bravo guerreiro, ele também se submetia às condições de trabalho impostas pelos fazendeiros de sua terra, labutando arduamente na lavoura de cana. Só que o destemido negro não temia seus opressores, e não era preciso muito para que ele se rebelasse, o que contribuiu para a construção de sua fama.

Pouco se sabe sobre os caminhos que ele percorreu, mas não é difícil imaginar que suas atitudes tenham despertado a ira dos dirigentes daqueles tempos, os quais provavelmente o viam como um perigoso insurgente. As histórias lendárias que circulam sobre este personagem descrevem combates épicos com o corpo policial de então, dos quais Besouro sempre era o vencedor. Alguns diziam que ele tinha o ‘corpo fechado’, pois nem mesmo as balas o atingiam.

Seu apelido, Mangangá, explica miticamente sua incrível capacidade de fugir dos seus adversários – ele se refere a uma espécie de besouro que provoca uma contundente ferroada. Ou seja, o lutador derrotava o inimigo e logo após desaparecia sem deixar vestígios. Diz a lenda que ele simplesmente saía voando.

Sua morte também está envolta em mistério. Afirma-se que, depois de um confronto com servidores de uma fazenda, ele teria levado uma facada; acrescentam os mitos que a faca seria confeccionada com uma madeira ilustre chamada de ticum, única arma com poderes para transpassar uma pessoa que tinha o ‘corpo fechado’, de acordo com o universo religioso afro-brasileiro. Conforme a versão oficial, ele foi morto em uma armadilha organizada pelo filho de um fazendeiro.

Besouro está de volta, mais forte do que nunca, comprovando sua imortalidade como símbolo da cultura negra brasileira. Este mito foi resgatado pelo cineasta João Daniel Tikhomiroff, que por sua vez se inspirou na obra Feijoada no Paraíso, de Marco Carvalho. Ele procura resgatar esta história não como um filme documental, mas sim como uma mistura de ficção e fantasia.

A produção promete e acena com a possibilidade de uma indicação para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. Mas seu maior mérito é tirar das sombras do esquecimento este fantástico personagem histórico, interpretado por Ailton Carmo.

                                              Assista ao trailer do filme:

             

Mais sobre o Besouro

Besouro (Ailton Carmo) foi o maior capoeirista de todos os tempos. Um menino que -- ao se identificar com o inseto que ao voar desafia as leis da física -- desafia ele mesmo as leis do preconceito e da opressão. Passado no Recôncavo dos anos 20, Besouro é um filme de aventura, paixão, misticismo e coragem. Uma história imortalizada por gerações, que chega aos cinemas com ação e poesia no cenário deslumbrante do Recôncavo Baiano.

Quando Manoel Henrique Pereira nasceu, não havia nem dez anos que o Brasil tinha sido o último país do mundo a libertar seus escravos.

Naqueles tempos pós-abolição nossos negros continuavam tão alijados da sociedade que muitos deles ainda se questionavam se a liberdade tinha sido, de fato, um bom negócio. Afinal, antes de 1888 eles não eram cidadãos, mas tinham comida e casa para morar. Após a abolição, criou-se um imenso contingente de brasileiros livres, porém desempregados e sem-teto. A maioria sem preparo para trabalhar em outros serviços além daqueles mesmos que já realizavam na época da escravatura. E quase todos ainda sem a plena consciência de sua cidadania. O resultado desse quadro, principalmente nas regiões rurais, onde estavam os engenhos de açúcar e plantações de café, foi o surgimento de um grande contingente de negros libertos que continuavam, mesmo anos após a abolição, submetendo-se aos abusos e desmandos perpetrados por fazendeiros e senhores de engenho.

Assim era sociedade rural brasileira de 1897, ano em que Manoel Henrique Pereira, filho dos ex-escravos João Grosso e Maria Haifa, nasceu na cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.

Vinte anos depois, Manoel já era muito mais conhecido na cidade como Besouro Mangangá - ou Besouro Cordão de Ouro -, um jovem forte e corajoso, que não sabia ler nem escrever, mas que jogava capoeira como ninguém e não levava desaforo para casa. Como quase todos os negros de Santo Amaro na época, vivia em função das fazendas da região, trabalhando na roça de cana dos engenhos. Mas, ao contrário da maioria, ele não tinha medo dos patrões. E foram justamente os atritos com seus empregadores - e posteriormente com a polícia - que deixaram Besouro conhecido e começaram a escrever a sua imortalidade na cultura negra brasileira.

Há poucos registros oficiais sobre sua trajetória, mas é de se supor que a postura pouco subserviente do capoeirista tenha sido interpretada pelas autoridades da época como uma verdadeira subversão. Não por acaso, constam nas histórias sobre ele episódios de brigas grandiosas com a polícia, nas quais ele sempre se saía melhor, mesmo quando enfrentava as balas de peito aberto. Relatos de fugas espetaculares, muitas vezes inexplicáveis, deram origem a seu principal apelido: Mangangá é uma denominação regional para um tipo de besouro que produz uma dolorosa ferroada. O capoeirista era, portanto, "aquele que batia e depois sumia". E sumia como? Voando, diziam as pessoas...

Histórias como essas, verdadeiras ou não, foram aos poucos construindo a fama de Besouro. Que se tornou um mito - e um símbolo da luta pelo reconhecimento da cultura negra no Brasil - nos anos que se sucederam à sua morte.

