6 de janeiro de 2022

Ilustração de mãe e feto negros viraliza: conheça o estudante de medicina da Nigéria por trás do desenho

 

Ilustração médica do nigeriano Chidiebere Ibe mostra feto de pele negra dentro da mãe, também negra. (Foto: Reprodução/Chidiebere Ibe)

Há algumas semanas, uma ilustração médica de um feto dentro de uma mulher viralizou nas redes sociais. O motivo: ambos tinham a pele negra. Muitos usuários nas redes relatavam que nunca tinham visto um desenho em que a pele das pessoas retratadas não fosse branca.

E mais: alguns diziam que nunca haviam reparado nisso.

O autor dos desenhos é o nigeriano Chidiebere Ibe, de 25 anos, que começou a fazer as ilustrações justamente para combater a falta de diversidade nos livros acadêmicos de medicina – que mostram, na maioria ou totalidade das vezes, peles brancas.


O autor dos desenhos é o nigeriano Chidiebere Ibe, de 25 anos. (Foto: Arquivo pessoal/Chidiebere Ibe).

O fato de a maior parte das ilustrações médicas serem feitas em peles brancas não é mero detalhe: algumas doenças de pele, por exemplo, têm aparência diferente se estão em pele clara ou escura, explica o próprio Ibe em entrevista ao g1.

ISSO TAMBÉM DÁ A TODOS ACESSO A CUIDADOS DE SAÚDE EQUITATIVOS, ONDE TODOS, INDEPENDENTEMENTE DA COR DA SUA PELE, DA SUA RAÇA, TERÃO OS MESMOS CUIDADOS DE SAÚDE QUE OS BRANCOS RECEBEM, DIZ.

Ele tem experiência com o assunto em primeira mão: em setembro, começou a estudar medicina na Universidade Médica de Kiev, na Ucrânia – as aulas, por enquanto, estão em formato remoto. Ele deve se mudar para o país no ano que vem.

Ao g1, ele conta que começou a desenhar na pandemia – sempre personagens com a pele negra. Outros desenhos seus, até mais complexos, já haviam feito sucesso – mas não de forma global, como a do bebê dentro da mãe. Ele diz que há planos de publicar as imagens em livros acadêmicos.

SINCERAMENTE, EU NÃO ESPERAVA. [A IMAGEM] VIRALIZOU E TOCOU MUITA GENTE. É IMPORTANTE [TER NEGROS NAS ILUSTRAÇÕES] PORQUE AS PESSOAS QUEREM SE VER NA LITERATURA MÉDICA. AS PESSOAS QUEREM SE SENTIR CUIDADAS E VALORIZADAS, DIZ.

Depois que se formar médico – daqui a seis anos –, Ibe deve seguir para um doutorado nos Estados Unidos, graças a uma oferta recente que recebeu por uma rede social. Também pretende continuar desenhando.

VOU FAZER ISSO POR MUITO, MUITO TEMPO, AFIRMA.

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Com informações do G1.

5 de janeiro de 2022

33 anos da lei Caó

Texto: Rômulo de Andrade Moreira[1], originalmente no Jornal GGN

Caó durante uma homenagem em 2013 (Foto: Eduardo Naddar/Agência O Globo/Arquivo).

Hoje, dia 5, faz 33 anos que foi promulgada pelo ex-presidente da República José Sarney, a Lei nº. 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que, inicialmente (na sua redação original), definia apenas os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. A lei foi publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte ao da promulgação, tendo sido posteriormente alterada pela Lei nº. 9.459, de 15 de maio de 1997, estabelecendo-se, doravante, que seriam punidos também, na forma da lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Entre os crimes previstos na lei, consta o fato de impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos; negar ou obstar emprego em empresa privada; recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador; recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau; impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar; em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público; estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público, salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades; entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos; transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Também constitui crime imprescritível e inafiançável impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas; o casamento ou convivência familiar e social; induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Caso o autor do delito seja servidor público, a condenação criminal poderá acarretar também a perda do cargo ou função pública, desde que motivadamente declarada na sentença.

