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“Não será fácil superar 522 anos em quatro”, disse Sonia Guajajara em cerimônia de posse histórica - Sergio Lima/AFP. |
O
antropólogo Darcy Ribeiro externou na década de 50 uma preocupação
assustadora: os povos indígenas do Brasil estavam sendo levados ao
desaparecimento. Não era alarmismo. A população estimada pela
Funai em 3 milhões, antes da chegada dos colonizadores, havia caído
para 70 mil em 1957.
Por
isso, não foi meramente retórica a declaração de Sonia Guajajara
ao tomar posse, no dia 11 de janeiro de 2023, como a primeira
ministra dos Povos Indígenas do Brasil. "Não será fácil
superar 522 anos em quatro", declarou, na cerimônia histórica.
Faz
menos de um século que o genocídio passou a ser denunciado com
veemência por homens e mulheres que, decididos a interromper o
massacre, fundaram as primeiras organizações indigenistas. Entre
eles, estava o filósofo e teólogo gaúcho Egydio Schwade.
"Foi
uma longa caminhada para se chegar a este sucesso com a criação do
Ministério. Acho a iniciativa muito boa e audaz, de grande futuro
mais do que lindo para toda a América. Entretanto, minha expectativa
continua cautelosa", pondera Schwade.
Desafios
Schwade
acompanha o desenrolar da política indigenista desde os tempos do
Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que pretendia “pacificar”
e “integrar” os indígenas à sociedade dos colonizadores.
"O
SPI que conheci na década de 60, com todos os seus erros e crimes,
foi melhor do que a Funai que Joenia Wapichana [nova presidenta da
Funai] recebeu [de Bolsonaro]. Por isso meus receios continuam",
justifica.
Com
três concursos públicos realizados nos últimos 30 anos, o quadro
de servidores da Funai na Amazônia caiu pela metade em desde 2013.
Rebatizada neste ano de Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), o órgão tem R$ 600 milhões no orçamento de 2023 para
gastar com 726 terras indígenas.
"Esse
orçamento não é suficiente, mas o presidente Lula já sabe disso
e, com isso, eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais
por conta das necessidades do órgão que é tomar conta de 14% do
território brasileiro", reconheceu Joenia em entrevista ao
site Ecoa Uol.
O
que muda na Funai?
O
presidente da associação de servidores da Funai, a Indigenistas
Associados (INA), Fernando Vianna, espera que a criação do
Ministério dos Povos Indígenas se traduza no fortalecimento do
serviço público "tanto em termos de orçamento, como de
sustentação política e mesmo de condições de trabalho".
"Um
ministério específico para articular o indigenismo de Estado
representa, em princípio, um salto de qualidade em termos do
reconhecimento da importância do trabalho a que nos dedicamos, que
se resume na proteção e promoção dos direitos indígenas”,
projeta Vianna.
Ainda
não está claro, porém, como esse processo se dará na prática. A
Funai será oficialmente integrada à pasta de Sonia Guajajara a
partir de 24 de janeiro, quando entra em vigor o decreto presidencial
que modifica a estrutura ministerial. Até lá, o órgão indigenista
segue sob o Ministério da Justiça.
"A
suplementariedade do Ministério dos Povos Indígenas em relação à
Funai será construída com o tempo. Mas a gente parte de uma estaca
zero de positividade e otimismo, já que o condutor desse processo é
o movimento indígena brasileiro, que tem demonstrado muita
maturidade de propósitos", diz o presidente da INA.
Indígenas
no poder
A
colonização confinou o povo Terena em territórios fragmentados e
espalhados por pequenas "ilhas" indígenas cercadas por
fazendas no Mato Grosso do Sul. Na última semana, Alberto Terena
falou ao Brasil de Fato enquanto acompanhava a cerimônia de posse de
Sonia Guajajara.
"Todos
estão muito emocionados pelo fato de a gente ter passado quatro anos
com uma proposta anti-indígena de governo. Quando a gente começa a
fazer parte deste governo que propõe ouvir o nosso povo, é muito
importante para nós. É um momento histórico", afirmou, em
meio aos aplausos da multidão.
Representante
do Conselho Terena a da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Apib), ele espera que as demandas mais urgentes dos povos possam ser
atendidas. E prevê que as políticas públicas possam ser formuladas
pelos próprios indígenas, que poderão conhecer de dentro as
limitações burocráticas do Estado.
"A
Sônia [Guajajara] tem todo o preparo de uma extensa jornada de lutas
dentro do movimento indígena. Ela traz para si a responsabilidade de
assumir esse ministério. Somos representados pela Sonia, estamos
junto com ela e estaremos dentro da proposta desse ministério",
frisou a liderança Terena.
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Com
informações do Brasil de Foto.