Morte que ocorreu, também, num episódio cercado de controvérsias. Sabe-se que ele foi esfaqueado, após uma briga com empregados de uma fazenda. Registros policiais de Santo Amaro indicam que ele foi vítima de uma emboscada preparada pelo filho de um fazendeiro, de quem era desafeto. Já a lenda reza que Besouro só morreu porque foi atingido por uma faca de ticum, madeira nobre e dura, tida no universo das religiões afro-brasileiras como a única capaz de matar um homem de "corpo fechado".

E Besouro, o mito, certamente era um desses.

Cotas e a busca pela igualdade racial



Do DM

O artigo epigrafado foi publicado com o título “As cotas raciais e o racismo cordial”.  Acredito merecer republicação. As cotas raciais, além de vitória política, social e econômica, são um Direito Constitucional do segmento negro brasileiro, por decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, do dia 26 de abril de 2012. Não raro, prosseguem assustando grande parte da sociedade, sobretudo as pessoas mais conservadoras, para não dizer de mente colonizada, sendo mesmo curioso porque não houve reação quando propostas para estudantes estrangeiros, mulheres na política, cineastas e portadores de deficiências em órgãos públicos. Repetindo Hélio Santos, um  dos mais respeitáveis estudiosos da questão racial no Brasil,“as cotas de 100% para os brancos estão aí desde sempre e ninguém contesta”. Quer dizer: em um  país onde gato preto continua surpreendendo e a fisionomia das pessoas ainda caracteriza algo de bom ou de mau, a cor branca não tem como não ser atestado de boa conduta, inferindo poder ratificar a narrativa acima. Aliás, desde que J. A. Antonil, em “Cultura e Opulência do Brasil” (1711), escreveu que o Brasil é “… um inferno para os negros, um purgatório para os brancos e um paraíso para os mulatos”, além de revelação surpreendente, evidenciando a nossa confusa mistura de “raças”, preceptora de nossa identidade racial também confusa e polêmica, dificultando combate ao racismo, mostrou o negro no seu pior lugar, o inferno, de onde ainda não saiu completamente; o branco, num inesperado e esquisito purgatório, talvez influenciado por ideia euro-ocidental cristã, imaginada por Dante Alighieri, em A Divina Comédia, vislumbrando as delícias do céu; e o paraíso para os mulatos, onde nunca estiveram e não vão chegar, em razão do sentido pejorativo que carregam a partir da origem etimológica do nome, conforme explicam os bons dicionários, notando-se que só assim se melhoraria a “raça” no país e o negro se purificaria das suas maldades congênitas, inventadas contra ele pelos deuses do Olimpo e a cultura racista procedente de outras diásporas, dificílima de ser extirpada.




Já se vê que dessa embaraçosa e multicultural divisão de segmentos étnicos, o racismo no Brasil não poderia ser muito explícito como nos Estados Unidos e África do Sul, por exemplo, restando por ser mesmo mascarado, disfarçado, engenhoso, sutil e outros convenientes “apelidos”, tornando-se, por isso, muito mais difícil de ser visto, analisado e combatido, fato que se tornou ainda pior no país ao deixar de ser “científico” para ser definido “racismo cultural”, originário da própria confusão da mistura de “raças”, onde se disfarçou, deixando a impressão de que nem existia, como aconteceu por volta de 1933, através do emblemático e controverso conteúdo do livro “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, onde a controvérsia seria somente de âmbito social e a virtude estaria na mistura de “raças”, fatos que seriam verdadeiros, se isso tivesse ocorrido de modo espontâneo, legítimo e democrático, nas relações sexuais e culturais entre brancos e negros sobremodo, onde a mulher negra, além de vítima de violentos estupros e horríveis abortos, até para não vê o filho nascer no status deprimente de escravo, da mãe, era obrigada a vê-lo nascer assim, por exigência legal, por impor princípio de direito da época o seguinte: “partus sequitur ventre – o parto segue o ventre”, assim podendo aumentar os escravos. Se não bastasse, nesse amálgama ou fusão de “raças”, em que pese seu aspecto meritório inquestionável, se esconderam e se disfarçaram muitas outras maldades, sendo o nosso racismo mascarado uma delas, sem esquecer a falsa “cordialidade brasileira”, de que fala livro clássico de Sérgio Buarque de Holanda, de onde vem racismo até “cordial”, abordado a seguir.

Notem que foi ainda na década citada, por intermédio do livro clássico “Raízes do Brasil” (1936), do consagrado Sérgio Buarque de Hollanda, que apareceu no Brasil a hipócrita ideia de que seríamos um povo cordial, daí a nossa cordialidade e afeto para com o negro, o índio, outros segmentos e até nações; diagnosticando também que foi nessa falsa cordialidade que se escondeu, dentre outras dissimulações, a “rede de relações privadas que comanda a cena pública do país”, como ocorre hoje em dia na celeuma das biografias, onde os biografados, confundindo interesse público com seu interesse de ordem privada, a bem dizer, são o “homem cordial” de que fala Buarque de Hollanda, “reivindicando para seus desejos” enganosos o amparo da lei, que não pode ampará-los, na hipótese, a anacrônica disposição legal do Código Civil de 2002 (art. 20), no qual a pretensão postulada, por notáveis que sejam as celebridades, não tem sustentação jurídica básica, por ferir direito constitucional anterior, previsto na Constituição de 1988 (incisos IX e X), onde a censura prévia é proibida, vendo-se, assim, que qualquer decisão a respeito, fundada em lei civil ordinária mencionada, mesmo que transitada em julgado (res judicata), não tem como não ser norma legal inconstitucional, configurando censura prévia, inadmissível. Como diria Heloisa Starling e Lília Moritz, em consistente ensaio intitulado “Medos privados em lugares públicos”, publicado à página 8, do Suplemento Literário Ilustríssima, do jornal Folha de São Paulo, de 3 de novembro do mês corrente, “Essa história é pública e ao público pertence”.