Antes da promulgação dessa lei, as práticas resultantes do preconceito racial eram tidas como simples contravenções penais, nos termos da Lei nº. 7.437, de 20 de dezembro de 1985, que havia dado nova redação à Lei Afonso Arinos (de 1951), que também tratava como contravenção penal a discriminação racial.

A lei – conhecida como Lei Caó – resultou da aprovação pelo Congresso Nacional do Projeto de Lei nº. 52, apresentado em 1988, pelo jornalista e ex-deputado federal Carlos Alberto Oliveira dos Santos, o Caó.

Caó foi, sobretudo, um importante militante do movimento negro brasileiro, tendo participado, inclusive, da Assembleia Nacional Constituinte; é dele a redação do inciso XLII do artigo 5º. da Constituição Federal, que torna a prática de racismo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.[2]

Nascido em Salvador, em 1941, filho de uma costureira e de um marceneiro, Caó foi “uma importante liderança parlamentar, e ainda bem jovem participava em Salvador de associações de moradores e da campanha nacionalista, na segunda metade dos anos 1950, chamada ´O Petróleo é Nosso`.”[3]

Formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia (e também pela Universidade Federal do Rio de Janeiro), atuou como jornalista em diversos periódicos e fundou, em 1974, a Associação dos Jornalistas Especializados em Economia e Finanças (AJEF), tendo sido também dirigente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro.

Participante da militância estudantil, integrando a UNE, foi filiado ao Partido Comunista (o seu nome de guerra era Betinho), quando “caiu nas garras do regime militar, que o condenou à prisão em 1970.”[4] Na vida político-partidária, Caó foi deputado federal em 1982 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), licenciando-se do mandato para assumir o cargo de secretário do Trabalho e da Habitação, no governo de Leonel Brizola; nessa função pública, destacou-se “na regularização fundiária das periferias e favelas.”[5]

Em 1986 foi eleito deputado constituinte e reeleito deputado federal em 1989, tendo falecido em 2018, “sem que a imprensa fizesse muito alarde, nada obstante ser um dos poucos cidadãos brasileiros que têm no seu currículo a proeza de serem autores de uma lei dessa importância e que leva o nome próprio.”[6]

Caó, como um jurista negro, “estava preocupado em utilizar o direito para promover a integração de grupos marginalizados, afastando-se do legalismo jurídico que leva à desconsideração do contexto social e histórico no qual as pessoas estão inseridas. Recusava a ideia que o direito contém todos os elementos necessários para a interpretação das normas jurídicas e as interpretava de maneira distinta daqueles que utilizavam essa perspectiva. A vasta maioria dos membros do judiciário são homens brancos heterossexuais de classe alta, que nunca sofreram qualquer tipo de discriminação na vida, e partem do pressuposto que todas as pessoas possuem a mesma experiência social, razão pela qual podem interpretar o direito apenas a partir de sua lógica interna.”[7]

A data de hoje, portanto, deve ser comemorada e deve ser também lembrado, como uma homenagem, o autor do projeto de lei, um ícone na luta contra o racismo, a causa determinante de uma infindável série de iniquidades que, ao longo da história do Brasil, atinge esta gente riquíssima, dentre outras coisas, por sua capacidade incrível de resistência e sua extraordinária inteligência e abundância cultural, nada obstante se saber “que desde o início da colonização, as culturas africanas, chegadas nos navios negreiros, foram mantidas num verdadeiro estado de sítio.”[8]

O Brasil, longe de se tratar de uma suposta e falsa (e mesmo hipócrita!) “democracia racial” (como costumam dizer alguns acadêmicos, ora mesmo racistas, ora ignorantes de nossa realidade e de nossa história), é um lugar onde o racismo está entranhado social, estrutural e institucionalmente, fato que (talvez) explique uma conivente apatia integrante de um lado sombrio que permeia a nossa elite econômica, social, acadêmica, política e jurídica, que aceita a normalização de uma violência específica e reiterada, como se fosse algo necessário para uma efetiva política pública de segurança pública, ou uma decorrência inevitável da pobreza que também assola principalmente a população negra no Brasil, desde sempre alijada da riqueza aqui produzida.

