Historicizando: “Canonizado pelo papa, Anchieta não é santo para os índios”


Que Nhanderu me perdoe, mas não consigo me alegrar com a canonização de Anchieta decretada na quinta-feira pelo Papa Francisco. Enquanto a cerimônia era celebrada lá no Vaticano, aqui no Brasil os sinos das igrejas bimbalhavam festivamente, sem que as badaladas tocassem meu coração. Bem que me esforcei para compartilhar o júbilo de meus compatriotas com "o terceiro santo do Brasil". Inutilmente.

A incapacidade de participar da comunhão nacional gera um angustiante sentimento de exclusão. Já havia acontecido comigo na morte de Tancredo Neves espetacularizada pela mídia. O Brasil inteiro em prantos e eu, de olhos secos, coração endurecido. Só chorei a morte de Ulisses Guimarães, o homem que enfrentou os cães da polícia e que tinha nojo da ditadura. Mas por que não festejar o novo santo? Porque creio que ele é do pau oco. A expressão usada aqui como metáfora não pretende desrespeitar a fé de ninguém. Acontece que para alguém ser santo, precisa comprovar pelo menos dois milagres. Anchieta foi dispensado disso pelo 'poder de chave' do Papa que usou o sensus fidelis, isto é, o sentimento dos fiéis, entre os quais estão minhas nove irmãs. 

Porém, como a sabedoria popular já comprovou que santo de casa não faz milagre, não é por isso que ele é do pau oco. É por causa do contrabando, do que está por trás da canonização.

Santo do pau oco – nos ensina Câmara Cascudo em seu Dicionário do Folclore Brasileiro – se refere às "imagens de santos, esculpidas em madeira, que eram ocas e vinham de Portugal cheias de dinheiro falso". Essas estátuas, de diversos tamanhos, serviam também para contrabandear ouro e pedras preciosas. Sendo o poder da religião incomensurável, os fiscais não tinham coragem de abrir o santo para checar a muamba que continha. Se é assim, cabe perguntar: qual é o contrabando trazido de Roma com a canonização de Anchieta?

Devagar com o andor

É preciso abrir a imagem do novo santo para verificar o que ela esconde em seu interior. O diretor da Faculdade de Teologia da PUC/SP, padre Valeriano Costa, deu uma pista, quando definiu que a canonização "é uma grande oportunidade para a Igreja cultuar esse santo e se lembrar de alguns dos valores que pregava" (O Globo, 04/04/14). O que se está canonizando com Anchieta, portanto, é o trabalho missionário de catequização, conversão e "civilização" dos povos indígenas.

É disso que se trata. Dentro da imagem do santo, estão os valores da catequese empreendida pelos jesuítas sob os auspícios da Coroa de Portugal. Segundo o historiador Gabriel Bittencourt, autor de um livro sobre Anchieta, ele foi "um homem que soube lidar de forma diplomática com os índios, aprendeu o tupi-guarani, escreveu a primeira gramática da língua e estudou as crenças para montar peças teatrais que ajudassem os nativos a entender as lições de catecismo".

Onde vais tão apressado, periquito tangedor? Devagar com o andor, que o santo é de barro. Os meios usados por Anchieta nem sempre foram diplomáticos, como comprovam as cartas que ele escreveu, algumas delas publicadas em agosto de 1980 pelo Porantim, jornal do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) editado, na época, em Manaus. Numa delas, Anchieta trata os Tupinambá como "inimigos carniceiros" e se rejubila por haver conseguido jogar os índios uns contra os outros nos conflitos entre portugueses e franceses: "E foi coisa maravilhosa que se achavam e encontravam a flechadas irmãos com irmãos, primos com primos, sobrinhos com tios e mais ainda dois filhos que eram cristãos e estavam do nosso lado contra seu pai que estava contra nós".

A representação dos índios no discurso de Anchieta pode ser avaliada nos versos do poema épico "De gestis Mendi de Saa", escrito em latim para elogiar o poder na pessoa do governador-geral Mem de Sá. Lá os índios são "lobos vorazes, furiosos cães e cruéis leões que nutriam o ávido ventre com carnes humanas". Estes índios "selvagens e animalescos" abandonaram Deus e precisavam ser catequizados para escaparem "das garras de Satanás".

O inquestionável trabalho de Anchieta no campo da linguística, longe de servir para reconhecer as culturas indígenas, foi usado para destruí-las. A gramática que ele fez da língua geral se tornou ferramenta eficaz para veicular valores que negavam e satanizavam as religiões locais, o pensamento, a cosmovisão e os saberes indígenas. Suas peças de teatro, de caráter pedagógico, encenadas pelos índios catequizados, classificaram como "demônios" os personagens da mitologia tupi, condenando o fumo, a medicina indígena, as malocas coletivas, o cauim e os rituais.

O santo é de barro

Se a canonização de Anchieta serve para fazer a apologia da catequese, então estamos mesmo diante de contrabando. O catolicismo guerreiro, arrogante, só admitia um caminho para Deus: o de Roma. As religiões indígenas foram desprezadas, perseguidas, extirpadas a ferro e fogo.