Como visto, de tão arguta, a discriminação no Brasil, econômica, racial, social, xenófoba etc. chega a ser “cordializada”, pra não repetir “cordial” e incoerente, sendo assim que o artigo 20 do Código Civil pode entrar em vigor, facilitando censura prévia proibida por Constituição Federal anterior; o “homem cordial” descrito por Buarque de Hollanda, ainda tendo a vida privada fazendo papel de nossa principal referência, como se isso, no dizer das autoras acima referidas, “…fosse sinal de maturidade democrática”; pudéssemos viver somente com uma “verdade”, uma versão; como se a verdade mais importante, segundo o filósofo Albert Camus, não fosse a última delas, coerente e de ordem pública; num país dividido em classes sociais de maioria desigual, injustiçada que, assim como o homem cordial, estão assombrando as biografias propaladas pela mídia, feitas com “fundamento” em lei civil ordinária insustentável, ofensivas, portanto, ao princípio da hierarquia das leis, defendidas por notáveis e reconhecidos talentos da Música Popular Brasileira, através do grupo cognominado “Procure Saber”, coletivo que defende autorização prévia para publicação de tais biografias, cujos biografados sempre mereceram o nosso maior carinho, não raro STF já lhes tenha imposto a força do Direito.

Curiosamente, noto que o “Procure Saber”, não está tão coeso, recua e se dispersa, talvez por perceber reação pública desfavorável e por defender pretensão insustentável em âmbito jurídico, moral e ético, consoante ouso comprovar com depoimentos de alguns deles, publicados em jornais. Gilberto Gil já “defende grupo contrário a biografias sem autorização”, jornal O Popular, Goiânia, Goiás, página 4, sábado, 9 do mês corrente.  Caetano Veloso, em “Nós apanhamos, e ele vem de Rei”, em artigo publicado no jornal O Globo, Rio de janeiro, no qual se mostra irritado com Roberto Carlos, pela “mudança de tom” em relação ao grupo “Procure Saber”, que defende autorização prévia para biografias, do qual logo depois Roberto saiu; texto também publicado em “A semana foi assim”, do jornal O popular, referido, de 10 do mês em curso, página 10, do 1º Caderno. E se transcrevesse entrevista de Ruy Castro, a Rogério Borges, no jornal referenciado? “Só leio biografias não autorizadas”, ironizou. Se não bastasse, com manchetinha intrigante “Amigo de fé”, Elio Gaspari, me oferece texto, digno de encerrar o que ora escrevo, publicado à página 14 do jornal citado, ainda do dia 10 de novembro em curso, do 1º caderno.

“Roberto Carlos é um ‘amigo de fé, irmão camarada’. Bloqueou a publicação de dois livros e tentou barrar um trabalho acadêmico sobre a jovem guarda. Quando seu projeto de censura virou vinagre, pulou de barco, deixando Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil na frigideira”.

O sabotador da Democracia: Aécio evoca a instabilidade que ele mesmo cria para justificar o golpe

Do DCM
Aécio é uma pândega.

Ele fala coisas que nada têm a ver com o que ele próprio faz.

Na campanha, como um papagaio passou a usar a palavra “meritocracia”. Ora, Aécio jamais praticou a meritocracia. Encheu o governo de Minas de parentes, amigos e assemelhados. A eminência parda de suas gestões foi, meritocraticamente, sua Andrea, aquela que dava dinheiro público de publicidade oficial para a mídia amiga e sufocava à míngua a mídia independente.

Demagogo e golpista.

Sua própria trajetória é a negação da meritocracia: Aécio ganhou tudo de bandeja – de empregos a votos – por ser integrante de uma oligarquia mineira.

Bem, fiel a sua tradição de falar coisas absurdas, ele agora declarou, em tom acusatório e olhando para Dilma, que há muita instabilidade no Brasil.

Ora, ora, ora.

O nome da instabilidade é Aécio. Ele vem promovendo acintosamente instabilidade no país desde que saíram os resultados da eleição em que ele foi derrotado.

Aécio esteve à frente de todas as manobras sujas para contestar o desejo do povo expresso nas urnas. Ele já começou renegando os números e exigindo recontagem.

Quer dizer: os votos que elegeram Alckmin eram limpos, mas os que deram um segundo mandato a Dilma eram sujos.

Daí para a frente, Aécio não parou mais de estimular instabilidade pelo país. O terceiro turno se tornou uma obsessão sua, uma coisa mesquinha, patológica, alimentada pelos coronéis da mídia e abençoada por FHC.

Se Aécio fizer um exercício reflexivo sobre quais foram suas atividades no ano que se encerra, uma linha será suficiente. Ele fez um terceiro turno.

Nem a direita venezuelana, um exemplo mundial de predação e exclusão, chegou aos extremos de Aécio, FHC e cúmplices.

Aécio e FHC, somados e misturados, viraram um Frankstein que você pode batizar de Carlos Lacerda.

Lacerda passou a vida destruindo democracias e votos dos brasileiros. Recebeu a merecida resposta do destino depois do golpe militar pelo qual ele tanto se bateu. Ele queria que os militares derrubassem Jango e lhe dessem de bandeja a presidência.