            É preciso estar atento e saber que “as lutas mais longas e mais cruentas que se travaram no Brasil foram a resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição.”[9]

É urgente também entender que “face ao racismo, não há compromisso possível. Não há tolerância possível. Só há uma resposta: a tolerância zero. Esta resposta pode parecer radical, mas é a única resposta concebível se quisermos adotar, em relação a este problema, uma atitude coerente e eficaz.”[10]

Por isso, é necessário, apesar dos “deslumbramentos ocidentais”, saber-se negro, e sendo um negro, “cada vez mais negro, não ficar mudo diante desse deslumbramento.”[11]

No Brasil – antes e depois da escravização a que foram sujeitados homens, mulheres e crianças (a maioria sequestrada do continente africano) – o massacre do povo negro sempre foi uma realidade com a qual se convive, e se habitua ainda hoje, numa odiosa e farisaica complacência dos brancos em geral, que se alvoroçam todos em uníssono quando um dos seus é morto, e se compraz covardemente quando um dos outros é a vítima.[12]

[1] Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador – UNIFACS. Pós-graduado pela Universidade de Salamanca.

[2] Lembra-se que na sessão do dia 28 de outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Habeas Corpus 154248, no qual se discutia a prescrição no crime de injúria racial (previsto no Código Penal), prevalecendo o voto do relator, Ministro Edson Fachin, segundo o qual “a injúria racial traz em seu bojo o emprego de elementos associados ao que se define como raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou insultar alguém, havendo ataque à honra ou à imagem alheia, com violação de direitos, como os da personalidade, que estão ligados à dignidade da pessoa humana.” Assim, ainda nos termos do voto do relator, “a injúria é uma forma de realizar o racismo, e agir dessa forma significa exteriorizar uma concepção odiosa e antagônica, revelando que é possível subjugar, diminuir, menosprezar alguém em razão de seu fenótipo, de sua descendência, de sua etnia, sendo possível enquadrar a conduta tanto no conceito de discriminação racial previsto em diplomas internacionais quanto na definição de racismo já empregada pelo Supremo (HC 82424).” Para ele, “a atribuição de valor negativo ao indivíduo em razão de sua raça cria as condições ideológicas e culturais para a instituição e a manutenção da subordinação, tão necessária para o bloqueio de acessos que edificam o racismo estrutural, ampliando também o fardo desse manifesto atraso civilizatório e torna ainda mais difícil a já hercúlea tarefa de cicatrizar as feridas abertas pela escravidão para que se construa um país de fato à altura do projeto constitucional nesse aspecto.” Apesar de tardia, foi acertada a decisão da Suprema Corte, pois, induvidosamente, quem ofende a honra de alguém utilizando-se de elementos referentes à raça, à cor ou à etnia pratica, sem dúvidas!, racismo, tratando-se de uma conduta extremamente reprovável sob todo e qualquer aspecto.

[3] GOMES, Flávio dos Santos, LAURIANO, Jaime e SCHWARCZ, Lilia Moritz. Enciclopédia Negra. São Paulo: Companhia das Letras, 2021, pp. 104 – 105.

[4] Idem, p. 104.

[5] Idem, p. 105.

[6] Idem, p. 105.

[7] MOREIRA, Adilson José. “Pensar como um negro significa defender uma forma específica de interpretar a Constituição”. Disponível em: https://www.geledes.org.br/pensar-como-um-negro-significa-defender-uma-forma-especifica-de-interpretar-a-constituicao/. Acesso em 08 de novembro de 2021. Para conhecer melhor o pensamento desse grande jurista brasileiro, veja-se a obra “Pensando como um negro – Ensaio de hermenêutica jurídica”, publicado em 2019, pela Editora Contracorrente (São Paulo).

[8] NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio do Negro Brasileiro – Processo de um Racismo Mascarado. São Paulo: Perspectivas, 2016, p. 123.