Outro jesuíta, o padre Antônio Vieira, defendeu a catequese como única via para transformar o "índio bárbaro", considerado tábula rasa, folha de papel em branco. O missionário era o escultor que daria feições humanas aos índios: "É uma pedra, como dizeis, o índio rude? Pois trabalhai e continuai com ele. Aplicai o cinzel um dia e outro dia; dai uma martelada e outra martelada e vereis como dessa pedra tosca e informe fazeis não só um homem senão um cristão e pode ser um santo", escreveu Vieira.

Apesar da quantidade massiva de mártires indígenas, não se tem notícias de nenhum deles declarado santo, oficialmente reconhecido pela Igreja, mas o barulho de algumas "marteladas" chegaram até os dias de hoje, com notícias sobre as violências cometidas contra os índios, cujas religiões eram consideradas como "superstições", perseguidas pela intolerância.

O resultado da catequese foi avaliado por outro jesuíta brilhante, João Daniel, que viveu 16 anos na Amazônia (1741 a 1757) e relatou suas andanças. Os castigos corporais sistemáticos e o batismo não criaram cristãos que Anchieta e Vieira queriam: "a religião ficou pouco intrinsicada no coração dos índios", com uma "fé morta no uso das cousas sagradas e na pouca reverência aos sacramentos". Segundo João Daniel, os índios gostavam muito "de medalhas, de verônicas, de escapulários, mas não era por respeito e devoção" e sim para "com eles enfeitar seus macacos e cachorrinhos, atando-lhes ao pescoço".

A muamba que vem escondida dentro do novo santo é essa: um contrabando ideológico, que faz a apologia da prática missionária de Anchieta, sem o menor senso crítico, quando o próprio CIMI, em sua 3ª Assembleia Geral realizada em Goiânia, em julho de 1979, produziu um documento final, assinado também pelos luteranos ali presentes, que diz tudo no seu primeiro parágrafo: "Reconhecendo os erros que cometemos como Igreja na nossa atuação missionária junto aos povos indígenas, pedimos perdão a eles e a Deus". O CIMI se compromete a mudar sua prática e a respeitar as religiões indígenas "que inclui assumir necessariamente os mitos e a vida religiosa através dos quais cada povo recebe a Revelação de Deus".

Anchieta é um dos responsáveis por esses erros. Foi um fiel servidor do sistema colonial, ao contrário de Bartolomé De Las Casas, o dominicano espanhol que na mesma época ousou romper com o sistema. Anchieta pode até ser santo, desde que venha sem esse contrabando. E mesmo assim jamais será santo para os índios. Canonizá-lo para reforçar essas práticas é um retrocesso, uma reafirmação daquilo que o sociólogo Anibal Quijano chama de colonialidade, que é mais profunda e duradoura do que o colonialismo. Esse santo quer reza. De mim, não terá nenhuma. 


A análise é de José Ribamar Bessa Freire e foi publicado originalmente no Blog da Amazônia

Rádio Altaneira FM lança pesquisa sobre possibilidade de mudança do dia da feira municipal


Depois de vários debates nas ruas, praças, pontos comerciais, no poder legislativo municipal e nas redes sociais, a possibilidade de mudança ou não do dia feira municipal do domingo, como ocorre tradicionalmente, para o sábado deve voltar a fazer parte da pauta de discussões na tarde desta terça-feira, 08, no plenário da Câmara de Vereadores de Altaneira.

Feirantes comparecem normalmente aos domingos e
os comércios são abertos de forma parcial.
Foto: João Alves.
Como uma das medidas de implementar tal ideia, parte dos comerciantes locais decidiram fechar seus estabelecimentos aos domingos, porém essa decisão não foi acatada por todos. Nos dois primeiros domingos em que os defensores da mudança da feira colocaram a medida em prática, os feirantes compareceram normalmente e os que fazem ela acontecer também se fizeram presente. Segundo os organizadores desse movimento, essa solução se dá como forma de perceber que tipo de reação teria a comunidade quanto à mudança do dia de feira nesta municipalidade.

A Rádio Comunitária Altaneira FM está desenvolvendo uma pesquisa com o propósito de colher junto à comunidade rural e do perímetro urbano um posicionamento sobre o assunto. O resultado será apresentado no próximo sábado, 12. 

Vale destacar ainda que dois populares, João Alves e Angelita, devem se utilizar da tribuna da casa legislativa municipal, nesta terça-feira, para tratarem dessa temática. 

Há corrupção na Petrobras? E na imprensa? E no Datafolha?


Se me perguntassem se há corrupção na Petrobras, eu responderia “sim”.

Aliás, responderia “sim” se me perguntassem se há corrupção em qualquer empresa ou instituição, pública ou privada.


Como dizer que não há nenhuma irregularidade em uma empresa que emprega, próprios ou terceitizados, mais de 200 mil pessoas? Que tem dezenas de milhares de fornecedores, desde grampos de papel a navios imensos?

Pode haver, como pode haver na Shell, na Chevron, na Statoil…

E o que isso quer dizer?