Terminou cassado, e morreu do amargor de ver o colapso de seus planos sórdidos. Passou para a história como um corvo, como um conspirador impenitente, como um inimigo do povo e de suas escolhas.

Getúlio Vargas, para cujo suicídio ele tanto contribuiu, é uma figura de extraordinário relevo na história nacional. É merecidamente reconhecido como o presidente que construiu um Brasil novo, no qual greves, sindicatos e questões sociais já não eram mais “caso de polícia”, para usar a infame expressão de um antecessor de GV.

Aécio receberá da história a justa resposta. Será lembrado como um golpista, um demagogo que fala em democracia ao mesmo tempo que a sabota de todas as maneiras possíveis.

Aécio usar a palavra instabilidade para promover sua causa suja é o mesmo que Nero apontar para as chamas de Roma e bradar contra o incêndio.

Como Lacerda, e como Nero, o lugar de Aécio – e de seus comparsas como FHC – já está garantido no panteão dos inimigos da democracia.

Estivéssemos em 1964, ele estaria rastejando de quartel em quartel — as vivandeiras dos bivaques como celebrememente se referiu o general Castelo Branco aos civis que pediam aos generais que depusessem Jango.

Aécio não é mais nem menos que isso: uma vivandeira modelo 2015.

11 322 eleitores de Araripe escolheram em eleição suplementar novo prefeito neste domingo



Do TRE-CE

Os eleitores de Araripe, município da região sul do Ceará, que fica a 526 quilômetros de Fortaleza, voltaram às urnas neste domingo, 6 de dezembro, para eleger o novo prefeito. Venceu o candidato Giovane Guedes Silvestre, com 72,82% dos votos válidos, da coligação PT/PR/DEM/PSDC, que tem como vice-prefeito Francisco de Sales Alves Andrade.

O novo prefeito Giovane Guedes Silvestre derrotou Damião Rodrigues de Alencar, da coligação PSD/PP/PROS, que tinha como candidato a vice-prefeito Francisco Bosco dos Santos e alcançou 27,18% dos votos válidos.

Dos 17.127 eleitores, apenas 11.322 compareceram às urnas neste domingo.

A eleição suplementar foi realizada em decorrência de decisão do Pleno do TSE, no último dia 22/9, no Recurso Especial n.º 13426, que ratificou decisão da Corte do TRE-CE, mantendo a cassação do prefeito e do vice-prefeito de Araripe, José Humberto Germano Correia e Guilherme Lopes de Alencar, e determinando a realização de novas eleições.

Na eleição deste domingo, em Araripe, compareceram às urnas 11.322 eleitores dos 17.127 aptos a votar, registrando uma abstenção de 33,89%. Houve ainda 4,43% de votos nulos e 3,21% de brancos. Os eleitores votaram em 64 seções com urnas espalhadas em 40 locais do município. Nenhuma das urnas apresentou problema e as eleições se desenrolaram com tranquilidade. A apuração foi concluída às 18h43.

O juiz da 68ª Zona Eleitoral, Marcelo Wolney Alencar Pereira de Matos, presidiu o pleito, tendo como chefe de cartório, Gilson Carvalho, e, atuando como promotora eleitoral, Nara Rúbia Silva Vasconcelos Guerra.

Metodologia da afrodescendência: uma discussão introdutória, por Henrique Cunha*


As ordens de fatores que relacionam a necessidade, a disponibilidade e o interesse pela pesquisa em determinado tema e com enfoque especifico quanto a base teórica, metodologia e caminhos interpretativos e organizativos da produção de conhecimento é um terreno de conflito e que se explicita com grande força quando se trata da pesquisa com opção da metodologia afrodescendente. A principal razão explicita é que ocorre uma ruptura de perspectiva sobre o conhecimento, este elege a população negra como fonte ativa do conhecimento e não como objeto. De maneira subjetiva interfere na relação intima da nossa sociedade sobre os racismos antinegro mentais, a nossa sociedade é perpassada pela ideia da superioridade e de supremacia do pensamento ocidental. Propor o africano e afrodescendente como pensadores ativos fere as ordens mentais instituídas e praticadas. Varias são estas ordens de fatores que relacionam a pessoa do pesquisador, seu coletivo de origem e os temas e posturas sobre os temas e sobre a forma científica de trata-los (questionamentos que eram apenas realizados como uma opção entre o popular e erudito, entre o despossuído e possuidor (despossuído de poder político, cultural e social ou apenas despossuído de poder dos meios de produção), ou entre funcionalismo e marxismo, hoje com a presença dos afrodescendentes falando de conhecimento africano e de populações de origem africana introduz novo e precioso debate na epistemologia das ciências no Brasil. Debate ainda não declarado como existente e necessário, mas em vias de explicitação, explicitação que renasce com a fundação da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e não ganha corpo nacional em razão da timidez de ações realizadas pelos próprios afrodescendente, timidez explicada em face das pressões a que estamos submetidos.