[9] RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras: 2006, p. 202.

[10] DELACAMPAGNE, Christian. História da Escravatura – Da Antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2013, p. 222.

[11] CAMARGO, Oswaldo de. O Negro Escrito – Apontamentos sobre a presença do negro na Literatura Brasileira. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1987, p. 9.

[12] Quando se visita, por exemplo, o Museu Imperial de Petrópolis, e se admira a coroa de D. Pedro II, não se pensa que aqueles 639 minúsculos diamantes que a adornam foram garimpados por pessoas escravizadas em Minas Gerais e outras regiões do Brasil (GOMES, Laurentino. Escravidão – Volume I – Do primeiro leilão de cativos em Portugal até a morte de Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro: 2019, p. 62).

4 de janeiro de 2022

“Quem me leva para passear” é o novo livro de Elisa Lucinda

 

Texto: Rachel Quintiliano, na Revista Raça

(FOTO/ Reprodução/ RotaCult).

Lançado pela editora Malê, especializada em literatura afro-brasileira, o livro, “Quem me leva para passear”, resgata a personagem Edite, do “Livro do Avesso” (2019), que com amor e humor convida leitores e leitoras a olhar para a vida. Para isso, Elisa Lucinda usa a técnica literária fluxo de consciência, que descreve o processo de pensamento da personagem.

Com a técnica, a escritora vai nos permitindo conhecer o pensamento de Edite que, em seu monólogo interior, com amor e humor,  conduz quem lê o livro, a aprimorar o olhar para a vida e nos provoca na liberdade íntima do pensar.

No primeiro volume da série ‘O pensamento de Edite / Livro do Avesso’, ainda não sabíamos que Edite era uma cozinheira e acompanhávamos seu pensamento diário como se estivéssemos lendo alguém que anota tudo que pensa. Neste segundo [“Quem me leva pra passear”], não. Ela não escreve, mas nós temos acesso ao que ela pensa. Estamos dentro da cabeça de Edite vivendo com ela os seus sonhos, sua geografia, suas incongruências, contradições, falhas e epifanias, para o que der e vier. Na cabeça de Edite cabe tudo. É um bairro, uma praça imensa, um palácio, um quarteirão, um país. Seu nome próprio, que é também um verbo, já diz a que veio: Edite”, sintetiza a autora.

Ler em voz alta

Em seu processo de escrita, Elisa costuma pedir a amigos que leiam seus originais em voz alta para depois fazer. O ritual se repetirá no dia do lançamento, que acontece nesta segunda-feira, (13), às 19h, na  Blooks Livraria, no bairro de  Botafogo, no Rio de Janeiro.

O ator, escritor, diretor e produtor, Lázaro Ramos está produzindo o podcast dos pensamentos de Edite, que serão gravados na voz da autora. “Me transportei imediatamente para o universo de Edite que sim, em muitos momentos parecia ser algo particular, do exercício da liberdade dessa mulher preta cheia de desejos, uma querente por excelência e em outros momentos ela era muitas. Percebi pensamentos íntimos de avós, primas, tias, mãe ou até de desconhecidas. Edite é isso…. Uma ótima companhia para o nosso existir”, disse Lázaro Ramos.

Recentemente, Elisa Lucinda tomou posse na Academia Brasileira de Cultura, ocupando a cadeira de Olavo Bilac. Na ocasião figurou entre nomes como Zeca Pagodinho, Elza Soares, Christiane Torloni, Ana Botafogo, Carlinhos de Jesus, entre outros.

3 de janeiro de 2022

60% dos jovens brasileiros evitam falar de política nas redes sociais, aponta estudo

 

Texto: Notícia Preta

29% dos entrevistados até 18 anos acham o momento político preocupante. (FOTO/ Pexels).

Um levantamento realizado pelo Instituto Ipec, e publicado pelo Estado de São Paulo neste domingo (2), mostrou que seis em cada 10 jovens, entre 16 e 34 anos evitam falar de política nas redes sociais por receio de serem “cancelados”. Os “isentões”, como são chamadas as pessoas que não se posiocionam politicamente nas redes sociais, preferem não se posicionarem por conta da polarização política e do radicalismo, segundo o levantamento.