Nada.

Haja ou não haja, o resultado seria o mesmo, dadas as circunstâncias.

Passem um mês me chamando de ladrão em todos os jornais e televisões e depois façam uma pesquisa sobre minha reputação.

A pesquisa Datafolha sobre a existência de corrupção na Petrobras é exatamente isso: a colheita do que foi plantado.

As mesmas perguntas poderia ser feitas de outra forma e dariam resultados ao inverso.

Você acredita que a Presidenta Dilma fez bem em apontar o que achou uma operação suspeita na Petrobras?

Você acha que a Petrobras é uma empresa com mecanismos de controle rígidos e profissionais?

Mas a pesquisa não é uma pesquisa, é uma peça de propaganda.

Na verdade, de uma campanha, que não é de hoje e nem de ontem.

E que não vai terminar, ao contrário, só vai aumentar.

Quanto mais houver petróleo no Brasil, maior serão as tentativas de desmoralizar a sua guardiã, a Petrobras.

Se houve ou não houve um negócio irregular na Petrobras é uma questão: é apurar e responsabilizar, exatamente o que o Governo e a direção da empresa estão fazendo.

Aliás, só o que não estão fazendo é assumir a defesa política da empresa, quanto à administrativa não há nenhum reparo a fazer.

A propósito, há corrupção nas pesquisas de opinião pública ligadas à política e às eleições?

A análise é de Fernando Brito e foi publicada originalmente no Tijolaço

CNTE lança campanha para tirar das escolas nome dos ditadores


De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 976 escolas públicas têm nomes de presidentes daquele período que envergonha a história brasileira. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) quer celebrar a resistência da sociedade contra o estado de exceção e mudar esse número.

Em Salvador, a escola que tinha o nome do ex-ditador
Garrastazu Medici mudou para Carlos Marighela
E criou um site colaborativo para destacar o retrocesso na educação brasileira e lembrar os trabalhadores perseguidos por um regime que cassou direitos individuais, coletivos e políticos, abusou da integridade física e psíquica de milhares de pessoas, impôs ideologias conservadoras à sociedade, perseguiu, prendeu, torturou, exilou e matou cidadãos e cidadãs, cujos crimes (muitos deles) ainda carecem de elucidação e/ou reconhecimento por parte do Estado.

A campanha inclui um amplo movimento de mudança de nomes de escolas que homenageiam agentes patrocinadores do golpe militar e os ditadores de plantão. A ideia é propor projetos de iniciativa popular às Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, após a realização de amplo debate com a comunidade escolar, a fim de legitimar o pleito.

O site explica como propor a mudança, incentivando a sociedade a rever as homenagens prestadas aos algozes do povo brasileiro que dão nomes, ainda, a praças, ruas, avenidas, estádios e ginásios esportivos Brasil afora.

Em Salvador, o Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici a, fundado em 11 de abril de 1972 com o nome do ditador, agora leva o nome do herói baiano morto pela ditadura, passando a chamar-se Colégio Estadual do Stiep Carlos Marighella. Em 14 de fevereiro deste ano, a instituição de ensino passou por uma mudança de nome, através de uma eleição direta reivindicada pela comunidade escolar.

Via CNTE/Portal Vermelho

Segundo Coluna, SBT afasta Rachel Sheherazade


Pressionado por parlamentares e pela ameaça de perder mais de R$ 150 milhões em verbas publicitárias do governo federal, o SBT decidiu retirar – ao menos temporariamente – a âncora e comentarista Rachel Sheherazade do ar, segundo a coluna Ooops!, do UOL.

Rachel disse que era compreensível a ação de
"justiceiros" no Rio por causa da omissão do poder
público.
A versão oficial da emissora é de que a jornalista está em férias, mas, de acordo com a coluna, isso não é verdade. Rachel já havia tirado suas férias em janeiro, quando viajou para a França.

Em edição do telejornal “SBT Brasil” em fevereiro último, Rachel disse que era “compreensível” a ação dos chamados “justiceiros” que acorrentaram um suposto infrator a um poste, no Rio de Janeiro (RJ). Por conta disso, ela e a emissora viraram alvos de representações protocoladas pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e por cidadãos comuns no Ministério Público.

Oficialmente, segundo a coluna, o SBT informou que ela voltará ao trabalho no próximo dia 14 de abril. No entanto, no final de março, a própria jornalista comentou que seus dias na TV “estão contados”, segundo o colunista Ricardo Feltrin.

Pedidos

Jandira Feghali pediu a abertura de inquérito contra Rachel Sheherazade e o SBT, por apologia e incitação ao crime, à tortura e ao linchamento, e a suspensão da verba publicitária oficial da TV durante as investigações.

Na última semana, o Congresso em Foco informou que o Ministério Público Federal (MPF) mandou as representações para o Ministério Público do Estado de São Paulo para condução do caso na esfera criminal.

Já o pedido referente à suspensão de verba publicitária do governo federal para o SBT está sob análise na divisão cível do MPF-SP, segundo a assessoria do órgão.

Entenda mais sobre o caso:





Via Congresso em Foco