Professor Henrique Cunha, da UFC.
Foto: Rede Social Facebook.
O tema de pesquisa eleito é percebido como estar na ordem das rupturas e das normalidades cientificas, reside no campo da especificidade ou da universalidade do conhecimento, traduz a persistência da pratica sobre a teoria ou da teoria sobre a pratica, ou da alternância entre elas?. A ordem pessoa do pesquisador, sua filiação subjetiva e objetiva com o tema e com a forma da pesquisa.? Trata-se de uma ordem de ser e ter propriedade de dentro ou de fora da porteira do horizonte do tema de pesquisa?. Carrega a ordem de pensar a pesquisa no campo micro complexo e microfacetado ou com parte do campo macro ordenado ( o conflito é parte do macro-ordenamento)?. Poderíamos de forma resumida e pouco explorada sintetizarmos estas ordens nos seguintes grupos de problemas sobre a aquisição do conhecimento e sua sistematização (vejam que a aquisição é diferente de sistematização, conhecer é diferente de dar a saber que conhece, que dar a saber como difunde) como: ordem do conhecimento e a ciência ocidental- universal;ordem da relação sujeito-sujeito ou de sujeito-objeto de pesquisa, melhor dizendo o pesquisador dentro da pesquisa e em transformação ou consolidado e apenas operador do conhecimento, ser operador do conhecimento ou ser parte do conhecimento em processo, ser transformador-transformado; a ordem do ator-pesquisador ou pesquisador o pesquisador, onde mesmo atua inscrevendo os atos ou atua como participante da plateia, a ordem de compreensão dos contextos, tanto da pesquisa como do tema pesquisado. A pesquisa é importante para um movimento da dinâmica social do qual o pesquisador faz parte ou faz parte do interesse pessoal apenas, o que é amplamente legitimo importante e de consequências ambas importantes, mas que de interações com a sociedade e com a sociedade cientifica muito particulares.

A ciência tem as suas normalidades e as rupturas. A normalidade apresenta e representa a aceitação de um determinado estado de coisas. Normalidade foi atingida pelas teorias marxistas embora estejam em contraposição com a organização do estado liberal, com a organização da sociedade capitalista, com o poder econômico, e fale em nome das classes trabalhadoras, estas teorias estão em perfeita conformidade com um campo do conhecimento estabelecido e cristalizado de normalidade quanto a aceitação cientifica dos seus dogmas, princípios e bases teóricas. O marxismo é um modelo consolidado no campo cientifico, faz parte da normalidade e não mais da transformação inovadora em termo de aceitação cientifica. Perdeu seu potencia de introduzir novas ideias de base teóricas e criou um léxico de repetições e recriação das mesmas ideias e não de proposição de novas interpretações da sociedade e da cultura humana. Também representa o predomínio da pesquisa teórica sobre a empírica. Desta em perfeita harmonia estável com as teorias do racionalismo cientifico ocidental. Entrou para parte operante do conhecimento ocidental como forma de dominação sobre os conhecimentos africanos e asiáticos.

Entretanto o pan- africanismo os enfoques do conhecimento tendo como base a cultura africana, os princípios de parte dos conhecimentos Egípcios, Núbios, Etiopês, Bantos e Iorubanos, das concepções do conhecimento africano como fonte importante do conhecimento da humanidade estão ainda sobre forte contestação em relação ao conhecimento ocidental, trata-se de um campo de tensão, de ruptura. A Grécia e o conhecimento gregos não são os pilares do conhecimento ocidental, no entanto uma grande ideologia em torno deste paradigma produziu o ocidente como forma e força política, cultural, científica e econômica. Impõe a ordem de fatores na pesquisa cientifica, de que a teoria precede a pratica, o campo empírico perde seu potencial de fonte e torna-se apenas local de constatação, exemplificação e aplicação da teoria. Condiz com um paradigma cientifico do ocidente que a possibilidade de universalização do conhecimento. Diz que uma teoria pode abarcar todas as situações da vida humana. Aceita a proposição que a teoria é superior a pratica, os teóricos são ilustres os práticos são seus discípulos, portanto pensadores reprodutores e não pensadores instituidores de novos paradigmas e novas ideias.

Principal ordem de fatores é a relação do tema da pesquisa com o conhecimento de vida e envolvimento do pesquisador. A bagagem previa do autor, do pesquisador com tema modifica em muito as capacidades de acesso ao conhecimento e informação ofertado pelo tema pesquisado. Neste sentido a pesquisa afrodescendente é uma metodologia de postura nova, relacionando a ação a pesquisa, procurando uma dialética entre ação – pesquisa-ação , tendo como partida o campo e o conhecimento sobre o campo e procurando a construção explicativa teórica depois como consequência e não como fonte. Esta no campo da discussão da epistemologia das ciências e das rupturas necessárias para integração do continente africano, de africanos e descendentes como produtores de um conhecimento, com base na experiência criadora de populações africanas e negras na diáspora. Implica no caso brasileiro em considerarmos os africanos como colonizadores do Brasil, devido a herança cultural e material, e não os portugueses, como também reconhecer o africano e descendente, como pensador, vindo de comunidades pensantes e realizadores dos ato criador e civilizador também, como todos os outros povos. No campo ético o respeito ao conhecimento pelo nosso próprio conhecimento e protagonismo social. Não se trata de um conhecimento “vindo de baixo” como a historia tem apresentado como visão inovadora, trata-se de conhecimento produzido no fazer social, nas dinâmicas das sociedades.

*Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Quando a casa grande é tomada pela senzala


Na fazenda Roseira
O milho virou pipoca
Eu com meu tambu na mão
Sinhozinho não me toca.
(ponto de jongo)

Antes, o jongo acontecia nos terreiros das senzalas e, hoje, está no terreiro da casa grande!”. A fala de Alessandra Ribeiro, articuladora cultural da Casa de Cultura Fazenda Roseira, representa bem o que significou a resistência e, consequentemente, a conquista de toda uma comunidade e de alguns movimentos sociais: a ocupação da “casa grande”, a ocupação do casarão da Fazenda Roseira. Situado em meio a prédios e condomínios frutos da especulação imobiliária e em frente a uma das importantes avenidas de Campinas, cidade do interior de São Paulo, o casarão foi construído no século XIX e, agora, transformado em um centro de referência cultural de matrizes africanas, destacando-se por ser um espaço de fortalecimento e visibilidade da comunidade negra.