O “efeito Anitta”, nome dado à situação em alusão às críticas que a cantora sofreu em 2020, após uma série de lives realizadas no Instagram, atinge os jovens nessa faixa etária que preferem discutir o tema nas igrejas, escolas ou em festas, segundo o estudo.

Para Mário Block, cientista político e coordenador do Programa de Democracia e Cidadania Ativa da Fundação Tide Setubal, a sociabilidade do jovem hoje, especialmente nas periferias, acontece neste contexto. “É inevitável que seja politizado de alguma forma. Assim como as rodas de samba nos anos 1970 eram ambientes politizados. Até porque são movimentos que precisam se constituir como resistência. O ‘pancadão’ é o movimento cultural jovem que sofre a maior repressão policial e social, hoje. A partir disso, eles se organizam nessa associação e entendem que, para reverter essa repressão, eles precisam de alguém que os represente na Câmara Legislativa”, explica em entrevista ao Estadão.

Ainda segundo Block, a entidade avaliou que os jovens estão debatendo política em vários locais periféricos como na batalha de rap, no “pancadão” e demais ambientes integrados à cultura periférica.

Eleições 2022

O levantamento também questionou os jovens sobre as eleições do próximo ano e 82% do entrevistados, até 18 anos, pretende emitir o título de eleitor para votar no próximo pleito. Ainda segundo a pesquisa, 29% dos jovens acredita que “o momento político é preocupante”.


2 de janeiro de 2022

Filha lembra dia em que Desmond Tutu impediu que multidão queimasse jovem

 Texto: Reuters

Nontombi Naomi Tutu em frente à casa da família em Cape Town 28/12/2021 REUTERS/ Sumaya Hisham

Enquanto a África do Sul celebrava a vida do herói antiapartheid e arcebispo Desmond Tutu, que faleceu no domingo, uma de suas filhas mencionou o dia em que ele impediu que uma multidão enfurecida queimasse um jovem vivo como uma das lembranças que lhe dão mais orgulho.

Em 1985, o país se encontrava em estado de emergência enquanto partidos liberais clandestinos, incluindo o hoje governista Congresso Nacional Africano, tentavam aumentar a pressão política e depor o governo de minoria branca.

Em um enterro em julho daquele ano nos arredores de Johanesburgo, arquivos de imagens de vídeo mostram Tutu, claramente visível em seus trajes clericais púrpura, repelindo pessoas revoltadas que espancavam e chutavam um homem indefeso encolhido em posição fetal no chão empoeirado.

Acusado de ser um colaborador do apartheid, o homem é encharcado de gasolina e está a momentos de lhe colocarem um pneu no pescoço coberto de líquido inflamável e ser incendiado. A intervenção de Tutu e outros clérigos o salva.

Ver isso e vê-lo entrando. Havia muitas coisas surpreendentes naquilo”, disse Nontombi Naomi Tutu, uma de quatro filhos de Tutu, à Reuters diante da casa da família na Cidade do Cabo.

Uma foi que ele teve a coragem de entrar na multidão e dizer ‘não, não é assim que fazemos’. Mas a outra é que aqueles jovens ouviram… ainda havia aquele respeito por meu pai e os outros clérigos… este é meu momento de maior orgulho, aquele que, quando penso no que me deu orgulho de meu pai, é a coisa que sempre me vem.”

Tutu usou o púlpito para pregar contra o regime de minoria branca repressivo da África do Sul, que terminou nos anos 1990, e discursava com frequência em enterros de jovens ativistas mortos pelo aparato de segurança do Estado.

Nontombi, de 61 anos, que também é uma reverenda e tem uma semelhança notável com seu pai lendário, também se lembrou ternamente das viagens da família de Alice, no Cabo Oriental, à Suazilândia, onde ela e os três irmãos frequentaram a escola.