O casarão foi construído no século XIX e, agora, transformado
em centro de referência cultural de matrizes africanas.
Foto: Arquivo Casa de Cultura Fazenda da Roseira.
O local é gestado, juridicamente, pelo grupo de jongo “Dito Ribeiro” que, depois de sete anos de luta, conquistou, junto à prefeitura da cidade de Campinas, o Termo de Permissão de Uso do lugar. A conquista desse documento foi muito comemorada, pois, além de significar um reconhecimento da cidade pelo trabalho que já é desenvolvido, será a partir dele que novos investimentos, tanto federal como estadual, poderão ser viabilizados.

A história da resistência se iniciou quando o antigo proprietário da fazenda, André Cantúzio, começou a dilapidar o casarão e seu entorno. A fim de conseguir autorização da prefeitura para o loteamento de suas terras, a família Cantúzio, devido à legislação municipal, foi obrigada a doar a sede da fazenda e as construções próximas para serem transformadas em equipamento público comunitário. O problema é que esse antigo proprietário começou a desmontar todo o espaço. “Ele já havia desmanchado um galpão e levado todos os tijolos embora, mas a gota d’água foi quando começou a tirar as portas do casarão”, explica Alessandra ao se lembrar do dia em que o material começou a ser retirado e da reação da comunidade para evitar que um patrimônio público fosse saqueado.

Com o objetivo de lutar contra a discriminação, a fazenda
oferece retiros aos seguidores da umbanda e do candomblé.
Foto: Arquivo Casa de Cultura Fazenda da Roseira.
Inicialmente, a comunidade local instalou faixas no casarão lembrando às autoridades que aquele espaço já pertencia ao município e empreendeu uma vigília a fim de evitar a demolição da sede. A ocupação, ou seja, a tomada do local pelas famílias que residiam no entorno da fazenda impedindo a sua depredação ocorreu, de fato, quando o antigo proprietário estacionou um caminhão e iniciou a retirada das portas e de outros materiais. Nesse dia, o poder público foi acionado, a polícia foi chamada e a comunidade conseguiu impedir o crime. “A ocupação não foi pensada, foi reação à depredação” continua Ribeiro. Ainda segundo ela, “a elite prefere ver no chão algo que a pertenceu a ver o uso popular”. Em torno de 500 pessoas, entre integrantes da comunidade e vários grupos culturais de Campinas, participaram do processo de intervenção e ocupação da fazenda.

Hoje, a Casa de Cultura Fazenda Roseira abre todos os dias à comunidade e promove vários eventos: “Não estamos sozinhos. Podemos contar com 500 pessoas, mas isso nos impõe, também, um compromisso com pelo menos 500 pessoas”, afirma Alessandra. O custo de manutenção desse espaço de uso público está orçado em R$40.000,00 anuais. Tal valor é levantado, principalmente, por meio da promoção de eventos como o arraial afro-junino do jongo e a feijoada das Marias do jongo, bem como pelo oferecimento de cursos de formação sobre história e cultura afro-brasileiras.

O espaço tem como pilares de sustentação a educação – formação de jovens e professores; a cultura – promoção do jongo e do intercâmbio com comunidades que vivem no continente africano; e a etnobotânica – cultivo de plantas de origem africana e luta contra o racismo ambiental. A casa de cultura é uma comunidade de tradição e de ciência, pois faz registro de brincadeiras, cuida da história de seus antepassados e compartilha conhecimentos por meio de aulas de dança, cursos de línguas e biblioteca com temática afro. Promove, também, com o objetivo de lutar contra a descriminação, retiros entre seguidores da umbanda e do candomblé, entendendo que, apesar de essas serem religiões distintas e de possuírem diferenças, aproximam-se pela raiz africana e pela exclusão a que são submetidas.

A casa é espaço de eventos como o arraial afro-junino do jongo e a feijoada das Marias do Jongo, bem como pelo oferecimento de cursos de formação sobre história e cultura afro-brasileiras.
Foto: Arquivo  Casa de Cultura Fazenda da Roseira.
Os resultados de toda essa luta e resistência começam a ser percebidos. Alessandra lembra que o ano de 2014 foi o primeiro, desde que começaram os trabalhos, em que não receberam alguém perguntando se apenas negros poderiam frequentar o local e participar dos eventos. Com muito bom humor, questiona: “a Macarronada Italiana é só para italianos? Restaurante chinês é só para chinês?”. Maria Alice Ribeiro, mãe de Alessandra e pessoa fundamental durante a resistência e a ocupação da fazenda, comenta que, nas primeiras visitas das crianças da comunidade, elas lhe perguntavam se ela era a ‘tia Nastácia’. Ambas, mãe e filha, lembram, também, que nessas primeiras visitas, algumas crianças choravam ao vê-las com turbantes e tocando tambor, pois achavam que eram “capetas”. Isso mostra como o trabalho de desmistificação que fazem é importante e necessário. “Trabalho para que elas vejam como isso é bonito, e não assustador”, arremata Alessandra.

Outro ganho de todo o trabalho feito é a relação que a comunidade conseguiu criar com a mídia, principalmente, a campineira. Ribeiro comenta, fazendo menção à tese de mestrado de sua autoria intitulada Requalificação urbana: a fazenda Roseira e a comunidade Jongo Dito Ribeiro Campinas/SP , “a gente ocupou a Roseira e fez mestrado. A mídia sabe com quem está lidando. Assumimos um papel de protagonista”. No entanto, mesmo tendo conseguido conquistar o respeito e algum espaço na mídia, Alessandra sabe que o senso-comum jornalístico não trata bem a questão da negritude e que a relação da mídia tradicional com os movimentos não é positiva. Ela credita esse tratamento diferenciado ao fato de o Brasil ser um país racista, salientando a necessidade de se desconstruir essa ideia imposta e a imagem errônea e estereotipada que se faz do negro. “Acabar com o racismo não é função unicamente dos negros, é de todo ser humano!”

Atualmente, corre um pedido de tombamento imaterial do casarão, uma vez que o tombamento material seria muito difícil, visto que o local sofreu algumas reformas na década de 1920 que o descaracterizaram. O argumento de patrimônio imaterial vem da necessidade de defender a memória, “mas não a memória da elite branca, da casa do senhor. Quando olho para o casarão, vejo as contribuições dos meus ancestrais como as técnicas construtivas, por exemplo. Aí está a memória que defendo”, finaliza Alessandra. Dessa forma, a “senzala” não deixa a história ser apagada nem mal contada e resgata a presença africana na construção e no desenvolvimento da cidade de Campinas.

Impeachment: Somos espectadores de um enredo assustador, a negar a democracia que acreditamos viver



Em qual país dito democrático o destino do governo e do seu partido fica sujeito à chantagem do presidente da Câmara dos Deputados, disposto a vender caro a sua pele de infrator?

Somos espectadores de um enredo assustador, a negar a democracia que acreditamos viver, mas nem todos entendem que o espetáculo é trágico.

Etapas de uma história de violência, prepotência, corrupção, sempre imunes.
O PT nega-se a uma capitulação ignominiosa e preserva o que lhe resta de dignidade, logo Eduardo Cunha parte para a vingança. Também o gesto do presidente da Câmara é tipicamente brasileiro, ao exprimir a situação de um país que há tempo perdeu o senso e a compostura.

Se já a teve, a capacidade de entender a gravidade do momento político, sem contar o aspecto pueril e os complicadores econômicos e sociais.

Até ontem, o governo jogou contra si mesmo, ao ensaiar a rendição à chantagem: desenhou-se nas últimas semanas a tendência a instruir os integrantes petistas da Comissão a votarem a favor de Cunha, donde a pergunta inevitável do cidadão atento aos seus botões: quer dizer que todos os envolvidos têm telhado de vidro?

Ora, ora. Impeachment era, e continua a ser, golpe. Quanto a Cunha, suas mazelas são mais que evidentes. Então, por que o governo cederia à chantagem? Quem se deixa acuar está perdido.

Tempo de chantagem, a delação premiada resulta dela também, a partir de prisões preventivas que põem em xeque a presunção da inocência, o indispensável in dubio pro reo. Esta é a democracia à brasileira, diariamente chantageada pela mídia nativa. Segundo uma pesquisa Datafolha, a maioria dos entrevistados enxerga na corrupção o calcanhar de aquiles do País.

Não procuro saber das técnicas empregadas para chegar a esse resultado, de todo modo é certo que a corrupção não passa de uma consequência de 500 anos de desmandos na terra da predação. O poder verde-amarelo muda seu endereço, mas não altera propósitos e comportamentos. É sempre o mesmo, desde as capitanias hereditárias. Feroz, hipócrita, velhaco. E impune.

De pé, ainda e sempre, a casa-grande e a senzala, e também sobrados e mocambos. Gilberto Freyre referia-se ao Nordeste, mas a dicotomia se impõe até hoje do Oiapoque ao Chuí, e é mesmo possível que agora, nas terras do historiador pernambucano, seja menos acintosa do que em outros cantos.

Permanece, em pleno vigor, a lei do mais forte, e desta brotam os nossos males, a começar pela desigualdade, pelo assassínio anual de mais de 60 mil brasileiros, pelo caos urbano. E assim por diante. Supor que a situação atual tem alguns responsáveis, identificados pela Lava Jato, não esclarece a real dimensão do problema.

Responsável é quem usa o poder em proveito próprio. Colonizadores, escravagistas, bandeirantes, capitães do mato, os senhores do império, os militares golpistas que proclamaram a República etc. etc.

O golpe de 64 foi precipitado para evitar uma mudança apenas vagamente esboçada graças à convocação dos gendarmes fardados, coroada a operação 20 anos após, paradoxalmente, pelo enterro da campanha das Diretas Já.

O poder verde-amarelo muda seu endereço, mas não altera
propósitos e comportamentos.
A chamada redemocratização foi uma farsa, com a contribuição dos fados que levaram à Presidência Sarney, principal artífice da derrota da Emenda Dante de Oliveira, a favor das diretas, e vencedor da batalha da indireta à sombra de uma Aliança pretensa e hipocritamente apresentada como Democrática.

A casa-grande e sua mídia elegeram Fernando Collor, para apeá-lo quando passou a cobrar pedágio alto demais, e Fernando Henrique, que “não é tão esquerdista assim”, como dizia Antonio Carlos Magalhães.

O governo tucano em oito anos cometeu as maiores infâmias contra os interesses nacionais, esvaziou as burras do Estado, organizou com as privatizações a maior bandalheira da história brasileira, comprou votos a fim de reeleger FHC, para não mencionar as aventuras do filho do então presidente, grandiosas e silenciadas. Quem pode, pode.