Ele era um pai normal. A única coisa que tenho para dizer, por mais que minha mãe fosse a disciplinadora, é que, quando meu pai dizia algo como ‘estou muito decepcionado’, aquilo doía, era muito duro, e era por isso que nunca queríamos decepcionar meu pai, porque custava muito decepcioná-lo”, contou Nontombi.

1 de janeiro de 2022

Emicida participa do clipe de estreia de Mundo de Bita

 

Texto: Notícia Preta

Cena do clipe. (FOTO/ Divulgação).

No próximo dia 14 de janeiro será lançado o clipe “O amor é tudo de bom”, dando início ao ano e à série Bita e os Sentimentos, do fenômeno Mundo de Bita, para o ano de 2022. Desta vez, o convidado é o rapper Emicida. Os conteúdos autorais trazem leveza, cor e muita música, através de temáticas atuais e assuntos que contribuem para a formação saudável e solidária das crianças.

A ideia do convite partiu da admiração que Chaps Melo tem pela carreira do rapper. “Em maio deste ano, eu estava assistindo a um clipe de Emicida e pensei em como seria lindo ele fazer parte do Mundo Bita. Mandamos uma mensagem e ficamos flutuando em alegria quando ele respondeu topando o nosso convite. Desde lá, idealizamos para que o primeiro clipe de ‘Bita e os Sentimentos’ tivesse a estreia de Emicida como personagem da animação, cantando sobre o tema Amor. É um orgulho lançar essa parceria. Esperamos que as famílias curtam muito, pois o amor é tudo de bom”, comemora Chaps Melo, criador do fenômeno infantil.

Emicida conta que entrar para esse time será motivo de festa na família. “A gente assiste muito Mundo Bita lá em casa. Até brincamos nos perguntando quando chegaria a minha vez de fazer uma participação para, finalmente, minha filha reconhecer que fiz uma música legal”, brinca Emicida. E continua, “eu gosto muito de animação e acho que essa experiência, assim como os livros infantis que escrevi, são uma maneira de chegar mais cedo na vida das crianças. Quando a gente une animação e música com uma mensagem bacana, é uma vitória, porque esse som vira trilha da rotina das crianças. É como se essas músicas se tornassem o melhor amigo dessas crianças. E, mesmo após terem crescido, elas vão se lembrar da letra e da mensagem com carinho”.

O clipe e a música estarão disponíveis a partir do dia 14 de janeiro, no Canal do YouTube.

31 de dezembro de 2021

Retrospectiva 2021: o ano que o Blog Negro Nicolau pautou os sites do cariri

 

Por Nicolau Neto, editor

Era para ser só mais um ano. Mas não foi. 2021 foi o ano do verbo esperançar alcunhado pelo educador Paul Freire. As vacinas anticovid-19 chegaram e com elas a esperança de que todos e todas se conscientizassem da sua eficácia e eficiência para salvar vidas. Foi ainda o ano em que enquanto mídia não só resistimos, mas insistimos e não desistimos de continuar sendo “antirracista”. Não é só um lema, é um projeto de vida.

E partindo dessa premissa resolvemos trilhar outro caminho. É muito raro encontrar mídias antirracistas no Ceará, pois a esmagadora maioria delas, inclusive as que se autointitulam “progressistas”, não rompem com a forma tradicional de fazer e divulgar conteúdos. Mesmo assim, resolvemos encarar o desafio: escrever e sugerir pautas para elas.

Foi assim que sites como o Badalo, Gazeta do Cariri, Miséria, Okariri, Brasil de Fato Ce, Caririensi, Fooba e blogs como o do Amaury Alencar e do Ambrósio Santos, dentre outros, reproduziram os textos do Blog Negro Nicolau. Textos que falam sobre nós, nossas vivências, ancestralidade, da importância que a comunidade negra tem; escritas que falam sobre as intelectualidades negras no Brasil; artigos que dizem o quanto somos e estamos ausentes dos livros didáticos, ao tempo em que apontam caminhos para a superação dessa violência que está presente desde o século XVI: o racismo estrutural.

Nunca temas como esses foram tão vistos em mídias do cariri quanto em 2021. Conseguimos romper a barreira do silenciamento dessas redações.

Achas que é pegadinha? Digita no Google, por exemplo, “plano de combate ao racismo em Altaneira” e “feriado no dia da consciência negra Altaneira” e veja o que aparece.

Mas as frustrações vieram a galope. Os mesmos textos que encaminhamos para as redações dos sites listados acima foram também para os sites alcunhados de "antirracistas" e "progressistas". Mas nenhum foi publicado. O que explica isso? Essa problemática rende um bom artigo científico. Então, mão na massa. Ou melhor, mão no teclado.

Por isso, é bom insistir mas sem se iludir. Abdias Nascimento, uma das vozes mais eloquentes e um dos intelectuais negros mais conhecidos do Brasil, já pontuava: 

O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa e nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não tem nada de sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial.

Ao longo de 2021 o Blog deu um salto gigantesco em acessos. Já são mais de 7 milhões. Hoje o Blog conta com oito colunistas e oito parcerias (sem nenhum rendimento. Nem para o Blog e nem para as instituições parceiras).

Que 2022 venha carregado de esperanças (do verbo esperançar) de dias melhores onde cada pessoa/família tenha condição de viver com dignidade. Afinal, como já alertou Paulo Freireé preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”.

'A Princesa Mahin: Uma história quilombola' mescla fantasia e história de resistência

 

(FOTO/ Pedro Sobrinho/Ciclo Contínuo Editorial).

Ler os contos de Fábio Mandingo é adentrar nos becos do coração de Salvador, na Bahia. Quando nosso peito batuca lendo suas histórias significa que a literatura preta do irmão também adentrou nosso coração. Depois da maravilhosa trilogia dos seus livros de contos, agora o escritor nos encanta com a sua primeira novela, chamada “A Princesa Mahin: Uma história quilombola”, onde mescla fantasia e a história das lutas de resistência negra no Brasil.

Sankara é filho de militantes, mas não tem a gana pela causa racial. Sabemos que às vezes precisamos de um estalo para acender a chama da luta e do orgulho. Kiala é da sua turma da escola e é mais ligeira. Ela despertou o fruto da consciência negra na árvore/casa, onde suas raízes-pai-mãe a envolveram desde a infância. Eles estudam na mesma turma, mas Kiala Mahin não vai muito com a cara do Sankara por não ter despertado para as coisas do seu povo. Em um sábado, Sankara achando que ia ter o prazer de dormir até mais tarde, foi surpreendido por sua professora Lúcia que programou uma aula de campo, e aí se passa a trama.

Sankara e seus amigos de escola partem para uma excursão até o Parque São Bartholomeu, em Salvador. Motivados por Kiala e sua amiga Dani, as irmãs Mahin, Sankara, Charles e Otávio resolvem explorar o parque fora do roteiro da professora, em busca de histórias de sua ancestralidade, o que conduz Sankara magicamente até o histórico Quilombo do Urubu, onde ele tem que lidar com violentos capitães do mato e aprende com os quilombolas liderados pela Rainha Zeferina sobre lealdade, amizade, fé e amor”, diz a apresentação do livro.

A obra é ilustrada pelo talentoso Pedro Sobrinho, que somou com sete ilustrações onde os traços de seus desenhos trazem humanidade para o nosso povo. Conseguimos sentir a conexão espiritual entre o escritor e o ilustrador, que trabalharam juntos em outros livros.

A Princesa Mahin” é mais uma publicação da Ciclo Contínuo Editorial, editora independente dedicada à publicação de obras literárias e pesquisas na área das Humanidades com enfoque especial na cultura afro-brasileira.

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Por Akins Kintê, originalmente no Alma Preta.

Akins Kintê é um poeta, músico e escritor paulistano conhecido por seus versos marcados pela negritude. Em 2020, lançou seu terceiro livro “Muzimba, na Humildade sem Maldade” e também colocou nas ruas o EP “Abrakadabra”.