Lula, Dilma e o PT são intrusos nesta pantomima e esta presença, usurpada na visão dos antecessores no poder, explica por que hoje são visados como únicos réus. A eleição do ex-metalúrgico em 2002 ofereceu uma esperança de renovação, e assim pareceu divisor de

águas no rumo do progresso. No poder o PT portou-se como os demais partidos (partidos?) e os bons augúrios minguaram progressivamente. É bom, para a dignidade do governo e do seu partido que enfim não capitulem diante da chantagem de Eduardo Cunha.

Seria o suicídio. Infelizmente, há muitos outros erros morais e funcionais, falhas, deslizes, e até tramoias, trambiques, falcatruas, a serem remidos, e não é fácil imaginar que o serão.

Às vezes me colhe a sensação de que atravessamos a fase final do longo processo da decadência crescente e inexorável de um país destinado a ser o paraíso terrestre e condenado ao inferno por sua elite, voltada a cuidar exclusivamente dos seus interesses em detrimento da Nação.

E de administrá-los contra a lei, se necessário. Na circunstância, cheia de riscos e incógnitas, a saída pela Justiça soa como o recurso natural. Não seria o STF o guardião da Constituição ofendida, o último defensor do Estado de Direito?

Os botões me puxam pelo paletó: que esperar desta Justiça desvendada, embora tão verborrágica, empolada, falsamente solene?

13 comunidades autodeclaradas como remanescentes de quilombos são certificadas



Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), do dia 3 de dezembro de 2015, a Portaria nº 191 (http://goo.gl/I1wHPp), que certificou treze comunidades como remanescentes de quilombo, em conformidade com a declaração de autodefinição e o trâmite processual na Fundação Cultural Palmares (FCP). Atualmente, existem, ao todo, 2.620 comunidades certificadas. Estas ações estão previstas no Plano Nacional de Cultura (PNC) do Ministério da Cultura (MinC).


A maior parte das comunidades recém-certificadas fica localizada no estado de Minas Gerais, são elas: Marobá, no município de Almenara, Pradinho, em Bertópolis, Mocambo, Sítio, Macaúbas Palmito e Macaúbas Bela Vista, em Bocaiúva, Serrinha, em Frutal, e Córrego do Meio, no município de Paula Cândido. Na Bahia, foi certificada a comunidade de Carreiros, localizada no município de Mercês; em Rondônia, a de Santa Cruz, em Pimenteiras D´Oeste; e, no estado de Tocantins, as comunidades de Água Branca e Matões, em Conceição de Tocantins, e as comunidades Carrapiché, Ciriáco e Prachata, localizadas no município de Esperantina.

A análise das solicitações de reconhecimento de uma comunidade como remanescente de quilombo é atribuída ao Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro (DPA), cuja atuação compreende um conjunto de atividades relacionadas à proteção, preservação e promoção da identidade das comunidades remanescentes de quilombos e das comunidades religiosas de matriz africana.

Compete, portanto, ao DPA proceder quanto ao registro das declarações de autodefinição apresentadas por essas comunidades, expedindo a respectiva certidão. Além disso, tem como atribuição apoiar e articular ações culturais, sociais e econômicas com vistas à sustentabilidade desses grupos tradicionais. A proposta é assisti-los e acompanhar ações de regularização fundiária dos já certificados, propondo atividades que assegurem a sua assistência jurídica.

Sobre a certificação

Para obter esta Certificação é necessário que a comunidade envie para a FCP a Solicitação de Reconhecimento como Comunidade Remanescente de Quilombo, juntamente com o relato histórico com fotos, reportagens e estudos que tratem da história do grupo ou de suas manifestações culturais.  Além disso, é necessário o envio da ata de reunião ou assembleia, na qual os membros da comunidade aprovam, por maioria, o pedido de reconhecimento. Após o recebimento da documentação pela FCP, é encaminhada a abertura de processo para posterior análise técnica. Se a documentação estiver correta, o próximo passo é a visita técnica de um técnico da Fundação que fará reunião com a comunidade para sanar possíveis dúvidas, conhecer a realidade da comunidade e elaborar relatório. Concluída essa etapa, é encaminhada a publicação do ato de reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo, no DOU. Caso a documentação não esteja completa, a comunidade é informada quanto à pendência. (conforme Portaria nº 98, de 26 de novembro de 2007).

A partir da certificação como remanescente de quilombo, a comunidade pode acionar o dispositivo constitucional (art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT) que lhe garante o acesso à propriedade coletiva das terras tradicionalmente ocupadas (para conhecer o passo a passo completo, acessar: http://goo.gl/nN821f). Ademais, a comunidade e as pessoas que a formam poderão ter acesso a um conjunto de políticas públicas reunidas no Programa Brasil Quilombola (acessar: http://goo.gl/GOwUou), que é coordenado pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, a exemplo do acesso prioritário ao Minha Casa Minha Vida - Rural, com concessão de subsídios maiores aos beneficiários, bem como ao Programa de Bolsa Permanência, destacando-se que, quando se trata de estudantes quilombolas matriculados em instituições federais de ensino superior, o valor da bolsa é de, pelo menos, o dobro daquela paga aos demais estudantes de graduação.

Parceria com a Google

Um protocolo de intensões com a Google Earth Solidário, possibilitará fazer um levantamento socioeconômico e cultural, com informações georreferenciadas; possibilitando uma melhor análise, afim de aplicar políticas culturais direcionadas às comunidades tradicionais de matriz africana, com uma maior eficiência no que diz respeito às ações de fomento às manifestações e proteção do seu patrimônio cultural.